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segunda-feira, 28 de março de 2011

26 de março de 2011 - JORNAL O GLOBO


OPINIÃO
Espaço para concessões de aeroportos

A economia brasileira não conseguirá sustentar um ritmo de crescimento anual em torno de 5%, patamar considerado viável por muitos especialistas para que o país se emparelhe a nações desenvolvidas na próxima década, sem uma infraestrutura adequada. A economia tem como obstáculos uma série de gargalos, mas os de infraestrutura são incontornáveis, devido a seus limites físicos. As cidades podem promover eventos que atraiam mais turistas, estimulando as companhias aéreas a ampliarem suas frotas para atender a essa demanda. Mas os aeroportos terão condições de acompanhar esse crescimento?
A julgar pela qualidade dos serviços que hoje prestam a resposta será não. O novo presidente da Infraero, Gustavo Vale, em entrevista ao GLOBO, garantiu que não haveria problemas se a Copa fosse hoje. É uma demonstração de otimismo típica de quem acaba de assumir uma função desafiadora. Entende-se.
Embora a privatização não seja uma panaceia, a experiência internacional mostra que o regime de concessões tem dado bons resultados, se devidamente regulado. É uma experiência que encontra resistências no Brasil, pois, aqui - apesar do visível esgotamento desse antigo modelo -, optou-se por manter o sistema aeroportuário concentrado nas mãos de uma empresa 100% estatal, a Infraero. Para qualquer companhia estatal ou privada, é praticamente impossível enfrentar tamanho desafio. O modelo em vigor tinha como pressuposto a ideia que a infraestrutura aeroportuária, sob um mesmo guarda-chuva, iria permitir que aeroportos superavitários subsidiassem os deficitários, de maneira a se garantir um bom padrão de atendimento em qualquer parte do país, independentemente do movimento.
Mas na prática o modelo não alcança tal objetivo, pois a receita gerada pela prestação dos serviços é insuficiente para financiá-lo, e os repasses de verbas federais também são insuficientes. Forma-se um círculo vicioso, já que a baixa capacidade de prestação de serviços limita as receitas, o que por sua vez compromete a expansão da infraestrutura, e assim por diante. Seja em função do crescimento da própria economia ou para o atendimento específico dos eventos que o Brasil protagonizará nos próximos anos, o país precisa correr contra o tempo para melhorar os aeroportos.
A presidente Dilma Rousseff percebeu que o setor continuará patinando se insistir em manter esse modelo inalterado, e, numa bem-vinda tentativa de mudança, criou a Secretaria de Aviação Civil, com status de ministério (desse modo, o órgão responderá diretamente à Presidência da República). O novo arcabouço para o setor, além de agilizar investimentos sob responsabilidade da Infraero, abre espaço para adoção do regime de concessões de terminais aéreos.
Não parece haver dúvidas sobre a necessidade de se multiplicar esforços, públicos e privados, para que o conjunto dos aeroportos responda, com qualidade, ao forte crescimento da demanda de serviços. Os aeroportos brasileiros estão ficando muito aquém do padrão dos que são referência no mundo. Sem mudança no atual modelo, essa distância somente aumentará.


JUDICIÁRIO
STF quer ser ouvido antes
Peluso defende análise prévia para evitar casos como o da Ficha Limpa

Donizeti Costa e Sérgio Roxo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, disse ontem que vai propor à presidente Dilma Rousseff um controle prévio de constitucionalidade para projetos aprovados pelo Congresso e enviados para a sanção presidencial. A medida evitaria que o STF tenha depois que decidir sobre a constitucionalidade de determinada lei, como está acontecendo com a Lei da Ficha Limpa. Na Câmara e no Senado, no entanto, já existem as comissões de Constituição e Justiça, encarregadas justamente de analisar a constitucionalidade das propostas feitas pelos parlamentares.
- Se houvesse uma consulta prévia ao STF, a Lei da Ficha Limpa não teria gerado tanta discussão sobre sua constitucionalidade - afirmou Peluso, após participar de almoço realizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) no Jockey Club Cidade Jardim, em São Paulo. - O presidente da República poderia submeter a questão da constitucionalidade da lei para o Supremo dizer se é ou não constitucional, antes de o presidente sancionar a lei.
A proposta de controle prévio constitucional sobre os projetos de lei foi apresentada no encontro, batizado de "Duas ideias para um pacto republicano". Segundo Peluso, a iniciativa seria uma forma de reduzir as ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) que chegam ao STF. O excesso de Adins contribuiria, disse, para a morosidade da Justiça:
- Podemos introduzir, mediante reforma constitucional, a possibilidade de controle prévio constitucional, tal como é praticado em Portugal, na Espanha, na Itália e, de certo modo, também na França. Pela proposta, caberia ao presidente da República mandar o texto ao STF, que teria 30 dias para dizer se é constitucional ou não:
- A experiência dos outros países, sobretudo europeus, mostra que o presidente tem muito cuidado com o uso desse poder de provocar a manifestação prévia. (Ocorre entre) Nove ou dez (vezes) por ano. Outra proposta de Peluso visa a reduzir o número de instâncias por que passam certos processos.
- Uma causa pode passar por quatro graus de julgamento. Isso é absolutamente necessário? Do ponto de vista prático, não é - disse ele, lembrando que boa parte dos países se contenta com dois graus de julgamento.
- Vou apresentar essas ideias à presidente Dilma Rousseff dentro do pacto republicano - afirmou.
Pedro Dallari, professor de Direito Internacional da USP, disse que o mecanismo proposto por Peluso é comum na Europa. Explicou que, na França, muitas vezes o parlamento consulta a corte constitucional antes de decidir sobre tratados internacionais. Para o professor, o instrumento só poderia ser implantado por emenda constitucional, o que exige aprovação de dois terços do Congresso:
- Não faz parte das atribuições do STF receber consultas, e isso teria que ser alterado por uma emenda.
Dallari disse que, caso o dispositivo seja adotado, é necessário tomar precauções para evitar que ocorra interferência entre os poderes, e que o seu uso prejudique a tramitação de projetos de lei.
- É uma medida, a princípio, positiva, mas que exige cuidado para que não seja usada para obstruir o processo legislativo - disse.
Uma forma de evitar problemas seria estabelecer que o projeto só vá ao STF quando houver a chancela de um determinado número de parlamentares. Na Europa, segundo o professor da USP, os tribunais constitucionais só emitem seus pareceres sobre textos quando são instigados pelo Poder Legislativo. Nesses locais, o mecanismo é usado só em casos excepcionais.
- As consultas são feitas com grande parcimônia - disse o professor.
Para Dallari, é preciso cautela para que não ocorra uma banalização do recurso de consulta, como ocorreu com as medidas provisórias decretadas pelo presidente da República - que, segundo a Constituição, só deveriam ser usadas em casos excepcionais.


CANTEIRO DE OBRAS
Jirau: obras só voltam após reparo nas instalações
Fiscais do trabalho exigem que áreas destruídas sejam recompostas para retomada integral do projeto

Cássia Almeida, Isabel Braga e Flávio Freire

RIO, BRASÍLIA E MANAUS. Auditores fiscais do trabalho estiveram ontem no canteiro de obras da Usina de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, e autorizaram 4.200 operários - 1.200 alojados na margem esquerda da obra, mil em Mutum-Parará, 500 em Jaci-Paraná e 1.500 em Porto Velho - a retomarem as atividades. Eles vão começar pela reconstrução das áreas de lazer, destruídas em protestos, na semana passada, por melhores condições de trabalho. Só assim será possível reiniciar a construção da hidrelétrica, informou Juscelino José dos Santos, chefe do Setor de Segurança e Saúde da Superintendência Regional do Trabalho.
- Somente com essas áreas de vivência prontas a obra poderá ser retomada. A empresa ficou de entregar um cronograma desses trabalhos na segunda-feira.
Também estão sendo negociados um adiantamento salarial aos operários, já que muitos perderam roupas e objetos pessoais durante a rebelião, e como essas perdas dos empregados serão ressarcidas.
- Os alojamentos da margem esquerda estão em boas condições, dentro dos padrões previstos e com capacidade para os cinco mil operários que estão agora disponíveis para a obra.

Acordo nacional será discutido no Planalto
Em Brasília, centrais sindicais trabalham para criar uma espécie de acordo coletivo para balizar as relações entre empregados e empresas que atuam em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A possibilidade de fixar regras para evitar paralisações será discutida em um encontro marcado para a próxima terça-feira no Palácio do Planalto, que terá a participação de representantes de consórcios, do governo, de operários e do Ministério Público.
Presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) disse que o acordo poderá garantir melhores condições aos trabalhadores e evitar incidentes como as rebeliões nos canteiros de obras das usinas de Jirau e Santo Antônio, também em Rondônia.
- A Força Sindical e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) estão trabalhando para criar uma espécie de acordo coletivo nacional para os empregados das obras do PAC. Não é usual, mas vamos ter de fazer. Em Jirau, por exemplo, há um negócio absurdo. Construíram bares no canteiro de obras, o trabalhador consome produtos com preços acima do mercado e o desconto é feito em folha. Quando o operário vai receber, está devendo - disse Paulinho.
Segundo o parlamentar, o acordo coletivo poderá incluir uma padronização salarial. Ele afirmou que cinco ou seis empresas atuam em cada obra e, em vários casos, os salários pagos para uma mesma função são muito diferentes, o que causa problemas. Paulinho contou que conversou anteontem com o secretaria-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, sobre as greves de trabalhadores em obras do PAC:
- Carvalho disse que a ordem da presidente Dilma Rouseff é para tentarmos nos acertar. Para o governo, o acordo é interessante. Mais de um milhão de pessoas trabalharão nas obras do PAC. O governo não quer que os trabalhadores sejam maltratados nem a interrupção das obras.

Raoni batiza James Cameron com nome indígena
Engajado opositor da construção da Usina de Belo Monte, no Pará, o diretor de cinema canadense James Cameron almoçou ontem, em Manaus, com o cacique Raoni, líder dos índios caiapós, que o batizou de Krapremp-ti ("amigo da floresta"). Lisonjeado, ele disse que um personagem da continuação do filme "Avatar" terá esse nome. Dizendo ter uma espécie de mandato dos caiapós para lutar contra Belo Monte, Cameron participou do Fórum Mundial de Sustentabilidade, que termina hoje na capital amazonense.


DIPLOMACIA
Irã: petistas negam guinada em diplomacia
Parlamentares evitam polemizar sobre voto contrário, mas EUA e ativistas comemoram

Isabel Braga, Fernanda Godoy* e Fernando Eichenberg

BRASÍLIA, NOVA YORK e WASHINGTON. Os parlamentares do PT evitaram ontem polemizar sobre a condução da diplomacia brasileira e colocar em lados opostos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff. Os petistas ouvidos apoiaram a postura adotada pelo governo Dilma em relação ao Irã, de votar a favor da resolução que abre caminho para o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar as denúncias de violações imputadas ao governo de Mahmoud Ahmadinejad. Se esforçam, no entanto, para defender a política praticada por Lula, sem admitir mudanças de rumo.
Para o deputado Doutor Rosinha (PT-PR), que integra a Comissão de Relações Internacionais da Câmara, não há mudança radical na diplomacia brasileira entre os dois governos.
- Em política externa é preciso levar em conta a conjuntura. A de hoje não é a mesma da do governo Lula, é só levar em conta as mudanças no mundo árabe. E na questão do Irã, Dilma difere mais pela questão de gênero. E é uma mudança para o bem, acho bom mudar.

Casa Branca elogia decisão brasileira
Amigo de Lula, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) também insiste em dizer que é errado afirmar que o então presidente adotou uma política que não levou em conta os direitos humanos, ao conversar com o presidente iraniano. Segundo Devanir, Lula e Obama acertaram que o Brasil ajudaria nas relações com o Irã e o enriquecimento de urânio, na época da crise.
- Foi o Barack Obama que não teve a honradez de admitir que pediu isso ao Lula. No caso da mulher que seria apedrejada, Lula ofereceu asilo. Não tem nada a ver dizer que a política de Dilma é contrária à política de Lula .
Segundo o petista, não há entre os colegas de Congresso o sentimento de que Dilma está se aproximando mais dos Estados Unidos, em detrimento de antigos aliados de Lula, como presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Por sua vez, o governo americano comemorou a decisão brasileira.
- Como o presidente Barack Obama disse quando esteve no Brasil, temos vários valores em comum. E os valores pertinentes aos direitos humanos são universais, nem americanos nem brasileiros, e que todos partilhamos. O fato de o Brasil apoiar essa questão, como muitos outros países, é motivo de grande satisfação e mostra que a comunidade internacional reconhece entre os problemas presentes no Irã a violação dos direitos humanos - disse um funcionário da Casa Branca.
O Departamento de Estado não quis comentar o voto específico do Brasil, e preferiu destacar de forma geral a importância do resultado da votação.
Já o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, disse estar muito animado e positivamente surpreso com o voto do Brasil.
- Foi uma grande decisão, um acontecimento extraordinário, que mostra que há uma liderança diferente no Brasil, disposta a tratar o tema dos direitos humanos, em um nível global, com muito mais seriedade - disse Vivanco.
A ONG Human Rights Watch, uma das mais importantes do mundo na defesa dos direitos humanos, era crítica da atuação do governo Lula nessa área. Vivanco elogiou o governo da presidente Dilma Rousseff por evitar uma "posição confortável de abstenção", e disse que a atuação do Brasil neste caso foi "impecável e inequívoca".
FONTE: JORNAL O GLOBO

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