Pesquisar

sexta-feira, 25 de março de 2011

25 de março de 2011 - FOLHA DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA
Brasil vota contra o Irã na ONU e ganha aplauso da oposição persa
País assumiu posição anti-Teerã em um órgão das Nações Unidas pela primeira vez em 8 anos
Diplomacia brasileira nega contraposição ao governo iraniano, mas é assim que os opositores dele, realizados, o veem

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Pela primeira vez em oito anos, o Brasil votou ontem contra o Irã em um organismo da ONU, o Conselho de Direitos Humanos.
O conselho aprovou por 22 votos a favor, 7 contra e 14 abstenções a designação de um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no país. A Folha antecipou o voto no último dia 3 de março.
Trata-se de uma sinalização de mudança no governo Dilma Rousseff em relação ao de Lula, que vinha evitando críticas ao Irã.
Ontem, em entrevista à Folha, o chanceler de Lula, Celso Amorim, disse que não apoiaria a resolução se estivesse no governo.
A única vez em que Lula ficou contra o Irã foi em 2003, quando a 3ª Comissão da Assembleia Geral (bem menos importante), apontou violações aos direitos humanos com base em relatórios de enviados ao país. Desde então, foram sete abstenções.
Já no conselho e na sua antecessora, a Comissão de Direitos Humanos, o Brasil votou a favor de relatores durante os anos 90, mas vinha se abstendo desde 2001, "com base no compromisso assumido pelo governo iraniano de aperfeiçoar sua cooperação com o sistema", segundo a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo.
De fato, de 2001 a 2005, houve seis visitas de relatores ao Irã, mas a cooperação foi interrompida a partir da chegada ao poder do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o que levou agora ao voto a favor. À Folha, a embaixadora foi mais direta: "O voto não é contra o Irã, mas a favor do sistema de direitos humanos da ONU".

IRANIANOS
Agora, não há sanções, mas investigação. Foi nessa linha a conversa que Maria Nazareth teve com o embaixador iraniano, Sayed Sajjadi, antes da votação.
Explicou que o Brasil é tão aberto que, nos quatro anos e meio de vida do conselho, recebeu ao menos 16 relatores.
Não deve ter convencido Sajjadi, que em seu pronunciamento negou, como era previsível, que o Irã desrespeite os direitos humanos e não coopere com os organismos internacionais.
"O enfoque do Irã na promoção e proteção dos direitos humanos é baseado na sua religião e na sua cultura", disse o embaixador.
Já a embaixadora dos EUA, Eileen Chamberlain Donahoe, cumprimentou a brasileira pelo voto, mas ouviu um pedido: "Me ajude, Eileen. Precisamos aplicar o mesmo em outras situações de não cooperação".
Maria Nazareth não citou países nessa condição, mas a página da alta comissária para os direitos humanos deixa claro que Israel, aliado dos EUA, é um deles.
Por mais que a diplomacia brasileira diga que não é um voto anti-Irã, é assim que ele é percebido ao menos pela oposição iraniana.
"É uma forte mensagem de apoio ao povo iraniano", reagiu Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003.
A Campanha Internacional por Direitos Humanos no Irã disse que foi de "particular importância" o Brasil ter votado contra o país.









ANÁLISE
Voto sela mudança de rumo na atuação do Itamaraty, mas não é uma guinada
A RUPTURA COM O MÉTODO AMORIM É SÓ UM ITEM DE POLÍTICA EXTERNA

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Até por ter problemas de trato bem mais importante e difícil, como o fantasma da inflação, Dilma Rousseff parece ter elegido a relação com o Irã como vitrine do que considera novidade positiva em seu governo.
O voto de ontem sela a mudança do rumo adotado pelo Itamaraty sob Celso Amorim, de alinhamento automático com Teerã.
O chanceler dos anos Lula defendia que só o diálogo garantiria posição de destaque em momentos de crise -alega agora que foi o petista quem "salvou" a prisioneira Sakineh do apedrejamento.
Já seus críticos viram no relacionamento com a teocracia iraniana mero pretexto para dar vazão a um antiamericanismo pueril. O isolamento do país no episódio em que buscou um acordo sobre o programa nuclear de Teerã é visto como prova do fracasso de Amorim.
Já no fim do ano passado, em uma entrevista ao "Washington Post", Dilma emitiu sinais de mudança quando criticou a abstenção do Brasil numa votação semelhante condenando o desrespeito aos direitos humanos no Irã.
Em falas subsequentes, buscou ampliar o escopo, como que para satisfazer a base política à esquerda que a apoia e a tradição isonômica do Itamaraty, lembrando que os EUA também têm suas culpas a purgar na área.
O voto contrário agora denota uma ruptura com o método de Amorim, que ainda ontem criticava a decisão apoiada em Genebra em entrevista nesta Folha.
Mas estamos falando de um item de política externa. Não é possível atestar uma guinada geral na orientação. As posições titubeantes do Brasil em relação aos seus antigos amigos ditadores do mundo árabe, durante a crise que varre o Oriente Médio, são prova disso.
Mesmo a abstenção no voto que autorizou a guerra contra Gaddafi no Conselho de Segurança, que seria justificável por mais de um motivo, acabou entrando em choque com declarações posteriores do chanceler Patriota.
Isso para não falar de outros pontos, como o apoio ao regime comunista de Cuba, que tem tantos problemas de direitos humanos quanto o Irã, ou mais.


Brasília nega que haja uma mudança de posição
Marco Aurelio Garcia diz que não houve condenação ao regime iraniano
ONGs que acompanham questão no Irã festejam voto brasileiro; morte por apedrejamento é degradante, diz Dilma

DE BRASÍLIA
DO RIO
DE SÃO PAULO

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, afirmou ontem que o voto do Brasil pelo envio de um relator ao Irã para investigar violações de direitos humanos não significa uma condenação, mas a possibilidade de conhecer melhor a situação no país persa.
Ele contemporizou a afirmação de que a decisão no Conselho de Direitos Humanos da ONU contraria o histórico brasileiro. "O Brasil tem mantido a coerência."
Ontem, no entanto, o ex-chanceler Celso Amorim disse à Folha que "provavelmente" votaria contra a resolução, por considerá-la uma decisão política.
Marco Aurélio diz que, sob Dilma, o Brasil não fará "mudanças substanciais" em relação às posições do governo Lula e que o Brasil votou a favor de investigações em episódios similares ao do Irã em "mais de 90% dos casos".
No mesmo dia da votação na ONU, durante reunião do seu conselho político, a presidente Dilma Rousseff classificou a morte por apedrejamento de "degradante". Foi uma referência direta ao caso de Sakineh Ashtiani, que o Irã acusa de adultério e condenou a morrer apedrejada.

AVALIAÇÃO DAS ONGS
Militantes de direitos humanos que atuam no Brasil consideraram o voto de ontem "extraordinário".
"O habitual [do Brasil] nessas votações seria se abster ou até votar contra. Foi um acontecimento", disse José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch. Ele, porém, ainda não vê mudar a política de direitos humanos. "É uma mudança de atitude."
"Parece muito bom", diz Drewery Dyke, pesquisador da ONG Anistia Internacional para o Irã. "Mas é preciso observar se esse voto será parte de uma tendência."
Camila Lissa Asano, da ONG Conectas, afirma ser "imperativo" para os governos brasileiros priorizar os direitos humanos nas relações internacionais, como estabelece a Constituição.
Entre as supostas violações aos direitos humanos no Irã, ela destaca a escalada no número de execuções -foram 94 em 2005 e 542 em 2010, conforme dados oficiais e de testemunhas.
"Foi uma mudança radical e muito bem-vinda", disse o secretário nacional da Comunidade Bahá'í no Brasil, Iradj Eghrari. Desde 2004, 379 praticantes da religião foram presos pelo regime iraniano.
Eghrari só lamenta que o documento aprovado ontem seja mais frágil que aqueles nos quais são descritas violações. "Mas já é alguma coisa, já demonstra a vontade política da ONU em investigar."


Editoriais
Mudança e coerência

O voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), a favor de uma investigação sobre violações humanitárias no Irã, coaduna-se com a correção de rumo imprimida por Dilma Rousseff na política externa. A presidente, mesmo antes de assumir, já sinalizara que será menos transigente nessa matéria do que foi o seu antecessor.
A decisão significa uma inflexão bem-vinda no posicionamento brasileiro dos últimos anos, tanto sob Luiz Inácio Lula da Silva quanto sob Fernando Henrique Cardoso. O país havia votado só uma vez (em 2003), na ONU, contra o regime dos aiatolás.
O contraste é tanto mais perceptível sob a luz do histórico recente. Em junho de 2010, o Brasil proferiu um dos dois votos (entre 15) contra sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, por conta de seu programa nuclear. No final do mesmo ano, absteve-se de condenar no CDH punições medievais como o apedrejamento a que foi sentenciada Sakineh Ashtiani, decisão depois criticada por Dilma.
O atual voto não significa, no entanto, que o Brasil tenha rompido com o regime de Mahmoud Ahmadinejad. O apoio a uma investigação especial sobre a situação dos direitos humanos no país persa se traduz obviamente em uma crítica, mas não chega a representar uma condenação expressa.
A soberania iraniana não está sob ameaça, o que ajuda a explicar por que o Brasil não se absteve na votação sobre o país, agora, como fez no Conselho de Segurança quanto ao ataque à Líbia. A visita de um relator da ONU, apesar de incômoda para iranianos, não impede novas negociações, como prefere a diplomacia brasileira.
Não resta dúvida de que uma investigação sobre direitos humanos no Irã é necessária. Relatório apresentado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, revela que a repressão intensificou-se, com prisões e torturas.
O diplomata apontou "aumento dramático" das execuções neste ano. Após as contestadas eleições de 2009, mais de 2.000 ativistas foram encarcerados. Estimam-se ao menos 500 presos políticos.
A investigação aprovada ontem, mesmo que termine obstruída pela autocracia iraniana, reforça a mensagem de que o Brasil não mais se rende a alinhamentos automáticos nem a palavras de ordem geopolíticas quando se trata de violações de direitos humanos.


Infraero quer gestor único em aeroportos
Novo presidente da estatal, Gustavo Vale aponta necessidade de gerência que reúna os serviços, hoje descentralizados
Executivo diz que 60% das obras de expansão hoje em andamento apresentam um ano de atraso, em média

SHEILA D"AMORIM
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA

Além de obras, os aeroportos no Brasil precisam de uma autoridade aeroportuária para coordenar a solução dos problemas do dia a dia que afetam milhões de pessoas em todo país. A avaliação é do novo presidente da Infraero, Gustavo do Vale.
Em entrevista, ele diz que, sem isso, corre-se o risco de ter "cadeiras e aeroportos confortáveis" e manter gargalos que provocam atrasos nos voos e longas esperas.
Há uma semana no cargo, ele admite que as construtoras "não estão dando conta do recado" na condução das obras de expansão e que o problema não é a Copa, mas o aumento da demanda, que foi de 34% em 2010 e, neste ano, deve ficar em 16%.
A Infraero tem atualmente 44 obras em andamento e cerca de 60% delas estão com cronograma atrasado, em média, em um ano.
Na semana que vem, Vale vai propor ao governo uma PPP (Parceria Público-Privada) que entregará ao setor privado a construção e a exploração do terceiro terminal do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo.
A Infraero já começou a obra com recursos próprios. Ela está estimada em R$ 716 milhões e havia dúvidas se a estatal teria condições de cumprir o prazo -novembro de 2013, antes da Copa.

MISSÃO
Ex-diretor do Banco Central, Vale assume com a missão de ajudar na reorganização do setor e evitar um caos nos aeroportos nos próximos anos, principalmente nos eventos mundiais programados para o Brasil em 2014 (Copa) e 2016 (Olimpíada).
Também deverá coordenar a abertura de capital da Infraero, uma operação que, segundo ele, demorará, no mínimo, três anos.
"Não tem de ser necessariamente a Infraero, mas precisamos criar uma autoridade aeroportuária para ser responsável pela gestão dos aeroportos", defende, lembrando que hoje vários órgãos cuidam de diferentes serviços nos aeroportos e ninguém assume a responsabilidade pela gerência geral.
Essa falta de coordenação, diz, dificulta a solução dos mais diversos problemas, desde demora na devolução de bagagens, filas imensas na imigração, deficiência de funcionários no atendimento. Isso acaba contribuindo para atrasos nos voos.
"A Polícia Federal, por exemplo, não tem pessoal suficiente nos aeroportos. Quem cuida dos aparelhos de raio-X é a Infraero. Se descobrimos algo suspeito, temos de procurar a PF. Pode até ser um passageiro com parafuso na perna, mas ele tem de ficar esperando um policial para liberá-lo. Um transtorno", diz.
Gustavo do Vale afirma ainda que as concessões para construção e operação de terminais para o setor privado são uma necessidade, mas a Infraero não pode ficar esperando por isso para resolver os problemas.
Ele lembra que um processo de concessão pode durar até dois anos e que o setor poderia entrar em colapso diante do aumento da demanda.
"As concessões e as obras da Infraero têm de correr paralelamente. Temos investimentos programados até 2014 de R$ 5,1 bilhões, suficientes para expandir a capacidade dos aeroportos para suportar o movimento esperado nos próximos anos."


Mercado Aberto
MARIA CRISTINA FRIAS

Brasil... A trajetória do país no cenário global será discutida em um encontro promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais e pelo instituto inglês Chatham House no dia 7 de abril no Copacabana Palace.

...no mundo O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, o diretor da Comissão Europeia Jean-Claude Thébault e os ministros brasileiros Antonio Patriota (Relações Exteriores) e Nelson Jobim (Defesa) confirmaram presença.


Painel
RENATA LO PRETE
Qualificação Diretores do BC compareceram ontem em peso à posse de Gustavo do Vale na Infraero. Vale, que foi diretor do banco, brincou: "Tem até quórum para reunião do Copom".







PODER
Embraer tem ganho 27% maior no 4º tri

AVIAÇÃO
A empresa teve lucro líquido de R$ 208 milhões, ante R$ 164,6 milhões um ano antes. A Embraer prevê alta de 5% da receita em 2011, ainda que com número menor de entregas de aeronaves.


Tribunal afasta juiz investigado por fraudes em empréstimos
Magistrados constavam como beneficiários de contratos sem saber

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, afastou o juiz federal Moacir Ferreira Ramos, investigado por suposta participação em uma fraude que desviou dinheiro de empréstimos concedidos por uma fundação ligada ao Exército.
Auditoria da associação de juízes que Ramos já presidiu revelou que entre os beneficiários dos empréstimos estão associados fantasmas ou usados como laranjas.
Como a Folha revelou, cerca de 700 contratos de empréstimos foram feitos em nome de 140 magistrados que desconheciam o fato.
Ramos é investigado por supostamente ter firmado os contratos e ficará afastado até que seja concluído o processo de sua aposentadoria.
Juízes lesados temem que o afastamento de Ramos em meio às investigações no tribunal dificulte uma eventual punição do magistrado.
O "Diário da Justiça" desta quarta-feira publicou ato afastando Ramos "até conclusão do processo de verificação de invalidez".
Esse tipo de processo costuma ser demorado, pois depende de perícias médicas.
Magistrados dizem que o tribunal poderia ter aguardado a conclusão das investigações. Citam resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinando que o juiz que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar "só será exonerado a pedido ou aposentado voluntariamente após a conclusão do processo ou do cumprimento da pena".
Por enquanto, ele responde ao chamado "procedimento avulso". Ou seja, uma investigação preliminar.
Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o afastamento do magistrado, determinado pelo CNJ. Em janeiro, o TRF rejeitou proposta da corregedoria para afastar imediatamente o juiz e instaurar um processo disciplinar.

OUTRO LADO
"O pedido de aposentadoria é um ato pessoal meu. Não visa a me afastar da apuração dos fatos", diz Ramos. Ele alega que se submeteu a tratamento contra câncer em 2005, e que os desgastes recentes agravaram seu estado de saúde.
O TRF informa que o procedimento administrativo continua, em paralelo à aposentadoria.

 FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário