DESTAQUE DE CAPA - CONCURSOS
As 12,4 mil vagas que o governo cortou
O corte, agora, está no papel. Portaria que o Ministério do Planejamento publicou no Diário Oficial suspende, por tempo indeterminado, concursos públicos e nomeações na administração direta, nas autarquias e fundações. A decisão atinge pelo menos 12.413 vagas distribuídas entre seleções previstas, em andamento e já realizadas. Mas nomeações publicadas até ontem e seleções para cargos temporários não serão afetadas. Órgãos que iniciaram cursos de formação também poderão concluí-los, mas dependerão de uma nova autorização para nomear os aprovados. Até mesmo a realização de cursos ou de programas de formação que ainda não começaram ficará condicionada a autorização específica da ministra Miriam Belchior.
12.413 vagas canceladas
Canetada da ministra Miriam Belchior torna oficial a suspensão de seleções na administração federal. Especialistas alertam que, ainda assim, medida é insuficiente para conter a alta dos preços
» Cristiane Bonfanti
Na tentativa de provar ao mercado financeiro que é capaz de cortar gastos e conter a escalada dos preços, o governo Dilma Rousseff oficializou o cancelamento de concursos públicos e de nomeações e colocou na berlinda, ao menos, 12.413 vagas distribuídas entre seleções previstas e já realizadas. Portaria assinada pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, no Diário Oficial da União de ontem suspendeu, por tempo indeterminado, os efeitos de publicações anteriores que autorizavam a realização de certames ou o preenchimento de cargos na administração direta, nas autarquias e nas fundações.
A partir de agora, mesmo a realização de programas de formação que não começaram até ontem ficará condicionada à autorização da ministra. A medida já havia sido anunciada pelo governo como parte da contenção de gastos, dentro do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano. A tesourada não afeta, porém, o preenchimento dos cargos cujas nomeações foram publicadas até ontem e a realização de seleções para cargos temporários. Os órgãos que iniciaram treinamentos poderão concluí-los, mas dependerão de nova autorização para convocar os aprovados.
“A ministra trouxe para si toda e qualquer decisão sobre abertura de concursos. No entanto, o governo não pode ser intransigente, mas sim levar em conta as situações urgentes dos órgãos”, afirmou o analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz. Um dos casos mais críticos é o dos que aguardam uma segunda convocação do concurso de 2008 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): a validade do certame, já contando com a prorrogação, termina em 31 de julho próximo. O Ministério do Planejamento informou que, assim como prometido pelo governo no início do ano, o caso da Anatel é um dos que está sendo analisado “com lupa” pela ministra. Segundo o órgão, a portaria não interfere no Legislativo e no Judiciário, o que deixa caminho livre para o concurso do Senado, que deve abrir 180 vagas e cadastro de reserva. Além disso, as restrições não afetam os cargos militares das Forças Armadas nem as estatais, que têm orçamento próprio, como Banco do Brasil e Correios.
NOTAS
BRASIL NA ONU
China relutante
O pleito do Brasil por uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas pode não contar com o apoio da China. O embaixador Qiu Xiaoqi disse ontem que ainda existem divergências entre os países-membros da ONU, e que o tema precisa ser mais discutido. Qiu defendeu, no entanto, mudanças “justas” no órgão, para ampliar a representação dos países em desenvolvimento. “Enquanto houver divergências, é necessário mais diálogo e consulta”, reforçou. O embaixador chinês afirmou que seu país está disposto a fazer contatos com os demais membros permanentes, de modo a buscar um consenso o mais amplo possível. A presidente Dilma Rousseff viajará à China entre 11 e 16 de abril, onde participará de reuniões bilaterais acompanhada de ministros e empresários. Dilma também estará presente na terceira reunião de cúpula do Bric, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China.
QUESTÃO NUCLEAR
Demissão explosiva
Presidente da Comissão de Energia Nuclear perde o cargo depois de matérias do Correio sobre falhas na gestão de usinas. Ministério da Ciência e Tecnologia evita o tema, mas anuncia reforço na segurança dos locais
» Vinicius Sassine
O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, confirmou ontem a demissão do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves, e anunciou que o ministério terá “prioridade absoluta” na concessão da licença definitiva para a usina nuclear Angra 2, em Angra dos Reis (RJ). “A prioridade é para que Angra 2 tenha o licenciamento necessário, dentro das normas de segurança”, disse o ministro em São Paulo, depois da participação em uma feira internacional. Mercadante afirmou que o comando da Cnen será trocado depois da crise nuclear no Japão, mas não deu detalhes sobre a provável demissão de diretores ligados a Odair. O ministro e seus assessores mais próximos preferiram o silêncio sobre a troca de comando da Cnen na maior parte do dia. Odair informou que não daria declarações sobre a demissão.
Mercadante passou o dia em São Paulo e não se encontrou com o presidente da Cnen em Brasília, como estava previsto. Só confirmou a demissão de Odair ao fim do evento em que foi palestrante, quando questionado pelos jornalistas. O ministro insistiu na hipótese de que o presidente já havia pedido demissão do cargo em janeiro, quando Dilma Rousseff assumiu o governo. Foi a explicação dada no domingo pelo secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Luiz Antonio Rodrigues Elias, e pelo próprio Odair, em curta nota divulgada à imprensa. “O presidente da Cnen já havia solicitado a saída. Ele está na função há oito anos. Com a crise nuclear no Japão, eu pedi que ele permanecesse”, disse Mercadante.
Odair permaneceu no cargo, segundo o ministro, para elaborar boletins diários sobre o acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão, e também um cartilha em que fiquem detalhados os efeitos da radiação em acidentes como o japonês. “Tínhamos uma grande demanda, cerca de 300 mil brasileiros vivem no Japão. A função fundamental nesse momento era acompanharmos a crise e informar essa comunidade. Passada a crise, faremos a alteração na área nuclear.”
Calado
Mercadante pouco falou sobre a inexistência de autorização de operação permanente para Angra 2 e não mencionou a necessidade de o Brasil importar 220 toneladas de urânio para abastecer Angra 1 e 2 a um custo de R$ 40 milhões. A licença de operação é responsabilidade da Cnen. A importação de urânio passou a ser necessária por causa da demora do órgão em autorizar a construção de um novo reservatório, imprescindível para a extração do minério. Foram essas as duas razões para a demissão de Odair da presidência da Cnen, como o Correio mostrou ontem. As duas situações foram reveladas com exclusividade pelo jornal.
O ministro ressaltou que as usinas nucleares em Angra dos Reis terão a segurança reforçada. “Estamos diante de uma mudança importante. Estamos nos reunindo com todo o setor, analisando com detalhe toda a área nuclear.”
A Cnen é ligada ao MCT. Trata-se da instância máxima na área de energia nuclear, cujo processo de geração está todo sob a tutela da União. Enquanto não existe uma agência de regulação do setor, cabe à Cnen planejar, fiscalizar, estabelecer normas, licenciar e controlar a atividade nuclear no Brasil. O presidente da comissão concentra poder no setor: além de dirigir o órgão, assessora o governo e o Ministério de Relações Exteriores nas questões relacionadas à política nuclear brasileira. Preside ainda os conselhos administrativos das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep).
Seis institutos de pesquisa estão ligados à Cnen, como o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN). Um laboratório, dois distritos e quatro escritórios também estão subordinados à Cnen. O presidente da INB, Alfredo Tranjan Filho, disse ao Correio que permanece no cargo. “Estive com o ministro Mercadante na quinta-feira (dia 24) e definimos um cronograma de atividades até o fim do ano.” A INB cuida da produção de combustível nuclear e foi uma das responsáveis pela necessidade de importação de urânio ao não atender as exigências feitas para a concessão de licença.
Repercussão no Senado
A demissão do presidente da Cnen, Odair Dias Gonçalves, repercutiu no Senado. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) cobrou em plenário que a Casa apure a inexistência de licença definitiva para a usina nuclear Angra 2. “Estamos recebendo a notícia da provável demissão do encarregado da política nuclear brasileira na Cnen. A razão não está clara porque se diz que Angra 2 não tem autorização para funcionar. Não tem porque o presidente está sendo omisso, demorado ou porque está sendo cuidadoso?”, questionou Cristovam. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) confirmou que uma comitiva de 10 senadores, liderada por ele, visitará as usinas Angra 1 e 2 amanhã.
Colaborou Josie Jeronimo
OPINIÃO
O uso da força nas relações internacionais
» Lázaro Guimarães
O presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, assim justificou a intervenção armada na Líbia: “Eu quero que o povo americano saiba que o uso da força não é a nossa primeira opção e que não a adoto facilmente. Mas nós não poderíamos ficar inertes enquanto um tirano dizia a seu povo que não haveria complacência”.
Na véspera, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas dera a autorização que legitimava a ação militar destinada a impedir o massacre das populações que haviam aderido à rebelião contra o governo de Muamar Kadafi.
As nações buscavam justificativa para a guerra no tempo em que o direito internacional consistia tão somente na celebração e cumprimento de tratados, convenções e acordos entre as nações, até que os interesses de uma delas falasse mais alto que a outra, para que todos os pactos se rompessem e começasse a carnificina.
No plano das relações internacionais, em que prevalece a igualdade entre as partes, todas detentoras de soberania, não se havia criado qualquer medida sancionatória que correspondesse à penalidade prevista em abstrato na lei e determinada em concreto pelo juiz, até que o filósofo Emanuel Kant, num opúsculo que vale por muitos tratados, A paz dos cemitérios, pregou o concerto das nações, a formação de um organismo que reunisse todos os países em busca da realização da justiça em âmbito global.
Criou-se, após o Tratado de Versalhes, que encerrou canhestramente a Primeira Guerra Mundial, com a imposição de sanções exageradas aos vencidos, a Liga das Nações para tornar realidade o ideal kantiano, mas a loucura de Hitler, empolgando a reação alemã, transformou a bandeira internacional em farrapos manchados do sangue de milhões de vítimas da Segunda Guerra. A persistência humana produziu a Organização das Nações Unidas que, mesmo enfraquecida pela sucessão de genocídios mal resolvidos, consegue equilibrar a insensatez dos grupos humanos.
Hoje em dia os países civilizados não vão à guerra senão com a autorização do Conselho de Segurança da ONU. As sanções tradicionais como a retorsão (conjunto de prescrições legais que, como represália de legislação idêntica, se aplicam aos súditos de nação estrangeira) e a retaliação (represália equivalente à pena de talião), como a suspensão da ajuda externa e o bloqueio econômico, não têm eficácia porque há muitos meios de o país infrator suportar os efeitos adversos, muitas vezes refletidos sobre estados inocentes.
Quanto à autodefesa, a resposta armada a uma agressão externa, restou desmoralizada pela repetição de alegações mentirosas para o desfecho da guerra, como o assassinato do arquiduque Ferdinando, com que os alemães encobriam a volúpia pela conquista de território e consolidação do domínio de sua indústria sobre a Europa de 1914. Ainda bem que essa não é mais a primeira opção de um país poderoso.
A ONU engloba atualmente 192 nações que se reúnem em assembleia geral e formam organismos encarregados de atuação diversificada voltada para a promoção da paz e do desenvolvimento harmônico. A sua organização se faz no plano horizontal, um concerto de iguais, mas o seu Conselho de Segurança, que o Brasil pretende integrar como membro permanente, atualmente integrado pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China, é o principal responsável pela decisão quanto ao uso de força.
Nos conflitos decorrentes do esfacelamento da antiga Iugoslávia, com os conflitos étnicos entre sérvios, bósnios e croatas, a intervenção das Nações Unidas, utilizando tropas de diversos países, não evitou a perda de centenas de milhares de vidas e a bárbara prática de exterminação coletiva, que os líderes da matança denominavam “limpeza étnica”, mas, ao cabo de alguns anos, aplicando a Resolução nº 1.674 do Conselho de Segurança, conseguiu estabilizar a região. Situação idêntica ocorreu em Ruanda, na África, em 1994, com o extermínio dos povos tutsi pelos hutus.
Agora, o mundo espera que as forças interventoras da ONU, por enquanto limitadas à exclusão da zona aérea, consigam evitar a mortandade dos líbios rebeldes e livrar a Líbia da ditadura de Kadafi.
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