DESTAQUE DE CAPA - POLITICA
O povo e o poder no adeus a Alencar
Mais de 6 mil pessoas subiram ontem a rampa do Palácio do Planalto para o adeus a José Alencar. Diante do corpo, reverenciado com honras de chefe de Estado, o Brasil testemunhou mais uma obra da engenharia política e da civilidade que ele tanto cultivou em vida: estavam lá, lado a lado, o cidadão comum e a elite política e econômica do país. Sem choro nem histeria. Nos rostos, o sentimento predominante durante todo o velório foi de admiração, diante do guerreiro que parecia não temer a morte. Um clima quebrado apenas em momentos como o do desmaio de um guarda de honra do funeral e o do alvoroço causado pela chegada de Dilma e Lula. Muito abatido, o ex-presidente não conseguia conter o choro e dirigiu-se diretamente para o caixão. Hoje, o corpo de Alencar segue para Belo Horizonte, onde será velado e cremado, atendendo a um desejo do ex-vice-presidente da República.
Uma despedida democrática
Cerimônia fúnebre no Palácio do Planalto reúne 6 mil pessoas e conta com a presença de políticos, inclusive da oposição, e de representantes do Legislativo e do Judiciário. Velório teve todas as honras de chefe de Estado
Tiago Pariz, Com Ivan Iunes, Leandro Kleber, Com Rosana Hessel
Brasília e São Paulo — A despedida do ex-vice-presidente José Alencar de Brasília reuniu autoridades de todos os partidos, pelo menos 6 mil pessoas e militares das três Forças Armadas. Todos em torno de um clima de pacificação democrática típica do empreendedor mineiro que construiu unanimidade na classe política e atravessou oito anos de governo sem atritos ou inimizades. A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornaram às pressas de Portugal (leia mais na página 3) para acompanhar a cerimônia fúnebre, ao lado de ministros das últimas três gestões, e de governadores de partidos aliados e de oposição ao Palácio do Planalto, entre eles o do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT); de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB); de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB); de Sergipe, Marcelo Déda (PT); de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB); e do Ceará, Cid Gomes (PSB).
A tranquilidade, cobrada insistentemente pelo condutor do cerimonial, pedindo o máximo de silêncio que o momento exigia, foi abalada em apenas três momentos. O primeiro, às 13h, quando um cadete da Marinha, que guardava o corpo do ex-vice, desmaiou e teve de ser socorrido por assessores. O segundo, logo na abertura da visitação pública, quando uma antiga servidora do governo Lula burlou a segurança e conseguiu abraçar familiares de Alencar. O último, quando uma visitante gritou a um metro do caixão: “Você é o meu equilíbrio”. O caixão com corpo do ex-vice, coberto pela Bandeira Brasileira, adentrou o Palácio do Planalto às 11h06 e levou quatro minutos para ser aberto. O núncio apostólico Lorenzo Baldissieri, espécie de embaixador do Vaticano no Brasil, iniciou a missa, que durou cerca de uma hora, às 11h30. A viúva Mariza Gomes Silva permaneceu sempre de óculos escuros, não escondendo a tristeza do momento. Fora do eixo familiar de Alencar, um dos mais ativos participantes do ato religioso foi o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que entoou todos os cantos da missa. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, o segundo das autoridades do governo a prestar sua homenagem ao lado do caixão, deu um beijo de despedida na testa do antigo vice. Um ato de respeito por um político considerado pelo ex-ministro José Dirceu como mais à esquerda do que muitos petistas.
O velório foi carregado de simbolismos dignos da honra de chefe de Estado. A última vez que o Palácio do Planalto recebeu um funeral parecido com o de ontem ocorreu há 26 anos na morte de Tancredo Neves, em 1985. Em Brasília, as homenagens começaram quando o corpo chegou à Base Aérea às 10h, transportado por um avião CASA da Força Aérea Brasileira (FAB). Os nove familiares chegaram de São Paulo meia hora antes, em um C-99. Mariza Gomes desceu da aeronave de mãos dadas com o filho Josué, escoltado pelas filhas Patrícia e Maria da Graça, a nora Cristina e os netos Bárbara, Josué, Ricardo e Davi. Foram recepcionados pelo vice-presidente da República, Michel Temer; os presidentes do Senado, José Sarney; da Câmara, Marco Maia; o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto; o governador Agnelo Queiroz e parlamentares da base aliada.
Em seguida, o caixão com o corpo de Alencar seguiu para o Planalto em um caminhão do Corpo de Bombeiros. A urna subiu a rampa do Planalto e foi recebida com aplausos pelas autoridades presentes no velório.
Capela
Quem fez uma pausa no trabalho e desceu para ver o cortejo lamentou a rapidez do adeus. “Foi muito rápido, não deu para a gente ter um momento mais solene. Era um homem público de quem nunca ouvi falar nada de errado”, comentou Zilda Cassiano Gil, 63 anos, funcionária do Ministério do Planejamento.
O empresário Jorge Gerdau ecoou a posição da servidora . “O José Alencar foi um exemplo em todos os sentidos. Não só na vida empresarial, mas também na política. Dificilmente alguém vai conseguir substituí-lo”, afirmou;
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) destacou a alegria de viver do mineiro. “O Alencar foi um homem público diferenciado. Seu vigor e a obstinada luta pela vida, sua alegria de viver são todos muito marcantes”, disse.
A família teve um momento mais tranquilo para se despedir do patriarca somente em São Paulo, na capela do Hospital Sírio Libanês, de onde partiu para o Aeroporto de Congonhas em direção a Brasília às 7h05. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi um dos primeiros a chegar à capela, por volta das 6h15. Ele disse que Alencar é um exemplo de lealdade aos princípios e de luta pela vida. “O Zé era um mineiro que amava muito São Paulo, que lembrava sempre que era um paulista de Muriaé, cidade mineira em que ele nasceu”, disse o governador. Hoje, haverá velório no Palácio da Liberdade, em Minas Gerais. E, às 14h, está prevista a cerimônia de cremação de acordo com o último desejo de Alencar.
Colaboraram Alana Rizzo, Vinicius Sassine, Larissa Leite, Ullisses Campbell e Naira Trindade
O adeus na terra de origem
Entre os últimos pedidos de José Alencar, estava o de ser cremado em Minas Gerais. Ele será velado no Palácio da Liberdade e, antes disso, o caixão fará o trajeto percorrido pelo corpo do ex-presidente Tancredo Neves. Homenagens começam às 9h
Alice Maciel
Belo Horizonte vai dar hoje o último adeus ao ex-vice-presidente da República José Alencar. O avião que traz o corpo de Brasília vai pousar na Base Aérea da Pampulha às 7h30. De lá, ele será levado no carro do Corpo de Bombeiros ao Palácio da Liberdade, antiga sede do governo de Minas Gerais, onde vai receber as últimas homenagens. Os portões do Palácio da Liberdade serão abertos ao público às 9h e todos poderão se despedir até as 13h. Os visitantes entrarão pela Avenida Bias Fortes, passarão pelo portão lateral, vão se despedir de José Alencar no salão nobre e sairão pela Avenida Cristóvão Colombo.
De lá, o corpo seguirá para o Cemitério e Crematório Parque Renascer, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde será cremado às 14h. José Alencar não só desejava voltar para o estado de origem, como também pediu à família para ser cremado. “Era em Minas que ele queria ficar”, disse a irmã do ex-vice-presidente Célia da Silva Peres de Freitas. Nesse momento, os familiares vão querer privacidade. Todo o trajeto do corpo em Belo Horizonte será acompanhado pelo exército, pela Polícia Militar, pela Polícia Civil, pela Força Aérea e pelo Corpo de Bombeiros. Ele será levado até o Palácio da Liberdade pela viatura American La France, modelo Invader, a mesma que carregou o corpo do ex-presidente Tancredo Neves (leia mais sobre o velório de Tancredo na página 10). Trata-se de um histórico carro-bomba projetado e construído especialmente para o Corpo de Bombeiros, aparelhado para o combate a incêndios.
Além do carro, o percurso do corpo de Alencar na capital mineira — onde ele viveu durante anos — será o mesmo do de Tancredo. A viatura vai sair da Base Aérea na Pampulha e passar pela Avenida Santa Rosa, pela Avenida Antônio Carlos, pelo Viaduto B, pela Rua Caetés, pelas avenidas Afonso Pena e Alvares Cabral. Atravessa, finalmente, a Alameda Travessia, da Praça da Liberdade, e para na porta do Palácio da Liberdade. O percurso na Alameda será acompanhado pela cavalaria e pelos dragões da Inconfidência.
Às 13h, o carro do Corpo de Bombeiros com o corpo de José Alencar sai em cortejo do Palácio da Liberdade. Ele vai descer a Avenida Bias Fortes, passar pela Praça Raul Soares, pegar a Avenida Amazonas e a Rua Conde Pereira Carneiro, seguir pelas avenidas Via Expressa e Delta até a BR-040. Chega, então, ao Cemitério Parque Renascer.
Desde a redemocratização do país, Alencar é o segundo ex-vice-presidente que terá o corpo velado no Palácio da Liberdade, com honras de chefe de Estado. O primeiro foi Aureliano Chaves (1929-2003), vice de João Batista Figueiredo. Mineiro como Alencar, Aureliano foi vice-presidente do Brasil de 1979 a 1985.
Do Eixão à Esplanada, a gratidão popular
O trabalho de Alencar durante os oito anos em que esteve na Vice-Presidência da República foi muito lembrado por quem foi ao cortejo do empresário mineiro
Vinicius Sassine - Com Larissa Leite - Débora Álvares - Com Ana Elisa Santana - Com Naira Trindade
O cortejo fúnebre de José Alencar, transportado em carro aberto do Corpo de Bombeiros, mobilizou centenas de pessoas desde a chegada do corpo à Base Aérea de Brasília, às 10 horas. O Eixão Sul, a plataforma superior da Rodoviária, a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes não ficaram apinhados de gente durante o cortejo, realizado em pleno expediente de trabalho para a maioria das pessoas. Mas, por onde o carro passou, recebeu homenagens. O trajeto de 10 quilômetros entre a Base Aérea e o Palácio do Planalto foi feito às pressas. O Eixão Sul permaneceu vazio no início da manhã, mas o anúncio da chegada do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) mobilizou moradores de quadras próximas. Eles foram até a beira da pista ver o cortejo. Batedores da Polícia Militar (PM) e do Exército fecharam o trânsito para a passagem da comitiva.
Algumas pessoas acompanharam o cortejo da Rodoviária. Às 11 horas, quando o carro do Corpo de Bombeiros passou pela Esplanada dos Ministérios, o cenário que compõe os edifícios do Executivo foi alterado. Ao ouvir o aviso da escolta, muitos funcionários públicos tentaram enxergar das janelas o caixão, coberto pela bandeira do Brasil. Apesar da velocidade do veículo, a passagem foi aplaudida. As centenas de pessoas presentes na Praça dos Três Poderes também reverenciaram Alencar. Ao som de 21 tiros de canhão, o caixão foi removido do veículo por cinco bombeiros. A subida na rampa do Palácio do Planalto, pouco depois das 11 horas, ocorreu sob o som uníssono de um tarol. Depois, uma longa fila se formou em frente ao prédio oficial da Presidência para a visitação pública no interior do palácio.
Na praça
A pedagoga Rhill Melo, 38 anos, foi uma das primeiras a chegar à Praça dos Três Poderes. Às 8h30, ela reservou um banco da praça com um kit básico, que tinha livro, água, salgadinhos e até chimarrão. “No tempo em que Alencar esteve ao lado de Lula, o povo brasileiro teve mais acesso à educação e ao lazer. A união dos dois fez bem às pessoas, quebrou um pouco a política elitizada.” Os amigos Adriel Mateus de Moura, 20 anos, e Vitor Henrique Toledo, 19, tinham acabado de chegar de Minas Gerais quando foram para a Praça dos Três Poderes. O objetivo inicial era conhecer o cartão postal de Brasília guiados pela amiga Melissa Kelly, 17. Ao saber do cortejo, o trio decidiu assisti-lo. “É muito interessante estar aqui neste momento, tem uma comoção. Acredito que, sem o Alencar, o Lula não teria feito o que fez”, disse Adriel.
Sentadas às margens do Eixão Sul desde 8h50, Inereide Galdino, 41 anos, Anésia Gonçalves, 55, e Maria Auxiliadora Fernandes da Silva, 53, se emocionaram quando o carro dos bombeiros passou. “Alencar foi uma pessoa importante, de fé, que nos motiva a ser cada vez melhores”, disse Maria Auxiliadora. Ela esteve presente no mesmo local, em 1985, quando morreu o ex-presidente Tancredo Neves.
Pesar entre os colegas
Governadores de diversos estados participaram do velório do ex-vice-presidente, ressaltando a contribuição dada por José Alencar nas eleições de 2002, o respeito no trato com outros políticos e o bom humor mesmo nos momentos mais difíceis da batalha contra o câncer
Débora Álvares - Leandro Kleber - Rosana Hessel - Tiago Pariz
Além dos ministros de Dilma Rousseff, de deputados e senadores, governadores de vários estados cancelaram seus compromissos para prestar a última homenagem a José Alencar. O sentimento era de saudade, mas também de admiração pela força do mineiro, que cativou os colegas de política durante os oito anos de trabalho com Lula no Planalto. O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), acompanhou a chegada do corpo do ex-vice-presidente na Base Aérea, por volta das 10h, e também participou do velório no Palácio do Planalto. Ex-ministro dos Esportes do governo Lula, o petista se lembrou com carinho de Alencar e anunciou uma homenagem da capital federal ao “grande patriota”, como o descreveu. “Vamos abrir o hospital infantil do câncer, e ele era um grande patrocinador dessa causa. Por isso, vai ser chamado Hospital da Criança José Alencar. Ele estava ajudando na construção com a dona Mariza (esposa).” A luta firme e bem-humorada de José Alencar contra o câncer foi ressaltada pelo governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia. “Minas já deu muitos exemplos de vida e de luta para o Brasil. Sua luta incansável contra a doença, com certeza, vai ficar na memória de todos nós, brasileiros.” Anastasia também lembrou Guimarães Rosa para homenagear Alencar: “‘As pessoas não morrem, ficam encantadas’. É o caso do José Alencar. Um exemplo de resistência. À família que acompanhou suas batalhas, o nosso pesar, nossa solidariedade, o nosso abraço.”
Chefe do executivo de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) lembrou a vida empresarial de Alencar e destacou a ajuda do ex-vice-presidente na chegada do PT ao Planalto, em 2002. “Ele deu uma grande contribuição para o Brasil quando selou a aliança que confirmou a vitória do Lula.” Campos destacou, ainda, o exemplo deixado a todo o Brasil. “A memória que fica é de um homem que acreditou no trabalho, no Brasil e teve muita fé na vida.” Para o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, Alencar foi fundamental para o sucesso dos dois governos Lula, porque era a “consciência crítica” do setor empresarial. “Ele foi um grande ser humano. Sabia fazer política com afeto, respeito e ponderação. Foi um homem extraordinário. Ele é um exemplo de um grande político para uma grande democracia.” O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também lamentou a morte do mineiro, que, segundo afirmou, “sempre foi atencioso com o estado”.
Desmaio militar
Um integrante da Marinha passou mal durante o velório no Palácio do Planalto. Ele foi socorrido e levado ao departamento médico da Presidência da República. O militar, cujo nome não foi divulgado, estava formando a guarda de honra no funeral de José Alencar, ao lado de outros integrantes da Aeronáutica e do Exército. Segundo a assessoria do Planalto, ele teria sofrido uma queda de pressão e foi medicado no próprio palácio. O militar, depois de receber os primeiros socorros, passa bem. Foi o segundo caso parecido este mês. No último dia 19, um soldado da guarda presidencial desmaiou na rampa principal instantes antes da chegada do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Em eventos como o de ontem, quando os militares ficam grande parte do tempo em pé e expostos ao calor, além das refeições normais — café da manhã, almoço e jantar — eles recebem lanches como reforço alimentar.
(Edson Luiz).
Cerimônias para o povo
O velório de José Alencar guarda semelhanças com o do ex-presidente Tancredo Neves, morto em 1985
Larissa Leite
Uma das primeiras providências da presidente Dilma Rousseff ao saber da morte de José Alencar foi telefonar para um dos filhos do ex-vice-presidente: Josué Christiano Gomes da Silva, o caçula. Ela colocou o Salão Nobre do Palácio do Planalto à disposição para a cerimônia de velório. A homenagem tornou José Alencar o segundo brasileiro a receber honras fúnebres no palácio presidencial. Pela primeira vez desde a morte do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, pessoas comuns subiram a rampa do palácio. “Nós oferecemos o Palácio do Planalto na condição de chefe de Estado. Ele também foi um presidente inesquecível de nosso país”, afirmou Dilma, em pronunciamento feito de Portugal. Alencar presidiu o país durante 398 dias, na ausência de Lula.
Uma particularidade une as biografias das duas autoridades veladas no palácio: o nascimento em Minas Gerais. Um dos políticos que prestaram homenagem a Alencar, na manhã de ontem, foi Aécio Neves (PSDB-MG), neto de Tancredo Neves. Na ocasião, o senador enalteceu Alencar e destacou a importância política dos dois. “Muitas vezes, fui visitá-lo no (hospital) Sírio-Libanês e nunca me encontrei com um moribundo, mas sim com um homem que pensava no dia seguinte. O maior legado que ele nos deixa é que vale a pena viver”, afirmou. Ao fazer um paralelo com o avô, declarou: “São dois grandes mineiros. Tancredo Neves, com uma trajetória de vida pública que nos levou à democracia. Alencar, o grande avalista de Lula, ajudou muito para que ações corretas fossem tomadas no governo”.
Antes de chegar ao Palácio do Planalto — onde em ambos os casos os Dragões da Independência estavam à espera para a condução dos caixões —, os cortejos fúnebres das duas autoridades tiveram ainda uma característica semelhante: a velocidade com que o percurso foi feito na capital. Segundo registros da época, o veículo que levava Tancredo Neves ao velório chegou a atingir 70km/h. Ontem, moradores de Brasília que viram a passagem do corpo na Esplanada dos Ministérios também comentaram a velocidade dos carros oficiais. A quantidade de pessoas que acompanharam o velório das duas autoridades, no entanto, marca a diferença dos dois momentos históricos. No caso de Tancredo Neves, cerca de 7 mil homens da Polícia Militar e do Exército tiveram que fazer a segurança do cortejo para evitar a aproximação de populares, em Brasília. Estima-se que 2 milhões de pessoas tenham acompanhado os cortejos de Tancredo realizados em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e São João Del-Rei (MG). O ex-presidente faleceu em 21 abril de 1985, aos 75 anos. Ele adoecera 39 dias antes, em 14 de março, na véspera da posse.
BRASÍLIA-DF
Por Luiz Carlos Azedo
Na reserva
O chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira (foto), deixa o posto hoje e passa à reserva. Considerado o mais brilhante oficial de sua geração, era o último linha-dura do Alto Comando do Exército. Recebeu ordens do comandante do Exército, General Enzo Peri, para esquecer as comemorações do golpe militar de 1964 ao se despedir dos colegas.
Polêmico
Ex-comandante militar da Amazônia e o primeiro a chefiar a missão da ONU no Haiti, o general Heleno fez por diversas vezes declarações polêmicas, a última delas há exatamente um ano: “Hoje, fora do contexto, é fácil falar sobre abusos na luta contra a subversão. Como deveriam ter agido as forças legais? Saibam os que nos condenam, muitos deles ex-terroristas e ex-guerrilheiros, hoje ocupando altos postos da República e que jamais defenderam ideais democráticos, que nossa paz teve um preço. Ela é um legado daqueles que cumpriram sua missão e não fugiram ao dever nem à luta”.
GUERRILHA
Major Curió preso com arma ilegal
O ex-agente do SNI e oficial da reserva do Exército foi detido em uma de suas propriedades rurais na terça-feira. Mas foi liberado, depois de prestar depoimento, por um habeas corpus
Diego Abreu
A Polícia Federal (PF) prendeu na terça-feira, em Brasília, o oficial da reserva Sebastião Curió Rodrigues Moura, mais conhecido como major Curió, sob a acusação de posse ilegal de arma de fogo. A PF não informou o local onde ele estava quando foi detido, mas confirmou ao Correio que a prisão ocorreu em um sítio de propriedade de Curió. Por ser militar, ele foi levado para o Batalhão de Polícia do Exército, mas acabou liberado no mesmo dia, após conseguir um habeas corpus. Curió é apontado como um dos chefes da repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975), que agiu durante a ditadura militar. Contra o oficial da reserva, pesam acusações de que teria ocultado corpos de militantes de esquerda contrários ao regime militar, que governou o Brasil de 1964 a 1985.
Os agentes federais descobriram, na manhã de terça-feira, que Curió tinha uma arma de fogo sem documentação quando cumpriram um mandado de busca e apreensão, expedido pela 1ª Vara da Justiça Federal a pedido do Ministério Público Federal (MPF), em duas residências do major Curió, ambas no Distrito Federal. De acordo com o Ministério Público Federal, foram apreendidos um computador, diversos documentos e a arma de fogo. Todos os objetos passarão por perícia da Polícia Federal e posterior análise de procuradores. Segundo a procuradora da República Luciana Loureiro, “as buscas e apreensões são uma tentativa de localizar documentos que possam revelar o paradeiro de corpos de militantes políticos que participaram da Guerrilha do Araguaia”.
Na terça-feira, o major Curió prestou depoimento à Justiça e ao MPF, por iniciativa própria, antes de ser encaminhado para a Superintendência da PF, onde foi lavrado um auto de prisão em flagrante por porte ilegal de arma. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2009, Curió admitiu que pelo menos 41 militantes de esquerda foram executados depois de serem rendidos pelo Exército. As mortes de guerrilheiros, em sua maioria do PC do B, ocorreram na região do Bico do Papagaio, localizado do Sul do Pará.
Ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), o major Curió chegou ao Pará na década de 1970. Há dois anos, Jarbas Silva Marques, militante que ficou preso durante 10 anos do governo militar, afirmou que os documentos que estão em posse de Curió devem desagradar a cúpula das Forças Armadas. “Parece-me que Curió rompeu o pacto de silêncio mantido por seus colegas porque ele pode estar com medo de que lhe aconteça algo”, disse Marques, na ocasião.
VOO 1907
Justiça interroga pilotos do Legacy
Renata Mariz
No primeiro depoimento à Justiça brasileira, o piloto Jan Paul Paladino, que guiava o jato Legacy no momento da colisão com o voo 1907 da Gol, em 2006, matando 154 pessoas, negou ter cometido qualquer falha, mesmo sem intenção, que tenha ocasionado o desastre. Admitiu, porém, que nunca tinha voado naquele modelo específico de aeronave, fabricado pela Empresa Brasileira Aeronáutica (Embraer), embora tenha enfatizado a familiaridade com jatos semelhantes.
Depois de ressaltar, reiteradas vezes, que o sistema anticolisão (TCAS, pela sigla em inglês)
parecia estar ligado em seu painel durante o percurso, Paladino jogou a responsabilidade para o controle de tráfego aéreo brasileiro, enumerando problemas que teriam contribuído para o desastre, tais como dificuldades de comunicação e defeitos nos radares. Joseph Lepore, que também estava na aeronave, será ouvido hoje. Eles falam de Nova York, por meio de videoconferência, com o juiz federal Murilo Mendes, em Brasília. Ambos são acusados de atentado à segurança aérea.
Parentes de vítimas do acidente acompanharam a audiência na sala onde o juiz ouvia as explicações de Paladino. Do lado de fora do prédio, manifestantes empunhavam faixas e vestiam blusas pedindo a pena máxima para os pilotos. Filha de uma passageira morta no desastre, Anne Rickli considerou as explicações de Paladino muito evasivas. “Parece que fica fazendo rodeios para enrolar e não responder as perguntas. O que nós queremos é um julgamento justo”, destacou Anne. Assim que os pilotos finalizarem seus depoimentos, as partes farão as alegações finais. A sentença, segundo o juiz Murilo Mendes, sairá no fim de abril ou, no máximo, em maio.
Ontem, o juiz se irritou com as interrupções do advogado de defesa, Theo Dias, que estava ao lado de Paladino, em Nova York. O pai dele, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, também acompanha o caso, do Brasil. Ambos ouviram uma reprimenda do magistrado, no momento em que Theo tentou sugerir ao magistrado fazer uma pergunta. “Era só o que faltava o senhor dizer o que eu tenho que perguntar”, reclamou, ríspido, Mendes. José Carlos saiu em socorro do filho, mas também ouviu. “O seu filho já fez três intervenções. Ele terá a sua vez de perguntar”, respondeu Mendes.
MEMÓRIA
154 mortos na tragédia
Às 16h48 de 29 de setembro de 2006, o Boeing 737 da Gol, que fazia a rota Manaus-Brasília, sumiu dos radares do sistema de controle de tráfego aéreo. Um jato Legacy, guiado por dois norte-americanos, havia colidido com a aeronave brasileira, causando a queda. Os destroços foram encontrados em área densa da Floresta Amazônica, no estado de Mato Grosso. O resgate dos restos mortais das 154 vítimas, dos quais oito eram crianças, durou semanas. Foram necessários exames de DNA para reconhecer os corpos.
Além de Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, pilotos do Legacy, foram indiciados os controladores de tráfego aéreo Jomarcelo Fernandes dos Santos e Lucivando Tibúrcio Alencar. Eles foram ouvidos pela Justiça na última terça-feira. Sobre eles pesam acusações de que não teriam percebido que o Legacy voava em rota de colisão com o Boeing da Gol.
O acidente deflagrou a pior crise no sistema aéreo brasileiro, com a revolta dos controladores, que denunciaram condições péssima de trabalho e falhas graves na segurança de voo do país. Zonas cegas e problemas de comunicação entre os pilotos e as equipes em terra descortinaram um sistema até então insuspeito. A desmilitarização do setor chegou a entrar em pauta. Waldir Pires, ministro da Defesa à época, caiu, assim como José Carlos Pereira, presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).
SR. REDATOR
Homenagens
Gostaria de sugerir à presidenta Dilma Rousseff e ao governador de Minas Gerais para homenagear o José Alencar dando o nome dele ao Aeroporto Internacional de Confins.
Simão Szklarowsky, Ceilândia
NOTAS
VISITA A CUBA
Entre “velhos amigos”
O ex-presidente americano Jimmy Carter e o colega cubano Fidel Castro encontraram-se ontem em Havana “como velhos amigos”, anunciou o próprio Carter, pouco antes de deixar Cuba ao fim de uma visita “privada” de três dias. Castro, 84 anos, era presidente quando recebeu Carter, hoje com 86, durante sua primeira visita à ilha, em 2002. O líder da revolução comunista de 1959 passou o poder em 2006, por motivos de saúde, para o irmão Raúl, que também se encontrou com o visitante (foto). Durante a estada em Havana, o Nobel da Paz de 2002 também conversou com um grupo de opositores e dissidentes, além de líderes religiosos. Também visitou na prisão o americano Alan Gross, condenado no início do mês em Cuba por espionagem. Ele estava no país a serviço do Departamento de Estado americano para fornecer equipamentos de comunicação por satélite à comunidade judaica de Havana.
VENEZUELA
Armas preocupam
Os Estados Unidos estão preocupados com a possibilidade de que armas vendidas pela Rússia à Venezuela terminem “em mãos erradas” — como a guerrilha colombiana das Farc —, declarou ontem o chefe do Comando Sul norte-americano, general Douglas Fraser. A venda de material bélico russo a países latino-americanos é uma oportunidade para essas nações atualizarem os recursos de suas Forças Armadas, disse Fraser, durante uma audiência no Congresso. Desde 2005, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, fechou com Moscou contratos no valor total de mais de US$ 4 bilhões para comprar caças avançados e outros aviões militares, helicópteros de combate e 100 mil fuzis Kalashnikov — cuja fabricante instalará uma filial na Venezuela. No ano passado, Chávez fez uma nova encomenda de tanques e mísseis antiaéreos, aquisições que foram alvo das críticas de Washington.
HAITI
Fraude comprovada
O Conselho Provisório Eleitoral confirmou que houve fraude também no segundo turno das eleições presidenciais no Haiti, no último dia 20. Segundo Witmack Matador, chefe do Conselho, 14% das atas de votação, que somam 1.518 cédulas, foram consideradas inválidas por serem “visivelmente fraudulentas”. Questionado sobre se esse percentual colocaria em questão o pleito, ele não respondeu. A disputa, entre a ex-primeira-dama Mirlande Manigat e o cantor popular Michel Martelly, depois de ser adiada por mais de dois meses. O candidato governista, Jude Célestin, foi inicialmente apontado como segundo colocado no primeiro turno, mas perdeu a vaga no segundo turno para Martelly por causa de acusações de fraude, comprovadas por investigação da Organização dos Estados Americanos.
AMEAÇA NUCLEAR
Brasil vai vistoriar alimentos do Japão
Importações e bagagem passarão por controle de radiatividade nos portos e aeroportos
» Isabel Fleck
A partir de segunda-feira, o governo brasileiro passará a monitorar os alimentos importados do Japão e intensificará a inspeção sobre a bagagem que chega com passageiros vindos do país em voos comerciais. A decisão foi tomada ontem, em reunião no Ministério da Saúde, com representantes do Ministério da Agricultura e da Pesca, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). O objetivo é verificar a quantidade de radiação presente nos alimentos que vêm de áreas próximas à usina de Fukushima 1 (Daiichi), danificada após o terremoto seguido de tsunami, ocorrido há 20 dias. A definição brasileira saiu no mesmo dia em que o Japão lançou um apelo à Organização Mundial do Comércio (OMC) para que a comunidade internacional não imponha restrições “injustificáveis” a seus produtos.
De acordo com a Anvisa, as medidas são apenas de “precaução”, já que o governo considera “quase nulo” o risco de contaminação. Os alimentos vindos das 12 províncias com risco de contaminação terão de entrar no país com uma declaração das autoridades sanitárias japonesas de que estão aptos para consumo. Além disso, passarão por inspeção nos portos e aeroportos. Os produtos das demais regiões japonesas também serão fiscalizados, mas por “amostras aleatórias”.
Nos aeroportos, os esforços serão destinados apenas às bagagens vindas do Japão. Os passageiros não passarão por nenhum tipo de detecção. Para o governo brasileiro, isso é desnecessário tendo em vista que, de mais de 92 mil pessoas analisadas no Japão, menos de 100 registraram índices mais altos de radiação. As autoridades brasileiras também argumentam que, como todos os voos entre Japão e Brasil fazem escala na Europa ou nos EUA, a verificação já terá sido feita. Entre os alimentos japoneses que o país importa estão peixes, algas, alguns tipos de camarão e chás.
Fukushima 2
No Japão, a corrida contra o tempo se intensificou depois que fumaça foi vista saindo da usina de Fukushima 2 (Daini), que até ontem não apresentava anormalidades. Segundo autoridades, o problema foi causado numa parte elétrica do sistema de bombeamento de água, mas não resultaria em vazamento de radiação para o ambiente. Em Fukushima 1, equipes de emergência começarão hoje a revestir o local com uma resina, na tentativa de reduzir o escape de material radioativo. A operadora do complexo, a Tokyo Electric Power (Tepco), considera ainda a opção de usar um navio-tanque para retirar do local grandes volumes de água radioativa.
Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto, o navio-tanque pode ser uma boa opção no curto prazo. “Com o líquido radioativo na usina, fica difícil chegar às conexões para religar as bombas e garantir a refrigeração a longo prazo”, observa. Ele acredita que a solução da resina — uma tática mais convencional — também pode ajudar.
Enquanto na região afetada a intenção é evitar um desastre humano e ambiental, em Tóquio, o imperador Akihito tenta recuperar sua imagem, após as críticas pela sua ausência após a tragédia. Ontem, ele e a imperatriz Michiko visitaram um alojamento onde estão 300 desabrigados, a maioria vindos de Fukushima. Hoje, ele receberá em Tóquio o presidente francês, Nicolas Sarkozy, primeiro chefe de Estado a visitar o país depois do terremoto.
Desacreditada e desvalorizada
Desde o terremoto seguido de tsunami, há 20 dias, as ações da Tokyo Electric Power (Tepco),que opera a usina nuclear de Fukushima, perderam 75% do valor, em meio a rumores sobre a possível nacionalização da empresa, que é a maior do setor elétrico no Japão e uma das maiores do mundo. Na última terça-feira, a desvalorização foi de 18,67%.Problemas físicos causados aos funcionários, informações equivocadas sobre o acidente e a ausência de seu presidente — que alegou doença — colocaram em dúvida a capacidade da Tepco para lidar com o pior acidente nuclear desde de Chernobyl, em 1986.
SEGURANÇA ENERGÉTICA
Para Obama, Brasil é exemplo
Dez dias depois de ter visitado o Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, voltou a citar o país como exemplo, desta vez pela aposta no etanol e em outras variantes de biocombustíveis, como alternativa econômica e ecológica aos derivados de petróleo. “Se alguém duvida do potencial dos combustíveis renováveis, pense no Brasil. Lá, mais da metade dos veículos pode usar biocombustíveis”, elogiou. Em discurso sobre segurança energética, na prestigiosa Universidade Georgetown, Obama anunciou planos para reduzir as importações americanas de petróleo, que eram de 11 milhões de barris por dia quando ele chegou à Casa Branca, em janeiro de 2009: “Em pouco menos de uma década, teremos cortado esse número em um terço”, prometeu.
Para cumprir a meta, o presidente propõe aumentar a produção nacional, expandindo as explorações, mas também incentivar o uso de energias limpas, desde biocombustíveis ao gás natural — algo que já havia antecipado em seu discurso sobre o Estado da União em janeiro. No discurso, ele lembrou que instruiu os departamentos de Energia e Agricultura a colaborarem com o setor privado para desenvolver “biocombustíveis avançados”, que possam ser usados em caminhões e aeronaves. Essa foi uma das áreas nas quais Brasil e EUA assinaram acordos de parceria durante a visita de Obama. Nos próximos dois anos, prometeu o presidente, serão instaladas pelo menos quatro biorrefinarias de última geração. Além disso, o governo pretende chegar a 2015 com um milhão de veículos elétricos em circulação no país.
Opção nuclear
Apesar das notícias preocupantes vindas do Japão, que luta para evitar um acidente nuclear de proporções trágicas na usina de Fukushima, danificada pelo terremoto do último dia 11, Obama voltou a defender o uso da energia atômica — como fizera na reta final da campanha vitoriosa pela Casa Branca, em 2008. A meta fixada por seu governo para a conversão “verde” da matriz energética norte-americana prevê que até 2035 80% da eletricidade consumida no país tenha fontes “limpas”. “Hoje, mais ou menos 40% da nossa eletricidade vem de fontes limpas, mas sei que somos capazes de um desempenho muito melhor que esse. De fato, acho que, fornecendo os incentivos adequados, podemos dobrar essa taxa.”
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
Nenhum comentário:
Postar um comentário