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segunda-feira, 28 de março de 2011

28 de março de 2011 - FOLHA DE SÃO PAULO


Rebeldes aceleram ofensiva rumo a Trípoli
Fortalecidos por ataques ocidentais, insurgentes retomam Ras Lanuf e Bin Jawad e se aproximam de Sirte, terra de Gaddafi
Avanço na direção da capital da Líbia deve encontrar resistência maior, apesar de novos bombardeios de aliados

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A
BIN JAWAD (LÍBIA)

Fortalecidos pelo sucesso dos ataques aéreos ocidentais a tropas governistas, rebeldes da Líbia aceleraram sua contraofensiva ao oeste retomando duas cidades perdidas na semana passada.
Após recuperar Ras Lanuf e Bin Jawad, importantes polos petrolíferos, os insurgentes instalaram um posto a 150 km de Sirte, terra natal do ditador Muammar Gaddafi e penúltima cidade antes do alvo final: a capital, Trípoli.
Situado na saída oeste de Bin Jawad, numa estrada à beira do mar Mediterrâneo, o ponto é ocupado pelos combatentes insurgentes mais bem armados e preparados.
Os rebeldes, em sua maioria civis treinados às pressas por militares desertores, exibiam claros sinais de nervosismo e agitação em meio à escassez de informações sobre a presença de tropas líbias no caminho até Sirte.
A Folha viu ao menos três princípios de briga entre combatentes que queriam avançar imediatamente rumo a Sirte e outros que defendiam ação mais coordenada.
Insurgentes, vindos do leste em sua maioria, não estão em terreno familiar em Bin Jawad. A cidade é povoada por tribos leais a Gaddafi que abandonaram a área antes da chegada dos rebeldes.
Especula-se que o avanço dos rebeldes a oeste encontrará resistência cada vez mais forte, apesar de novos bombardeios contra Trípoli e ataques em Sirte ontem.
A entrada das forças antigoverno no bastião de simpatizantes de Gaddafi é resultado de um caminho iniciado há sete dias, quando caças franceses destruíram um imenso comboio militar que estava prestes a invadir Benghazi, capital rebelde e segunda maior cidade líbia.
A ofensiva de Gaddafi visava aniquilar o epicentro do levante -inspirado nas revoluções na Tunísia e no Egito-, que já havia contaminado boa parte da Líbia.
Desde a intervenção das forças ocidentais avalizada pela ONU, rebeldes vêm retomando terreno. Após recuperar com dificuldade Ajdabiyah e Brega, seguiram rumo ao oeste sem achar resistência em áreas desertadas pelos soldados de Gaddafi, que deixaram para trás um cenário de morte e destruição.
Na entrada de Ras Lanuf, a Folha viu carcaças de carros do Exército de Gaddafi bombardeados horas antes por caças ocidentais.

QUASE LINCHADOS
Um ônibus com africanos subsaarianos suspeitos de ser mercenários a serviço de Gaddafi foi parado na entrada de Ras Lanuf, e seus ocupantes escaparam por pouco de ser linchados. Rebeldes atiraram para o alto para dispersar a multidão em fúria.
Em Bin Jawad, rebeldes disseram que preferiam não entrar nas ruas do centro por temer presença de atiradores governistas escondidos nas casas. Até o anoitecer, centenas de carros cheios de insurgentes rumavam para oeste.












Dilma cobra do Itamaraty diplomacia de resultados
Presidente quer de seu chanceler menos simbolismos e mais ganhos
Planalto reclamou da pouca "substância" no encontro com Obama e de fala sobre Líbia que irritou rebeldes do país

NATUZA NERY
DE BRASÍLIA

Quando o chanceler Antonio Patriota indicou à presidente Dilma Rousseff que a vinda de Barack Obama ao Brasil em apenas três meses de governo já era, em si, um êxito, ela rebateu incomodada: afora os simbolismos, queria ver ganhos concretos.
A relação de Dilma com o Itamaraty passa por ajustes.
E só agora o Ministério das Relações Exteriores começa a entender o que a presidente quer nos próximos quatro anos: uma "diplomacia de resultados".
Embora haja sintonia na área dos direitos humanos, ainda existe descompasso em outras frentes.
Patriota, bem avaliado internamente neste início de governo, foi alvo de críticas nos casos Líbia-Obama.
O Planalto viu pouca "substância" e muita retórica no saldo do encontro com o presidente americano, e não gostou nada da nota "genérica" emitida no último domingo pelo Itamaraty pedindo o cessar-fogo no país de Muammar Gaddafi.
A presidente gostou menos ainda de saber que rebeldes líbios haviam criticado o posicionamento do Brasil, interpretado como tolerante ao regime ditatorial.
No dia seguinte ao comunicado, Dilma telefonou a Patriota enquanto embarcava para Manaus. Reclamou do tom da nota e de não ter sido consultada previamente sobre assunto "tão delicado". Ele concordou, e desculpou-se ao fim da conversa.
Depois de eleita, Dilma afirmou que não toleraria violações aos direitos humanos, uma mudança de rumo em relação ao ex-presidente Lula. Na quinta-feira, o Brasil contrariou o Irã em um organismo da ONU, após anos agindo no sentido contrário.
Com seu voto, o Brasil ajudou a aprovar o envio de um relator da ONU para investigar denúncias de caráter humanitário na nação persa. Outro sinal de diferença de estilo: foi Dilma, e não o ministério, quem escreveu a maior parte do discurso feito à mídia ao lado de Obama.
No lugar de um rascunho mais sóbrio, a presidente proferiu um discurso que tratava de "contradições" em negociações comerciais, financeiras e, no caso da reforma do Conselho de Segurança da ONU, políticas.
Na ocasião, referiu-se ao "passado" dando recado do que informou não querer no futuro: relacionamento bilateral "encoberto por retórica vazia". Até o roteiro usado por ela no encontro com Obama -fichas com os principais temas da conversa, os "talking points"- foi alterado para dar uma entonação mais objetiva à reunião.

AUTOCRÍTICA
Segundo relatos obtidos pela Folha, Patriota já teria dito que precisa se adequar ao estilo Dilma, e diplomatas resgatam a máxima de que não há Fla-Flu em política externa e que nem sempre os ganhos são concretos.
A despeito dos ajustes, interlocutores palacianos afirmam que a presidente tende a dar, aos poucos, mais poder ao Itamaraty e que ela não reproduziu o modelo "dual" de seu antecessor.
O então chanceler Celso Amorim dividia com Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência ainda no cargo, negociações internacionais importantes. Marco Aurélio, porém, continua liderando diálogos na América Latina e em outros países.
Dilma fará, em abril, sua primeira viagem à China, um parceiro estratégico e negociador duro. O evento dirá quão afinados estarão Itamaraty e a "diplomacia de resultados" desejada por Dilma.

Colaborou PATRÍCIA CAMPOS MELLO


Declaração de ex-chanceler gera desconforto dentro do governo
DE BRASÍLIA

As declarações do ex-chanceler Celso Amorim a respeito da condução da política externa brasileira provocaram um mal-estar tanto no Palácio do Planalto quanto no Itamaraty.
Em entrevista concedida à Folha na última quinta-feira, Amorim rompeu o seu silêncio e manifestou posição contrária à do Brasil na votação do Conselho de Direitos Humanos da ONU que aprovou o envio de um representante para investigar as possíveis violações de direitos humanos no Irã.
Nas palavras de um diplomata, o ex-ministro foi "deselegante" ao contestar a atuação brasileira nas Nações Unidas.
Ao jornal, Celso Amorim afirmou que "provavelmente" não votaria pela nomeação de um relator especial, marcando diferença com o seu sucessor.
Quando o Itamaraty estava sob a batuta de Amorim, sobraram críticas ao posicionamento do governo na questão humanitária.
Ao assumir a Presidência, Dilma impôs um rumo diferente e prometeu não tolerar casos de agressão aos direitos humanos nem se abster nas futuras votações sobre a matéria.
Segundo a Folha apurou, Antonio Patriota manteve discrição para não alimentar intrigas, mas não gostou da manifestação do colega. No Planalto, no entanto, ninguém gostou das declarações de Amorim.
Interlocutores da presidente disseram que Lula, o fiador da vitória de Dilma e dono de robusto apoio popular, fez questão de se manter distante dos holofotes, porém o seu antigo assessor não conseguiu. (NATUZA NERY E PATRÍCIA CAMPOS MELLO)


"Nunca vi coisa tão séria", afirma ministra sobre fraudes de juízes
Corregedora nacional de Justiça afirma que caso de desvios é "emblemático e muito grave"
Investigação revelou que foram fraudados cerca de 700 contratos de empréstimos, alguns em nome de fantasmas

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

"Em 32 anos de magistratura, nunca vi uma coisa tão séria", diz a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, ao falar das investigações que descobriram um esquema de empréstimos fictícios comandado por magistrados.
"O caso me deixa preocupada, porque está caminhando para a impunidade disciplinar. Mas é emblemático. É muito grave e deixa à mostra a necessidade do Poder Judiciário se posicionar", diz.
Os desvios patrocinados por um grupo de juízes federais a partir de empréstimos concedidos pela Fundação Habitacional do Exército foram objeto de investigação dos próprios magistrados.
Reportagem da Folha revelou que contratos foram celebrados em nome de associados fantasmas da Ajufer e juízes que desconheciam ter feito qualquer empréstimo.
Documentos mostram que, de 2000 a 2009, a Ajufer (Associação dos Juízes Federais da 1ª Região) assinou 810 contratos com a fundação.
Cerca de 700 foram fraudados. Ao menos 140 juízes tiveram os nomes usados sem saber, aponta apuração da própria Ajufer.

Folha - Como começou a investigação na corregedoria?
Eliana Calmon - Tive conhecimento com a ação de cobrança. Chamei o dr. Moacir. Ele me disse que tinha havido vários empréstimos e que colegas não pagaram. Chamei a presidente que o antecedeu, dra. Solange [Salgado]. Então, tive ideia dos desmandos na administração da Ajufer.

Quem mais foi ouvido?
Conversei com o general Burmann [Clovis Jacy Burmann, ex-presidente da fundação do Exército]. Ele me disse que a única pessoa que cuidou dos empréstimos foi o dr. Moacir. Voltei a ele, que me disse tudo. A partir da hora em que ele me confirmou que tinha usado indevidamente o nome dos colegas, eu não tive a menor dúvida.

Ele admitiu a fraude?
Ele admitiu tudo. E que os antecessores e diretores da Ajufer não participaram.

O que a levou a determinar o afastamento do juiz [decisão suspensa pelo STF]?
Os juízes estavam nervosíssimos. Um queria dar queixa na Polícia Federal, o outro queria entrar com uma ação. Teve juiz que chegou a dizer que ia mandar matar o dr. Moacir. Enfim, eu teria que tomar uma posição.

O que a sra. temia?
Meu temor é que ele ocultasse provas ou fizesse incursões. Ele mandou me entregar uma mala de documentos. Os juízes auxiliares ficaram estupefatos de ver os contratos, empréstimos de R$ 300 mil, R$ 400 mil. Causou muita perplexidade encontrar talonários de cheques já assinados pela presidente que o antecedeu.

Por que o TRF-1 não afastou o dr. Moacir, em janeiro, com base na investigação?
O corregedor votou pelo afastamento, mas o tribunal entendeu que era injusto afastá-lo e não afastar os demais envolvidos.

Alguns juízes temem que haja impunidade.
Doutor Moacir era uma pessoa muito simpática e o tribunal tinha dele o melhor conceito. Ficam com "peninha" dele. "Coitadinho dele." Não é coitadinho, porque ele fez coisa gravíssima.

Entre os suspeitos há algum desembargador?
Há ao menos um desembargador envolvido, tomou empréstimo alto, me disse dr. Moacir, e não pagou.


Infraero quer demolições em Congonhas
Estatal pede autorização para remover hangares e prédios da Vasp e ampliar espaço em aeroporto paulistano
Depois da retirada de 15 imóveis, governo deve usar a área livre como pátio de aviões e novos hangares, por exemplo

RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO

O governo federal prepara a demolição de 15 imóveis dentro do aeroporto de Congonhas, o segundo mais movimentado do país.
A intenção é ampliar a área do aeroporto por meio da remoção de hangares e prédios da Vasp, que parou de voar em janeiro de 2005 e teve a falência decretada pela Justiça três anos depois.
A Infraero (estatal que administra aeroportos) pediu autorização ao Conpresp, o conselho municipal de patrimônio histórico, para fazer as demolições. O caso será discutido em reunião do conselho amanhã, às 9h.
Intervenções em Congonhas têm de ser submetidas ao Conpresp, que em 2004 abriu processo de tombamento do aeroporto -ainda sem decisão. A abertura de processo "protege" o aeroporto, inaugurado em 1936, de descaracterizações.
A Vasp ocupa 10% da área de Congonhas. O espaço livre será utilizado como pátio de manobras de aviões, novos hangares e prédios adequados "às atuais necessidades", segundo a Infraero.
Também será erguido um acesso à nova torre de controle do aeroporto.
O objetivo é melhorar a "segurança" e a "operacionalidade" de Congonhas, diz a Infraero, com o reaproveitamento de prédios ociosos incorporados pelo governo federal depois de a Vasp falir. Permite-se ainda ampliar o uso do aeroporto sem necessidade de desapropriações.
A estatal não deu prazo para começar as obras.
Não haverá aumento no volume de operações do aeroporto, diz a Infraero. Congonhas tem 34 operações de pouso e decolagem por hora.

SAÍDA DOS AVIÕES
A demolição será quase concomitante ao desmonte e à remoção dos dez aviões da Vasp sucateados que estão em Congonhas. São aeronaves como um dos primeiros modelos de Boeing 737-200 a voar no Brasil. Nenhum tem condições de voo.
Processo ocorre por conta do Espaço Livre, lançado em fevereiro pelo Conselho Nacional de Justiça para remover dos aeroportos os aviões sob custódia judicial. Da Vasp, são 27 em todo o país.
A remoção dos aviões de Congonhas será em abril, a ser feita pelo Exército. As peças desmontadas serão leiloadas separadamente; por três vezes, a Justiça tentou leiloar as aeronaves inteiras, mas não houve interessados. É mais fácil vender um avião em partes do que inteiro, acredita o CNJ.
Também será uma maneira de a massa falida da Vasp, formada pelos funcionários e demais credores da companhia, economizar cerca de R$ 1.200 em diárias de estadia nos aeroportos brasileiros.


Zelador de bens da Vasp sente alegria e dor
DE SÃO PAULO

Zelador do que restou do patrimônio da Vasp em Congonhas, Josafá Candido, 54, está "meio chateado, meio alegre".
Chateado porque dá "dor no coração" de ver no chão os hangares e prédios por onde circulavam milhares de funcionários. "Hoje só sobrou eu."
Alegre porque "um espaço desses, onde foi nossa oficina de manutenção, voltará a ter alguma utilidade". Também porque o leilão das peças permitirá que os credores da Vasp recebam algum dinheiro.
Ele mesmo é um ex-funcionário da Vasp, onde entrou em 1980, como auxiliar de pedreiro. Quando veio a falência, Josafá era encarregado de manutenção; a Justiça, então, o contratou para tomar conta de tudo.


SABER

RICARDO SEMLER
É bovina a humanidade?
Quatro dos cinco países mais bem colocados no Pisa são de regimes dirigistas ou totalitários

A DEMOCRACIA, ao contrário do que parece, diminui a cada ano no mundo. Durma-se com esse ruído. Para quem se anima com os movimentos dos jovens árabes, há que se considerar que algumas derrocadas de ditadores mudarão pouco o quadro.
A "The Economist" acompanha há quatro anos essa situação e não cai na conversa de países que têm eleições livres, mas manipulam a imprensa. E, desde que começou a monitorar 165 países, a democracia verdadeira tem caído ano a ano.
Agora, jovens no Oriente Médio saem às ruas para derrubar monstros e palhaços que há décadas barbarizam seus países. Não cabe perguntar por que esses movimentos ocorrem, pois é óbvio.
Não vale creditar muito ao Facebook -facilita, mas onde estava a internet nas revoluções Americana (1776), Francesa (1789) e Russa (1917)? Vale, sim, perguntar por que os pais desses jovens aceitaram, plácida e bovinamente, décadas de ditadura deslavada. Por que brasileiros aceitaram duas décadas de ditadura militar ou por que americanos aceitaram que Bush afogasse em torturas -como se no porão do DOI-Codi- suspeitos de terrorismo?
Bufonaria em democracia ocorre sempre -é só mirar o Berlusconi ou lembrar que aquele seu Collor de Mello, que a bovina massa expulsou do poder, agora -desde o mês passado- nos representa no mundo como presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado! Cadê o movimento facebookiano dos jovens daqui?
A primeira conclusão poderia ser a de que povo, contanto que seguro, com economia controlada e com medo de erguer a voz, aceita privações de liberdade. Com adição de terror consegue-se muito mais: juntar milhões de judeus em estações de trem ou fazer dezenas de milhões de indianos, iraquianos e ruandeses matarem seus vizinhos de muro. Suspenda-se esse raciocínio para pensar no resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) sobre as nações mais educadas do mundo. Cansou-se, no Brasil, de dizer que a ditadura não investia em educação porque povo educado não tolera ditador.
Agora, 4 dos 5 países melhores no ranking do Pisa estão sob regimes dirigistas ou totalitários. E agora, José? A verdade é que o sistema de educação no mundo divide-se em dois: o que manda aprender o que o governo quer (isso vai muito bem, obrigado, na Ásia) ou o que persiste num método de submissão para gerar uma linha de montagem de pessoinhas educadinhas que sirvam para o mercado de trabalho (é nóis na fita).
Os dois têm algo em comum: geram reações de manada que, a cada tanto, têm que se rebelar -mas só quando o absurdo passa de todos os limites. O que temos a dizer? Muuu?

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RICARDO SEMLER , 51, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachuesetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco") que venderam 2 milhões de cópias em 34 línguas.

 FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

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