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quinta-feira, 24 de março de 2011

24 de março de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
Novo ministro surpreende e joga Ficha Limpa para 2012

Com o voto de desempate do ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 a 5, que a Lei da Ficha Limpa não vale para a eleição de 2010 e só terá efeitos na de 2012. Fux acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes, e afirmou que a lei, editada em junho de 2010, não poderia ter efeito para o mesmo ano. O resultado inverte a decisão do STF tomada no ano passado, quando, diante do empate, a Corte declarou a lei válida para o pleito que se realizava. E causará mudanças nas assembleias legislativas e no Congresso, pois políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas ainda assim concorreram, poderão ter votos validados. É o caso de Jader Barbalho (PMDB-PA), que disputou o Senado e obteve votos suficientes para ser eleito. Especialistas criticaram a decisão do STF. Para integrantes do Movimento Ficha Limpa, que colheu 1,6 milhão de assinaturas para o projeto, os fichas-sujas ganham sobrevida pública.


Ficha Limpa só valerá em 2012
No voto de desempate, ministro Fux surpreende e diz que medida não pode ter efeito retroativo

Carolina Brígido e Demétrio Weber

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. A decisão inverte a interpretação dada pelo tribunal, em julgamento realizado ano passado, quando a lei foi declarada válida para o último pleito. Haverá reviravolta na composição de assembleias legislativas e do Congresso Nacional: políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas, ainda assim, concorreram, poderão ter seus votos validados. Há no STF recursos de 29 políticos nessa situação. Agora, essas candidaturas terão de ser legitimadas - como a de Jader Barbalho (PMDB-PA), que concorreu sem registro a uma cadeira no Senado e obteve votos suficientes para ser eleito.
Ano passado, o STF julgou um recurso no qual Jader questionou o início dos efeitos da lei. A votação terminou em empate e os ministros optaram por manter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinara a aplicação da lei em 2010. O impasse ocorreu porque a composição do STF estava incompleta desde agosto de 2010, quando Eros Grau se aposentou. O ministro Luiz Fux foi nomeado para a vaga no último dia 3, com a missão de desempatar a votação. Ontem, o novato votou contra a validade da lei na última eleição.
A decisão foi tomada no julgamento do recurso do deputado estadual Leonídio Bouças (PMDB-MG), que teve o registro de candidatura negado porque fora condenado por improbidade administrativa - um dos impedimentos para disputar as eleições, segundo a lei. Fux ressaltou que o artigo 16 da Constituição Federal impede mudanças na regra eleitoral a menos de um ano da votação. A Lei da Ficha Limpa foi editada em 7 de junho de 2010.
- Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição - disse. - Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades no ano da eleição efetivamente inaugura regra nova inerente ao processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência da casa.

Fux elogia lei de iniciativa popular
Segundo Fux, o artigo 16 é uma garantia para eleitores e candidatos, pois evita surpresas e casuísmos às vésperas das eleições. Fux aproveitou para elogiar a iniciativa da lei.
- A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político - declarou, logo no início do voto.
Mas ponderou em seguida:
- Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional.
Os demais ministros mantiveram suas posições expressas no julgamento do caso Jader. Votaram contra a aplicação imediata: Gilmar Mendes, José Antonio Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da Corte, Cezar Peluso. Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ellen Gracie defenderam a validade para 2010.
No início da sessão, o STF decidiu que o julgamento teria repercussão geral. Ou seja, ao julgar outros recursos semelhantes, os ministros ficam obrigados a seguir o mesmo entendimento firmado ontem. Os recursos não precisarão ser submetidos ao plenário e serão julgados por um ministro. Estão nessa situação o ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB), candidato ao Senado; Janete Capiberibe (PSB-AP), candidata a deputada federal; e João Capiberibe (PSB-AP), candidato a senador.
O relator do caso Bouças, Gilmar Mendes, Foi o primeiro a votar. Ponderou que o STF não tem o dever de legitimar uma lei de iniciativa popular:
- Essa é a missão da Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária - disse. - Não raras vezes a Corte tem que defender o cidadão contra sua própria sanha, contra os seus próprios instintos. Dependendo da quadra, pode se defender o fuzilamento, a pena de morte. É preciso ter cuidado com esse interesse, o sentimento popular.
Gilmar criticou o período de inelegibilidade estabelecido pela lei para condenados por improbidade administrativa, que pode chegar a mais de 30 anos:
- Eu não consigo imaginar que tenha sido essa a intenção (do legislador). Se foi, é algo para a psiquiatria jurídica. O tema não é jurídico, é para a psiquiatria jurídica - disse.
A decisão foi tomada com base exclusivamente no artigo 16 da Constituição. No entanto, alguns ministros declararam posições contrárias a outros aspectos da lei. Gilmar, Marco Aurélio e Peluso criticaram a possibilidade de declarar alguém inelegível por ato praticando antes da edição da lei:
- Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram mandatos. Nunca foi editada na ditadura uma lei para punir fatos praticados antes de sua vigência - disse Peluso.
Após o julgamento, Fux esclareceu:
- Para frente, a Lei da Ficha Limpa está valendo.
Leonídio Bouças foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por improbidade administrativa. Em 2002, quando era secretário da Prefeitura de Uberlândia, teria usado a máquina para promover sua candidatura a deputado estadual. Segundo a Justiça mineira, houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial.


O AVANÇO DA DENGUE
Temido vírus 4 chega ao estado
Rio poderá viver no próximo verão a pior de todas as epidemias da doença

Maria Elisa Alves

Com a chegada do vírus 4 da dengue a Niterói, confirmada ontem pela Secretaria estadual de Saúde, o estado poderá enfrentar, no próximo verão, a pior epidemia da doença de todos os tempos. O alerta é de especialistas, que enumeram os fatores para que a situação fuja ao controle: como o vírus 4 não circulou ainda no Rio, toda a população é suscetível. Além disso, há muitos mosquitos Aedes aegypti em circulação - tanto que, de janeiro ao dia 19 de março, já foram registrados no estado 26.258 casos da doença. Em terceiro lugar, para complicar ainda mais o cenário, o vírus 2, responsável pelos doentes atuais, continuará a circular em 2012, atingindo principalmente quem tem menos de 23 anos e ainda não teve contato com ele, que foi responsável pela grande epidemia de 1988.
- Agora, com o fim do verão, a tendência é que os casos de dengue diminuam. Mas ainda há muitos mosquitos. Com a chegada do vírus 4, temos todos os ingredientes para uma grande epidemia, de proporções inimagináveis. Poderá ser a pior de todas - alerta o infectologista Edmilson Migowski.
Ele lembra ainda de outro problema com a chegada do vírus 4: os casos podem ser tornar, além de mais numerosos, mais graves.
- Muitos moradores do Rio já tiveram contato com os vírus dos tipos 1, 2 e 3. Agora, quem contraiu os três tipos poderá ter dengue pela quarta vez. E sabemos que, ao se ter a doença de novo, o quadro tende a ser mais grave. A população e as autoridades têm que acabar com os focos de mosquito para tentar evitar este quadro - diz Edmilson.

Duas irmãs são as primeiras vítimas
As duas primeiras vítimas do vírus 4 no estado são duas irmãs, de 21 e 22 anos, moradoras de Niterói. Elas apresentaram os primeiros sintomas de dengue durante o carnaval e foram atendidas, primeiramente, numa unidade do programa Médico de Família. Elas estão em casa e já se recuperaram da doença, mas o exame que identificou o tipo de vírus só ficou pronto ontem. Como nenhuma das duas viajou, a Secretaria estadual de Saúde confirmou que a transmissão pelo vírus 4 aconteceu no próprio estado. As medidas de bloqueio, como busca de focos na região onde as irmãs moram, já foram realizadas. A secretaria informou que, do início do ano até agora, 604 casos suspeitos de dengue foram registrados em Niterói.
A confirmação do vírus 4 nas duas irmãs de Niterói aconteceu um dia depois que Salvador, na Bahia, registrou a ocorrência do mesmo sorotipo 4 em dois doentes de dengue. Um dos contaminados tem 27 anos, é morador do bairro de Tancredo Neves (área de baixa renda da capital baiana) e foi internado com sintomas da doença no 6º Centro de Saúde de Salvador. O segundo tem 30 anos e mora no Acupe de Brotas (bairro de classe média). De acordo com a Secretaria de Saúde de Salvador (Sesab), os dois pacientes contraíram a doença antes do carnaval, já foram tratados e passam bem.
Segundo a superintendente de Vigilância de Proteção à Saúde da Sesab, Alcina Andrade, o perigo agora é a ocorrência de formas mais graves de dengue:
- Na primeira ocorrência, a chance de haver alguma forma mais grave é algo em torno de 8% a 10%. Numa segunda contaminação, o risco aumenta para 20%. Para todos os estados, vale a mesma recomendação: aos primeiros sintomas, como febre alta e dor nas articulações e corpo, é necessário procurar atendimento médico.


INFORMAÇÃO SIGILOSA
Receita revoga portaria sobre quebra de sigilo
MP com maior punição perdeu validade; órgão estuda enviar novo texto

Martha Beck

BRASÍLIA. Diante da perda de validade da Medida Provisória 507 - que fixava punições mais severas para a quebra de sigilo fiscal -, a Receita Federal foi obrigada a revogar ontem a portaria 2.166, que disciplinava a medida, e agora estuda como retomar o assunto. Uma possibilidade é enviar ao Congresso uma nova MP ou um projeto de lei nos mesmos termos da medida que foi derrubada.
As mudanças nas regras tinham sido uma resposta do governo às fortes críticas recebidas ano passado, diante de denúncias de acesso imotivado a dados de milhares de declarações do IR, entre elas as de pessoas ligadas ao então candidato tucano à Presidência, José Serra. A MP previa, por exemplo, que servidores da Receita que fizessem acessos imotivados a dados de contribuintes seriam suspensos até o caso ser esclarecido. Já quem emprestasse sua senha de acesso ao sistema do Fisco seria sumariamente demitido.
- O cidadão vai pensar duas vezes antes de abrir uma informação sigilosa ou vender por R$100 ou R$150, porque ele vai perder o emprego. E isso é para começar. Ele vai ainda responder às medidas judiciais cabíveis - chegou a dizer o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando divulgou as ações.
O secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto, disse ontem que o governo foi obrigado a revogar a portaria 2.166, porque a MP 507 "caducou por conta do processo legislativo". Na verdade, os parlamentares adotaram esse procedimento para dar um recado ao governo sobre a edição excessiva de MPs e a falta de tempo de discuti-las no Senado.
Segundo técnicos da área econômica, o governo sabe que não poderá deixar a questão de lado, sob o risco de ser acusado de "dar as costas" para um assunto de interesse da sociedade. Sem as regras mais rígidas, os procedimentos que estavam sendo adotados para dar mais segurança aos dados fiscais e cadastrais de pessoas físicas e jurídicas deixam de valer.


SEGURANÇA PÚBLICA
Salvador receberá programa de pacificação
Projeto de Base Comunitária de Segurança se assemelha ao das UPPS do Rio; objetivo é ocupar favelas maiores

RIO e SALVADOR. Favela pequena, no meio de bairros nobres de Salvador, o Calabar foi escolhido pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia para receber a primeira Base Comunitária de Segurança, programa similar ao das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio, como informou ontem Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO. Se tudo der certo, como espera o secretário de Segurança da Bahia, Maurício Teles Barbosa, a próxima comunidade a ser pacificada em Salvador será o Nordeste de Amaralina, que tem cerca de 90 mil habitantes e se assemelha, em nível de violência, ao Complexo do Alemão, no Rio, antes da ocupação pela polícia em novembro de 2010.

Ocupação permitirá serviços sociais na comunidade
Nos últimos tempos, o Calabar tem sido palco de confrontos entre traficantes, interessados nas facilidades que ali existem para a venda de drogas. O lugar é de fácil acesso e há uma clientela de alto poder aquisitivo, composta por moradores dos bairros ao redor. Segundo o secretário Maurício Barbosa, esses foram os principais motivos de o Calabar ter sido escolhido para receber, até o fim de abril, a primeira Base Comunitária de Segurança.
- Vamos analisar os erros e acertos no Calabar (que tem 18 mil habitantes) e partir para a implantação da Base Comunitária no Nordeste de Amaralina, nosso objetivo principal - informou Maurício Barbosa.
A base a ser instalada no Calabar também vai servir para atrair outras secretarias do governo, para levar ações de desenvolvimento social à comunidade. O secretário disse que 150 pessoas treinadas em policiamento comunitário vão atuar na área. Ele acrescentou que o futuro comandante da base estudou na Escola de Koman, no Japão, uma das melhores do mundo.
Inicialmente, os policiais ficarão sediados na associação de moradores. Mas já está pronta a planta de construção da base permanente, que ficará onde há um posto policial. Além da segurança, outros serviços são solicitados pelos moradores.
- De imediato, a gente precisa de segurança, uma farmácia e um açougue. Ninguém vive sem isso - cobrou a professora Lícia Raimunda de Souza Ferreira, de 53 anos, que mora há 24 no Calabar. Ter água encanada em casa é outra reivindicação dos moradores da comunidade.

Escravos se instalaram no local e criaram quilombo
O Calabar tem uma história de luta e resistência. Seus primeiros moradores foram escravos trazidos de uma região da África chamada Kalabari (atual Nigéria). Eles fugiram de seus senhores e se refugiaram no local, construindo um quilombo. Durante o governo de Octavio Mangabeira, no final da década de 40, a comunidade cresceu, com um grupo de pessoas ocupando o terreno que pertencia à Santa Casa de Misericórdia.
Na década de 60, a população aumentou mais uma vez, com a chegada principalmente de migrantes da zona rural e de outros pontos da cidade. A partir daí, a comunidade passou a reivindicar direitos básicos, como moradia, saúde e educação.


Especialistas aprovam batalhões menores
Secretário de Segurança Pública já planeja mudança, com construção de prédio no Quartel-General da PM

Especialistas em segurança pública estão vendo com bons olhos a iniciativa anunciada pelo secretário José Mariano Beltrame de diminuir as áreas dos batalhões e do Quartel-General da Polícia Militar. A ideia é transformar os espaços em estruturas mais verticais, à semelhança do que já ocorre, por exemplo, em Los Angeles e Nova York, nos Estados Unidos. Ontem, Beltrame se reuniu com o secretário da Casa Civil, Régis Fitchner, para discutir a medida, já projetando a mudança, como a construção de um prédio no QG da corporação.
— O conceito moderno de polícia demanda uma estrutura de imóvel pequena. Em São Paulo, há casos de batalhões que funcionam em casas de 300 metros quadrados. Não vale a pena manter uma grande estrutura, com refeitório, alojamento, se o policial recebe um vale-refeição e não precisa dormir no local de trabalho — comentou o coronel José Vicente da Silva Filho, exsecretário nacional de Segurança Pública.

Prédios parecidos com os de empresas
Beltrame ressaltou a importância de a polícia estar mais presente no patrulhamento e não concentrada nos quartéis:
— Temos que avançar, trazendo a polícia para o século XXI. Os batalhões nestas cidades americanas são prédios modernos, bem parecidos com os de grandes empresas. A polícia não tem que estar aquartelada, mas sim estar na rua. Quartéis com piscinas e quadras de futebol não são mais necessários — disse o secretário. — Vamos mudar a arquitetura dos batalhões. Eles terão mais tecnologia e serão mais ecológicos.
A PM informou que o QG não é tombado, apenas uma igreja, que será mantida. O projeto prevê que o novo prédio ocupe somente metade do terreno na Rua Evaristo da Veiga. A outra parte seria repassada para a iniciativa privada e traria mais recursos para o estado. Ao jornal “Valor Econômico”, o secretário de Segurança informou anteontem que a Petrobras estaria interessada no negócio.
O sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos de Violência Urbana da UFRJ, elogia a medida:
— O que o secretário quer fazer é a efetivação da polícia militar como polícia. A estrutura da PM é militar, da época em que a Guarda Civil era a responsável pelo patrulhamento. Isso mudou, mas a estrutura se manteve. Em todos os estados, é uma transformação que vem se dando há algum tempo. Embora seja uma medida para economizar recursos, ela vai além: é o reconhecimento da mudança de caráter da PM.
Na capital, na Região Metropolitana e no estado, há 40 batalhões. O primeiros deles a receber a mudança desejada por Beltrame seria o 6o- BPM, na Tijuca, cuja obra de redução de área e de construção de um prédio sairia em torno de R$ 22 milhões, num orçamento já feito pela Empresa estadual de Obras Públicas (Emop). A iniciativa já foi batizada de Batalhão-Padrão.
O batalhão instalado na Praça Tiradentes, segundo Beltrame, é outro que pode ter a área reduzida. O quartel de Botafogo é outro na lista dos que podem ter uma área menor a médio prazo.


CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Ideologias custam caro
O que é pior, não ter ideias ou ter as erradas? Difícil, mas é certo que alguns problemas graves do Brasil se devem a equívocos ideológicos, ou seja, ideias erradas, atrasadas ou fora de lugar. Nem é preciso procurar muito. Há dois exemplos gritantes no noticiário dos últimos dias: o Brasil perdeu vendas para o rico mercado americano por causa de uma diplomacia baseada numa espécie de bronca com os EUA; o Brasil não tem aeroportos adequados porque o governo Lula considerava um crime fazer concessões à iniciativa privada.
Obama esteve aqui. Nas conversas, a presidente Dilma e outras autoridades "cobraram" o maior equilíbrio nas relações comerciais, já que o Brasil tornou-se o único país importante (e exportador) a ter déficit no comércio com os EUA. Nada menos que US$11,2 bilhões no ano passado, depois de uma história de superávits ainda no início deste século.
No governo Lula, havia duas explicações para esse fato. Uma negativa: colocava-se a culpa no protecionismo americano, que dificulta e/ou encarece a entrada de produtos brasileiros importantes, como suco de laranja, etanol e carnes. A explicação positiva sustentava que o Brasil havia adotado a política de diversificar exportações, de modo a não ficar dependente do mercado americano. O sucesso dessa diplomacia comercial, dizia Lula, estava no aumento das vendas para outros países, especialmente China, que se tornou nossa principal parceira.
Há aí alguns fatos, mas a combinação não faz sentido. Os EUA têm medidas protecionistas em alguns itens que afetam o Brasil. Mas são também os maiores importadores do mundo - e que continuaram comprando mesmo durante a crise, inclusive do Brasil.
Tomando o período 2003/10, as exportações brasileiras para lá aumentaram cerca de 35%. Mas, para ficar aqui ao lado, as vendas do Chile subiram quase 90%, e as do Peru, 112%. Os dois países firmaram acordos comerciais com os EUA, mesmo aceitando restrições americanas.
Dirão os ideólogos da diplomacia lulista chamada Sul-Sul: eles ficaram presos na órbita americana, dependentes do império.

Falso
Exatamente como o Brasil, Chile e Peru aumentaram exponencialmente suas exportações para a China, hoje a principal parceira dos chilenos e peruanos, neste último caso empatada com os EUA. Na verdade, o que aconteceu no comércio externo de Chile e Peru foi, numa parte, o que se passou com o Brasil. A China consolidou uma expansão fortíssima, tornou-se grande importadora mundial e foi buscar produtos no mercado global.
Em resumo, a diversificação não se deu por causa da diplomacia dos países latino-americanos. Foi a China que veio aqui comprar minério de ferro, soja e petróleo, assim como foi ao Chile importar cobre e ao Peru em busca de cobre, zinco e petróleo. Reparem: todos os países emergentes, sem exceção, aumentaram suas vendas para a China.
A diferença entre Brasil e os colegas latinos está no comércio com os EUA. Todos estes aumentaram mais fortemente suas vendas para o mercado americano, ao mesmo tempo em que diversificavam para a Ásia.
Mesmo com protecionismo, portanto, há meios de vender mais para os EUA. Afinal, todo o mundo faz isso. Não é possível que o governo americano tenha uma bronca especial com o Brasil ou que nós não tenhamos nada para vender lá, além de suco de laranja, etanol e carnes.
O fato é o contrário: a diplomacia lulista desprezou o mercado americano, por ideologia. O ex-chanceler, Celso Amorim, perguntado por que o Brasil não buscava acordo comercial com os EUA, como faziam outros países, disse que a "gente não queria esses acordinhos".
Disso resultou a perda de bilhões de dólares de vendas nos EUA. Dizem que o governo Dilma será mais pragmático.

Aeroportos
É o outro caso de ideias que matam. Há anos está claro que o governo não tem os recursos nem a capacidade técnico-administrativa para reformar e construir aeroportos. No PAC, a Infraero tinha pouco mais de R$5 bilhões para 16 aeroportos. Uma mixaria ?- e a estatal nem consegue gastar o dinheiro.
A presidente Dilma fez o óbvio. Tirou a aviação civil dos militares e anunciou que concederá aeroportos à iniciativa privada, que tem o dinheiro e a capacidade. Em conversas reservadas, no governo Lula, alguns ministros diziam isso: ou privatiza ou não teremos os aeroportos da Copa. Por que não privatiza? Lula não quer nada de privatizações.
E assim acumulamos esses prejuízos todos por nada. A prova de que se tratava de um imenso equívoco ideológico está aí: se a sucessora de Lula diz que não tem nada de mais em privatizar....

Bolsa escola
A propósito da coluna "A bolsa é para a escola", aqui publicada no último dia 3, recebi o seguinte comentário do senador Cristovam Buarque: "O programa México Oportunidades saiu daqui, de Brasília. Os mexicanos vieram aqui e eu enviei pessoas para lá, como consultores do Unicef, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Foi daí que nasceu, no México, tanto o Bolsa Escola, como o Poupança Escola, depósito em caderneta de poupança para o aluno retirar se e quando concluir o ensino médio. Essa duas ideias estão no livro "A revolução nas prioridades", debatido a partir de 1987 e publicado em 1994 pela Paz e Terra. Ambas ideias foram implantadas no meu governo no Distrito Federal, a partir de 1995. Antes disso, estive auxiliando o grande José Roberto Magalhães, então prefeito de Campinas, que começou seu governo dois anos antes do meu. O programa de Campinas sempre esteve mais próximo do conceito de bolsa família do que bolsa escola."


ANCELMO GOIS

Bolsa-avião
A tarifa aérea média dos voos domésticos, em janeiro, foi de R$259,93, segundo a Anac, contra R$320,74 no mesmo período de 2010. Um dos motivos da queda de preço foi a política das voadoras para atrair a classe C.


ÁREA NUCLEAR
Fogo, a ameaça em Angra
Para presidente da Eletronuclear, usinas estão protegidas

Evandro Éboli

BRASÍLIA. As autoridades brasileiras da área nuclear repetiram ontem que as usinas de Angra dos Reis estão protegidas por não haver condições de ocorrer, no Brasil, o mesmo cenário de destruição do Japão. O presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro, estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia e responsável pelo complexo de Angra, afirmou que a principal preocupação é com o risco de incêndio nas instalações, pela presença de equipamentos como transformadores e cabeamento.
- Há uma psicose com incêndio, que é a maior ameaça, como em qualquer instalação industrial - disse Othon Pinheiro, na Comissão de Minas e Energia da Câmara.
O presidente da Eletronuclear também falou sobre planos de segurança em caso de um acidente. Othon repetiu que os reatores de Angra 1 e Angra 2 são mais modernos que os utilizados pelos japoneses e que o ciclo do combustível do urânio no Brasil é bem seguro.
- A gente está muito bem na fotografia com relação à segurança - afirmou.
Parlamentares da região, como o deputado Fernando Jordão (PMDB), ex-prefeito de Angra, criticaram o estado da rodovia que liga o Rio a Santos, e que seria um escape para os moradores em caso de terem que deixar com urgência a cidade.
- Não tem planejamento na estrada. Aquilo é uma colcha de remendo de buracos - disse Fernando Jordão.
Os representantes do governo apresentaram como alternativa utilizar os helipontos das casas e condomínios de turistas ricos que frequentam a cidade. Presente na reunião, o prefeito, Tuca Jordão (PMDB), primo do deputado, criticou o uso de helipontos e disse ser mais fácil fazer uma reforma no aeroporto do município, dando condições de pouso a aeronaves de porte médio para cima:
- O povo de Angra não anda de helicóptero. Sabemos que o PIB do Brasil tem casa em Angra, mas somos simples mortais que temos carros e precisamos da BR para escapar. E a estrada está em péssimo estado.
ECOS DA REVOLUÇÃO
Coalizão corta asas de Kadafi
Reino Unido anuncia destruição de forças aéreas da Líbia, e Otan inicia bloqueio naval

Após 300 missões aéreas e 162 mísseis de cruzeiro Tomahawk lançados por forças da coalizão desde o início da operação Odisseia da Alvorada, no sábado, o Reino Unido afirmou que as forças aéreas do coronel Muamar Kadafi “não existem mais como forças combatentes”, possibilitando que os aliados operem “quase impunemente” a partir do céu da Líbia. A destruição das defesas aéreas de Kadafi permitiu que os bombardeios da coalizão — até então realizados sobretudo nos arredores de Trípoli — se concentrassem ontem sobre tropas do ditador nas cidades de Ajdabiya, Misurata e Zawiya, onde rebeldes e militares vêm se confrontando violentamente, e franco-atiradores do regime têm matado civis. Os ataques a essas cidades levaram a um recuo das forças leais a Kadafi, sobretudo em Misurata, sitiada pelos militares pró-regime há dias.
A supremacia aérea sobre Kadafi foi reforçada com o início do bloqueio naval da Otan no Mediterrâneo, para impedir a entrada de armas na Líbia. Enfraquecida após quase 12 horas de bombardeio aliado, parte das tropas de Kadafi que cercavam Misurata fugiu ou foi destruída, dando uma trégua temporária a um confronto que dura cinco dias e já custou a vida de ao menos 100 pessoas, das quais 60 seriam civis. Pela primeira vez em dias, o comércio voltou a abrir em Misurata, apesar de franco atiradores leais ao regime continuarem no topo de prédios, matando somente ontem 17 pessoas, segundo o movimento insurgente.
Mas o foco de maior tensão residia num hospital da cidade, sob ataque de franco-atiradores, que ao cair da noite, com o fim da ofensiva aliada, foi cercado por tanques do regime. Ao menos três pessoas morreram no local. Segundo médicos desse hospital, a situação no estabelecimento é crítica, pois falta energia, medicamentos e o número de feridos é muito elevado.
— Os franco-atiradores estão atirando contra o hospital e as duas entradas estão sob forte ataque. Ninguém pode entrar ou sair — disse Saadoun, um morador da cidade, lembrando também que faltavam alimentos em Misurata devido ao cerco.
Em Zintan, cidade próxima à fronteira com a Tunísia também sitiada pelas forças de Kadafi, seis pessoas foram mortas em ataques, segundo um porta-voz rebelde. Em Ajdabiya, a pouco mais de 100 quilômetros a oeste de Benghazi, insurgentes continuam a disputar com militares o controle da cidade, com a ajuda dos bombardeios aliados para enfraquecer as tropas do governo. Já na cidade sede do movimento rebelde, Benghazi, onde a coalizão impediu o avanço das forças do ditador logo no primeiro dia da ofensiva, uma passeata foi organizada em agradecimento ao Ocidente.
Três jornalistas da AFP detidos em Trípoli foram liberados ontem, e uma equipe da al-Jazeera, também presa pelo governo, deve ser solta ainda hoje. Segundo o almirante americano Gerard Hueber, apesar das conquistas dos aliados nas cidades disputadas pelos dois lados, as forças militares líbias continuam em “ampla violação da resolução da ONU ao atacar a população civil”. Hueber afirmou que, por isso, a coalizão passou a atacar sobretudo a artilharia do regime e os mísseis móveis.
O presidente Barack Obama, no entanto, rejeitou uma invasão terrestre por tropas dos EUA para forçar a saída de Kadafi, descartando-a em entrevista à rede de TV Univision como “totalmente fora de questão”.
Ontem a coalizão ganhou o reforço da Espanha, que se juntou a outros dez países que participam da ofensiva, cedendo quatro caças F-18, um Boeing 707, um submarino e uma fragata, além de 500 soldados. Dois outros países árabes — Jordânia e Kuwait — também aceitaram participar da coalizão, mas se limitando apenas a um papel logístico. As novas adesões, no entanto, não escondem a preponderância dos EUA no conflito: das 175 missões realizadas de terça para quarta, 113 foram levadas a cabo pelas forças americanas. Ainda assim, o secretário de Defesa, Robert Gates, anunciou que poderia entregar o comando da operação já neste sábado.
Um assessor de Barack Obama voltou a afirmar que o presidente americano pretende transferir o comando para uma coalizão na qual a Otan tenha um papel-chave. Mas uma reunião ontem da Aliança Atlântica terminou sem nenhum consenso. A Otan, no entanto, começou a participar pela primeira vez da missão contra o regime de Kadafi, patrulhando as águas do Mediterrâneo para garantir o embargo de armas decretado pela ONU.
FONTE: JORNAL O GLOBO

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