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sexta-feira, 25 de março de 2011

25 de março de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA - NOVA ORIENTACAO / AMIZADE ABALADA
Brasil muda de posição na ONU e irrita regime do Irã
País apoia investigar casos de violação de direitos; Teerã acusa governo Dilma de "dobrar-se" aos EUA

O Brasil votou favoravelmente no Conselho de Direitos Humanos da ONU ao envio de um relator para investigar a situação das garantias individuais no Irã, informa o correspondente Jamil Chade. A ordem do Itamaraty era a de mostrar que o País terá nova postura em relação ao tema. ONGs e países ocidentais comemoraram a decisão. O Irã acusou o governo de Dilma Rousseff de “dobrar-se" à pressão dos Estados Unidos e insinuou traição. "É mesmo lamentável ver o Brasil adotar essa posição", disse o embaixador do Irã na ONU, Sayad Sajjadi. Teerã esperava uma abstenção, repetindo o padrão de votação durante o governo Lula. A avaliação do chanceler Antonio Patriota é que a relação entre os dois países é "madura para não ficar refém de uma ou outra decisão". A proposta teve 22 votos a favor, 7 contra e 14 abstenções.

Brasil muda de rumo, vota contra Irã na ONU e irrita regime dos aiatolás
Após dez anos de atuação diplomática que poupou Teerã de censura em fóruns internacionais sobre direitos humanos, País dá sinal de que o Itamaraty agirá com menos condescendência em relação a Estados que promovam violações de garantias individuais

Jamil Chade
Correspondente / Genebra

Marcando uma mudança importante na atuação da diplomacia brasileira, a representação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU votou ontem em favor de uma proposta, patrocinada por EUA e Europa, que determina o envio de um relator independente para investigar a situação das garantias individuais no Irã. O regime iraniano reagiu irritado.
A diplomacia iraniana acusou o País de "dobrar-se" à pressão dos EUA e insinuou uma traição. Argélia, Paquistão e outros países islâmicos também atacaram a posição brasileira. A nova posição do Brasil - antecipada na véspera pelo Estado - , que nos últimos dez anos havia poupado o regime iraniano de censura em fóruns internacionais, foi comemorada por ONGs e países ocidentais. A proposta foi aprovada com 22 votos a favor e 7 contra, com 14 abstenções. Entre os aliados do Irã estavam Cuba, China e Paquistão. A esperança de Teerã era de que o governo brasileiro se abstivesse, repetindo o padrão de votação durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva - que havia buscado intensificar a aproximação com o Irã para se apresentar até mesmo como mediador na questão nuclear entre Teerã e Washington.
Ontem, o mal-estar na relação com o Irã ficou explícito. "É mesmo lamentável ver o Brasil adotar essa posição", afirmou o embaixador do Irã na ONU, Sayad Sajjadi. "Não esperávamos isso do Brasil", disse.
Na segunda-feira, um dia depois da saída de Barack Obama do Brasil, o iraniano pediu uma reunião com a missão brasileira em Genebra, justamente para pressionar por uma mudança de posição. Seu recado foi de que Brasília não poderia fazer parte da campanha americana. Mas não foi ouvido.
Em seu discurso ontem à ONU, Sajjadi acusou a resolução de fazer parte de uma "campanha política organizada pelos EUA". "Mais uma vez, o tema de direitos humanos tem sido manipulado para defender os interesses de alguns", alertou. Segundo ele, são os EUA os maiores responsáveis por violações no mundo, citando o apoio a Israel, guerras no Iraque e Afeganistão e prisões secretas pelo mundo.
"Queremos manter o diálogo e esperávamos que a ONU fosse o lugar para isso. No Irã, estamos trabalhando pelos direitos da população e isso tem florescido", alegou, contradizendo o relatório do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon que aponta que a repressão tem sofrido uma alta preocupante no Irã.
Questionado se a relação comercial com o Brasil e a eventual participação na negociação nuclear seria afetada, o embaixador não foi otimista. "Isso é o que teremos de ver agora", alertou.
A embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, minimizava o voto e se esforçava para convencer de que o voto não era contra o Irã nem uma admissão dos erros do governo Lula. "É um voto a favor do sistema, não é um voto que é contra o Irã", disse. Segundo ela, o voto é ainda "coerente" com as posições que o país tem defendido na ONU. "Estamos dizendo a todos os países da ONU que a abertura para o sistema, receber visitas e dialogar é importante", apontou. Para ela, o governo Dilma insistirá que todos os países terão de ter um mesmo tratamento.
Mahmoud Ahmadinejad mantinha a relação com o Brasil como prova de que nem todo o mundo ocidental e democrático era contra o Irã. Mas nos primeiros dias do governo de Dilma - que em declarações públicas e entrevistas posicionou-se de forma contrária à sentença de apedrejamento da prisioneira iraniana Sakineh Ashtiani e deixou claro que não transigiria em temas de direitos humanos -, os iranianos já haviam se mostrado irritados com a presidente. Há um mês, em entrevista ao Estado, o chanceler iraniano confirmou atritos na relação bilateral.
Ontem, Mohammad Reza Ghaebi, negociador iraniano para temas de direitos humanos, foi ainda mais duro: "Neste momento que o Brasil deveria mostrar que é um país independente, e não um país pequeno que se curva aos interesses dos EUA", acusou. "É lamentável. Era uma questão de princípios", afirmou.
Orientado pessoalmente pela presidente, a ordem do Itamaraty era a de mostrar que o Brasil terá uma nova posição sobre direitos humanos. Outra constatação do País foi de que as oportunidades já foram dadas ao Irã por anos e Teerã não as aproveitou.
Do lado iraniano, porém, o sentimento de traição não vem por acaso. Na última década, o governo brasileiro se absteve ou votou contra todas as resoluções que condenavam o Irã. No ano passado, o Brasil foi um dos dois únicos países a não apoiar sanções contra Teerã por seguir com seu programa nuclear. No final de 2010, o Brasil absteve-se numa resolução que condenava o apedrejamento no Irã. Na ocasião, o ex-chanceler Celso Amorim alegou que "não votaria para agradar à imprensa". Ontem, apenas ditaduras votaram em favor do Irã.
Países islâmicos, que durante o governo Lula foram poupados de críticas por parte do Itamaraty, também não economizaram críticas ao Brasil. "O novo governo brasileiro está votando para agradar à opinião pública interna e ao Ocidente, não para mudar a vida dos iranianos", afirmou o embaixador da Argélia na ONU, Idriss Jazairy. Zamir Akram, embaixador do Paquistão na ONU -, falando em nome da Organização da Conferência Islâmica foi outro que criticou a diplomacia brasileira. "Vimos hoje uma mudança da visão do governo brasileiro", lamentou.

CRONOLOGIA
As relações com o Irã

Novembro de 2008
Parceria econômica

Chanceler Celso Amorim visita Teerã acompanhado de 30 empresários

Junho de 2009
Eleições no Irã
Em campanha, Ahmadinejad cancela visita ao Brasil. Mesmo com graves indícios de fraude eleitoral, Lula qualifica protestos da oposição de "choro de perdedor" e os compara a "rixa entre vascaínos e flamenguistas"

Setembro de 2009
Encontro
Lula reúne-se com Ahmadinejad na ONU

Novembro de 2009
Ahmadinejad no Brasil
Presidente iraniano realiza sua primeira visita oficial ao Brasil em giro pela América Latina

Dezembro e 2009
Diplomacia
Amorim visita o Irã e pede que Ahmadinejad não abandone diálogo nuclear

Abril de 2010
Crédito aos iranianos
Missão econômica liderada pelo governo brasileiro vai ao Irã para ampliar as linhas de crédito entre os dois países

Maio de 2010
Viagem ao Irã
Lula é o primeiro presidente brasileiro a visitar o Irã. Durante a viagem, Brasil une-se à Turquia para mediar um acordo internacional para que Teerã aceitasse discutir o seu programa nuclear. Proposta foi recusada pela ONU

Junho de 2010
Novas sanções
Brasil votou contra a imposição de uma nova rodada de sanções do Conselho de Segurança

Novembro de 2010
Caso Sakineh
Lula ofereceu asilo à iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, o que foi recusado por Teerã.
Na ONU, Brasil recusa-se a apoiar resolução que condena o apedrejamento, sob a alegação de que se trata de "questão cultural"

Dezembro de 2010
Sinais de distanciamento
Dilma Rousseff diz que Itamaraty errou ao não votar contra as violações dos direitos humanos no Irã. Em telefonema, a chancelaria iraniana fez um protesto formal contra as declarações na nova administração

Janeiro de 2011
Mudança de posição
Brasil posiciona-se ao lado de potências do Conselho de Segurança e recusa-se a integrar grupo que visitaria centrais atômicas iranianas, a convite de Teerã, afirmando que o trabalho de inspeção deve ser feito pela ONU



NOTAS & INFORMAÇÕES
Mais dois Ministérios

Não se criam Ministérios impunemente sob o ponto de vista fiscal. O Brasil, que já tinha 37 Ministérios, se computados órgãos como o Banco Central e Advocacia-Geral da União, cujos titulares têm status de ministros, deve passar em breve a contar com 39, com a recente instituição da Secretaria de Aviação Civil e do Ministério das Micro e Pequenas Empresas, a ser criado. Esse número é quase o triplo do da França (14 ministros). Naturalmente, o inchaço do organograma federal acarreta novas despesas, não só com relação à remuneração do ministro, do gabinete e funcionários, mas também porque toda nova Pasta tem planos próprios a implementar, exigindo dotações especiais. No caso do Ministério voltado para as empresas de menor porte, uma promessa de campanha da presidente Dilma Rousseff, o acréscimo provavelmente não será muito pesado, uma vez que está em plena operação, em todos os Estados do País, o Sistema Sebrae, que constituirá a espinha dorsal da Pasta. Mas, certamente, o novo Ministério só fará sentido se o governo federal realmente utilizá-lo para implementar um programa de estímulo ao empreendedorismo e à inovação.
O Sebrae deve sair da órbita do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), do qual também será retirada a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, presumivelmente com o propósito de engajar mais as pequenas e médias empresas nas vendas externas, nas quais têm tido uma participação diminuta. Significativamente, o nome mais cotado para chefiar o novo Ministério é o do economista Alessandro Teixeira, que presidiu a Apex-Brasil no governo Lula e atualmente é secretário executivo do MDIC.
Razões econômicas para dar maior suporte às micro, pequenas e médias empresas não faltam. Segundo dados do Sebrae, elas representam 98% dos 5,1 milhões de empresas em funcionamento no País, respondem por 58% dos empregos - o equivalente a 13,2 milhões de pessoas -, e movimentam anualmente um valor que corresponde a 20% do PIB. Quase todos os países desenvolvidos dispõem de órgãos governamentais para apoio às empresas menores, destacando-se entre elas a Small Business Administration dos EUA, criada em 1953, reunindo agências de desenvolvimento cuja existência remonta à Grande Depressão da década de 1930.
Relativamente aos países desenvolvidos, o número de jovens ou de ex-empregados que resolvem se estabelecer por conta própria, no mercado formal, é bastante baixo no Brasil e somente há pouco o número de pequenos empreendimentos em operação regular atingiu 1 milhão. Isso é diretamente atribuído aos entraves burocráticos e os dispêndios para abertura de um negócio. Calcula-se que o tempo requerido para constituir uma firma seja de 40 dias, no mínimo, se toda a documentação estiver correta. Se houver erro, o tempo pode chegar a 150 dias. Além disso, o processo de abertura de um negócio, por menor que seja, exige gastos do empreendedor, que variam de Estado para Estado ou mesmo de município para município, mas que estão na faixa de R$ 1.000 a R$ 4.000. Além de registros, inscrições, visto de um advogado nos estatutos, etc., são exigidos, em alguns casos, licença ambiental e alvará do Corpo de Bombeiros.
Os riscos são enormes. Segundo dados do Sebrae, 27% das microempresas vão à falência no primeiro ano de funcionamento, 37% no segundo e 58% ao fim do quinto, devido, em grande parte, a deficiências de gestão. A carga tributária foi reduzida com a introdução do SIMPLES, mas ainda é elevada e a lista de setores beneficiados, recentemente ampliada, ainda é reduzida. Além do custo do dinheiro ser pesado, o acesso ao crédito é problemático em face das garantias exigidas pelos bancos, que as empresas de pequeno porte frequentemente não têm condições de oferecer. Assim, espera-se que o novo Ministério, em vez de contribuir para o aumento da burocracia, aja para reduzi-la substancialmente e contribua para limitar a informalidade que ainda prevalece na área de pequenos negócios.


ESPAÇO ABERTO
As utopias do Xingu nos seus 50 anos

*Washington Novaes - O Estado de S.Paulo

Começa a tomar corpo em áreas da comunidade científica, do jornalismo, das artes, do Judiciário, além de organizações não governamentais, um projeto de levar à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma proposta de reconhecer o Parque Indígena do Xingu, que está completando 50 anos, como patrimônio histórico, cultural e ambiental da humanidade. Nada mais justo e necessário para essa área de 2,6 milhões de hectares (26 mil quilômetros quadrados), criada no governo Jânio Quadros, em 1961, por proposta dos irmãos Villas-Bôas, onde vivem 16 etnias e há vestígios documentados de ocupações e culturas há mais de mil anos. Mas essa grande ilha de conservação ambiental e cultural, em Mato Grosso, corre riscos muito graves, por estar no meio de um território devastado pelo desmatamento e pelo avanço das culturas de grãos e da pecuária.
A proposta tem apoio explícito, entre muitas figuras, do ex-ministro Gilberto Gil, do artista plástico Siron Franco, do ex-presidente da Funai Márcio Santilli (que já coordenou pelo Instituto Socioambiental o projeto Ikatu, de iniciativas para proteger as bordas do parque). Muita gente. Mas está esbarrando num ponto crucial: para ser examinada e aprovada pela Unesco a proposta precisa ser encabeçada pelo governo federal. E algumas áreas do governo resistem, por entenderem que o reconhecimento implicaria "restrições à soberania nacional", já que implicaria obrigações em relação ao parque e proibição de certas atividades que possam ameaçá-la (por isso não há no Brasil nenhuma terra indígena demarcada protegida pela Unesco).
É o mesmo caminho que, em 2002, impediu, por exemplo, que se construísse um capítulo sobre clima e meio ambiente na Agenda 21 nacional. Na ocasião, o representante do Itamaraty na comissão da Agenda declarou ali, explicitamente, que esse tema era "privativo do Itamaraty e da área de segurança nacional, porque implica restrições à soberania nacional". Em 2003, apresentada de novo a proposta à comissão da Agenda 21 e por ela aprovada, foi novamente esquecida.
É pena. Porque, à medida em que avança o cerco da produção sobre o Xingu, cresce o risco de transformação dessas culturas. Os jovens, até por causa do contato frequente com pessoas de fora do parque, e com ajuda da educação bilíngue (português e língua originária), que lhes permite assistir à televisão, querem todos os objetos e modos da cultura branca. Não querem ser pajés - e sem estes se esvaem os fundamentos de uma cultura toda regida por espíritos, que traduz seu respeito a essas entidades em cantos e danças, pinturas e adornos corporais; e todo um modo de viver.
Como já registraram tantos antropólogos, são culturas em que não há delegação de poder, em que o chefe não dá ordens - ele é o mais informado, o que melhor conhece a história de seu povo, sua divisão do trabalho; é o grande mediador de conflitos, o que fala melhor, o que mais sofre; mas não dá ordens. E cada indivíduo na aldeia é autossuficiente, sabe fazer tudo o que precisa para sobreviver, sua casa, sua lavoura, seus objetos úteis e de adorno, sabe caçar e pescar, não depende de ninguém para nada. E ali a informação é aberta, o que um sabe todos podem saber. Então, sem delegação de poder não pode haver repressão organizada, dominação de um indivíduo ou um grupo por outro indivíduo ou outro grupo - ainda mais quando são todos autossuficientes e igualmente informados. E esses indivíduos ainda são capazes de identificar na natureza o que lhes pode ser útil. Por isso é importante para eles preservar o seu entorno, não sobrecarregá-lo: sempre que uma aldeia atinge algumas centenas de moradores, ela se divide e uma parte deles implanta, longe, um novo aglomerado. Muita sabedoria, muitos luxos.
A sofisticação pode ir ainda mais longe, como gostava de contar Orlando Villas-Bôas, que ali viveu durante décadas e falava com admiração de certos ângulos da relação homem-mulher. Os casais são livres para se juntar e separar, só depende deles, não há reprovação social. Mas se um homem não estiver satisfeito com sua mulher - porque ela, por exemplo, não está trazendo para casa água limpa, o que é tarefa da mulher na divisão tradicional do trabalho ali -, ele não vai sequer se queixar à mulher; porque ela trará água se quiser, e não por direito do homem; e a queixa implicaria reconhecer um direito masculino - que não existe. O máximo que o homem poderá fazer é contar aos homens mais velhos. Que reunirão todos os homens e todas as mulheres e explicarão como se deu a divisão de trabalho entre eles, porque tais tarefas couberam aos homens, porque outras couberam às mulheres. E a mulher que não traz água, "se quiser, enfia a carapuça", dizia Orlando, "se não quiser, não enfia, separa-se, faz o que quiser". Sem recriminação social. Muito sofisticado.
É de utopias como as do Xingu que a nossa cultura se afastou e precisa cada vez mais ouvir os sinais - de uma sociedade tão consciente de seus direitos e deveres que não precisa receber ordens; de uma sociedade em que os indivíduos são autossuficientes, não dependem de ninguém e são capazes de conservar o seu entorno; de uma sociedade com a informação aberta, na qual o que um sabe todos podem saber. Não voltaremos a ser índios, até porque não temos competência para tanto, mas podemos aprender com eles. "Homem e natureza são casados. É o único matrimônio indissolúvel que conheço. Dissolvido este casamento, o homem tomba num exílio feito de poeira amarga e estéril", escreveu o saudoso psicanalista Hélio Pellegrino num livro de homenagem ao médico Noel Nutels, que dedicou sua vida aos índios, inclusive do Xingu.
Se é assim, precisamos pelo menos ajudar a manter um espaço único como o do Parque do Xingu e as culturas que ali sobrevivem. Um projeto como esse, se levado à Unesco, pode ter um papel fundamental nessa direção.

*JORNALISTA - E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR


LEI DA FICHA LIMPA
''Ficha Limpa vai ser fatiada como salame'', diz ministro
Lewandowski prevê que lei poderá ser questionada ''alínea por alínea'' ainda antes das eleições de 2012, com riscos reais de ser mais esvaziada

Mariângela Gallucci /BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Fragilizada no Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei da Ficha Limpa corre riscos reais de ser ainda mais esvaziada. "A constitucionalidade da lei referente aos seus vários artigos poderá vir a ser questionada futuramente antes das eleições de 2012", admitiu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro do STF e defensor da lei, Ricardo Lewandowski. Segundo ele, nesse futuro exame "a lei vai ser fatiada como um salame e será analisada alínea por alínea".
O STF deverá se posicionar sobre a constitucionalidade da lei se alguma autoridade, partido político ou entidade de classe de âmbito nacional provocar formalmente o tribunal por meio de uma ação. Na quarta-feira, os ministros apenas decidiram que a norma, publicada em junho de 2010, não poderia ter sido aplicada na eleição do ano passado porque a legislação exige que mudanças desse tipo sejam aprovadas com pelo menos 12 meses de antecedência. Uma decisão anterior, do TSE, tinha determinado a aplicação da lei às eleições de 2010.
Não há ainda uma lista disponível com os nomes dos políticos fichas-sujas que poderão tomar posse em decorrência da decisão do STF. Ontem, Lewandowski afirmou que as posses não serão imediatas. Cada caso terá de analisado individualmente pelos ministros relatores. Confirmado que o político teve votos suficientes para se eleger, terão de ser realizadas as diplomações e marcadas as posses.
No STF, a lei deverá enfrentar resistência quando tiver a sua constitucionalidade questionada. Pelo menos 4 dos 11 ministros já adiantaram que são contra alguns pontos da norma. O primeiro deles estabelece a possibilidade de um político ser excluído da disputa eleitoral por uma condenação ocorrida no passado. "Se você puder apanhar fatos da vida passada para atribuir efeitos futuros, talvez não haja mais limites", comentou o ministro Gilmar Mendes.
Outro ponto prevê a inelegibilidade antes do final do processo criminal. Pela lei, para se tornar inelegível, basta que o político tenha sido condenado por um tribunal colegiado. Críticos afirmam que isso contraria o princípio da presunção da inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o final do processo.
Para o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, na análise de caso a caso o STF construirá a jurisprudência sobre a lei, inclusive quanto ao argumento de que ela viola o princípio da presunção de inocência. Ele destacou que os processos têm de ser equilibrados e reconheceu que "a Ficha Limpa vai evoluir".

PERGUNTAS & RESPOSTAS
Dúvidas sobre a Ficha Limpa

1. Um candidato pode ter a candidatura barrada por fatos ocorridos antes da aprovação da lei?
Há ministros que julgam ser inconstitucional essa punição. O caso mais emblemático é barrar candidatura de quem renunciou ao mandato para evitar a cassação. Antes da Ficha Limpa, não havia punição para essa conduta.

2. É inelegível o condenado por órgão colegiado, mas que ainda aguarda julgamento de recursos?
O entendimento da Corte é que ninguém pode ser punido antes de julgamento na última instância. Mas parte dos ministros entende que a inelegibilidade não é uma pena, mas uma condição que impede que alguém dispute a eleição.

3. É exagerada a inelegibilidade por 8 anos ao fim do cumprimento da pena?
Parte dos ministros entende que sim. Ex: um condenado a 30 anos de prisão ficaria inelegível por 38 anos - o prazo da inelegibilidade supera a maior pena prevista na legislação brasileira.


GOVERNO
Com partidos, Dilma anuncia reforma tributária ''fracionada''
Além de discutir tramitação da proposta no Congresso, presidente promete honrar pagamentos de obras do PAC

Tânia Monteiro / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Na primeira reunião do conselho político, com a presença de líderes de 17 partidos da base aliada, a presidente Dilma Rousseff afirmou que vai encaminhar ao Congresso uma reforma tributária "fatiada" em mais de um projeto, lembrando que as duas tentativas anteriores, no governo passado, foram em vão. Mas ela não citou qual seria o primeiro tema que gostaria de ver aprovado.
A avaliação de Dilma, segundo os parlamentares, é que uma "reforma tributaria fracionada" será "mais fácil de aprovar" e "mais fácil de discutir".
Na reunião, ela assegurou ainda que os restos a pagar referentes a obras já em andamento e de grande interesse do governo, como as incluídas no PAC, serão honrados pelo governo. Segundo relato do líder do PDT, deputado Giovanni Queiroz (PA), a presidente disse que "não cometeria o equívoco" de paralisar obras em andamento, porque isso representaria "enormes prejuízos ao País".
De acordo com o deputado, Dilma informou que uma "avaliação criteriosa" está sendo feita, focando "obra por obra", para que as importantes não sejam interrompidas. A previsão é de que, no máximo em duas semanas, o relatório com a definição das obras prioritárias esteja concluído.
O ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, confirmou que esse "diagnóstico criterioso" vai definir o que poderá ser cortado, mas repetiu que "as obras em andamento estão asseguradas". Afirmou ainda que o decreto com a definição da liberação dos restos a pagar estará pronto até 30 de abril.
Luiz Sérgio informou que Dilma prometeu realizar novas reuniões como a de ontem. Segundo ele, a presidente pediu apoio dos deputados e senadores e os incentivou a trazer temas que considerarem importantes para discussão com ela, antes mesmo de apresentarem no Congresso.
"Foi uma reunião muito positiva", comentou o ministro. A decisão de retomar os encontros do conselho político foi tomada em reunião da presidente com líderes aliados na Câmara, logo após a aprovação da proposta de R$ 540 para o salário mínimo. Na ocasião, o PDT não foi convidado pela presidente em sinal de descontentamento com a resistência do partido à proposta do governo para o mínimo. O PDT, no entanto, participou da reunião de ontem normalmente.

Diplomacia. Ao encerrar o encontro, que durou mais de três horas, Dilma agradeceu o apoio dos partidos da base nas primeiras votações, defendeu a aprovação pelo Congresso da Comissão da Verdade e passou a falar de questões de política externa.
Sem citar o Irã, afirmou que o Brasil defende uma cultura de paz e é contra pena de morte por avaliar que "o Estado não tem direito sobre a vida de ninguém". Observou também que a pena de morte por apedrejamento, como a sentença aplicada à iraniana Sakineh Ashtiani, é "inaceitável" e "degradante". Ela reconheceu, porém, que no caso do Brasil há problemas graves de direitos humanos a serem vencidos, como os que ocorrem nos presídios superlotados.

Irã
DILMA ROUSSEFF - PRESIDENTE DA REPÚBLICA

"O Estado não tem direito sobre a vida de ninguém" (sobre o Irã)



INVESTIGAÇÃO
CGU envia auditorias do caso Erenice para a PF

A CGU enviou à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Comissão de Ética Pública da Presidência auditorias sobre o conjunto de denúncias envolvendo a ex-ministra Erenice Guerra e alguns de seus familiares. A auditoria em contratos entre os Correios e empresa Master Top Linhas Aéreas (MTA) para serviços de transporte de carga constatou uma série de irregularidades.



AVIAÇÃO
Terminal de Guarulhos pode ser feito por PPP
Novo presidente da Infraero diz que uma empresa será contratada para montar o projeto; obra deverá custar R$ 716 milhões e ficará pronta no fim de 2013

Edna Simão / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

O novo presidente da Infraero, Gustavo do Vale, assumiu o cargo ontem dizendo que a construção do terceiro terminal de passageiros do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, poderá ser feita por Parceria Público Privada (PPP). A obra para construção do terceiro terminal é estimada em R$ 716 milhões. A previsão de conclusão é novembro de 2013.
Vale disse ao Estado que uma empresa será contratada para montar todo o projeto. Somente a partir daí ele vai defender a iniciativa dentro do governo, ou melhor, na recém-criada Secretaria Nacional de Aviação. "A empresa privada vai construir o terminal e depois poderá explorar", afirmou Vale.
Mas o novo presidente já tem o aval do Executivo para implementar a abertura de capital da Infraero. Esse projeto vem sendo falado há anos, como forma de dar um fôlego a mais para a empresa, mas não saiu do papel. "A abertura de capital é um projeto de governo, não da Infraero", destacou.
Segundo o novo presidente da empresa, o processo pode levar algo em torno de três anos. Para defender a ideia, ele citou as experiências bem-sucedidas do Banco do Brasil e Petrobrás, cuja possibilidade de privatização chegou a ser debatida em processos eleitorais.
"Mas não ouvi em nenhum momento no governo que a privatização estivesse no radar para o futuro da Infraero", ressaltou Vale, que, como diretor do Banco Central (BC), liderou o processo de privatização de várias instituições financeiras estatais.

"Dificultador". Para viabilizar a abertura de capital, no entanto, a Infraero precisa vencer um obstáculo: a dificuldade de quantificar seus ativos. Isso porque a empresa administra os aeroportos que são da União. Portanto, não pode incluir 67 aeroportos do País no cálculo do ativo.
Além disso, todos os investimentos feitos são contabilizados como despesa, impactando diretamente na lucratividade. "Mas isso não é impeditivo. É um dificultador", afirmou Vale ao Estado. O Tesouro Nacional já estuda uma saída para esse problema.
Vale afirmou ainda que é preciso destravar os investimentos nas obras no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas essa necessidade não está vinculada apenas à realização da Copa do Mundo e da Olimpíada. Segundo ele, é preciso investir em infraestrutura por causa do aumento considerável do número de brasileiros viajando de avião em consequência da melhora da renda. De 2009 para 2010, o número de passageiros saltou de 113 milhões para 155 milhões. A estimativa é chegar a 180 milhões no fim do ano.
Mesmo com as desconfianças, o presidente da Infraero acredita no cumprimento do cronograma de obras para a Copa. Entre 2011 e 2014, serão investidos R$ 5,23 bilhões para ampliar a capacidade de 13 aeroportos considerados estratégicos pelo governo federal. Outros R$ 408 milhões serão aplicados pela iniciativa privada, em decorrência do processo de concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN).

Custos

R$ 5,23 bi deverão ser investidos em 13 aeroportos entre 2011 e 2014

R$ 716 milhões vai custar a obra em Guarulhos



Aeroportos de SP têm situação mais crítica para a Copa
Segundo estudo da Coppe/UFRJ, ampliações previstas pela Infraero não serão suficientes para atender à demanda

Felipe Werneck / RIO - O Estado de S.Paulo

Os aeroportos de São Paulo - Congonhas, Guarulhos e Viracopos - apresentam a situação mais preocupante entre os 16 instalados em cidades que receberão jogos da Copa de 2014, e as obras de ampliação previstas pela Infraero não serão suficientes para atender ao aumento da demanda até a competição, aponta estudo da Coppe/UFRJ.
Coordenado pelo professor Elton Fernandes, do Programa de Engenharia de Produção, o estudo indica que a maioria desses aeroportos já opera no limite da capacidade e não terá infraestrutura para receber o aumento de passageiros estimado mesmo com as obras previstas, mas em São Paulo a situação "é crítica".
No período de um ano (2009-2010), aumentou em cerca de 8 milhões o número de passageiros que embarcaram e desembarcaram nesses três aeroportos - o número equivale a todo o movimento do Aeroporto de Lima, no Peru, diz o especialista em planejamento de transporte aéreo. O Aeroporto de Guarulhos recebeu 23,9% a mais, chegando a 26,7 milhões de passageiros em 2010. Em Congonhas, o aumento foi de 13,3%, totalizando 15,4 milhões. No de Campinas houve crescimento de 49,3% (5 milhões em 2010).
Para ilustrar o desempenho do setor no Brasil, ele comparou o que foi planejado para Guarulhos até 2014 com a evolução dos aeroportos de Barcelona (Espanha) e Charlotte (EUA). Com um terminal de 160 mil metros quadrados, Guarulhos recebeu em 2010 quase 27 milhões de passageiros. É próximo ao número de passageiros que, em 2005, embarcaram e desembarcaram nos 125 mil metros quadrados de Barcelona e nos 158 mil metros quadrados de Charlotte. Em 2009, Barcelona já contava com 544 mil metros quadrados e Charlotte tinha 518 mil.
"Guarulhos somente agora tem projetada uma ampliação para apenas 250 mil metros quadrados (em 2014), área insuficiente para receber os 37 milhões de passageiros que o nosso estudo prevê para 2014", diz Fernandes.

Saída
Elton Fernandes defende novas regras de uso do solo urbano ao redor dos aeroportos, para atenuar o impacto de erros ou falta de planejamento do passado.


TAM venderá passagens em rodoviária
Para ampliar as vendas para os consumidores da classe C, companhia aérea faz parceria com a empresa de ônibus Pássaro Marron

Silvana Mautone - O Estado de S.Paulo

Já é possível comprar passagem aérea da TAM em uma rodoviária. A companhia aérea firmou uma parceria com a empresa de ônibus Pássaro Marron, que opera em 50 cidades dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, pela qual será possível vender bilhetes aéreos nas agências que a Pássaro Marron possui nas rodoviárias. Em contrapartida, as lojas TAM Viagens poderão vender as passagens de ônibus da Pássaro Marron.
Ontem foi lançado oficialmente o projeto piloto, que terá duração de três meses. Nesse período, a agência da Pássaro Marron no terminal rodoviário de São José dos Campos, no interior de São Paulo, venderá passagens aéreas e roteiros turísticos da TAM Viagens. Em contrapartida, duas lojas da TAM Viagens, uma na cidade de São Paulo, na rua Augusta, outra em São José dos Campos, oferecerão bilhetes de ônibus da Pássaro Marron.
Após esse período experimental, a parceria deve ser estendida para outros terminais rodoviários onde a Pássaro Marron mantém agências, e, da mesma forma, todas as lojas da rede de franquias da TAM Viagens venderão bilhetes de ônibus da Pássaro Marron. A TAM estima que sua rede de franquias, hoje de 79 lojas, deve encerrar o ano com 200 unidades.
O acordo tem como objetivo aproximar a TAM do consumidor das classes emergentes. "No ano passado, 31 milhões de pessoas ascenderam de classe social. Queremos estar mais próximos desse público", afirmou a diretora de Marketing da TAM, Manoela Amaro.
Segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Ipsos, divulgada esta semana, cerca de 19 milhões de pessoas deixaram as classes D e E, passando à classe C. Ainda de acordo com o levantamento, a classe C passou a representar no ano passado mais da metade dos 191,7 milhões de brasileiros. Em 2005 essa classe representava 34% da população brasileira, passou para 49% em 2009 e chegou a 53% em 2010.

Público. Segundo Manoela Amaro, desde 2003 a TAM tem desenvolvido iniciativas voltadas para a classe C, mas, há um ano, deu início a um projeto mais amplo de varejo, visando a "elasticidade da marca". O acordo com a Pássaro Marron faz parte desse projeto. Ele começou a ser negociado em julho passado e só não foi lançado antes por conta de questões burocráticas.
"Não era permitida a venda de passagens aéreas em rodoviárias e tivemos de negociar essa autorização com a Socicam, empresa que administra inúmeras rodoviárias no Brasil", diz a executiva. De acordo com Manoela, a intenção é ter parcerias com outras empresas de ônibus além da Pássaro Marron, e já há negociações em andamento com companhias que atuam em outras regiões do País. "Dessa forma, aumentaremos a nossa capilaridade, inclusive em cidades que não são atendidas por aeroportos", diz Manoela.
Pela parceria com a Pássaro Marron, um cliente de São José dos Campos, no interior de São Paulo, por exemplo, pode já na rodoviária comprar todas as passagens necessárias para chegar a qualquer cidade atendida pela TAM. Ele irá num ônibus da Pássaro Marron até São Paulo, de onde pegará um avião da companhia aérea. "Nem sempre esse público que acabou de ascender à classe média se sente confortável para comprar uma passagem de avião pela internet, nos aeroportos ou numa agência de turismo", diz Manoela Amaro.
Segundo ela, hoje a classe média representa entre 6% e 8% dos clientes da TAM. De olho na ampliação desse público, em agosto do ano passado a companhia também firmou uma parceria para vender passagens em lojas da Casas Bahia. Para os próximos cinco anos, a expectativa da TAM é que os passageiros da classe C representem 17% do total dos seus clientes.

Clientela

53% da população brasileira pertencia à classe C no ano passado, segundo pesquisa do instituto Ipsos. Essa fatia era de 34% em 2005

17% do total de clientes da Gol devem vir da classe C em cinco anos, segundo as previsões da empresa. Hoje, essa fatia representa de 6% a 8%


Gol abre sua segunda loja em Santo Amaro

O público da classe C virou alvo de todas as companhias aéreas. Recentemente, a Gol, por exemplo, anunciou a instalação de quiosques em três estações de metrô em São Paulo. A ideia é, futuramente, transformar esse modelo de negócio em um sistema de franquia. Além disso, a Gol inaugurou ontem mais uma loja física na região de Santo Amaro, na capital paulista, onde há uma grande concentração de comércio popular. A unidade funciona dentro do Shopping Mais.
É a segunda loja que a companhia abre em Santo Amaro. ''Essas lojas físicas fazem parte da estratégia da companhia para atender à nova classe média brasileira", disse, em nota, Eduardo Bernardes, diretor comercial da Gol. "Nos últimos anos, lançamos produtos, serviços e canais inovadores, como o Voe Fácil, primeiro programa de parcelamento de passagens aéreas em até 36 vezes, e, mais recentemente, os quiosques no metrô."


Ministério Público investiga contrato firmado pela Anac
Procuradores tentam descobrir se acordo de R$ 42,5 milhões fechado em 2007 com a DCA-BR tem irregularidades

Glauber Gonçalves / RIO - O Estado de S.Paulo

O Ministério Público Federal (MPF) está investigando um contrato de R$ 42,5 milhões firmado em 2007 entre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Organização Brasileira para o Desenvolvimento da Certificação Aeronáutica (DCA -BR), sediada em São José dos Campos (SP). Instigado pelo valor e pelo fato de o contrato ter sido firmado sem licitação, o MPF apura se houve ilegalidade na contratação.
O contrato está sob a alçada da diretoria comandada há até poucos dias por Cláudio Passos. Com o fim do seu mandato no dia 19, ele passará pela sabatina do Senado nos próximos dias para ser reconduzido ao cargo. Os trabalhos da Comissão de Infraestrutura, responsável pelo processo, começaram ontem.
Criada em 2006, a empresa é qualificada pelo Ministério da Justiça como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), podendo firmar termos de parceria com órgãos públicos sem licitação. Para o MPF, porém, não está claro se a empresa cumpre todas as exigências previstas na lei das Oscips para ser qualificada como tal.
Entre as atividades da companhia previstas pelo contrato estão a capacitação de servidores e de representantes credenciados e a prestação de consultoria. A atuação da empresa com a Anac está ligada à área de certificação Aeronáutica. A agência é a autoridade responsável por certificar os aviões fabricados no País, atestando que elas cumprem os pré-requisitos para voar.

Legalidade. De acordo com documentos aos quais o Estado teve acesso, em um parecer de 21 de novembro de 2008, o então procurador-geral em exercício, Rogério Emílio de Andrade, já havia questionado a legalidade da parceria. No documento, ele recomenda à Superintendência de Administração e Finanças (SAF) da Anac a "suspensão do pagamento dada a irregularidade constatada".
Seis dias depois, a pedido do próprio Andrade, a então diretora-presidente da Anac, Solange Vieira, publicou a sua exoneração no Diário Oficial. Em 3 de dezembro, o parecer anterior foi contestado por Gabriel de Mello Galvão, nomeado como procurador-geral da agência nesse meio tempo. Ele deu aval para um termo aditivo que alterava a fonte orçamentária da qual sairiam os recursos para o pagamento da DCA-BR, para driblar um "corte linear" no Congresso.
Procurada, a Anac afirmou que a parceria com a DCA-BR foi uma solução emergencial encontrada em 2007 contra um iminente "apagão" nessa área.
Segundo Passos, pouco antes de a agência ser criada, em 2005, houve um esvaziamento do órgão militar até então responsável pela certificação. "Era uma questão de vida ou morte para nossa indústria Aeronáutica", disse Passos, explicando que a agência precisou da DCA-BR para treinar os novos servidores que entraram na agência via concurso público. "Eles (a empresa) tinham esse conhecimento, que existe apenas em quatro lugares do mundo".
O MPF quer verificar se as funções que a empresa está desempenhando não são atividades-fim da autarquia. "Se essa parceria estiver sendo usada para fazer uma terceirização de serviço que é da Anac, temos um problema. Nesse caso, o que deveria ter sido feito é um concurso público", afirma o procurador responsável pelo inquérito, Ricardo Baldani Oquendo.
De acordo com ele, o MPF recebeu também denúncias de "promiscuidade" na relação entre a DCA-BR e a Anac, indicando que diretores da empresa já integraram os quadros da agência. "Essas relações são um indício de que pode haver alguma irregularidade, mas apenas a detecção de que a pessoa tem alguma ligação com gente da Anac não implica que houve ilegalidade", frisou Oquendo.
Uma contestação de ex-funcionários à parceria diz respeito à atuação de Passos no processo de contratação da empresa. Na época em que a parceria foi firmada, ele ocupava um cargo de gerência na Anac e foi indicado pela agência para "acompanhar, fiscalizar e supervisionar" o termo de parceria.
Antes de integrar a Anac, Passos trabalhou com diretores e funcionários da DCA-BR no Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) da Aeronáutica, em São José dos Campos. Embora confirme a informação, ele nega que isso tenha comprometido sua atuação. "Minha relação com as pessoas com as quais trabalhei era estritamente profissional", declarou. Procurada, a DCA-BR afirma que tem colaborado com as investigações do MPF.

Terceirização

RICARDO BALDANI OQUENDO - PROCURADOR
"Se essa parceria estiver sendo usada para fazer uma terceirização de serviço que é da Anac, temos um problema. Nesse caso, o que deveria ter sido feito é um concurso público"


Novo presidente da Infraero quer abrir capital da empresa
Matos do Vale avalia que a abertura de capital deve tornar a empresa mais competitiva e com melhores condições financeiras para a realização de obras e reformas nos aeroportos
24 de março de 2011 | 16h 23

Edna Simão, da Agência Estado

BRASÍLIA - O novo presidente da Infraero, Antônio Gustavo Matos do Vale, disse que pretende fazer a abertura de capital da empresa. O processo deve durar algo em torno de três anos. A abertura de capital deve tornar a empresa mais competitiva e ajudar o governo a ter os investimentos necessários para as obras e reformas dos aeroportos para receber os turistas, brasileiros e estrangeiros, que virão por conta da Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.
Matos do Vale tentou desvincular a abertura de capital de um processo de privatização da empresa. "Porque isso (privatização ) é uma decisão de governo, que é quem define o futuro da Infraero", disse. O novo presidente da Infraero disse ainda que, quando os clientes estão satisfeitos com os serviços prestados, não existe pressão para que haja privatização. Para ele, segundo pesquisas, a Infraero é bem avaliada pelos clientes.
Gustavo do Vale recebeu hoje o cargo de presidente da Infraero, em cerimônia realizada no Aeroporto Internacional de Brasília.



SÃO PAULO RECLAMA

ERRO NO PROGRAMA SMILES DA GOL
Prejuízo só da cliente
Em fevereiro, tentei comprar duas passagens para passar o carnaval em Belo Horizonte usando as milhas do meu cartão Smiles da Gol, pois algumas delas venceriam no final daquele mês. Quando estava finalizando a compra, o site fechou sozinho e não emitiu nenhuma mensagem. Ao entrar de novo, percebi que debitaram minhas milhas, mas colocaram meu 1.º nome errado. Telefonei para a central de atendimento e, após longa espera, fui atendida. A funcionária disse que eu deveria cancelar a passagem e reemiti-la com o meu nome correto. Mas, para isso, teria de pagar R$ 100. Como não sabia se conseguiria lugar no mesmo voo por causa dessa confusão no site, decidi cancelar a outra passagem, mas, para isso, teria de desembolsar mais R$ 100. Para piorar, soube que a mesma passagem comprada pelo site (R$ 349,45 + 3 mil milhas), diretamente na Gol custava o mesmo valor sem as milhas.

MARIA APARECIDA PACHECO E SILVA / SÃO PAULO

A Gol informa que entrou em contato com a cliente e esclareceu que a emissão do bilhete Smiles é finalizada com o débito das milhas. Ressalta que, caso ocorra qualquer anomalia ou instabilidade sistêmica após a autorização do débito das milhas, para alterar ou reembolsar o prêmio será aplicada a taxa administrativa prevista nas regras tarifárias e respaldada pelo regulamento do Programa Smiles, disponível no site. Com relação ao nome grafado incorretamente na emissão online, o procedimento de reembolso está sujeito à cobrança da taxa administrativa e a nova emissão.

A leitora diz: Um funcionário ligou e disse um texto decorado. Respondi que a sua explicação não me convenceu.



GESTÃO TERRITORIAL ESTRATÉGICO
Embrapa recria unidade de gestão em Campinas
Novo serviço será uma unidade administrativamente descentralizada e com autonomia

José Maria Tomazela - O Estado de S.Paulo

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) anunciou ontem a criação de um serviço de gestão territorial em Campinas, conforme havia antecipado reportagem do Estado. De acordo com nota da empresa, a decisão foi tomada pelo diretor-presidente da Embrapa, Pedro Arraes, após reunião com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, e tem como objetivo suprir a crescente demanda pelos serviços.
"A ideia é ampliar os serviços na área de geotecnologia oferecidos pela empresa", afirmou Arraes. Também como informou o jornal na edição de ontem, o novo serviço será uma unidade administrativamente descentralizada e com autonomia. A nota informa que a criação do serviço foi discutida na quinta-feira com Wagner Rossi.
A nova unidade funcionará administrativamente nos moldes de outras unidades de serviço. "O serviço vai substituir o antigo Núcleo de Gestão Territorial Estratégico", explica Pedro Arraes. O Serviço de Gestão Territorial Estratégico será coordenado pelo pesquisador Cláudio Spadotto. Ele foi convidado a implantar a nova estrutura, e disse que o primeiro passo será tratar com a Embrapa sobre o espaço físico, equipamentos e pessoal para dar início aos trabalhos.
A decisão da Embrapa e do ministro Rossi põe fim à crise gerada pela extinção do antigo núcleo, que culminou com a destituição de seu então supervisor, Cláudio Spadotto, agora recolocado à frente da unidade. De acordo com o jornalista Rodrigo Lara Mesquita, que denunciou o desmonte em artigo publicado na edição do último dia 15 do Estado, o serviço que atendia os Ministérios da Agricultura, do Planejamento, da Defesa e órgãos da Presidência da República, além da sociedade civil, foi desmantelado pela atual direção do Centro Nacional de Pesquisa e Monitoramento (CNPM), ao qual estava vinculado.
Segundo Mesquita, desde que assumiu o Centro, no final de 2009, a nova gestão vinha paralisando as diversas atividades de prestação de serviços ao governo e à sociedade. A denúncia do desmonte gerou forte reação dos usuários dos serviços setores do próprio governo.
Houve necessidade de uma cuidadosa interferência do ministro para debelar a crise. "Há alguns dias o ministério e a Embrapa buscavam o melhor mecanismo, respeitando a estrutura organizacional da empresa para fortalecer essa área até porque as demandas desse serviço são frequentes", disse Pedro Arraes.

Retomada
O prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos, avaliou como "sábia" a decisão do ministro Wagner Rossi e da direção da Embrapa de retomar o serviço.


TUTTY HUMOR
Tutty Vasques - O Estado de S.Paulo

Proposta indecente
Corre na Boeing o boato de que o presidente Sarkozy convidou o ministro Nelson Jobim para, a bordo de um caça Rafale, disparar o míssil que mandará Kadafi pelos ares. Será o Benedito?


DIRETO DA FONTE
Sonia Racy - O Estado de S.Paulo

Qual o destino da energia nuclear?
Em tempos de pós-tragédia no Japão, até Angela Merkel avisa estar buscando uma "exit strategy" para a produção de energia nuclear. Se ela, que não é exatamente uma ativista do Greenpeace, admite publicamente que quer encontrar alternativas, o Brasil, com a abundância de águas que tem, poderá fazer o mesmo.

A opinião é de José Goldemberg, físico eleito em 2007, pela revista Times, como um dos Heróis do Meio Ambiente. "O mundo todo fará um reexame do processo", acredita o também vencedor do Prêmio Planeta Azul, considerado o "Nobel" da área. Resultado? No mínimo, a energia nuclear vai encarecer, na opinião de Goldemberg, um dos principais opositores da construção de Angra 3.

É consenso que o acidente no Japão provou, mais uma vez, que é ilusão acreditar que há segurança nas usinas nucleares. "Não é como um avião que quando cai, você sabe exatamente o que esta queda provocou. No caso da radioatividade, o acidente não tem só características localizadas. Elas são muito mais amplas e incertas", analisa o físico, se mostrando surpreso pelo fato de a radioatividade ter chegado às águas da costa dos EUA.

Por essas e outras, Goldemberg continua achando que o programa nuclear brasileiro é equivocado. "No Brasil, a energia nuclear é dispensável. Não precisamos disso".



NOVA ORIENTACAO / AMIZADE ABALADA
Para dissidentes iranianos, País começa a reaver credibilidade
Nobel da Paz Shirin Ebadi agradece mudança de posição do Brasil e saúda empenho da presidente Dilma

Genebra

Dissidentes iranianos disseram ontem que o voto do Brasil "começa a resgatar a imagem de credibilidade" do País no mundo e o apoio do Itamaraty à resolução que estabelece um relator independente da ONU para investigar a situação dos direitos humanos no Irã foi alvo de comemorações entre a oposição iraniana, dentro e fora do país.
Por meio de uma assessora, a prêmio Nobel da Paz e opositora iraniana, Shirin Ebadi, comemorou a mudança na posição brasileira e agradeceu o empenho de Dilma Rousseff. "O Brasil finalmente mostrou que tem princípios", declarou.
"A credibilidade do Brasil começa a ser restaurada. A oposição iraniana e muita gente estavam perplexas diante da posição tomada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje, vemos que o Brasil deu uma lição ao reconhecer que precisava mudar sua política externa", afirmou ao Estado o dissidente Hadi Ghaemi. Exilado nos Estados Unidos, Ghaemi viajou até o Brasil para pedir apoio do governo.
O Brasil contrariou dez anos de apoio ao Irã na ONU e promoveu uma reviravolta em sua posição. Mas, por determinação da presidente Dilma, o Brasil aproveitou a reunião da ONU em Genebra para criticar o Ocidente e alertar que vai questionar violações em todos os países, indiscriminadamente.
Ontem, a diplomacia brasileira foi saudada por ONGs e democracias. "A posição do Brasil está evoluindo e isso é algo muito positivo para o mundo", declarou a Anistia Internacional. Julie de Rivero, representante da Human Rights Watch, definiu o voto brasileiro como "o mais importante do País tomado nos últimos anos". "O Brasil já começa a ter sua imagem mudada", disse.
A orientação do Itamaraty para a missão na ONU votar contra o Irã chegou apenas nos últimos instantes, depois que a posição acabou sendo sugerida pela própria missão do Brasil em Genebra. Mas o governo teve de mostrar muita criatividade diplomática para explicar sua nova posição, sem ferir o governo do ex-presidente Lula. Não apenas por causa da relação entre Lula e Dilma, mas também porque os diplomatas brasileiros na sala eram os mesmos que, há um ano, haviam apoiado Teerã.
A primeira justificativa do Brasil é que o País abriu por uma década uma oportunidade para que o Irã colaborasse com a comunidade internacional, o que não ocorreu. Segundo a embaixadora brasileira na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, o Brasil em 2001 absteve-se da renovação do mandato de um relator para investigar o Irã diante do "compromisso" de Teerã de que ia cooperar.
De fato, o Irã recebeu seis relatores da ONU a partir de 2001. "Mas desde 2005 e apesar de diversos pedidos nenhuma visita (da ONU) ocorreu", alertou a embaixadora. Segundo o Itamaraty, outra preocupação foi o fato de que o Irã deixou de respeitar a moratória contra a pena de morte. Por esses motivos, o Brasil considerou que estava na hora de um novo relator independente avaliar a situação no Irã e pediu que Teerã volte a cooperar.
Mas o Brasil não atacou apenas o Irã. Em seu discurso, a embaixadora diz que a esperança é que a resolução marque um caminho de "coerência e consistência quando o mundo de deparar com situações similares".

Reconhecimento

HADI GHAEMI - DISSIDENTE IRANIANO

"A credibilidade do Brasil começa a ser restaurada. A oposição iraniana e muita gente estavam perplexas diante da posição tomada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje, vemos que o Brasil deu uma lição ao reconhecer que precisava mudar sua política externa"



OPINIÃO
O ''modelo Dilma''

*Mac Margolis

Há apenas três meses, com a troca de guarda no Palácio do Planalto, a especulação corria solta entre dez em dez analistas de política externa. Seria a nova presidente Dilma Rousseff uma versão recauchutada do seu antecessor e mentor político, também afeita a causas arriscadas e a retórica inflamada? Ou romperia com o estilo Lula, trazendo a diplomacia brasileira de volta à serenidade e ao equilíbrio tradicional?
A resposta já começa a ser esboçada. Ontem, em Genebra, quando o Brasil votou com a maioria no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ajudando a nomear um relator para avaliar a situação no Irã, o sismo também se registrou. O apoio do Brasil à resolução não só frustrou Teerã, que pressionava aliados e parceiros para derrubar a medida como também marcou a nítida divergência do governo Dilma com a política de seu antecessor.
"Não cabe ao Brasil sair por aí distribuindo certificados de bom ou mau comportamento", dizia com frequência Celso Amorim, chanceler do governo Lula. Antes trabalhar discretamente, puxando a orelha de aliados estratégicos, do que bradar contra o mau do mundo aos holofotes, repetia. Soava simpático, espécie de reedição diplomática do homem cordial: uma política calcada na convicção de que não haja querela entre amigos que não possa ser resolvida. Acabou sendo lembrado como o refrão da indulgência.
Quem apostaria que o governo Dilma fizesse diferente? Afinal, sua candidatura era invenção assumida de Lula, que a ciceroneou mundo afora e nunca deixou de sussurrar no seu ouvido. Ela era braço direito de Lula quando este posou sorridente ao lado de Raúl Castro. Nada comentou quando Lula pronunciou a Venezuela do autoritário Hugo Chávez como um "modelo" de democracia. Tampouco levantou a voz quando Lula se lançou como avalista de Mahmoud Ahmadinejad no barroco acordo nuclear, improvisado de última hora para poupar Teerã de sanções internacionais.
É fato que o primeiro sinal de mudança veio cedo, quando Dilma era ainda presidente eleita. Talvez tenha sido o seu feminismo tardio, que virou marca registrada na campanha presidencial. Ou, mais provável, era a sua própria experiência nas prisões da ditadura brasileira. E por que o Brasil se abstivera em vez de apoiar a decisão da ONU de investigar abusos de direitos humanos no Irã? "Não concordo com a forma que o Brasil votou."
Poderia ter sido um desabafo pontual, destempero de uma estreante na política eleitoral. Mas, ao assumir a presidência, Dilma não só não desmentiu suas declarações da véspera, mas afirmou-as na votação de ontem. "Ao votar a favor da resolução, o Brasil deixou nulo os meses de lobby do governo iraniano", comentou a ONG Campanha Internacional para Direitos Humanos no Irã. O mundo novamente reparou.

*É CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" E COLUNISTA DO "ESTADO"


Brasil diz que voto não afeta relação com Teerã
Itamaraty apoia envio de relator para analisar a situação dos direitos humanos no Irã, mas não acredita que a medida afaste os dois países

Lisandra Paraguassu - O Estado de S.Paulo

A votação contra o Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) não vai afetar o relacionamento do Brasil com Teerã. A avaliação do chanceler Antonio Patriota é que a relação entre os dois países é "madura para não ficar refém de uma ou outra decisão", de acordo com informações passadas ao Estado pelo porta-voz do Itamaraty, ministro Tovar Nunes.
Até a noite de ontem, não havia chegado ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro nenhuma reação formal dos iranianos sobre a votação no CDH, tanto pela Embaixada do Irã em Brasília quanto do governo de Mahmoud Ahmadinejad para a Embaixada do Brasil em Teerã.
"Se chegar alguma manifestação, registraremos com carinho e daremos a resposta diplomática cabível", disse Tovar. Apesar de a via diplomática formal não ter sido usada, pelo menos por enquanto, a delegação iraniana na ONU deixou claro seu descontentamento depois da votação, afirmando que o Brasil voltava a se comportar com "país pequeno", "curvando-se aos EUA".
Para o Itamaraty, essa é uma reação "natural", mas o Brasil "tem consciência clara de sua posição sobre direitos humanos". "A violação dos direitos humanos é muito grave e não pode se abrigar no conceito de soberania", disse. O Brasil justifica o voto favorável ao envio de um relator especial para analisar a situação dos direitos humanos no Irã pelo fato de, desde 2005, diversos pedidos de visitas de relatores terem ficado sem resposta do governo iraniano.
Além disso, Brasília considera que a situação dos direitos humanos no Irã "merece atenção". "Nossa explicação de voto é muito clara. Já havíamos registrado que gostaríamos de um movimento por parte do Irã, que não houve. A situação é tal que fomos levados a pedir esse movimento no CDH", disse o porta-voz do Itamaraty.
A votação de ontem, no entanto, não altera a posição brasileira sobre a questão nuclear iraniana. O Itamaraty continuará defendendo o direito do Irã de ter um programa nuclear com fins pacíficos, desde que siga as regras internacionais.

Cuba. A posição brasileira, esmiuçada ontem, também não será a norma daqui para frente. Cada caso será analisado individualmente. Cuba, por exemplo, não precisa temer uma condenação brasileira. A avaliação do Itamaraty é a de que a ilha tem feito movimentos favoráveis e há avanços. Além disso, Havana teria uma situação social avançada, muito melhor do que outros países latino-americanos.

País se abstém de proposta polêmica
Embora tenha votado em favor da fiscalização no Irã, o Brasil surpreendeu muitas ONGs ao abster-se na votação de uma proposta de resolução da Rússia - apoiada por China e países árabes - que subordina a questão dos direitos humanos aos "valores e tradições locais". O temor é que isso seja usado como justificativa para admitir mutilação genital e prisão de homossexuais.



Para diplomata, correção de rota é bem-vinda

Roberto Lameirinhas - O Estado de S.Paulo

O diplomata Roberto Abdenur declarou ontem ao Estado ter recebido com "satisfação e otimismo" a notícia sobre o voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU. "Já havia indícios de que o governo tomaria essa posição (de votar contrariamente ao interesse do Irã), mas não estávamos totalmente seguros de que isso se concretizaria", afirmou o diplomata. "Não acredito que esse tenha sido um fato isolado. Quero crer que a atual administração tenha tomado distância da diplomacia equivocada do governo anterior."
Ex-embaixador nos EUA, China e Alemanha - entre outros países -, Abdenur avalia que a posição do Itamaraty durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva "dissociou o Brasil de países que valorizam os direitos humanos". "A irmandade com (o presidente do Irã) Mahmoud Ahmadinejad, por intermédio da própria figura presidencial, foi um grave erro de política externa."
"Desde os primeiros movimentos do governo Dilma Rousseff, ficou claro que a única divergência fundamental entre ela e seu antecessor era justamente a questão dos direitos humanos. E os preceitos a respeito desse tema estão explícitos no Artigo 4 de nossa Constituição", concluiu.



TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Acordo leva Otan a liderar ação na Líbia
Para Sarkozy, coalizão formada em Paris deve manter o controle político da missão

Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / PARIS

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, declarou ontem que a coordenação da intervenção militar na Líbia deve "continuar sendo principalmente política", apesar de "ser apoiada no maquinário da Otan". Ele fez a afirmação pouco depois de a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciar que assumirá a partir de segunda ou terça-feira o comando militar da vigilância da zona de exclusão aérea na Líbia.
Sarkozy insistiu que não se pode marginalizar países árabes que, como o Catar e os Emirados Árabes Unidos, decidiram apoiar a intervenção internacional que, segundo ele, "evitou um massacre na cidade líbia de Benghazi.
A secretária americana de Estado, Hillary Clinton, saudou ontem a decisão da Otan de assumir o controle da zona de exclusão aérea e considerou que a aliança está "bem dotada" para coordenar a operação. Ela também elogiou o "decisivo" apoio árabe às ações militares na Líbia.
Depois de pelo menos seis dias de discussões, embaixadores dos 28 países-membros da Otan firmaram um acordo de princípios, ontem, em Bruxelas, sobre a transmissão do comando das operações dos Estados Unidos para a aliança atlântica.
"A coalizão constituída após a reunião de Paris vai abandonar sua missão rapidamente e confiar a operação inteira à Otan e a um sistema de comando único", afirmou o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davitoglu, após o governo turco retirar as restrições que vinha impondo às ações militares. "As demandas e inquietudes da Turquia foram ouvidas", afirmou.
Até agora, a Turquia - além da França - vinha bloqueando o acordo na Otan, manifestando descontentamento com os alvos das operações, em especial com os bombardeios. Com o acordo, fica esvaziado o comitê político proposto pela França, que seria formado por chanceleres da coalizão. De toda forma, o grupo se reunirá em Londres, na próxima terça-feira, confirmou ontem o governo britânico.
As operações militares na Líbia realizadas pela coalizão liderada por EUA, França e Grã-Bretanha vão perdurar "o tempo que for necessário", mas se estenderão apenas por "dias ou semanas", e não por meses. A estimativa foi feita ontem, em Paris, pelo ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé, ao defender que os líbios decidam o futuro do ditador Muamar Kadafi, no poder há 42 anos.
As avaliações de Juppé foram feitas durante entrevista coletiva realizada ontem em Paris. Segundo o chanceler, não há risco de que a coalizão se envolva em um combate de longa duração na Líbia, a exemplo do que acontece com países ocidentais no Afeganistão e no Iraque.
As operações "durarão o tempo necessário para que as capacidades militares de Kadafi, que ele utiliza contra sua população, sejam destruídas", disse Juppé. "Isso pode ser contado em dias ou em semanas, a meu ver. Certamente não em meses", acrescentou o ministro francês.
À rádio RTL, Juppé ressaltou ainda que os países que integram a coalizão não querem se prolongar na Líbia. "Pode ser longo, mas nós não queremos afundar", ponderou. Mas, para ele, as operações precisam continuar porque Kadafi "ainda dispõe de meios (militares) no solo" e porque os rebeldes de Benghazi e do oeste da Líbia precisam de ajuda para pressionar o governo.
Apesar de sua posição a favor da rebelião e contra Kadafi, Juppé afirmou que a coalizão quer que os "líbios decidam" o futuro do atual governo. / COM AFP e AP

Apelo
O presidente russo, Dmitri Medvedev, disse ontem a Barack Obama que as mortes de civis na Líbia devem ser evitadas a todo custo durante a intervenção militar internacional


Coalizão começa a aplicar ''zona de exclusão terrestre'' na Líbia
Bombardeios tentam acabar com o cerco de tanques e artilharia de Kadafi a cidades controladas por rebeldes

Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
ENVIADO ESPECIAL / BENGHAZI, LÍBIA

A intervenção das forças da coalizão entrou em nova fase. Uma vez neutralizados os aviões, baterias antiaéreas e sistemas de radar do regime de Muamar Kadafi, a operação evoluiu de zona de exclusão aérea para zona de exclusão terrestre. Os bombardeios concentram-se em desfazer o cerco de tanques e de baterias de foguetes do regime em torno das cidades controladas pelos rebeldes e em cortar as linhas de suprimento das forças leais a Kadafi.
No primeiro incidente do gênero, caças franceses destruíram ontem um pequeno avião líbio que havia violado a zona de exclusão aérea perto de Misrata, a terceira cidade do país, com 450 mil habitantes. Enquanto continuavam disparando mísseis contra alvos militares em Trípoli, os aliados estenderam as operações para os arredores de Misrata e também para as cidades que dão acesso a Zintan, 120 km ao sul da capital, e Ajdabiya, 160 km a oeste de Benghazi, a "capital rebelde". Essas são as três cidades mais castigadas pela artilharia de Kadafi, que as deixou semidestruídas, sem água e eletricidade. Até hospitais foram alvejados. Moradores de Misrata disseram ontem que os tanques e foguetes tinham parado de atacar a cidade, mas franco-atiradores continuavam atuando.
Aparentemente, os bombardeios das forças da coalizão serviram de cobertura para os combatentes rebeldes. O coronel-aviador Ahmed Omar Bani, novo porta-voz do comando militar rebelde, afirmou que 22 dos 39 tanques que cercavam Misrata foram destruídos com granadas propelidas por foguetes.
Reafirmando que os rebeldes rejeitam a presença de tropas estrangeiras, ele pediu às potências aliadas que lhes forneçam armas. O Estado perguntou ao coronel que tipo de armamento encabeçava sua lista. "Estamos enfrentando tanques (russos) T-72 e T-92", então precisamos de artilharia contra esse tipo de tanques."
Bani disse que Zintan, de 50 mil habitantes, foi completamente cercada pelas kataeb, as brigadas de elite do regime. "Eles nos atacaram pelo lado que pensaram ser o mais vulnerável, mas os derrotamos e os fizemos recuar 39 km." O porta-voz - o primeiro oficial da ativa a falar em nome dos militares rebeldes - acrescentou que 120 soldados e mercenários foram mortos e 50 presos. Do lado rebelde, seis foram mortos e oito gravemente feridos. Quatro tanques foram destruídos e outros três capturados, assim como dois caminhões com baterias de foguetes, um de transporte de tropas e quatro caminhonetes Land Cruiser com peças de artilharia de 14,5 mm montadas sobre as carrocerias.
Em Ajdabiya, houve uma "batalha feroz" entre os combatentes e os soldados leais a Kadafi, que conseguiram entrar com 15 caminhonetes na cidade sob disputa mais próxima de Benghazi, afirmou o coronel. Ele disse que as kataeb estão lutando com a munição que levaram para lá, já que as linhas de suprimento foram cortadas pelos bombardeios aliados, e acrescentou que estavam tentando negociar, por meio de um clérigo, a rendição dessas brigadas de Kadafi em Ajdabiya. Bani declarou que alguns soldados inimigos haviam pedido para voltar para Sirt, cidade natal de Kadafi e reduto de seu clã. "Não podemos deixá-los ir sem interrogá-los."   

Ação
AHMED OMAR BANI - CORONEL AVIADOR E PORTA-VOZ DO COMANDO MILITAR REBELDE

"Eles nos atacaram pelo lado que pensaram ser o mais vulnerável, mas os derrotamos e os fizemos recuar 39 quilômetros"



ARGENTINA/EUA
Obama quer que Argentina devolva material

Ariel Palacios - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / BUENOS AIRES

O presidente dos EUA, Barack Obama, declarou em entrevista ao jornal americano Miami Herald que, no próximo encontro que tiver com sua colega argentina, Cristina Kirchner, pedirá a liberação do material confiscado em fevereiro no aeroporto de Ezeiza. O equipamento estava em um avião C-17 e seria usado em um treinamento para a Polícia Federal argentina.
No entanto, segundo Buenos Aires, parte do material - que incluía armas, medicamentos e equipamento de comunicação - não havia sido declarada previamente.
A apreensão do material foi supervisionada pessoalmente pelo chanceler Héctor Timerman. Ele ordenou que as caixas fossem abertas, apesar da negativa dos americanos.
"A próxima vez que encontrar a presidente Cristina Kirchner tocarei no assunto: "Podem nos devolver nosso equipamento?" Mas não será um fato que definirá as relações entre os EUA e a Argentina", disse Obama. Segundo o americano, o caso é "sério", já que "a Argentina foi historicamente amiga e sócia dos EUA". "(O governo argentino) tem em seu poder nosso equipamento de comunicações e não existe nenhum motivo para não o devolver", disse Obama.
Apesar das declarações do americano, Buenos Aires permaneceu em silêncio sobre o assunto. No entanto, fontes da Casa Rosada afirmam que o material não será liberado.
O caso provocou tensão diplomática e começou pouco depois de o presidente americano anunciar que não passaria pela Argentina em sua recente visita pela América Latina.
fonte: JORNAL ESTADO DE SP

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