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segunda-feira, 28 de março de 2011

27 de março de 2011 - JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO

NOTAS & INFORMAÇÕES
Novos acordos aéreos
Com a assinatura do acordo com os Estados Unidos para a liberalização do transporte aéreo de passageiros e cargas entre os dois países e a conclusão das negociações para o estabelecimento de um acordo semelhante com a União Europeia (UE), que deverá ser assinado em junho, o Brasil adquire condições para ampliar mais rapidamente o número de voos internacionais que servem o País. Desses acordos deverão resultar mais opções para os passageiros e maior competição no setor, o que poderá levar a uma redução de tarifas.
O acordo com os Estados Unidos prevê a criação de rotas diretas entre diversas capitais brasileiras - com a redução da concentração dos voos em São Paulo - e diferentes destinos na América do Norte, maior oferta de assentos, horários mais flexíveis e mais comodidade para os passageiros.
O acordo aéreo com os EUA será implementado gradualmente, até alcançar o estágio de "céus abertos", quando não haverá mais limites para o número de voos e de cidades atendidas. Número determinado não pelo governo, mas pelas companhias aéreas, as quais, desde o início da vigência do acordo, gozarão da liberdade para fixar suas tarifas.
O acordo negociado com a UE tem características semelhantes. Para o Brasil, as vantagens podem ser imediatas e amplas. Atualmente, o País tem acordos aéreos bilaterais com 15 países europeus. Com a assinatura do novo acordo, passará a ter acesso aos 27 países que formam a UE. Nesse acordo, o estágio de "céus abertos" será alcançado em quatro etapas, que poderão ser concluídas em 36 meses, enquanto o acordo com os EUA prevê cinco etapas, a serem completadas em outubro de 2015.
O Brasil já assinou 83 acordos aéreos bilaterais, mas só 18 deles eram considerados de "céus abertos". Com os novos acordos, chega a 20 o total dos que têm essa característica.
Os dois novos acordos impedem que companhias estrangeiras transportem passageiros ou cargas entre dois pontos do território brasileiro, da mesma forma que companhias brasileiras não podem realizar esse tipo de transporte em território americano e europeu. Outros países também fazem essa restrição à operação das companhias estrangeiras.
O acordo americano prevê que, a partir deste ano, as empresas poderão fazer mais 14 viagens tendo o Rio de Janeiro como origem ou destino e outras 14 para outras localidades brasileiras, exceto São Paulo. O acordo europeu, por sua vez, prevê o aumento de 20% dos voos para todos os aeroportos do País, exceto São Paulo. O superintendente de Relações Internacionais da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Bruno Silva Dalcolmo, já anunciou que haverá uma linha direta entre Porto Alegre e uma cidade de Portugal. A restrição a São Paulo se deve à excessiva concentração de voos no aeroporto internacional de Guarulhos, que, até 2008, recebia 80% dos voos para os Estados Unidos; hoje, São Paulo e Rio recebem 55% desses voos.
Em razão dos acordos firmados a partir de 2007 - alguns foram apenas renovados -, o número de passageiros de voos internacionais no País aumentou quase 50%. Segundo dados da Anac, entre 2000 e 2006 o tráfego internacional no Brasil cresceu à média de 4,5% ao ano. De 2007 em diante, o crescimento médio passou a 8,1% ao ano, uma consequência da maior liberalização do transporte aéreo.
É também consequência dos acordos firmados nos últimos anos a criação de linhas regulares para Istambul, Dubai, Doha, Cingapura, Hong Kong e Moscou. Várias outras serão criadas em razão dos acordos acertados com os EUA e a UE.
O que poderá conter a expansão do transporte aéreo é a infraestrutura aeroportuária, que necessita de investimentos, mas não os tem recebido na velocidade necessária para acompanhar o aumento da demanda, que deverá continuar crescendo rapidamente nos próximos anos, em razão do aumento da renda média da população e da maior liberdade para o setor. Ao criar a Secretaria de Aviação Civil, o governo Dilma Rousseff mostra disposição de enfrentar esse problema.
Tensão nas obras do PAC
Usando métodos semelhantes aos empregados com frequência pelos sindicalistas vinculados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), o braço sindical do PT, trabalhadores contratados para executar algumas das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisaram os serviços e realizaram outras ações, algumas violentas, para fazer valer suas reivindicações. Forçado a provar, ainda que indiretamente, do veneno que seu partido nunca hesitou em aplicar aos empregadores, tratados como verdadeiros inimigos, o governo do PT corre para tentar reduzir as tensões nos canteiros de obras do PAC.
Más condições de trabalho e alojamento, diferença de tratamento entre os trabalhadores, parte dos quais não tem direito a benefícios oferecidos aos demais, e salários insuficientes, entre outros problemas, alimentaram a intranquilidade nos canteiros. A tensão já resultou em revoltas - como no acampamento de Jirau, hidrelétrica em construção no Rio Madeira, no Estado de Rondônia - e greves que se estendem por diversas regiões e levaram à paralisação do trabalho de cerca de 100 mil pessoas.
Ainda não há prazo para a retomada do ritmo normal das obras de Jirau, onde um conflito não controlado pela força policial destacada para o canteiro de obras resultou em destruição de alojamentos e de equipamentos de serviços e lazer, espalhou o medo entre os alojados e forçou a remoção, para Porto Velho e outras localidades, de praticamente todos os mais de 20 mil trabalhadores que ali se encontravam.
Em outra obra do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, a da Usina de Santo Antônio, os trabalhadores cruzaram os braços à espera de uma solução para o conflito em Jirau. Com a interrupção dos atos de violência em Jirau, as obras vão sendo normalizadas aos poucos em Santo Antônio. Mas a greve continua em duas outras regiões onde estão sendo executadas obras importantes do PAC, Pecém (no Ceará) e Suape (em Pernambuco).
O governo convocou para terça-feira, dia 29, uma reunião da qual devem participar representantes do Ministério Público do Trabalho, das centrais sindicais e das empresas responsáveis pelas obras. As autoridades consideram que só um acordo prévio entre os envolvidos poderá evitar a repetição dos problemas.
As centrais sindicais admitem que não têm experiência para lidar com multidões, como as que ocupam os canteiros onde é tenso o ambiente de trabalho. Há muitos problemas trabalhistas, como diferentes formas de remuneração e condições de trabalho, que distinguem os trabalhadores de uma empresa dos de outra, subcontratada da empresa principal, mesmo que desempenhem as mesmas funções. O presidente da CUT, Artur Henrique, que deve participar da reunião de terça-feira, observou que há serviços terceirizados e até quarteirizados, cada um com contratos trabalhistas específicos. "Não dá para colocar 20 mil homens trabalhando sem um mínimo de organização".
O problema ameaça ampliar-se. Dirigentes da Força Sindical, outra central convocada para a reunião com o governo, calculam que, se as obras do PAC, especialmente aquelas ligadas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016, forem executadas de acordo com a previsão do governo, em algum momento haverá cerca de 1 milhão de trabalhadores nos diversos canteiros de obras.
Esses problemas mostram que nem o governo, nem as empreiteiras, nem os sindicalistas, nem o mercado de trabalho estavam preparados para o rápido aumento do ritmo das obras em todo o País em tão pouco tempo. Em 2006, a construção empregava 1,8 milhão de trabalhadores; hoje são 2,8 milhões e a demanda é crescente. Já há escassez de mão de obra, o que provoca aumento das reivindicações por melhores condições e melhores salários.
Espera-se que, admitindo a sua inexperiência em problemas dessas dimensões, as principais centrais ajam com prudência. Se elas insistirem em disputar o controle da representação sindical nos principais canteiros, estarão levando mais lenha à fogueira.
FÓRUM DOS LEITORES
IMPUNIDADE PARA TODOS, JÁ
Como cidadão cônscio dos meus deveres perante a nação, sempre acreditei que os ministros do Supremo Tribunal Federal fossem pessoas integras, independentes e de caráter ilibado. Entretanto, diante do resultado de alguns julgamentos acontecidos naquela casa, e esta derrota dos fichas limpas para os fichas sujas, sou levado a deixar de lado as lindas ideias que tinha sobre o que deveria ser o Supremo, e encarar a realidade que domina aquele órgão: o STF é uma instituição política. Tal como os políticos que estão no Congresso Nacional, os seus ministros estão se lixando para a opinião pública. O país dos recursos jurídicos infinitos atingiu o seu orgasmo máximo. Entregamos a última palavra a Deus. Acabamos com esse negócio de sentença definitiva. Isto quer dizer na prática que o criminoso rico e poderoso, nunca receberá uma sentença final. Esta bagunça jurídica tomou impulso a partir de 1988, quando o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, era deputado Federal e articulou a votação das leis na nova Constituição da República. Segundo declarações do mesmo, todas as leis para serem aprovadas, tinham que ser ambíguas, para que pudessem contentar todos os grupos que detinham o poder no Congresso Nacional. Por causa deste absurdo somente foram aprovadas leis propositalmente controversas, destinadas a manter fora da cadeia todos os corruptos e assassinos de colarinho branco. A partir daí, o crime começou a compensar. Como parece ser impossível acabar com esse status quo, e com a entrada do Supremo Tribunal Federal no corredor da ambiguidade, a única maneira de haver justiça no Brasil será fazer com que a impunidade venha beneficiar todos os brasileiros. Para que isto ocorra, será necessário que os homens honestos e de boa vontade desse país criem o movimento "Impunidade Para Todos, Já."
Wilson Gordon Parker - wgparker@oi.com.br - Nova Friburgo (RJ)
NACIONAL/CORRUPÇÃO
Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão
Em agosto deste ano, 22 réus do processo sobre o pior escândalo da Era Lula vão estar livres de uma das principais acusações
Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O processo de desmantelamento do esquema conhecido como mensalão federal (2005), a pior crise política do governo Lula, já tem data para começar: será a partir da última semana de agosto, quando vai prescrever o crime de formação de quadrilha. O crime, citado por mais de 50 vezes na denúncia do Ministério Público - que foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, é visto como uma espécie de "ação central" do esquema, mas desaparecerá sem que nenhum dos mensaleiros tenha sido julgado. Entre os 38 réus do processo, 22 respondem por formação de quadrilha.
Para além do inevitável, que é a prescrição pelo decorrer do tempo, uma série de articulações, levantadas pelo Estado ao longo dos últimos dois meses, deve sentenciar o mensalão ao esvaziamento. Apontado pelo Ministério Público como o "chefe" do esquema, o ex-ministro José Dirceu parece estar mais próximo da absolvição.
O primeiro sinal político concreto em prol da contestação do processo do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". E nessa trilha, lentamente, réus que aguardam o julgamento estão recuperando forças políticas, ocupando cargos importantes na Esplanada.
Na Corte. Um dos fatos dessa articulação envolveu a indicação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e mostrou a preocupação do governo com o futuro do mensalão na Corte Suprema. Numa sabatina informal com Fux, um integrante do governo perguntou ao então candidato: "Como o senhor votará no mensalão?". Fux deu uma resposta padrão: se houvesse provas, votaria pela condenação; se não houvesse, pela absolvição. Foi uma forma de Fux não se comprometer.
A pergunta foi feita também a outros candidatos à vaga. Até o julgamento do processo, a presidente Dilma Rousseff deverá indicar mais dois integrantes da Corte. Nas novas definições, disseram integrantes do governo ao Estado, haverá a mesma preocupação com o julgamento.
Entre os atuais ministros do STF, causa também certa estranheza o fato de o ministro José Antônio Dias Toffoli participar do julgamento. Advogado do PT, ex-assessor da liderança do partido na Câmara e subordinado a José Dirceu na Casa Civil, Toffoli já participou do julgamento de recursos do mensalão.
Um dos ministros do Supremo lembra que o ex-ministro Francisco Rezek se declarou suspeito de participar do julgamento no STF do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Rezek fora nomeado ministro de Relações Exteriores no governo Collor e depois voltou ao Supremo, indicado também por Collor. Por isso, achava que não teria isenção para julgar o caso.
No governo. Há também em curso costuras políticas para fortalecer petistas réus do mensalão. Um exemplo recente dessa movimentação foi a nomeação do ex-deputado José Genoino, na época do escândalo presidente do PT, para o cargo de assessor especial do Ministério da Defesa pelo ministro Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo, a pedido de petistas.
O PT também conseguiu eleger para a comissão mais importante da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ), João Paulo Cunha (PT-SP), outro réu do mensalão. Segundo políticos que acompanham o processo, a indicação para a CCJ pode garantir-lhe uma certa blindagem.
Obstáculos naturais. Para além de ações políticas com intuito de enfraquecer a tese do mensalão, há empecilhos naturais numa investigação complexa que envolve 38 réus. A começar pela dificuldade de obter provas de todas as denúncias. Ministros do Supremo são unânimes ao dizer que muitos dos réus, inclusive figuras centrais, deverão ser absolvidas.
A história do tribunal mostra que as poucas condenações do STF só ocorreram quando obtidas provas cabais, impossíveis de serem contestadas. Por isso, dizem os ministros, seria praticamente impossível encontrar provas suficientes para condenar José Dirceu por corrupção ativa. Com a prescrição do crime de formação de quadrilha, nada sobraria contra ele no tribunal.
O mesmo vale, por exemplo, para Luiz Gushiken, ex-ministro do governo Lula, denunciado por peculato. Todos os ministros ouvidos reservadamente disseram que não havia sequer indícios suficientes sobre a atuação de Gushiken para que o tribunal recebesse a denúncia contra ele. Argumento semelhante é usado por ministros em relação ao ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), que foi líder do governo na Câmara.
Luizinho responde pelo crime de lavagem de dinheiro. Ministros dizem que o fato de o ex-deputado ter recebido dinheiro supostamente disponibilizado pelo PT, mas sacado do Banco Rural, não poderia ser classificado como lavagem de dinheiro.
Na Procuradoria. Ao contrário do ex-procurador e autor da denúncia do mensalão, Antonio Fernando de Souza, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nunca conversou diretamente com o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do caso. Pior: os 12 pedidos de diligência feitos tardiamente pelo procurador-geral em dezembro, acabaram por atrasar o calendário previsto por Barbosa.
Pelo calendário informal do ministro Joaquim Barbosa, toda a instrução do processo estará concluída em abril ou maio. Depois disso, ele terá de analisar as mais de 42 mil páginas, reunidas em mais de 200 volumes, com quase 600 depoimentos e um calhamaço de provas colhidas.
Ao terminar seu voto, o que deve fazer até o final do ano ou no início de 2012, Barbosa repassará todo esse volume de informações para o colega que está incumbido de revisar o caso, o ministro Ricardo Lewandowski. O ministro terá igualmente de ler todos esses documentos para preparar um voto revisor.
Com isso, o processo estaria pronto para ser colocado em pauta no segundo semestre de 2012. Porém, não seria prudente o STF julgar neste período uma ação com potencial para interferir na eleição municipal. O julgamento ficaria para 2013, oito anos depois de descoberto o mensalão.
OS ENTRAVES DE UM JULGAMENTO
O que mais conspira contra o processo
Quadrilha: prescrição
O crime de formação de quadrilha, a acusação que é a espinha dorsal do esquema do mensalão, prescreve em agosto. Dos 38 réus que continuam a responder ao processo, 22 respondem também por esse crime. O ex-ministro José Dirceu não poderá mais ser acusado de chefiar a quadrilha
Mais duas indicações
Nas últimas indicações para o STF, o ex-presidente Lula demonstrou preocupação especial com o julgamento do mensalão. Antes de ser indicado, Luiz Fux, por exemplo, foi questionado por um integrante do governo como votaria no julgamento. Até o final de 2012, a presidente deve indicar mais dois ministros
Toffoli quer julgar
Antes de chegar ao STF, o ministro José Antonio Dias Toffoli advogou para o PT, foi da liderança do PT na Câmara e na Casa Civil era hierarquicamente subordinado a José Dirceu. Mesmo assim, ele deve participar do julgamento. Seus colegas de tribunal, reservadamente, têm criticado essa postura
O renascimento
Réus do processo passaram a ocupar postos altos nas estruturas dos poderes. João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. José Genoino foi nomeado assessor especial no Ministério da Defesa, comandado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF
Delúbio, o retorno
Afastado do PT desde 2005, quando foi acusado de intermediar o pagamento de mesada aos parlamentares, o ex-tesoureiro Delúbio Soares articula seu retorno ao partido e já tem votos suficientes para isso. O mesmo caminho deve seguir Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT
Período eleitoral
Dificilmente o Supremo julgará o processo do mensalão durante as eleições municipais de 2012. Ministros do Supremo Tribunal disseram ao Estado que isso seria visto como uma interferência indireta no processo eleitoral
Provas frágeis
Ministros do STF consideram praticamente impossível que o Ministério Público obtenha provas concretas da prática de todos os crimes denunciados. Sem essa comprovação cabal, eles adiantam que não terão como condenar os réus
Ausência e atraso
Ao contrário do seu antecessor, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não tem dado atenção especial para o processo. Sem esse acompanhamento, alguns pedidos de diligência acabaram por atrasar a conclusão do processo
Seis anos depois
O processo do mensalão deve ser julgado apenas em 2013 pelo STF, seis anos após o recebimento da denúncia. Assim como ocorreu com o caso Collor, até a data do julgamento, o escândalo já estava praticamente diluído na opinião pública
(*) O DEPUTADO JOSÉ JANENE (PP-PR) MORREU E, POR ISSO, FOI EXCLUÍDO DA AÇÃO. O EX-SECRETÁRIO GERAL DO PT SILVIO PEREIRA FECHOU UM ACORDO PARA CUMPRIR PENA ALTERNATIVA E TAMBÉM NÃO RESPONDE MAIS À AÇÃO
PRESIDENTE
Dilma vira diva em noite de festa no palácio
Presidente demonstra bom humor ao abrir sua sala de exibição a cineastas, atrizes e ministras
Sonia Racy - O Estado de S.Paulo
ENVIADA ESPECIAL / BRASÍLIA
Nunca antes na história de Lula houve uma noite como a de sexta-feira passada no Palácio da Alvorada.
Mostrando afabilidade e simpatia surpreendentes, a presidente Dilma Rousseff deu mostras de que, se é verdadeira a tese do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que ela não venceu as eleições por conta das características identificadas com o universo feminino - se credenciando por meio de uma história pessoal na qual o sexo pouco diferença fez -, ela agora busca o caminho inverso.
Dilma está visivelmente procurando dedicar boa parte deste início de governo a "elas". Mulher no poder faz diferença.
Depois da série de entrevistas dadas à representantes do sexo feminino, durante este mês comemorativo do Dia Internacional da Mulher, a presidente Dilma abriu sua "casa" anteontem à noite a pouco mais de 50 "representantes da categoria". Todas convidadas para assistir ao filme É Proibido Fumar, da premiada cineasta Anna Muylaert. A atração foi seguida de um jantar.
Homenagem. O evento, marcado para a data em que a atriz Leila Diniz (morta em 1972 em um desastre aéreo) faria 66 anos, como bem lembrou Ana Maria Magalhães, autora de documentário presenteado a Dilma sobre a vida da atriz, começou às 19 horas e foi longe, terminando quase a 1 hora da manhã.
Ninguém do "clube da Luluzinha" se movimentou para ir embora. E a presidente, mesmo aparentando um certo cansaço, deu sinais de que estava gostando de estar ali.
Mudança na Vale. Sem aparentar pressa depois de um dia certamente atribulado, que teve o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao telefone e problemas na Vale, a sucessora de Lula não demonstrou incômodo ante o intenso assédio de algumas convidadas. As poucas representantes da imprensa, por exemplo, queriam saber quem será o substituto de Roger Agnelli no comando da Vale ou a razão pela qual Lula não atendeu ao convite de Dilma para participar do almoço oferecido a Obama.
As atrizes e cineastas estavam tão à vontade que em alguns momentos elas pareciam se esquecer de que estavam diante da dirigente máxima do País, a quem chamavam e apenas de Dilma.
Disciplina. A presidente se esquivou bem das questões incômodas, sinalizando que, apesar da cordialidade, será difícil fazer com que ela revele algo que não queira. Disciplina absoluta. E teve extrema paciência em responder às cineastas e atrizes. Só em um momento quase a perdeu: quando teve de ouvir uma longa defesa dos quilombolas de Alcântara (MA), que, por meio de acordo altamente vantajoso, selado com o Ministério da Defesa, já conquistaram dois terços do território da Base da Alcântara.
Foram muitas risadas, conversas sobre rugas, roupas, filmes (sim, Dilma é cinéfila) e outras coisas do universo feminino.
Obras de arte. O evento começou no salão principal da casa da presidente da República, onde moram dois Portinaris, duas estátuas de Brecheret ladeadas por móveis de Sergio Rodrigues. E terminou no salão de jantar, dividido em oito mesas de sete pessoas. Dilma circulou por todas.
"Estamos no Palácio da Alvorada, rindo com a presidente", observou Daniela Thomas que, como Suzana Amaral, Lucia Murat, Tizuka Yamasaki, Ana Maria Magalhães, Ana Carolina, Suzana Werneck, Lo Politi, Patrícia Pillar ou Tetê Moraes, se sentiu lisonjeada com o convite presidencial. A maioria pediu autógrafos à presidente, como a atriz Glória Pires.
Não que os problemas da inoperância da Agência Nacional do Cinema (Ancine), da distribuição precária de filmes no Brasil ou da falta de acesso aos cinemas por parte das classes C e D possam ser resolvidos em uma noite, como bem apontou a cineasta Tizuka Yamasaki.
"Mas ela nos chamou, nos ouviu. O encontro foi maravilhoso", declarou Tizuka, com o apoio de 99% das presentes. "Tá todo mundo feliz", observou Ana Muylaert.
Boa anfitriã. Vestindo um discreto vestido preto, sapatilha baixa e xale estampado em preto e prateado, Dilma fez questão de ir de roda em roda dar boas-vindas.
Logo depois, chamou as suas convidadas, entre elas as ministras Ana Buarque de Hollanda (Cultura), Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Helena Chagas (Comunicação), para se sentarem na espaçosa sala de cinema. Curiosidade: a poltrona destinada ao chefe de Estado, situada no alto da sala, tem espaçamento maior do que as demais.
Ana Muylaert fez um discurso emocionado pela escolha do filme, por estar ali. Dilma retribuiu com uma ode sobre a importância da mulher, deixando claro ser a sala de cinema do Palácio do Planalto um espaço público. E que, portanto, terá uso coletivo que se iniciou com as mulheres cineastas e seguirá com outros eventos, independentemente do sexo dos convidados.
Lembrou existir no País a fome básica, do brasileiro pobre, a ser permanentemente combatida. Mas ressaltou existir no universo da população a fome de cultura. Mesmo que muitos brasileiros nem sequer tenham consciência disso.
Avaliação
DILMA ROUSSEFF - PRESIDENTE DA REPÚBLICA
"Muitos brasileiros não sabem que têm (fome de cultura), mas têm"
TIZUKA YAMASAKI - CINEASTA
"Ela (Dilma) nos chamou, nos ouviu. O encontro foi maravilhoso"
DANIELA THOMAS - CINEASTA
"Estamos no Palácio, rindo com a presidente"
AVIAÇÃO
Empresas aéreas aumentam lista de ''taxas de conforto''
Poltronas minimamente espaçosas, comida e bebida a bordo e marcação antecipada do assento viraram itens opcionais
Nataly Costa - O Estado de S.Paulo
Viajar de avião está ficando mais barato no Brasil - segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o preço médio da tarifa caiu 40% desde 2002. Viajar com conforto, porém, é outra história. Pegando carona nas companhias de baixo custo americanas e europeias, as aéreas brasileiras estão cada vez mais cobrando por serviços que antes eram básicos, como poltronas minimamente espaçosas, serviço de bordo ou marcação antecipada de assentos. TAM, Gol, Webjet e Azul já oferecem os "extras" ao passageiro.
Não bastasse o espaço entre as poltronas ter diminuído, as empresas agora apostam nos "assentos-conforto" - na verdade, poltronas distantes de 80 cm a 90 cm entre si, o que já foi padrão nas aeronaves na década de 1980. Agora, essa distância média não passa de 76 cm na maioria das aeronaves que operam rotas regulares dentro do Brasil.
Para ganhar de volta o espaço perdido, paga-se a mais. "As atendentes de check-in até me ofereciam as saídas de emergência na hora de marcar o assento. Outro dia, quando pedi, me cobraram R$ 20. Não paguei", conta o gerente de vendas Leon Maia, que tem 1,89 m e viajava pela TAM. Em voos internacionais, a companhia cobra entre US$ 50 e US$ 70 pelos assentos-conforto, que podem ser nas saídas de emergência ou nas primeiras fileiras da aeronave.
Já a Webjet inovou na cobrança de marcação antecipada de assentos. Para escolher já no ato da compra onde quer sentar, o passageiro paga R$ 5 (poltronas comuns) ou R$ 10 (assentos-conforto). Se não quiser o serviço, fica sujeito à marcação aleatória na hora do check-in.
Cardápio. A mesma companhia também já oferece em todas as rotas o serviço de venda de alimentos a bordo. "Trata-se de um cardápio diferenciado, com diversas opções de lanches e bebidas por um preço acessível", afirma a empresa.
Ainda em fase experimental, a Gol também começou a cobrar pela comida em 85 voos diários, mantendo também o "serviço de bordo padrão" para quem não quiser pagar.
"Uma coisa é "quebrar" o pacote de serviços para oferecer uma tarifa mais barata, em vez de cobrar um preço médio para todo mundo. Isso é uma tendência das low cost", afirma o consultor em aviação André Castellini. "Oferecer um conforto diferenciado, por outro lado, é uma opção das empresas que querem investir no conceito de premium."
Selo. Questionada sobre a falta de espaço nas aeronaves, a Anac já ensaiou exigir que as companhias cortassem o número de poltronas nos aviões para oferecer mais espaço aos passageiros. A questão foi levantada em 2007 pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Dois anos depois, a ideia foi substituída por outra: a criação de um selo para identificar aeronaves mais espaçosas, sem punir as que "espremem" o passageiro.
O Selo Dimensional da Anac saiu em fevereiro deste ano e premiou, até agora, a Avianca e a Passaredo com a etiqueta "A" - distância entre assentos maior ou igual a 76 cm. A avaliação das demais companhias ainda não foi divulgada, mas, segundo a regra da agência, é obrigatória.
Lá tem...
Na Europa, a Ryanair já anunciou que pretende cobrar ? 1 pelo uso do banheiro. Nos Estados Unidos, quase todas as empresas já cobram pelo despacho da primeira bagagem - não há franquia.
OPINIÃO
Agora, é investir em portos
Alberto Tamer
O governo tem um problema, investir, e uma solução, privatizar ou acelerar as concessões na área de infraestrutura. Ele investe menos de 1% do PIB e não conseguiu atrair os recursos que o setor precisa que só o capital privado pode oferecer. A deterioração dos serviços dos aeroportos é dramática e pode se tornar caótica como aconteceu há alguns anos.
A presidente Dilma Rousseff deu mais um sinal de realismo ao afirmar que não tem nenhum preconceito contra os investimentos privados em aeroportos. O governo está se preparando para recebê-lo e novas regras devem sair nos próximos meses.
Os investimentos privados foram decisivos no passado, quando se quebrou ou atenuou os efeitos do monopólio estatal. Alguns exemplos foram energia, petróleo e, principalmente, telecomunicação onde havia só o caos. Foi o início da era das privatizações históricas que marcaram o governo Fernando Henrique. A grande abertura para o setor privado que soube responder. Os resultados estão aí, a Petrobrás investindo, mais 200 milhões de linhas telefônicas no país, onde não havia nada. Privatização da Vale, da Embraer.
Portos parados. O setor de aeroportos é o que mais se destaca por causa das crises recentes, mas o de portos é ainda mais grave. Em reportagens publicadas nos últimos dias, a correspondente do Valor, em Santos, Fernanda Pires, informa que em 2010 o porto movimentou 96 milhões de toneladas, alta de 15,4% sobre 2009. Neste ano, deve chegar a 101 milhões de toneladas. O grande desafio está na área de containers, no qual a participação do setor privado é decisiva.
O movimento de carga em Santos aumentou 215% em dez anos, mas nenhum novo terminal com áreas e berços para contêineres foi construído. Em 2000, o porto movimentava 554 mil containers. No ano passado, 1,7 milhão. É um crescimento espantoso, pois no conjunto de todos os portos do país o movimento foi de 4,7 milhões de unidades.
É nesta área em que o governo deveria atuar com urgência, abrindo espaço para novas privatizações ou permitindo a instalação de portos privativos. É urgente porque o movimento do porto só aumenta. Só em janeiro deste ano a movimentação de contêineres de Santos aumentou 14,2% em relação a 2010, chegando a 217.210 unidades de 20 pés. E isso num mês geralmente fraco no comércio exterior, em que a safra de grãos já foi quase toda exportada com dificuldade e atrasos. Este ano, informa a colega do Valor Fernanda Pires, só está sendo feita uma licitação, em Manaus.
Há em Santos dois novos empreendimentos, mas nenhum deles licitado. Um é privativo, outro encampou contratos de cinco empresas. Vai ajudar pouco, este ano. Mesmo que tudo se resolva rapidamente - o que se duvida por causa das ações legais diante de uma legislação nebulosa - eles entrariam em operação apenas em 2013.
É a hora de investir. Não se pode falar em reduzir o custo e aumentar a competitividade das exportações brasileiras sem antes resolver a situação dos portos. Além de exportar direta ou indiretamente, o Brasil exporta também a deficiência de sua infraestrutura.
Não é novidade? Sim, mas agora a presidente Dilma Rousseff manifesta a intenção de atacar um desafio antigo, que levou o país a representar pouco mais de 1% do comércio mundial. O desafio é velho, mas o cenário novo, com a entrada crescente de investimentos externos. Nesta sexta-feira, o Banco Central elevou a previsão de investimentos diretos no País de US$ 45 bilhões para US$ 55 bilhões, atrás apenas da China, que recebeu US$ 59 bilhões no ano passado. Os investimentos financeiros, em bolsa ou renda fixa param de crescer, os diretos, em fábricas, e infraestrutura aumentam. Este é o momento mais propício para criar e definir regras e atrair investimentos na infraestrutura portuária. Regras que, se existem, estão superadas e são nebulosas e dão margem a litígios intermináveis.
Os portos, principalmente de Santos, por onde passa grande parte do comércio nacional, estão esperando. Eles não geram manchetes, mas vivem uma crise silenciosa que, agora, o novo governo começa a olhar.
ENTREVISTA: JACQUES MARCOVITCH, ex-reitor da USP
''Planos para Amazônia são desarticulados''
Afra Balazina - O Estado de S.Paulo
O professor Jacques Marcovitch, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP) e ex-reitor da universidade, critica a priorização pelo governo, por meio do Plano Amazônia Sustentável (PAS), de empreendimentos de pequeno porte na região amazônica. Para ele, essas atividades menores devem ser apoiadas, mas é urgente investir em empreendimentos que adquiram escala e se organizem em cadeias para construir uma nova economia na área da floresta. O professor, que lançou neste mês o livro A Gestão da Amazônia - Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas, falou ao Estado:
O senhor conclui no livro que a sustentabilidade na Amazônia é algo indissociável do crescimento econômico e evolução do bem-estar coletivo. Como alcançar isso? Depende mais do governo ou da iniciativa privada?
Esse desafio exige sinergia entre as ações empresariais e as políticas públicas. No que se refere à Amazônia, o livro enumera erros e acertos de ambos os lados. Ao governo, cabe elevar de forma sustentável o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, que é um dos mais baixos do mundo. A Região Norte tem uma problemática social maior do que a existente no Nordeste do Brasil. É um paradoxo: nas vizinhanças da floresta, ou dentro dela, onde há águas fartas, jazidas minerais de grandes proporções e riquíssima biodiversidade, mora uma gente sem benefícios mínimos para a vida civilizada. O Plano Amazônia Sustentável reconheceu explicitamente que são deficientes os investimentos relativos à ocupação do solo urbano, saneamento básico, gerenciamento do lixo e geração de renda. As empresas começam a despertar para ações de sustentabilidade, mas não se pode afirmar que haja um movimento contra a escassez de empregos e os baixos níveis de investimento privado. Lamentavelmente, a pecuária predatória compromete a imagem da livre iniciativa e, não por outro motivo, é fortemente criticada pelos setores mais desenvolvimentistas do empreendedorismo.
Foram ouvidas empresas que atuam na Amazônia. O que elas têm em comum?
Em comum, a preocupação com a sustentabilidade. As estratégias mudam conforme o perfil de cada corporação e seria injusto isolar um ou outro exemplo. O conteúdo geral reflete experiências de gestão que poderão ser úteis para outras companhias ali atuantes ou que venham a se interessar pelo desenvolvimento da região. Buscamos uma visão integrada das múltiplas experiências da iniciativa privada no local. O conjunto das informações tem o potencial de se tornar um guia de referências práticas de sustentabilidade empresarial.
Dos inúmeros estudos já feitos no Brasil e no exterior sobre a Amazônia, qual traz os dados mais alarmantes ou importantes em sua opinião e por quê?
A palavra Amazônia tornou-se universal e está em centenas de estudos. Posso lembrar o documento A Economia das Mudanças Climáticas, em seu capítulo sobre a Amazônia, no qual o mecanismo Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd, na sigla em inglês) é descrito como um sistema positivo para o Brasil. Nesse documento é criticado, com grande propriedade, o excessivo elenco de propostas para a Amazônia, quase sempre fragmentadas ou superpostas, o que reduz a eficácia histórica. De fato, governos diversos lançam planos para desenvolver a região e os resultados, gradualmente declinantes no espaço e no tempo, revelam uma desarticulação que precisa ser corrigida.
Ações do governo, como a Operação Arco de Fogo, ajudaram a reduzir o desmate da floresta nos últimos anos. Em 2008 foi anunciada a Operação Arco Verde, para dar alternativa à população que antes vivia do desmate ou venda da madeira ilegal. Qual é sua avaliação sobre isso?
Os efeitos das ações contra o desmatamento são evidentes e bem-vindos. O governo federal foi agente do desmate na ditadura militar e, neste segundo milênio, assume algumas atitudes proativas contra o desflorestamento.
O PAS, porém, embora com um bem articulado suporte conceitual, não é preciso quando trata de medidas operacionais. É perceptível um viés de entusiasmo pelos empreendimentos de pequeno porte, quando é sabido que, em vários casos, essas atividades ainda não são exatamente multiplicadoras socioeconômicas. Não queremos a sua exclusão de incentivos governamentais. Devem ser apoiadas, principalmente como redes fornecedoras em processos industriais sustentáveis e geradores de emprego que agreguem valor às matérias-primas disponíveis. Isoladamente, sem visão de conjunto, será reduzido o seu papel na construção de uma nova economia na Amazônia. É urgente e necessário que tais empreendimentos adquiram escala, se organizem em cadeias, obedeçam a princípios de gestão e tenham acesso a crédito diferenciado.
A Amazônia brasileira, na visão do PAS, é considerada em seu todo. O documento abrange um trio de microrregiões, distinguindo claramente as peculiaridades de cada uma. Isso implica dizer que o País terá de lidar com três Amazônias ao mesmo tempo. Espera-se que ministérios e governos estaduais, a partir das recomendações minuciosamente alinhadas, acertem nas ações de implantação. Neste segundo tempo será decisiva a intervenção dos empreendedores e dos cientistas.
Como avalia a proposta do deputado Aldo Rebelo de alteração do Código Florestal? Acha que prejudicará a Amazônia?
O que prejudicará seriamente a Amazônia é a ideologização do tema, como querem representantes da agropecuária e as representações da esquerda imoderada no Congresso. O País espera que, em nome do interesse nacional, as partes em conflito reencontrem o caminho do diálogo, abandonado por quase todos os envolvidos desde o final de 2008.
QUEM É
É professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e foi reitor da instituição de 1997 a 2001. Foi coordenador-geral do estudo sobre Economia da Mudança do Clima no Brasil. Recebeu reconhecimentos como a Grã-cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
ALIÁS
Repressão sob medida
Ditaduras usaram para cada país sul-americano técnicas específicas de controle e submissão, avalia político chileno filho de diplomata assassinado em 1976, nos EUA
*Juan Pablo Letelier - O Estado de S.Paulo
No século 20 a humanidade foi sacudida por terríveis holocaustos, cada um inspirado numa filosofia, numa maneira de ver o mundo e a vida, e numa estratégia deliberadamente construída para atingir os objetivos propostos. Esses holocaustos feriram profundamente a alma humana, fizeram milhões de vítimas e mancharam de sangue o rumo da civilização. Estamos falando do nazismo, do fascismo e do stalinismo, na Europa, e também do golpismo, na América. O último desses holocaustos é precisamente o menos estudado e o que mais provocou dor e estrago aqui no sul do globo.
De fato, a chamada Doutrina de Segurança Nacional foi muito mais que um conjunto de teorias equivocadas, impostas pelos Estados Unidos para submeter os povos de nossa América. Tratou-se de uma filosofia e uma estratégia, uma forma de entender a vida e o mundo, e uma forma de execução.
A Doutrina de Segurança Nacional concebia a sociedade como um todo harmônico e unidirecional, pilotado por uma elite que formulava os grandes objetivos da civilização e conduzia os povos e os países à sua realização pela determinação e o cumprimento dos chamados "objetivos nacionais".
Esses objetivos - bem como a consolidação de uma ordem econômica mundial que deixava o poder de decidir os rumos do desenvolvimento nas mãos das grandes corporações capitalistas - buscavam a uniformização das consciências, vontades e condutas. Esse foi o motivo pelo qual toda dissidência, desacordo e protesto contra a ordem estabelecida que pretendesse desviar o coletivo social de tais objetivos era considerado "inimigo" da sociedade, da ordem e da civilização. Todo indivíduo ou grupo que ousasse formular objetivos diferentes em relação àqueles impostos pela elite deveria ser "extirpado" da convivência social. Essa é a convicção que inspirou aqueles que impuseram a sangue e fogo a estratégia de dominação aplicada na nossa América na década de 80, que, como se vê, foi muito além da inclusão monolítica de nosso continente na égide dos EUA na Guerra Fria. Os idealizadores da doutrina planejaram com precisão cirúrgica uma estratégia de controle e submissão para cada país e sociedade. Os padrões repressivos empregados foram construídos tendo em conta as características psicossociais de cada país, buscando impor à sociedade o maior temor possível. Assim, por exemplo, para uma sociedade como a chilena, de características "insulares", na qual a unidade das famílias é a base de sua convivência e organização, o padrão repressivo escolhido foi o desterro, com o qual, ao separar um de seus membros, toda a família era submetida à condição de refém. Para uma sociedade como a da Argentina, na qual a imigração constitui a base da construção social, esse castigo não teria a mesma relevância. E o padrão escolhido foi o desaparecimento forçado dos presos. Assim, cada família era submetida à paralisação de toda ação opositora, com base na esperança de ver "aparecer" seu ente querido. Já numa sociedade pequena como a uruguaia o padrão foi o da prisão política prolongada, o que fazia as famílias visitarem o ente querido cativo, subjugando sua conduta social.
Como se vê, não se tratou de simples crueldade ou de golpes de Estado para impor ditaduras submissas, servis ao império. O golpismo na América Latina foi além, tentando construir um tipo de sociedade unidirecional, uniforme e cativa. Para atingi-lo, não hesitou em sacrificar centenas de milhares de pessoas. Mas, uma vez mais, a força da humanidade se impôs à loucura desse holocausto: recuperamos a democracia e, à custa de muito trabalho, temos desmontado a estrutura equivocada desse experimento. E estabelecemos os alicerces de uma nova era de paz, convivência civilizada, democracia e tolerância, respeitando a diversidade e os direitos humanos. Mas os ideólogos responsáveis pela insanidade estão impunes e gozam de boa saúde. Não foram responsabilizados pelo horror que desencadearam. Nos laboratórios do poder nos EUA a página foi virada, fingindo-se que nada disso ocorreu. Comentei o assunto com o presidente Obama por ocasião de sua visita ao Chile, recordando a ele que a loucura homicida levou à morte de uma jovem judia americana, Ronnie Moffit, assassinada com meu pai em Washington por uma bomba instalada por agentes da ditadura Pinochet no primeiro atentado terrorista do século 20 ocorrido na capital dos EUA.
Falta ainda um mea-culpa e o arrependimento do norte por sua responsabilidade pelo holocausto no sul. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO PACHECO KALIL
*JUAN PABLO LETELIER É VICE-PRESIDENTE DO SENADO DO CHILE
ENTREVISTA: WILLIAM ZARTMAN - PROFESSOR EMÉRITO DA JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, EM WASHINGTON
'Se Kadafi cai, por que não eu?'
Bahrein e Iêmen já entenderam a mensagem. A Síria, não, analisa teórico de relações internacionais
Carolina Rossetti - O Estado de S.Paulo
São múltiplos os adjetivos usados para esculpir a persona pública do coronel líbio: excêntrico, cachorro louco, suicida. Mas o teórico de relações internacionais William Zartman diz preferir explicações mais longas. "Nós, americanos, até tentamos agir naturalmente com Kadafi depois de ele ter abandonado o desejo por armas nucleares e o apoio aos terroristas. Mas é impossível. Há uma coisa que nunca mudou em todos esses anos: Kadafi. Ele continua sendo um sujeito esquisitíssimo que fala coisas completamente absurdas nas horas erradas. É figura difícil, que nunca agrada." É nessa linha que segue o professor emérito da Johns Hopkins University para explicar, com uma dose de exagero proposital, a decisão da Liga Árabe de dar as costas a um dos seus: "Se bombardearem a Síria, o mundo árabe se levantaria em defesa dos sírios. Se bombardeiam a Líbia, pensam: "Ufa, que alívio"".
Descendente de colonos alemães na Pensilvânia, Zartman encabeçou por duas décadas os estudos sobre resolução de conflitos em países africanos na Johns Hopkins. Morou no Marrocos, de 1958 a 1960, e presidiu o centro cultural Tangier American Legation Institute for Moroccan Studies. Em 1963, esteve na Tunísia, onde retornou para fazer pesquisas nos anos 80. Na Argélia, passou os anos de 1969 e 1974. Foi ainda professor visitante da Universidade Americana no Cairo, em 1979. Da temporada no Norte da África, conclui: todos os ingredientes para uma "primavera árabe" já estavam lá havia anos. E ressalta o descontentamento da juventude frustrada e sem emprego como um dos gatilhos para os levantes.
Zartman descarta a probabilidade de outra intervenção ocidental no mundo árabe além da Líbia, pois acredita que Bahrein e Iêmen estão ouvindo a mensagem - se atirarem contra a população, vocês serão os próximos. Mas alerta contra o líder sírio: "Só o que Assad sempre soube fazer é massacrar o povo". A seguir, Zartman apresenta os interesses dos países que integram a coalizão, explica o que muda com a Otan e desconstrói o contrassenso do "esse ditador pode, aquele não", que norteia a decisão da comunidade internacional de ora intervir, ora se omitir.
A decisão de evitar o massacre de civis segue uma lógica? Houve omissão em Ruanda e uma intervenção tardia na Bósnia, dois casos de genocídio. Por que decidir por algumas batalhas humanitárias e não outras? E por que Líbia e não Bahrein ou Iêmen?
Vivemos em um mundo hesitante. Ditadores são tolerados porque procuramos nos preservar e agimos só no último momento. Ou nem agimos. Mas vamos avançar além da hipocrisia óbvia. Estamos vivenciando uma era excitante nas relações internacionais, em que a ideia de intervenção ganhou um aparato teórico na reunião de cúpula da ONU sobre o tema em 2005. Foi então que o mundo concordou que a soberania nacional passaria a ser entendida como responsabilidade. O ex-secretário-geral Kofi Annan delineou três pilares para articular esse conceito. Primeiro, um Estado é responsável pelo bem-estar de seu povo. Segundo, outros países são responsáveis em ajudar esse Estado a atingir esse bem-estar. Terceiro, se esse Estado não cumprir suas responsabilidades, a comunidade internacional deve intervir para proteger a população. Antes dessa virada conceitual, prevalecia a defesa da soberania internacional acima de qualquer coisa. Essa doutrina muito perigosa foi acertada no tratado de Paz de Westphalia, no século 17, que saiu em defesa do Estado, não do povo. Ban Ki Moon tem trabalhado para reforçar os dois primeiros pilares e, em caso de intervenção, defende o princípio do "no net loss", ou seja, uma ação externa não deve infligir mais danos aos civis. O ataque deve mirar em alvos específicos: centros militares, tanques, aviões. Mas líbios estão morrendo por causa dessa intervenção. Como acontece com quaisquer medidas que tentem orientar a ação humana, elas são sempre falhas e cheias de inconsistência.
A intervenção na Líbia é criticada pela falta de transparência no comando, além do desentendimento entre França, Inglaterra e EUA. Quais os limites de uma abordagem multilateral na resolução de conflitos?
Para começar, estamos falando de Estados soberanos, com interesses próprios, que nunca estão em completa harmonia em relação a nada. Em casos de emergência extrema, como nas duas Guerras Mundiais, os aliados foram capazes de se unir porque tinham um inimigo comum. Mas cada um agia olhando para o próprio umbigo e eles discutiam entre si quais ações tomar. É a mesma dificuldade de fazer os membros de uma família decidirem o que fazer com a herança. E a situação na Líbia foi agravada por dois fatores: a necessidade de uma intervenção imediata e o lado apoiado pelo Ocidente ser bastante desorganizado. Nem se pode dizer que os aliados estejam com os rebeldes, como se houvesse unidade. E existe muita dúvida se, mesmo se os rebeldes ganharem, vamos querer associar nossa imagem à deles. Não sabemos que tipo de governo querem ou se cairão no mesmo padrão gerencial de Kadafi. Tanto por causa da desordem da intervenção quanto pelos rebeldes a situação é muito confusa.
Na sexta, a Otan se preparava para liderar a missão. Quais as implicações disso?
A Otan no comando significa algum grau de união política e um comando militar centralizado, o que, presumivelmente, trará mais coordenação, mas, ao mesmo tempo, mais hesitação. A Otan envolve países que não concordam com a zona de exclusão aérea, como Alemanha e Turquia. Está certo que o premiê russo, Vladimir Putin, deu um tiro no pé falando de uma "cruzada medieval". E recebeu um cala-boca de seu suposto superior, Medvedev. Mas o que isso mostra é que a Rússia está preocupada com a soberania nacional. Assim como China e Brasil.
A França foi pioneira em reconhecer os rebeldes e mandar aviões para cumprir a zona de exclusão aérea. Quais as intenções de Sarkozy com esse protagonismo?
Todas as ações de quaisquer líderes de Estado são manobras políticas. Todos sempre têm o olho em alguma eleição próxima. Sarkozy pode ter sido mais brusco no seu jeito de fazer as coisas, não trabalhando em silêncio nos bastidores da diplomacia. Isso porque a França tem tido problemas com Kadafi há muito tempo e também tem interesse no petróleo que sai da Líbia. E há um dissabor antigo, à la Lockerbie, o voo 772 da UTA, holding francesa, derrubado por Kadafi em 1989 (supostamente pelo apoio francês ao Chade contra a Líbia). Nunca se chegou no fundo dessa história e as vítimas nunca foram indenizadas. Essa é uma cicatriz aberta entre os dois países. Então, a França tenta fazer parte da aliança atlântica, mas está desconfortável em derrubar a posição gaullista que pauta sua política externa, de ficar fora de toda ação militar da Otan. A França quer liderar a ação para mostrar-se como ator decisivo no cenário internacional. Não quer estar na sombra da Otan. Mas Sarkozy está numa armadilha. Não pode continuar mandando seus aviões e ignorar o comando da Otan. Precisa participar da coordenação. A Itália, por outro lado, quer mais é ser governada pela Otan e já disse que, se não fosse pela Otan, a investida não partiria de suas bases. A relação da Líbia com a Itália é especial por se tratar de uma ex-colônia, o comércio bilateral é intenso. E ainda por cima a Itália precisa da Líbia para não ser um hall de entrada de imigrantes do Norte da África. Kadafi fica chantageando Berlusconi com isso, numa relação de amor e ódio pós-colonialista.
O premiê britânico argumentou que a rapidez com que os aliados tiveram de intervir impediu de angariar apoio árabe. Poucas nações árabes cacifam militarmente a zona de exclusão aérea. Por que a hesitação?
O pano de fundo dessa participação tímida é a ideia de "solidariedade entre árabes", "unidade árabe". A união é forte justamente porque está em constante conflito com a realidade, e os Estados árabes têm interesse em serem independentes. É um argumento emaranhado que faz com que a ideia de unidade seja reforçada de tempos em tempos. Não há nada que una mais as pessoas que um inimigo externo comum. E aí vêm Otan ou França ou Estados Unidos e os países ocidentais intervir na Líbia. Alemanha e Turquia estão preocupadas em não provocar uma reação negativa do mundo árabe. Na verdade, teria sido melhor se os próprios membros da Liga Árabe tivessem punido um dos seus. Esse é o princípio da "segurança coletiva", que é muito difícil praticar porque implica decapitar um colega. O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, tem se mostrado um líder competente, mas preso entre duas lógicas conflitantes. Ele quer uma intervenção, quer que Kadafi saia, mas está preocupado com a morte dos civis e as manchetes do tipo "uma guerra de árabes contra árabes". Por todas essas razões, a decisão de perseguir Kadafi não é fácil para os líderes árabes.
Outros membros da liga temeriam a intervenção na Líbia em razão de seus próprios governos serem pouco democráticos?
Líderes repressivos em toda região estão se perguntando: "Se Kadafi, por que não eu?" Quando Kadafi está em perigo, outros também estão e alianças estão sendo feitas nos bastidores. Há evidências de que o regime da Argélia está ajudando Kadafi. Esse apoio é do interessedo presidente Abdelaziz Bouteflika, como é de seu interesse negar isso.
Além das alianças com os árabes, Kadafi encontrou um amigo em Hugo Chávez.
Chávez... Este adota qualquer um que empine o nariz contra o Ocidente. A Venezuela tem interesses comerciais e militares com a Líbia, mas o que está por trás da ação de Chávez é mesmo sua campanha pública contra os Estados Unidos.
Por que alguns ditadores são tolerados, se não explicitamente apoiados, enquanto outros se tornam subitamente inaceitáveis?
Momento, estratégia e oportunidade. Saddam era um amigo, depois não era mais. Depende da vulnerabilidade política e geográfica de algumas ditaduras e não outras. Os EUA sob Ronald Reagan bombardearam a Líbia. Líbios estavam aparentemente envolvidos num atentado terrorista a uma discoteca alemã que acabou matando americanos, mas o comando veio da Síria. Por que então não bombardear Damasco? Porque os EUA queriam mostrar um sinal de força, e a Líbia era a candidata mais vulnerável. Mesmos os líderes árabes já tinham suas dúvidas sobre Kadafi. Se você bombardear a Síria, o mundo árabe se levantará em defesa dos sírios. Se você bombardear a Líbia, todos pensarão: "Ufa, que alívio". Essa intervenção de agora serve para mandar um sinal aos demais países. Estão avisados: se massacrarem o povo, serão os próximos. Essa mensagem foi ouvida no Bahrein e no Iêmen, mas não sei se na Síria, que é um governo muito mais bruto.
O sr. falou de rusgas entre EUA e Líbia nos anos 80. Mas em 2004 o comércio bilateral foi retomado e há alguns meses o governo americano negociava a venda de US$ 77 milhões em armas para Kadafi. O que mudou na relação Washington-Trípoli?
Duas coisas importantes. Kadafi desistiu de desenvolver armas nucleares e oficialmente deixou de apoiar grupos terroristas. Quando essas mudanças se concretizaram, os americanos avançaram em seus esforços para construir relações positivas com a Líbia. Disseram: "Ok, ele cedeu. Agora vamos agir normalmente". Mas isso era impossível porque uma coisa nunca mudou nesses anos todos: Kadafi. Ele é excêntrico, alguns dizem louco. Acho o termo exagerado. Prefiro outra explicação. Ele é um sujeito esquisitíssimo e fala coisas completamente absurdas. Simplesmente nunca agrada.
A União Africana se reuniu na sexta na Etiópia para discutir a crise líbia. Qual o peso da UA nesse imbróglio?
Esse é mais um clube a que pertencem os países da África do Norte, mas seus corações e mentes estão mais próximos da Liga Árabe. Mas nem a UA nem a liga têm poder coercitivo. O que têm é alguma influência que legitima suas decisões. Seja qual for a solução apresentada pela UA, precisamos atentar para a atitude de um dos membros mais importantes do grupo: a Costa do Marfim. O mundo inteiro tem sido vergonhosamente negligente em não prestar atenção à guerra étnica que se desenrola ali. Ok, sumimos com Kadafi, mas o que fazer com o autointitulado presidente Laurent Gbagbo, que se recusa a aceitar o resultado das eleições em seu país?
Teme-se que a guerra na Líbia seja uma disputa tribal e não pela deposição de um governo antidemocrático. Qual a natureza da oposição na Líbia, Egito, Iêmen?
Há um elemento unificador: a juventude está em massa nas ruas em todos esses países. Os jovens estão frustrados e sem emprego e canalizam sua raiva contra os regimes. Todos os ingredientes para esse levante estavam lá havia anos, mas não tínhamos como prever quando aconteceria. O ponto de virada no Egito e na Tunísia foi quando o Exército decidiu que não reprimiria o povo. Nesse momento os protestos engrossaram, enquanto na Síria e na Argélia os regimes são mais duros e só o que governo sabe fazer é massacrar o povo. Mas Assad está tremendo, não sei se dura muito mais. Já o Iêmen foi um país instável por todo o governo de Saleh, que tentou manter norte e sul unidos, mas agora as contradições estouraram. Na Líbia também há diferenças regionais agudas. O leste do país, conhecido como a Líbia egípcia, tem alianças com o Ocidente. E o oeste, perto de Trípoli, o Norte da África líbio, se aproxima do Oriente. Não há uma identidade líbia. Kadafi trabalhou duro para tentar forjar essa unidade, mas falhou. Por isso também a oposição líbia é menos capaz que a egípcia de se mobilizar nacionalmente.
Há risco de a Líbia se fragmentar?
Não teremos um efeito somali, no sentido de que parte do país se separe. O difícil será controlar e manter as tribos satisfeitas. Se Kadafi cair, o melhor cenário será uma coalizão de líderes tribais que permita uma administração nacional, em lugar de uma unidade nacional de fato.
Kadafi falou de um levante jihadista caso ele caia. Mubarak falava de um avanço islâmico. Ali Abdullah Saleh, do Iêmen, de uma conspiração da Al-Qaeda. Quanto disso é retórica e quais os riscos reais de ascensão desses movimentos?
Os levantes da "primavera árabe" têm sido seculares. Os movimentos islâmicos estão correndo ao lado desse trem tentando alcançá-lo e sentar na cabine de comando. Mas geralmente depois de revoluções a economia encolhe por um tempo até se reorganizar e as pessoas ficam frustradas. Pensavam que ao depor o regime a vida iria melhorar. E aí começam a dar ouvidos aos slogans fundamentalistas, como "o Islã é a solução". Não porque sejam religiosas, mas porque se revoltam contra a ineficiência do novo governo. E nos países em questão os grupos mais organizados são os islâmicos. Enquanto outras forças políticas tentarão se pôr de pé, fundar partidos, decidir o que apoiam e o que refutam, o Islã estará ganhando a corrida ideológica. Mas numa eleição livre os islâmicos não costumam levar mais que um terço da bancada política em qualquer desses países. Na Argélia, apesar do domínio dos militares no governo, há uma oposição islâmica que participa dele. O mesmo ocorre no Marrocos e na Jordânia. A presença de partidos islâmicos não é, em si, uma ameaça. A questão é quando militantes radicais se desvinculam e passam a operar atividades ilegais.
Obama foi criticado por participar de um terceiro front no mundo árabe, justo num momento de estresse econômico. Em que medida isso pode minar o apoio ao presidente?
As consequências podem ser perigosas para o presidente. Infelizmente, tomar a decisão de participar da investida contra Kadafi no momento da visita ao Brasil teve uma consequência ruim para ele, politicamente. Muitos consideram que houve inconstitucionalidade porque ele precisaria do apoio do Senado. Obama quer manter seu engajamento na questão líbia muito menor que no Afeganistão e Iraque. Não há razões para os americanos liderarem essa intervenção. O petróleo líbio escoa para os europeus, não para os EUA. A Otan ou a Europa devem liderar o show. Nós, americanos, não precisamos estar em toda parte.
LÍBIA
Rede de espionagem dá sobrevida a Kadafi
Em Benghazi, principal reduto rebelde, 8 mil pessoas atuam contra a revolução; 30 foram presos e alguns, executados
Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
ENVIADO ESPECIAL - BENGHAZI, LÍBIA
Quando preparava sua ofensiva contra Benghazi, há cerca de dez dias, Muamar Kadafi disse que não seriam as suas tropas que retomariam a "capital rebelde", mas sua própria gente. Naquele estágio, parecia uma afirmação intrigante - se não delirante -, considerando o apoio em massa que a "revolução" tinha no seu berço e tradicional reduto oposicionista.
Quando o formidável comboio de 25 tanques, 24 caminhões, 3 ônibus e outros 32 veículos se aproximava da cidade há uma semana - antes de ser destruído pelo primeiro bombardeio francês -, os benghazis tiveram a amarga compreensão do que o ditador queria dizer. Células adormecidas dos "lejan thowria", literalmente "Comitês Revolucionários", que haviam desaparecido desde o início do levante, havia um mês, despertaram para aterrorizar a cidade.
"Os comitês impuseram uma ameaça maior que as tropas, porque elas têm uma posição clara, enquanto que eles estavam nos atacando pelas costas", compara Abdul-Hafiz Ghoga , vice-presidente do Conselho Provisório Líbio. Esta é a característica sinistra desses tentáculos invisíveis do regime de Kadafi: os líbios não sabiam - e em alguma medida ainda não sabem - quem eles são, de onde os espreitam nem de onde podem atacar. Sua única certeza é de que estão ali e fazem parte de seu cotidiano. O medo e a invisibilidade os multiplicam.
Serjan, um professor de biologia de 26 anos, conta que os moradores de seu quarteirão ficaram perplexos quando um vizinho "simpático e querido por todos" entrou em ação na manhã do dia 19, sábado, revelando sua identidade de lejan thowria. "Nós o matamos", diz Serjan com simplicidade. O que diferencia este de outros momentos de crise na Líbia é que milhares de cidadãos comuns também têm fuzis retirados dos quartéis durante o levante. Não é mais só a milícia dos comitês que está armada.
Hoje, grande parte de seus integrantes é conhecida, não só porque eles se revelaram no dia em que espalharam o pavor em Benghazi, disparando fuzis e granadas a esmo para matar o maior número possível de civis. Mas porque listas de cerca de 8 mil nomes desses colaboradores foram encontradas no Ministério do Interior. Segundo Ghoga, apenas 300 deles ofereciam perigo em Benghazi. Desses, 30 foram presos, e alguns líderes, colocados sob prisão domiciliar. Outros têm sido executados.
"Demos-lhes chances de reconciliação no começo da revolução", recordou Ghoga, advogado de direitos humanos. "Agora eles encontrarão o seu destino desafortunado." Na noite de sexta-feira para sábado, houve intensos tiroteios e disparos de artilharia na cidade entre rebeldes e milicianos. A cidade de 1 milhão de habitantes é cenário de uma caçada humana a esta "quinta coluna", que em muitos casos se refugia em escolas, na Universidade de Garyounis, em hospitais e até no zoológico, durante confrontos com os rebeldes.
Os combatentes rebeldes ergueram barreiras em Benghazi, que se intensificam à noite, para conter a ação desses milicianos. Albaraa Catos, um estudante de 16 anos que atua numa destas barreiras no seu bairro, conta que uma caminhonete passou por ele com quatro mulheres que levavam fuzis dentro. Ele telefonou para um amigo que estava na barreira seguinte. Tentaram pará-las e elas abriram fogo. Duas mulheres e um rebelde ficaram feridos. "Elas eram membros dos lejan thowria", espanta-se Catos, habituado a tarefas mais domésticas para mulheres, na conservadora sociedade líbia.
A capilaridade dos comitês revolucionários - inspirados no modelo cubano - é muito maior. Sabri Mohamed conta que, quando era estudante de medicina, foi membro dos lejan thowria durante um ano. "Era a única forma de conseguir bolsa de estudos", explica ele. "Não importavam nossas notas, nada. Tínhamos de ser dos lejan thowria." O chefe do Departamento de Radiologia do Hospital Hawari foi preso depois do levante. Pertencia aos comitês.
O Centro Médico de Benghazi (CBM), outro importante hospital da cidade, era um reduto dos comitês. Seu diretor-geral, Mohamed Jibril, usou ambulâncias do hospital para transportar mercenários africanos do aeroporto para um quartel de Benghazi, no início do levante. Parte deles acabou se refugiando no hospital. O diretor-administrativo, Omar al-Sudani, era um dos principais dirigentes da organização. Foi preso no domingo, dentro do hospital.
Nos primeiros dias do levante, nas cidades do leste do país, os manifestantes atacaram dois lugares: o quartel das kataeb (as brigadas de elite) e a sede dos comitês. "Todo mundo odiava quem trabalhava aqui, porque éramos todos considerados membros dos lejan thowria", diz Ezedin Bosedra, de 34 anos, cirurgião do CBM. Bosedra foi aluno de Al-Sudani, que acumulava os cargos de diretor do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina e de secretário do Meio Ambiente de Benghazi. "Ele não ensinava nada, porque não sabia nada", diz Bosedra, que questiona se Al-Sudani teve de fato formação médica. "Ele é gastroenterologista e nunca fez uma endoscopia. Como ninguém ia às aulas, ele fotografou todos os alunos e passou a obrigá-los a frequentá-las."
"Quem era dos lejan thowria fazia tudo o que Kadafi mandava, e tinha tudo o que queria", resume o cirurgião. É, num certo sentido, um resumo do próprio regime.
PARA ENTENDER
Sistema líbio de vigilância coletiva é inspirado em Cuba
Os Comitês de Defesa da Revolução (CDR) cubanos - nos quais aparentemente o regime de Muamar Kadafi se inspira para vigiar a sociedade líbia - foram fundados em setembro de 1960, em Havana, para exercer a vigilância sobre as atividades políticas em "cada quarteirão" de Cuba. Oficialmente, eles têm como objetivo "desempenhar tarefas de vigilância coletiva contra a interferência externa e os atos de desestabilização do sistema político". Seus integrantes são cidadãos comuns, filiados ao Partido Comunista Cubano. Nos primeiros anos da revolução de Fidel Castro, eles entregaram às instâncias superiores do aparelho de inteligência do Estado centenas de dissidentes, sob a acusação de subversão ou de associação com o imperialismo. Suas células estão ativas até hoje. Os CDRs são a mais poderosa das organizações não governamentais de Cuba e têm ainda sob sua responsabilidade a mobilização dos partidários da revolução. Também participam em tarefas de saúde, higiene, de apoio à economia e de promoção da participação cidadã em distintos âmbitos políticos.
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Em 100 dias, um novo mundo árabe
Dos distúrbios na Tunísia à intervenção do Ocidente na Líbia, revolta no Norte da África e Oriente Médio mudou os rumos da História
Há cem dias, um rastilho de pólvora que ia do Norte da África ao Oriente Médio foi acionado por uma improvável fagulha: sufocado pela falta de liberdade, Mohamed Bouazizi, desempregado tunisiano, ateou fogo em seu próprio corpo em Túnis. Poderia ter sido mais um incidente em uma ditadura árabe de décadas, aliada ao Ocidente contra o fantasma do Islã radical. Não foi.
Poucos períodos no mundo árabe foram tão turbulentos quanto os últimos cem dias. Com a imolação de Bouazizi, uma onda de protestos inédita levou o governo da Tunísia. A onda ultrapassou duas fronteiras e chegou até o Egito, varrendo um dos aliados mais estratégicos de Washington no mundo árabe - a ditadura de Hosni Mubarak.
Dias após o fim do ditador Zine al-Abidine Ben Ali, a Praça Tahrir, no centro do Cairo, convertia-se no palco onde se encenava o destino do Egito. Era lá que milhares de cidadãos desarmados desafiavam agentes de Mubarak. Em menos de um mês, o ditador deixaria o poder.
A queda de Mubarak abalou as fundações da ordem no mundo árabe - e mesmo persa. Do Iêmen à Jordânia, do Bahrein à Síria, da Arábia Saudita ao Irã, o espectro da rebeldia - ecoada em sites como Facebook e Twitter - fez o aparato de repressão do Estado agir.
Na Líbia, porém, a truculência do governo contra opositores ganhou contornos ainda mais aterradores. Em quatro dias, Muamar Kadafi matou 400 de seus cidadãos. Exatos três meses após a imolação na Tunísia, a ONU autorizava uma intervenção na Líbia.
DIPLOMACIA
Dilma força Itamaraty a rever objetivos
Para analistas, ""ações pessoais de prestígio"" estão dando lugar a interesses concretos
Lisandra Paraguassú - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA.
Todo governo da presidente Dilma Rousseff, a começar pelo chanceler Antonio de Aguiar Patriota, esforça-se, de maneira explícita, para mostrar que não há mudanças na política externa herdada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de o Itamaraty falar apenas em "ajuste", os analistas dizem que há, no mínimo, uma diferença essencial: os interesses do país têm hoje mais relevância do que as aspirações pessoais de prestígio.
Dois especialistas em política externa, protagonistas da diplomacia desenvolvida nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010), avaliam que a relevância dos "ajustes" feitos por Dilma está no fato de ela operar as mudanças em cima de oportunidades de manifestação concreta - são mais do que um discurso. O ex-ministro Celso Lafer refere-se, especialmente, ao caso dos direitos humanos no Irã.
"Foi uma manifestação de grande habilidade, um distanciamento inequívoco, mas com base em uma condição de gênero, sobre a qual ela tinha muita autoridade para se diferenciar", afirmou Lafer, que serviu ao Itamaraty no governo FHC. Ele se refere ao fato de, na quinta-feira, o Brasil ter votado favoravelmente, em Genebra, ao envio de um relator especial para analisar a situação dos direitos humanos no Irã do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Lafer destaca que a decisão brasileira revelou coerência com a posição de Dilma manifestada antes mesmo de assumir o governo, em 1.º de janeiro. Contrariando a posição do governo Lula, Dilma reprovou a decisão de se abster em votação anterior, na Assembleia-geral das Nações Unidas (ONU). O regime de Teerã já vivia às voltas com a sentença de morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani.
O ex-embaixador do Brasil nos EUA Rubens Barbosa, que serviu nos governo FHC e Lula, realça a "mudança coerente" e avalia que, na visita do presidente Barack Obama ao País, na semana retrasada, ficou evidente o pragmatismo no trato dos interesses de Estado. "A linha da política externa não muda de um governo para outro, mas mudam as prioridades, mudam as ênfases. Neste caso (de Lula para Dilma), há continuidade, mas com mudanças coerentes", disse o embaixador.
Barbosa viu muito pragmatismo e "pouca ideologia" no discurso da presidente ao tratar das relações comerciais entre Brasil e EUA. Para Lafer, a síntese desse movimento pode ser vista no esforço do governo Dilma para equilibrar melhor os interesses brasileiros e a necessidade de manter o prestígio internacional do País. "Minha percepção desses dias iniciais é que está sendo dada mais ênfase aos interesses brasileiros do que às aspirações de prestígio", afirmou o ex-chanceler.
Estilos e símbolos. A diplomacia discreta não esconde o essencial, segundo Lafer. "Claramente, a estratégia e a personalidade da presidente Dilma e do chanceler Patriota são distintas das do presidente Lula e do ex-ministro Celso Amorim. Mas estilo em diplomacia é importante. E um componente importante são os símbolos e as palavras", disse Lafer para reforçar que a simbologia da nova diplomacia não deixa dúvidas sobre a mudança.
Há uma preocupação dentro do governo de não glorificar as mudanças impostas por Dilma até aqui. Depois da votação da quinta-feira, diplomatas que trabalham próximos ao atual chanceler fizeram questão de dizer que o Brasil nunca havia deixado de cobrar o Irã na área dos direitos humanos. A abstenção havia ocorrido apenas porque o governo brasileiro não considerava que as propostas anteriores sobre o tema tivessem sido feitas em foro adequado.
O discurso, no entanto, não esconde que mais mudanças virão.
Votação no conselho da ONU expõe isolamento iraniano
Sem apoio de antigos aliados e países-chave, como Brasil, ao Irã resta apenas a solidariedade[br]de ditaduras
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE/ GENEBRA
Sem o apoio do Brasil e cada vez mais isolado, o Irã constatou na semana passada que praticamente só conta com a solidariedade de ditaduras no cenário internacional. Mesmo países que tradicionalmente votavam com Teerã, como o bloco africano, parecem agora hesitar e tender para a abstenção.
O Estado participou da reunião que aprovou a criação de um relator especial para investigar violações de direitos humanos no Irã. Teerã já anunciou que não aceitará a entrada do emissário. Desde 2005, nenhum relator das Nações Unidas foi autorizado a visitar o país. Mesmo assim, a investigação da ONU será feita, usando fontes dentro do Irã, ONGs, famílias de vítimas e dissidentes no exílio.
O Irã fez pressão em todas as partes do mundo para evitar uma derrota. No entanto, viu a resolução ser aprovada por 22 votos a favor - entre eles o do Brasil -, 14 abstenções e 7 contra. Na votação, ficaram claras as diferenças entre um conjunto de países democráticos e o universo de regimes fechados.
Entre os sete votos obtidos pelo Irã, praticamente todos são de ditaduras, que temem ser os próximos alvos de investigações.
Outra constatação de observadores é que o número de abstenções foi elevado e incluiu países que tradicionalmente apoiavam o Irã. Um dos poucos aliados do regime de Mahmoud Ahmadinejad ainda é Cuba.
Para Rodolfo Reyes, embaixador de Havana na ONU, a resolução seria o início de uma campanha que levaria a uma "intervenção militar no Irã". "Temos de ter em mente o apetite imperialista do Ocidente", alertou. "Esse projeto não tem relação nenhuma com direitos humanos. É apenas um pretexto para uma política de hostilidade e uma vitória política para construir fundamentos para um eventual ataque militar", acusou Reyes. Entre os diplomatas cubanos, muitos admitiam que temem ser os próximos na mira.
Já o Paquistão acusou as Nações Unidas de "ingerência" no Irã. "A ONU deve primar pelo diálogo. Tudo isto foi uma campanha orquestrada", acusou Zamir Akram, embaixador do Paquistão.
A China atacou o projeto, alertando que a pressão "não funcionaria". "Esperamos que a comunidade internacional entenda os esforços do Irã na questão dos direitos humanos", afirmou a delegação de Pequim.
Novo tratamento. Segundo um relatório preparado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a repressão no Irã ganhou novas dimensões nos últimos meses. Apenas este ano, 92 pessoas foram executadas no país. Em 2009, o número total foi de 388, o que colocou o Irã como o segundo maior responsável por execuções no planeta, atrás apenas da China.
Teerã, porém, insiste que a pena de morte é fundamental para manter a ordem. A ONU, contudo, alega que a sentença é usada para aniquilar dissidentes.
Diante da derrota iraniana, o governo americano comemorou. "Essa decisão marca uma mudança radical na ONU em relação ao Irã", destacou a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Eileen Donahoe. "O Irã faz parte de um grupo de países integrado por Coreia do Norte e Mianmar. Agora, está recebendo o mesmo tratamento."
Disputa por poder se intensifica no Oriente
Para analista, chegada da democracia à região é mais lenta que o avanço da guerra fria entre Irã e Arábia Saudita
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / NOVA YORK
A guerra fria no Oriente Médio entre os xiitas do Irã e os sunitas da Arábia Saudita se intensificou com os levantes no mundo árabe. Antes restrito ao Líbano, Iraque e territórios palestinos, o conflito agora se ampliou para o Bahrein e nos próximos dias pode atingir a Síria, que nesta semana também passou a enfrentar protestos contra o regime.
"A democracia está chegando ao Oriente Médio, ainda que vagarosamente. Mas o que tem progredido mais rapidamente é a guerra fria entre o Irã e a Arábia Saudita", escreveu nesta semana o analista e escritor Meir Javendar em artigo publicado no The Guardian. Esta disputa, sempre comentada nas mesas dos cafés de Beirute, agora é discutida em outras capitais do mundo árabe, na Europa e EUA.
Neste momento, enquanto observam os acontecimentos na Síria, tropas sauditas estão em Bahrein para defender a monarquia sunita, que representa 30% da população nativa do país.
Já o Irã tem dado apoio à maioria xiita (70% do total), apesar de não estar envolvido diretamente no conflito no Bahrein. Órgãos de imprensa em Teerã condenam a ação saudita no Bahrein. O aiatolá Ahmad Jannati, um dos mais poderosos do Irã, disse que "os iranianos precisam apoiar os xiitas" de Bahrein.
A decisão da Arábia Saudita de entrar no Bahrein, a pedido da monarquia Al-Khalifa, foi tomada por causa do temor de que a minoria xiita que habita a região saudita do outro lado da ponte ligando os dois estados desencadeasse uma onda de protestos.
Neste embate, Riad recebe o apoio dos EUA e, apesar de não manter relações formais, tem os mesmos interesses que Israel na região. Segundo documentos do Departamento de Estado vazados pelo WikiLeaks, a Arábia Saudita defendeu uma ação militar israelense ou americana contra o Irã.
Iranianos e sauditas também estão em lados opostos no Líbano, territórios palestinos e Iraque. A Arábia Saudita apoia os sunitas ligados ao premiê Saad Hariri em Beirute, o Fatah na Cisjordânia e o opositor Ayad Allawi em Bagdá. O Irã é aliado do Hezbollah na capital libanesa, do Hamas em Gaza, do premiê Nuri al-Maliki e do clérigo radical xiita Muqtada al-Sadr no vizinho Iraque, além de dar apoio aos rebeldes houthis no Iêmen.
Regime isolado. Analistas começam a fazer previsões sobre o que pode ocorrer na Síria. Cliff Kupchan, do Eurasia Group, afirma que "qualquer tensão entre o segundo e o quarto maiores produtores mundiais de petróleo - Arábia Saudita e Irã - causa apreensão". Em Damasco, com suas divisões sectárias e étnicas, o cenário tende a ser ainda mais grave. Isolado, o regime sírio, ao longo dos últimos anos, tinha se aproximado de Teerã. No ano passado, os Estados Unidos e a Arábia Saudita tentaram atrair os sírios para seu lado. "Eles tinham os mesmos interesses no Iraque e viam a Síria como necessária para a estabilização do Líbano", diz Reva Bhalla, da consultoria de risco político Stratfor.
No começo, deu certo e a Síria parecia mudar de lado. O símbolo dessa aproximação foi a viagem conjunta do rei Abdullah e Bashar Assad a Beirute. As visitas do premiê libanês, Saad Hariri, a Damasco também foram marcantes e irritaram o Irã.
"Os iranianos ficaram insatisfeitos com a intervenção síria em assuntos iraquianos", disse uma figura ligada a Hariri. Neste momento, Ahmadinejad, desafiando Assad e deixando claro o esfriamento nas relações, viajou ao Líbano, considerado zona de influência síria. Nos meses seguintes, segundo Bhalla, o líder sírio ficou insatisfeito com a falta de retorno dos EUA, que não levantou as sanções unilaterais. Sem alternativa, voltou a se aliar a Teerã.
Em um novo acordo com os iranianos, Assad teria deixado de se intrometer no Iraque. Em troca, voltou a dar as cartas em Beirute, instalando Najib Mikati no poder. Mas na semana seguinte começaram os levantes no Egito, que agora chegam a Damasco.
Teerã trabalha para afastar dos EUA os novos governos
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
Com ou sem a queda de Bashar Assad, a dúvida é saber de que lado ficarão os sírios. "A Arábia Saudita ainda busca cooperação com Damasco para conter o aumento da influência xiita no Líbano e no Iraque. O governo sírio apoiou a mobilização das tropas sauditas no Bahrein em apoio à monarquia de Al-Khalifa, apesar de o Irã estar ao lado dos xiitas", diz Michael Young, um dos principais analistas políticos libaneses. "Damasco não romperá com Teerã agora, mas Assad precisa dos sauditas para conter a revolta dos sunitas em seu país. E a Arábia Saudita precisa da Síria para conter a influência xiita no Iraque e no Líbano." Nesta guerra fria, Kupchan, do Eurasia, afirma que o Irã deve continuar agindo para sabotar não só os interesses sauditas mas também dos americanos. Teerã também deve usar o discurso anti-EUA para atacar Riad. ''A avaliação em Teerã é que os governos que assumirem o poder no lugar dos regimes tendem a ser menos pró-americanos,''.
VISÃO GLOBAL
O mito do ditador útil
EUA devem pressionar até que as ditaduras árabes aceitem as exigências de seus cidadãos
*James Traub, Foreign Policy - O Estado de S.Paulo
Numa coluna recente, zombando do argumento para uma intervenção militar na Líbia, a colunista Maureen Dowd, do New York Times, citou a máxima do ex-presidente John Quincy Adams, de que os EUA "não vão ao exterior atrás de monstros para destruir". Os realistas em política externa têm Adams como seu patriarca. Como Adams, eles veem a intromissão americana em disputas internas de lugares distantes como uma espécie de loucura nacional.
O mundo árabe tem um jeito de transformar os formuladores políticos americanos em realistas: as apostas são simplesmente altas demais para ser de outro jeito. Qualquer um pode vociferar contra líderes perigosos no Sudão, no Zimbábue ou na Líbia, onde os EUA não têm interesses vitais.
No Oriente Médio, onde a população discorda da política ocidental sobre Israel, contraterrorismo e Irã, um grande número de líderes está pronto para ignorar a opinião pública contanto que considere essas políticas do interesse de seu país. Mais ainda, os governantes autoritários oferecem uma espécie de serviço completo que os torna bem mais fáceis de lidar do que Parlamentos ou uma mídia livre.
Os eventos que estão transformando o mundo árabe, porém, ilustram o quanto os herdeiros intelectuais de Adams estão fazendo uma falsa escolha. Os interesses nacionais dos EUA dependem hoje do bem-estar do povo em lugares remotos como não dependiam no século 19. O caos, não só na Líbia, mas em autocracias antes estabelecidas, como Bahrein e Iêmen, coloca em risco os interesses americanos e mostra a tolice que foi contar com a estabilidade desses Estados.
É verdade que esse sentimento virou uma espécie de clichê. O governo de George W. Bush reconhecia os limites do realismo. Mas, fora o Iraque, a política de Bush na região, como a de quase todos os seus antecessores, se mostrou muito mais realista do que sua retórica. Em um famoso discurso de 2005 no Cairo, Condoleezza Rice admitiu que, durante 60 anos, "meu país, os EUA, perseguiu a estabilidade às custas da democracia no Oriente Médio, e não conseguiu nenhuma das duas".
No entanto, disse ela, os EUA haviam, enfim, compreendido que, no longo prazo, regimes despóticos acabavam por perder sua legitimidade e a estabilidade. A própria Condoleezza, assim como os demais defensores da democracia no governo Bush, acabou apostando mais na estabilidade do que na democracia na região. A pressão dos interesses de curto prazo prevaleceu sobre os benefícios no longo prazo. Daí, as políticas dos presidentes americanos para o Oriente Médio tendem a ser muito mais realistas do que suas retóricas.
Atraso. Os presidentes americanos pareciam destinados a fazer as mesmas declarações corretas, perseguir a mesma linha pragmática e, por fim, aprender as mesmas lições dolorosas. Barack Obama só entrou no cordão da mudança no Egito e na Tunísia quando ela adquiriu uma força demolidora. Como seus antecessores, ele se absteve de qualquer crítica pública às políticas domésticas da Arábia Saudita, que pode fechar ou abrir as torneiras do petróleo a seu bel prazer. Mas o realismo já não parece tão realista como era. Os sauditas, por enquanto, parecem inabaláveis. Mas o que fará Obama com os aliados que resistem aos apelos por mudança e causam danos no processo, como Bahrein e Iêmen?
No Iêmen, após semanas de protestos pacíficos, tropas do governo abriram fogo contra manifestantes, matando dezenas. Antes do massacre, havia motivos para esperança de uma solução negociada, porque o presidente Ali Abdullah Saleh havia prometido não concorrer novamente, embora tenha se recusado a deixar o poder antes do fim de seu mandato em 2013. Os dois lados saem tão endurecidos desse novo surto de violência que diplomatas americanos e europeus pouca coisa poderão fazer para reaproximá-los.
A mesma dinâmica perigosa surgiu no Bahrein, onde a situação parece mais perigosa e menos tratável. O Bahrein abriga a 5.ª Frota dos EUA. Em um país onde 70% da população é xiita, a monarquia sunita serve de contrapeso a uma influência iraniana no Golfo Pérsico. A família governante, Khalifa, empreendeu reformas políticas limitadas há cerca de uma década e é menos reacionária do que a monarquia da Arábia Saudita, sua vizinha e principal patrona.
Por todas essas razões, a família Khalifa desfrutara de uma virtual abstenção de críticas por parte dos EUA, mesmo após encarcerar dissidentes e a fechar organizações da sociedade civil no ano passado. Como a repressão não colocou em risco a estabilidade, não havia monstros a serem destruídos por lá.
O governo Obama se ateve, em grande parte, a esse roteiro nos dois últimos anos. Nas primeiras semanas da sublevação, quando dezenas, depois centenas de milhares de manifestantes xiitas foram às ruas pedindo tratamento igual, a Casa Branca não criticou publicamente o regime, como fez no caso do Egito e da Tunísia.
As autoridades americanas só começaram a mudar de atitude quando a família governante decretou a lei marcial, "convidou" 2 mil soldados da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos para ajudá-la a lidar com o levante e, depois, atacou selvagemente os manifestantes com tanques e armas de fogo.
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que o país "deplorava o uso da força", enquanto o secretário de Defesa, Robert Gates, insistia em dizer que o regime do Bahrein deveria tomar "medidas mais abrangentes" para atender as reivindicações dos manifestantes. Nenhum dos dois pediu, porém, para que as tropas sauditas saíssem ou para que o regime bareinita começasse a abrir mão de parte de sua autoridade, como os manifestantes cobravam.
O governo argumenta que os EUA não podem simplesmente tomar partido dos manifestantes, como fez em outros lugares, porque a linha dura entre eles está bloqueando um acordo, assim como a linha dura do regime. As autoridades vêm tentando, portanto, preservar espaço para os moderados de ambos os lados.
No entanto, Leslie Campbell, diretor para o Oriente Médio do National Democratic Institute, diz que as autoridades americanas na região, incluindo Gates e o secretário-assistente de Estado, Jeffrey Feltman, se mostraram mais dispostos a criticar partidos xiitas moderados por não quererem entrar em negociações do que os líderes do regime por rejeitarem categoricamente as reivindicações dos manifestantes.
Michele Dunne, uma especialista em Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, dá mais credito ao governo americano pela firmeza nos últimos dias, mas diz que, até então, "eles estavam sendo realmente brandos com a família Khalifa".
Uma preciosa oportunidade foi perdida. No princípio do levante, o Al-Wefaq, o maior grupo de oposição xiita no Bahrein, havia prometido aceitar a continuação da dinastia Khalifa, mas havia pedido, no mínimo, uma mudança nas absurdas regras de constituição de distritos, que permitia que mais sunitas do que xiitas ganhassem assentos na Câmara Baixa.
Campbell acredita que os moderados teriam conseguido persuadir o grosso dos manifestantes a virem para a mesa de negociações se a família governante tivesse aceitado discutir a redefinição dos distritos ou "sinalizar que a família Khalifa estava aberta a uma eventual instalação de uma monarquia constitucional".
A própria linha dura do regime, no entanto, se recusou a fazer essa oferta. É improvável que uma pressão americana mais incisiva pudesse ter inclinado a balança - a Arábia Saudita tem mais importância para o Bahrein do que os EUA -, mas Campbell argumenta que a Casa Branca não se esforçou o suficiente. Agora, muitos manifestantes estão pedindo a cabeça do rei, o que realmente seria um desastre para a política externa americana.
Há muito que os formuladores políticos em Washington viam o Bahrein, assim como as outras monarquias do Golfo, como um lugar onde os interesses americanos são mais bem servidos por um regime autoritário que tempera suas políticas o suficiente para satisfazer as cobranças dos críticos.
Esse cálculo realista, contudo, não parece tão inteligente. O Bahrein está evoluindo para algo como a Síria: um Estado governado por uma minoria, que usa a repressão e a força para impedir que a maioria chegue ao poder.
E o Bahrein, provavelmente, não conseguirá o controle político com o mesmo punho de ferro que a Síria exerce sobre seus dissidentes. O medo da maioria xiita, alimentado pelo pesadelo saudita de um Estado dominado pelo Irã do outro lado do Golfo Pérsico, o fará intensificar a repressão - que, por sua vez, radicalizará os já indignados xiitas bareinitas.
Isto, ao contrário, aumentará a probabilidade de uma intromissão iraniana. A estabilidade autoritária será uma lembrança distante. A 5ª Frota estará estacionada não no calmo abrigo de um déspota esclarecido, mas em mares perpetuamente tormentosos.
É uma confusão terrível para todos: os EUA, o regime e, sobretudo, a oposição xiita. E é uma confusão que justifica a visão de que Estados autoritários parecem estáveis, mas não são - e é tarde demais para fazer alguma coisa a esse respeito.
Democracia. O regime de Muamar Kadafi, na Líbia, parecia tão impermeável às pressões como o da família Khalifa. Agora, a violência e o caos chegaram a tal ponto que outros países se sentem compelidos a uma intervenção arriscada. John Quincy Adams jamais poderia ter imaginado um sistema global em que distúrbios distantes ameaçassem profundamente os interesses americanos.
Os EUA, seguramente, descobrirão que é muito mais difícil operar políticas antiterror em um Oriente Médio onde os líderes prestam contas a seus cidadãos. No entanto, o Oriente Médio cheio de cidadãos explodindo de ódio contra tiranos que esmagam suas aspirações democráticas estará tão fixado em sua própria segurança interna que será inútil para ajudar os americanos em algumas de suas preocupações centrais, como a contenção do Irã e a não proliferação.
Os sauditas, realistas ao máximo, acreditam que dirigentes autoritários podem permanecer no poder para sempre com uma combinação de repressão e suborno. E isto os faz considerar a preocupação americana com legitimidade uma ilusão perniciosa.
São os sauditas, porém, os que estão desafiando a realidade. O "realismo" saudita pode ser uma ameaça maior para a região - e para os interesses americanos - do que o expansionismo iraniano. Os EUA não podem se dar ao luxo de uma sublevação popular natimorta no mundo árabe.
No Bahrein e alhures, os EUA e seus aliados do Ocidente agora devem a si mesmos insistir na reforma democrática e continuar pressionando, com todos os instrumentos disponíveis, até que regimes aceitem as reivindicações de seus cidadãos. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
*É COLABORADOR DA "NEW YORK TIMES MAGAZINE" E ESCRITOR
JAPÃO
Radiação no mar de Fukushima atinge pico
Concentração de iodo radioativo é 1.250 vezes superior à registrada normalmente
Cláudia Trevisan - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE/ PEQUIM
A situação na usina atômica Fukushima se agravou ontem, com a identificação de iodo radioativo no mar em concentração 1.250 vezes superior à registrada normalmente no local e pela incerteza sobre a origem do material tóxico.
A sucessão de emergências registrada nas duas últimas semanas indica que crise nuclear que assola o Japão poderá durar meses ou anos e deixará sequelas para os que vivem a dezenas de quilômetros da usina de Fukushima, diz Philip Walter, do Centro de Informação Nuclear dos Cidadãos, entidade com sede em Tóquio que se opõe ao uso de energia atômica.
Na sexta-feira, o primeiro-ministro Naoto Kan reconheceu que a situação na usina é "imprevisível", enquanto o porta-voz de seu governo, Yukio Edano, disse ser difícil estimar quando a crise estará controlada.
Os engenheiros desconhecem o real estado dos reatores que estão em risco e suspeitam que o de número 3 sofreu danos na sua estrutura, com possíveis rachaduras. Essa poderia ser a origem do material encontrado no mar e também na poça de água que contaminou dois funcionários do complexo na quinta-feira. O reator número 3 desperta mais preocupação por utilizar plutônio, combustível mais tóxico que o urânio empregado nas demais máquinas.
"Essas são as únicas certezas que temos no momento: será difícil colocar os reatores sob controle, haverá emissão de radioatividade por um bom tempo e a limpeza posterior será extremamente difícil", disse Walter por telefone ao Estado.
A Tokyo Electric Power (Tepco) enfrenta o dilema de como armazenar de maneira segura a água contaminada que foi encontrada em três dos seis reatores. A lâmina de 15 centímetros de profundidade na qual os dois operários foram contaminados na quinta-feira tinha concentração de material radioativo 10 mil vezes superior ao normal. Outras poças semelhantes foram encontradas nos reatores 1, 2 e 4.
A amostra de água do mar com iodo radioativo foi coletada 330 metros ao sul da planta, onde testes realizados ao longo da semana haviam indicado concentração 100 vezes superior ao limite legal - o resultado de ontem foi 1.250 vezes.
Segundo a agência de segurança nuclear, não há risco de contaminação de vida Marinha, já que a radiação se dilui na grande quantidade de água no oceano. Mas sua presença é uma indicação de problemas nos reatores.
Material radioativo foi detectado na água encanada de Tóquio e outras cinco cidades, no solo de regiões próximas a Fukushima, em vegetais e no leite. As autoridades afirmam que os níveis identificados não apresentam riscos à saúde. A única exceção é a água, que em certas localidades continua imprópria para consumo por bebês com menos de 1 ano.
O terremoto seguido de tsunami que afetou a costa nordeste do Japão no dia 11 de março deixou pelo menos 28 mil pessoas mortas ou desaparecidas.
CRONOLOGIA
Pesadelo nuclear
11 de março
Terremoto e tsunami arrasam nordeste do país
Tremor de 9 graus na escala Richter cria onda de 10 metros de altura. Abalo afeta reator da usina atômica de Fukushima.
12 de março
Risco nuclear
Explosão em usina causa temor de contaminação nuclear. Nível de radiação estava oito vezes maior que o usual.
13 de março
Reatores em colapso
Engenheiros correm contra o tempo para encontrar uma maneira de interromper aquecimento dos reatores.
14 de março
Ajuda da ONU
Japão pede ajuda aos EUA e à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para conter o vazamento de material nuclear para a atmosfera. Segundo reator explode, ferindo seis.
15 de março
Desabastecimento
Faltam alimentos e combustível em cidades afetadas. Em Tóquio, o nível de radiação atinge cerca de 20 vezes o normal.
16 de março
Risco extremo
Com novas explosões, autoridades afirmam que os níveis de radiação na região de Fukushima são "extremamente altos".
17 de março
Corrida contra o tempo
Helicópteros militares e caminhões-pipa tentam evitar derretimento do núcleo dos reatores de usina atômica de Fukushima.
Para ativista antinuclear francesa, risco atômico não vale a pena
Militante defende descentralização da matriz energética e prevê desfecho sombrio em Fukushima
Van Marsiglia - O Estado de S.Paulo
Perline Noisette, física e engenheira da ONG Sortir du Nucléaire
Na França, que é o segundo país que mais usa energia nuclear no mundo, com 58 reatores em funcionamento e mais um em construção, a ONG Sortir du Nucléaire se dedica a contestar a segurança das atuais usinas atômicas. Para a porta-voz do grupo, a física e engenheira Perline Noisette, de 55 anos, que esteve no Brasil fazendo um doutorado sobre o acidente com o césio-137 retirado de um aparelho radiológico em Goiânia, em 1987, o uso desse tipo de tecnologia "sempre envolve risco". A solução, diz a ativista, é descentralizar a matriz energética - e não investir em projetos de grande porte com enorme geração de energia em um único local, sejam eles nucleares ou hidrelétricos.
De que maneira sua tese influenciou sua visão sobre o uso da tecnologia nuclear?
Eu já estava engajada na causa antinuclear antes de ir ao Brasil. Tive uma formação em física que me permitia trabalhar no campo nuclear e, embora nessa época - anos 70 e 80 - não existisse propriamente um movimento verde, já havia muita gente preocupada com os riscos (da energia atômica). Eu estava entre eles. Em 1993, poucos anos depois do acidente com o césio-137 em Goiânia, fui ao Brasil para fazer meu doutorado - durante o qual trabalhei com o (físico brasileiro e ex-presidente da Eletrobrás) Luiz Pinguelli Rosa. No estudo, analisei aspectos econômicos, tecnológicos, psicológicos e midiáticos envolvendo o acidente. O que mudou para mim foi a visão de que um acontecimento desses é banal: salta aos olhos a falta de controle no que se refere ao uso e ao descarte desses equipamentos que representam grande risco à saúde humana. Algo que não ocorre apenas no Brasil.
Até que ponto o incidente em Fukushima pode ser considerado excepcional, tendo em conta a catástrofe natural que o precedeu? Os vazamentos radioativos são a prova de que não existe segurança na questão nuclear?
Há a causa dos problemas na central nuclear, que foi o terremoto, e problemas posteriores que decorreram dele. Do ponto de vista da resistência ao terremoto, a coisa funcionou bem: os reatores pararam imediatamente, como previsto nas medidas de segurança. Aí, vem o depois, porque um reator não é uma bicicleta. Uma usina tem dejetos radioativos armazenados em piscinas, que precisam ficar resfriados. E esses sistemas de segurança, que manteriam as piscinas resfriadas, é que falharam. Primeiro, pararam os sistemas elétricos. Depois, a alimentação de emergência. E, quando começa o aquecimento, todo aquele bonito sistema de segurança começou a fazer água. Nada mais funcionou direito. As consequências se tornaram incontroláveis. Lendo os relatórios técnicos sobre a situação atual, nota-se que as seis piscinas dos seis reatores correm o risco de sofrer fusão e liberar material radioativo.
Ou seja, o comissário europeu de Energia, Günther Oettinger, não exagerou ao chamar a situação de "apocalíptica".
Nem um pouco. Como ele é um técnico, não um político, vê bem as coisas como elas são. Já é evidente para mim que haverá, na melhor das hipóteses, a liberação de um monte de radioatividade no meio ambiente. A diferença para Chernobyl é que lá o reator explodiu sem qualquer chance de controle e as partículas radioativas subiram muito alto, sendo levadas pelo vento. Em Fukushima, ninguém está 100% certo de que algum reator não exploda. E, pela quantidade de radioatividade liberada até agora, me parece claro que pelo menos 50 pessoas irão morrer nas próximas semanas.
A sra. fala dos "50 de Fukushima", os trabalhadores da usina que estão tentando resfriar os reatores?
Se é que as informações até agora divulgadas pelos japoneses podem ser consideradas inteiramente confiáveis. Os americanos já recomendam a seus cidadãos um afastamento de 80 quilômetros da usina por causa dos efeitos da radiação. É uma catástrofe, realmente. Quando penso nas 50 pessoas que estão lá... Elas já não estão vivas, estão mortas. Eu me sinto muito mal por elas, não tenho sequer conseguido dormir. Veja que praticamente todos os jornalistas franceses que foram participar da cobertura do terremoto, voltaram para a França. Repórteres que se dispõem a cobrir terremotos, guerras, inundações, tiveram medo e abandonaram o país.
Esses acontecimentos, em um país considerado de alto grau de segurança, afetarão a percepção que o mundo tem do uso da tecnologia nuclear?
Sim. E, infelizmente, essa tragédia teve de ocorrer para a verdade vir à tona. A Alemanha anunciou que encerrará as atividades dos reatores com mais de 30 anos. A Suíça também está revendo o seu programa nuclear. Quando o problema ocorreu em Chernobyl, em um lugar pobre (Ucrânia), de gente atrasada, em uma ditadura, foi mais fácil de relevar. Mas o Japão era referência nesse tipo de tecnologia, especialmente por sua condição de país passível de terremotos, tsunamis, etc. A França garante que sua tecnologia é segura, embora os franceses jamais tenham sido consultados sobre o uso desse tipo de tecnologia, que sempre envolve risco. Nem antes nem depois da instalação de nossas usinas.
O Brasil tem duas usinas nucleares, Angra 1 e Angra 2, e planeja a construção de uma terceira. Nos últimos anos, a opção nuclear passou a ser vista de maneira menos negativa no País em razão dos grandes danos ambientais na construção de hidrelétricas, por exemplo. Qual a solução para lidar com o déficit de energia?
A solução é descentralizar a energia. O Brasil tem sol, vento e muito boa tecnologia. Se o País pode construir centrais nucleares, pode perfeitamente construir geradores de energia eólica, por exemplo. Ou disseminar painéis solares em casas e edifícios. Argumenta-se que essas fontes ainda são caras - o que é verdade, se você faz poucas unidades. Se você as produz em grande escala, porém, é possível baixar consideravelmente seus custos. E descentralizar a produção de energia significa também evitar o enorme desperdício no transporte dessa energia. Há uma perda enorme nas linhas de transmissão entre as hidrelétricas e as usinas nucleares para o local onde a energia será de fato usada. Quando se fala nos "baixos custos" da geração de eletricidade em uma usina nuclear, frequentemente se subestima o preço do armazenamento, por décadas, dos dejetos radioativos. Sem falar do risco de um incidente como o que estamos vendo. Recentemente, uma lei na Europa tornou obrigatório o uso de lâmpadas econômicas. Uma boa estratégia energética atua, simultaneamente, na redução do consumo e na adoção de produção local da energia necessária. Projetos gigantescos, com enorme geração de energia em um único local, são coisas do passado. O Brasil deve aproveitar os equipamentos hidrelétricos de que já dispõe, mas construir novos. O impacto catastrófico na fauna, flora e povos indígenas, não é exatamente uma política moderna.
COLÔMBIA
Presidente diz que 15 membros das Farc foram mortos
26 de março de 2011 | 16h 42
AE - Agência Estado
Quinze guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) foram mortos em confrontos com as forças de segurança, informou hoje o presidente colombiano, Juan Manuel Santos. Os rebeldes foram mortos em combate no departamento (Estado) de Cauca, no sudoeste do país.
"É outro revés para as Farc", escreveu Santos no Twitter. "Em Cauca, 15 terroristas caíram em uma operação conjunta de nossas Forças Armadas." Em outra mensagem, Santos lembrou que o confronto ocorreu no terceiro aniversário da morte do fundador das Farc, Manuel "Tirofijo" Marulanda.
Em um evento público na cidade de Pereira, no oeste do país, Santos acrescentou que um guerrilheiro ficou ferido na operação. Segundo ele, os rebeldes foram mortos em um confronto na madrigada de sexta-feira para sábado.
Na última quinta-feira, dez supostos membros das Farc foram mortos e três ficaram feridos em confrontos em uma montanhosa região no oeste da Colômbia, disseram oficiais militares locais.
As baixas ocorrem seis semanas após as Farc cumprirem seu anúncio unilateral de entregar seis reféns, em operações que envolveram a Cruz Vermelha Internacional e helicópteros emprestados pelo Brasil. Estima-se que as Farc tenham 8 mil membros. O grupo está em guerra com o governo há 46 anos.
As Farc perderam 40 membros em janeiro e fevereiro, informou o Ministério da Defesa mais cedo. Segundo o órgão, a guerrilha perdeu 507 rebeldes em 2010. As informações são da Dow Jones.
 FONTE: JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO

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