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quarta-feira, 23 de março de 2011

23 de março de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
BC indica mais restrição ao crédito para conter inflação

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, indicou que o ritmo atual de expansão do crédito no Brasil, de 20,3%, é um combustível à inflação e, por isso, deverá ser alvo de medidas do BC. Em audiência no Senado, ele fez um balanço dos riscos à alta dos preços e disse que há um "descompasso" entre a demanda e a oferta de bens e serviços da economia. O diagnóstico veio uma semana após a presidente Dilma ter descartado, categoricamente, que exista uma inflação pressionada pela demanda maior no país. Segundo ela, preços de alimentos subiram, mas já recuaram. Tombini destacou o salto de 70% nos preços das commodities nos últimos nove meses. Para analistas, a avaliação do BC reforça que novas medidas, como as de restrição ao financiamento de longo prazo adotadas em dezembro, serão usadas, junto com a elevação dos juros básicos do país, com o objetivo de conter a inflação.


Contra inflação, BC mira no crédito
Uma semana após Dilma dizer que não há pressão de demanda, Tombini indica freio nos financiamentos

Patrícia Duarte

O ritmo atual de expansão do crédito no Brasil, de 20,3% anualizados no fim de janeiro, é um combustível para a inflação e deverá ser alvo de medidas do Banco Central (BC), indicou ontem no Senado o presidente da instituição, Alexandre Tombini. Em audiência, ele fez um balanço dos riscos à alta dos preços e disse que há descompasso entre demanda e oferta de bens e serviços da economia. O diagnóstico veio uma semana após a presidente Dilma Rousseff, em entrevista, ter afirmado, sobre a inflação, que o governo não acha "que ela é de demanda".
"Achamos que há alguns desequilíbrios em alguns setores, mas é inequívoco que houve nos últimos tempos um crescimento dos preços dos alimentos, que já reduziu. Teve aumento do preço do material escolar, dos transportes urbanos, que são sazonais", disse a presidente. Tombini também destacou o salto de 70% nos preços das commodities nos últimos nove meses. E admitiu que começa a ser percebido um aumento na inadimplência, fruto da desaceleração da atividade econômica.
Para analistas, a avaliação de Tombini reforça que novas medidas macroprudenciais - como as de restrição ao financiamento de longo prazo adotadas em dezembro - serão usadas como reforço à elevação dos juros básicos da economia. O impacto das medidas macroprudenciais de dezembro foi equivalente a uma puxada da Taxa Selic de 0,75 ponto percentual.
Segundo Tombini, o mercado de crédito tem de crescer entre 10% e 15% ao ano para evitar problemas.
- Acima (desse patamar), serão avaliados com muito cuidado por nós, para que não gere riscos excessivos no sistema financeiro. Crescimento de 10% a 15% no crédito seria adequado, mas de 15% a 20%, não - disse Tombini, em sua primeira audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) como presidente do BC.

Comércio também vê inadimplência maior
A projeção oficial do BC é que a concessão de crédito termine 2011 crescendo 15%. A adoção de novas medidas macroprudenciais já foi engatilhada pela instituição na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que elevou, no início de fevereiro, os juros pela segunda vez consecutiva em meio ponto percentual, para 11,75% anuais.
- O BC reforçou que a política monetária será menos de alta (dos juros) - avaliou o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani.
Na audiência de ontem no Senado, que durou quase três horas, Tombini afirmou que no Brasil, hoje, a demanda está crescendo mais que a oferta:
- Existem elementos subjacentes que apontam para um descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda. É importante suavizar o ritmo de crescimento da demanda, para que sejam contidas pressões sobre os preços - disse Tombini
Ele defendeu que as ações adotadas pelo BC ainda estão surtindo efeito e levarão os preços a andarem no sentido do centro da meta de inflação, de 4,5% pelo IPCA, a partir do segundo semestre. Perguntado sobre as críticas que o BC tem recebido do mercado, que enxerga mais necessidade de alta nos juros, Tombini disse que é preciso ter calma. Os analistas preveem que o IPCA este ano ficará em torno de 6%, perto do teto da meta (6,5%).
- É sangue frio e tranquilidade para fazer a inflação chegar à meta num futuro próximo.
Para o comércio, um freio no crédito significará vendas menores.
- O problema é a inadimplência. O consumidor está muito endividado e a situação deve piorar com os juros mais altos - disse Antônio Carlos Borges, diretor-executivo da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio).
O discurso de Tombini se refletiu na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que subiu 1,33%, aos 67.578 pontos, diante da interpretação do mercado de que o BC está vendo um cenário mais suave para a inflação. Isso favoreceu as ações dos setores bancário e de construção, apesar da previsão de alta menor do crédito. Bradesco PN subiu 3,32% e Itaú Unibanco PN, 3,28%. O dólar recuou 0,23%, ontem, a R$1,663, na terceira queda seguida.


DIREITOS HUMANOS
Ministra diz que Comissão da Verdade não fará revanchismo
"O Brasil, na resposta às famílias, foi tímido", afirma Rosário; segundo ela, Lei da anistia será respeitada

Leila Suwwan

SÃO PAULO. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que o país precisa criar a Comissão da Verdade para concluir a transição para a democracia. Ela assegurou que o governo - inclusive os militares - está alinhados, mas disse que a iniciativa não é revanchismo.
- Não completamos a transição para a democracia. Mais de 40 países tiveram comissões, e nenhuma surgiu para desunir o país. Em 2014 teremos completado 50 anos desde 1964. O Brasil, no que trata de dar resposta às famílias, foi tímido. Os que me antecederam tiveram vontade, mas não condições políticas. Agora temos. Não tem revanche ou ódio, pois se isso acontecesse não conseguiríamos mobilizar a sociedade.
A ministra afirmou que estuda como exemplo para o Brasil a comissão criada na África do Sul após o fim do apartheid. Naquele país, a Comissão da Verdade e da Reconciliação tinha o poder de anistiar os que apresentavam relatos completos relativos aos abusos cometidos. No Brasil, a comissão deverá respeitar a Lei da anistia.
- Não haverá retrocesso na democracia. A comissão não fará qualquer responsabilização criminal. Punições dizem respeito aos tribunais e ao Judiciário - disse.
Rosário vistoriou ontem as buscas no cemitério da Vila Formosa (zona leste da capital paulista) pelas ossadas de Sérgio Correia e Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, desaparecidos em 1969. A viúva de Virgílio, Ilda da Silva, acompanha as buscas e ficou emocionada ao abraçar a ministra.


VISITA DE OBAMA
Dilma: conselho sem o Brasil não é concebível
Presidente diz que reforma na ONU só será completa com a presença brasileira e a de países como a Índia

Flávio Freire

MANAUS (AM). Um dia depois de o presidente americano, Barack Obama, ter deixado o país após uma visita em que disse ter "apreço" pela campanha para o Brasil ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que não considera "concebível" o país ficar sem a vaga. Para Dilma, o aceno de Obama é um reconhecimento de que o Brasil "tem um papel a cumprir nessa área".
- Não existirá um conselho da ONU reformado sem alguns países importantes, como a Índia e o Brasil, que são países continentais, com enorme população. Hoje somos a sétima economia, daqui a pouco seremos a quinta, a quarta. Não é concebível uma ONU reformada sem o Brasil - disse, em Manaus, após lançar um programa de prevenção e combate ao câncer de colo do útero e de mama.
Ainda sobre a visita de Obama, Dilma lembrou de dois acordos firmados, um na área científica e outro na educacional. Dilma reafirmou que são duas nações que têm de ser tratadas em igualdade de condições. Ela destacou um projeto para construção de um satélite do clima, que monitoraria a Amazônia.
- O Obama levantou a possibilidade de nós mandarmos estudantes para lá, e eles mandarem para cá. O presidente falou em abrir cem mil vagas para os estudantes brasileiros nos Estados Unidos - afirmou.
Patriota: pretensão do Brasil à ONU não foi afetada
Dilma e chanceler defendem uma solução pacífica para a Líbia e temem por população civil

Flávio Freire* e Marcelle Ribeiro

MANAUS E SÃO PAULO. A presidente Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, reafirmaram ontem que o Brasil deseja um cessar-fogo imediato na Líbia, tanto por parte das tropas de Muamar Kadafi quanto por parte da coalizão liderada pelos Estados Unidos e França, que segundo o governo brasileiro vem colocando em risco a população líbia.
A presidente confirmou em Manaus a posição do governo em relação ao conflito na Líbia. Na segunda-feira, em comunicado distribuído pelo Itamaraty, o país se posicionou a favor de um cessar-fogo na região, em conflito desde que rebeldes tomaram conta das ruas pedindo a saída do ditador Muamar Kadafi. Depois de participar de um evento em que lançou um programa de combate ao câncer do colo de útero e mama, em Manaus, Dilma disse que o Brasil é a favor de uma solução pacífica.
- Essa é a nossa posição desde que votamos na ONU. Ou seja, a favor de uma solução pacífica. E diante de tudo, essa é a nossa posição, assim como de países como a Alemanha, a China e a Rússia - disse a presidente.

Elogios a declaração de Obama sobre conselho
Na verdade, o Brasil não votou, mas se absteve na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas que decidiu sobre a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia.
Mais tarde, em São Paulo, Patriota disse que os acontecimentos na Líbia preocupam o Brasil, e espera que haja o mínimo de violência possível. Ele lembrou que o Brasil decidiu se abster da decisão do Conselho de Segurança - que culminou com a ação militar de países aliados contra a Líbia - por discordar do uso da força e se preocupar com a proteção da população civil do país. Na opinião do ministro, as decisões do Brasil sobre o uso de força na Líbia não vão afetar as pretensões brasileiras a uma cadeira permanente ao Conselho de Segurança da ONU.
- Isso não afeta. Pode pesar na simpatia, nos apoios que determinados setores de um país manifestarão, mas o que caracteriza o Brasil é que somos uma potência com credenciais extraordinárias na promoção da paz internacional. Somos um país desnuclearizado, sem inimigos no mundo - disse.
O ministro das Relações Exteriores afirmou que foi um passo importante o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter declarado que tem apreço pelo anseio de participar mais ativamente no Conselho de Segurança da ONU.
- Obama reconheceu as dificuldades sobre isso (uma reforma do conselho) e disse que vai acontecer. Ele disse que viu com apreço a nossa posição, e isso foi um passo importante - afirmou Patriota.

Ministro defende redução de participação externa na área
Ao ser questionado, em palestra na Universidade de São Paulo (USP), sobre o fato de o Brasil ter solicitado um cessar-fogo depois de se abster de votar, Patriota reforçou que repudia a violência.
- O que está acontecendo na Líbia é a utilização da força por um governante contra manifestantes desarmados, e isso só pode despertar reações de repúdio e de rejeição, e foi nesses termos que nós nos expressamos - disse Patriota.
No discurso para estudantes, Patriota ressaltou diversas vezes a necessidade dos próprios povos do Oriente Médio lutarem pelas suas democracias. O chanceler ainda falou da necessidade de reduzir ao mínimo "a participação de atores externos em conflitos internos na região".


NEGÓCIOS & CIA
Flávia Oliveira

Submarinos 1
Os cortes de gastos do governo Dilma chegaram ao Prosub. É o programa nacional de construção de submarinos, parceria com a França. O repasse previsto para este ano caiu de R$2,1 bilhões para R$1,5 bi. O dinheiro seria repassado pela Marinha à estatal francesa DCNS, que vai transferir a tecnologia, e à Odebrecht, responsável pelas obras do estaleiro e da base naval.

Submarinos 2
A Marinha tenta negociar com o governo, mas os efeitos do corte já estão em discussão com as empresas. Por enquanto, não se fala em atraso no cronograma. O estaleiro e a base continuam previstos para 2015 e 2016. A unidade de estruturas metálicas, em área da Nuclep, deve sair em 2012. As unidades já têm licença de construção, mas o estaleiro aguarda sinal verde da Cnen.
Submarinos 3
A tensão chegou aos funcionários da ICN, associação da DCNS com a Odebrecht. Há rumores de que contratações e viagens de treinamento à França podem ser adiadas.

Perguntas
"Na SAC, as decisões devem ser mais ágeis" José Wilson Massa, ex-superintendente do Aeroporto do Galeão, hoje consultor, diz que a recém-criada Secretaria de Aviação Civil dará agilidade à gestão do setor.

Faz diferença a SAC ser subordinada à Presidência?
JWM: "Sim. Haverá um canal direto com a presidente Dilma para tratar da questão aeroportuária. Subordinada ao ministério, a aviação civil disputava prioridade com outros assuntos de defesa nacional. Na secretaria, as decisões tendem a ser mais ágeis".

Qual é o grande gargalo?
JWM: "Não é a Copa 2014. Nem são as Olimpíadas 2016. O grande gargalo é a infraestrutura aeroportuária não ter condições de atender a demanda existente hoje. O gargalo é o passageiro desembarcar em Congonhas, Guarulhos, Brasília ou no Santos Dumont e não haver esteiras de bagagem, fingers nem posições no pátio em quantidade suficiente".

Por que a Infraero não melhorou os aeroportos?
JWM: "A Infraero não ajustou o modelo de gestão para aprimorar a infraestrutura no ritmo necessário. A empresa foi atropelada pela demanda, que cresceu 10% ao ano, de 1999 a 2009, e 21%, em 2010. A expectativa é que a SAC reveja a gestão para que projetos sejam executados. Recurso existe".


NOVA MISSÃO
Começa nova missão para achar as caixas-pretas do voo da Air France
Serão usados submarinos do modelo que recuperou destroços do Titanic

Letícia Lins

RECIFE. Após a Air France e a Airbus terem sido indiciadas por homicídio culposo na França, uma nova missão saiu ontem do Porto de Suape, no litoral sul de Pernambuco, para procurar as caixas-pretas que podem esclarecer as causas do acidente com o voo AF 447, ocorrido em 31 de maio de 2009. Três missões anteriores fracassaram. O acidente com o Airbus 330, que seguia do Rio para Paris, matou todas as 228 pessoas a bordo, inclusive 59 brasileiros.
Com 31 tripulantes — entre especialistas franceses, americanos e alemães —, o navio Alucia deve chegar em dois dias à área do acidente. A expectativa é que a missão em alto-mar dure quatro meses. Serão realizadas buscas numa área ainda não investigada, de cerca de dez mil quilômetros quadrados, nas proximidades do arquipélago de Fernando de Noronha, a 545km de Recife. Além do navio de exploração, a missão conta com três submarinos Remus 6000 — o mesmo modelo adotado na recuperação de destroços do navio Titanic.
Cada um deles deve rastrear cem quilômetros quadrados por dia e tem capacidade para captar objetos a uma distância de até 700 metros. De acordo com o diretor de Projetos Especiais da Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI), Dave Gallo, os submarinos são indispensáveis à tarefa, devido à natureza do terreno marinho — “rochoso e extremamente montanhoso”. Foi a WHOI que localizou o Titanic, em 1985.
O custo da missão deve chegar a US$ 12,5 milhões (R$ 20,8 milhões), pagos pela Airbus e pela Air France. A retomada das buscas já havia sido anunciada no mês passado pelo BEA (Escritório de Investigação e Análise da França). O diretor do BEA, Jean Paulo Troadec, reconheceu falhas nas missões anteriores, que, segundo ele, tiveram os equipamentos apropriados, mas foram realizadas nos locais errados. A nova missão reacendeu a esperança de parentes das vítimas.
— Acreditamos que agora há chances reais de sucesso — afirmou ontem Marten van Sluys, administrador de empresas que perdeu a irmã Adriana no acidente.
VETO
Até 2016 lojas de aeroportos terão de ser licitadas
Dilma sanciona a lei que estabelece a Autoridade Olímpica

Evandro Éboli

BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem a lei que cria a Autoridade Pública Olímpica (APO). Como prometido, ela vetou o artigo que prorrogava, sem licitação, os contratos de concessão de 6.500 lojas comerciais - como restaurantes e lanchonetes - nos aeroportos até a realização dos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016. A emenda que permitia esse privilégio foi de autoria do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). O veto de Dilma foi uma garantia dos líderes do governo para que a APO fosse aprovada no Senado, há duas semanas.
No Diário Oficial, Dilma explicou as razões de seu veto: "não estão claros os benefícios aos usuários e à administração que adviriam da excepecionalização à regra da adoção de processo de licitação para as contratações públicas." A APO será presidida pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que ainda será sabatinado pelo Senado, e contará com 181 funcionários.


PANORAMA POLÍTICO
Ilimar Franco

Restabelecida a moralidade
Em 26 de fevereiro, esta coluna alertou, em primeira mão, que a Câmara, ao aprovar a Lei da Autoridade Pública Olímpica, criara também uma janela para prorrogar os contratos de concessões para atividades comerciais e de serviços nos aeroportos. Ontem, a presidente Dilma Rousseff vetou este artigo (41) alegando que não existiam regras transparentes para a prorrogação desses contratos.


ECOS DA REVOLUÇÃO DO NILO
Ofensiva não detém Kadafi
Tropas do regime atacam cidades e expõem população civil ao aumento da violência

Apesar do recrudescimento da ofensiva da coalizão internacional, que entrou ontem em seu quarto dia, as forças aliadas lideradas por EUA, Reino Unido e França não têm conseguido frear o ataque das tropas de Muamar Kadafi contra as cidades sob controle dos rebeldes. Mesmo que mísseis e bombas da coalizão já tenham danificado uma parte dos equipamentos da defesa aérea do ditador, os aliados não têm conseguido cumprir seu principal objetivo, estabelecido pela resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU: proteger os civis líbios. Essa dificuldade ficou evidente ontem com o avanço das forças de Kadafi nas cidades de Misurata e Zintan, onde mais de 50 pessoas morreram, segundo fontes médicas, enquanto a coalizão anunciava o que parecia ser o início de uma segunda fase da operação Odisseia da Alvorada, mais focada em atacar as tropas do ditador.
Num comunicado conjunto, Reino Unido, França e EUA pediram que Kadafi freasse o avanço de suas tropas, e retirasse suas forças de Misurata, Ajdabiya e Zawiya. O ditador, no entanto, apareceu em público pela primeira vez desde o início dos ataques da coalizão em Trípoli, onde prometeu diante de uma multidão de simpatizantes que continuaria lutando.
- Seremos vitoriosos no final - disse.

Avião americano cai perto de Benghazi
A queda de um caça americano F-15 de manhã perto de Benghazi - aparentemente provocada por defeito técnico - não só representou a primeira perda para a coalizão como desatou uma controvérsia sobre a proteção de civis. Apesar de os dois americanos a bordo terem conseguido se ejetar da aeronave e serem resgatados por forças aliadas, testemunhas no local relataram que seis moradores da região foram baleados pela equipe de resgate do piloto e do técnico, na tentativa de afastar os líbios que se aproximavam dali. Essa versão, no entanto, foi negada por um porta-voz dos Fuzileiros Navais dos EUA.
- Isso não aconteceu. Posso negar 100% disso - disse Richard Ulsh.
Mas segundo o "New York Times", um fuzileiro naval afirmou que dois jatos de ataque Harrier lançaram 250 quilos de bomba durante o resgate do piloto. Segundo o militar, o piloto ejetado solicitou o ataque por precaução enquanto não chegassem para recuperá-lo.
Em visita à Rússia, o secretário de Defesa americano, Robert Gates, garantiu que os ataques da coalizão estão evitando bombardeios que possam provocar vítimas civis.
- A maior parte dos alvos da coalizão é isolada das aéreas populosas. Além disso, acho que o combate militar em curso deve diminuir nos últimos dias - disse Gates.
À noite, fortes explosões foram ouvidas em Trípoli, seguidas de disparos de artilharia antiaérea, num sinal de que a coalizão voltara a atacar a capital, e as forças leais a Kadafi, a responder. Um dos ataques foi responsável pela morte, perto da capital, de Hussein El Warfali, comandante militar de uma das brigadas de elite do Exército líbio, segundo a al-Jazeera. A mesma rede de TV também relatou que um avião das forças do ditador foi derrubado enquanto voava em direção a Benghazi, na primeira ação de fato para preservar a zona de exclusão aérea. Por sua vez, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse ter recebido informações não confirmadas de que ao menos um dos filhos de Kadafi morreu, e se apressou a negar que ele tenha sido alvo de forças americanas. Hillary afirmou ainda que Kadafi estaria sondando opções de exílio com países aliados, mas lembrou que tudo isso poderia não passar "de teatro" do ditador.
Mudando um pouco o foco da operação, o almirante Samuel Locklear III, responsável pelo comando tático da missão, disse que a coalizão reforçará ataques contra as tropas de Kadafi nos próximos dias, depois que 161 mísseis Tomahawk já danificaram parte das defesas aéreas do regime.
Mas apesar dos números anunciados pelos aliados, os ganhos militares da coalizão não foram capazes de impedir ataques de forças de Kadafi a cidades dominadas por rebeldes. Em Misurata, palco de violentos combates entre os dois lados, ao menos 44 pessoas morreram ontem. Entre as vítimas, há quatro crianças que estavam num carro reduzido a escombros após ser atingido por um projétil disparado por soldados do governo. O bombardeio aéreo dos arredores da cidade por aviões da coalizão levou as tropas do regime a entrarem em Misurata. Uma multidão saiu às ruas para tentar impedir a entrada dos tanques na cidade, mas foi recebida com balas. Segundo um médico trabalhando no local, "a situação é catastrófica".
- Os tanques atacaram, e franco-atiradores também participam da operação. Pedimos às organizações humanitárias que intervenham da forma que for possível para nos trazer alimentos e remédios - pediu.
As Forças Armadas americanas afirmaram que estão avaliando "todas as opções" para tentar pôr fim à violência na cidade, sem dar mais detalhes. A oeste, perto da fronteira com a Tunísia, a situação em Zintan também parecia se deteriorar. Segundo um porta-voz do movimento insurgente, as forças de Kadafi bombardearam a cidade, que está nas mãos de rebeldes, a partir de tanques, matando mais de dez pessoas. Os insurgentes afirmaram que conseguiram fazer os militares recuarem para fora de Zintan, mas temem uma nova ofensiva do regime em breve.
Já em Ajdabiya, a pouco mais de 100 quilômetros de Benghazi, o combate entre os dois lados continua, com rebeldes tendo dificuldade de avançar a oeste por falta de equipamentos militares adequados, segundo um porta-voz.


ENTREVISTA - PHILIPPE MIGAULT
'Já ultrapassamos o objetivo da resolução'

Deborah Berlinck

PARIS. Philippe Migault, especialista do Instituto de Relações Internacionais e Estratégias (Iris), em Paris, afirma que as divisões dos aliados em relação à intervenção na Líbia eram previsíveis e não vão comprometer o sucesso das operações.

As divisões na Otan e na UE sobre quem pilota as operações militares na Líbia não põem em risco esta intervenção?
Philippe Migault: Não. Dissensões na UE eram previsíveis e esperadas. Não dá para voltar atrás. Uma vez que nos engajamos numa guerra, não dá para interromper o processo só por causa de desacordos diplomáticos.

Quem deve comandar então as operações?
Migault: Na história dos conflitos, pode-se ter uma coalizão sem ter um comando entre as Forças (de vários países). Por enquanto, há uma coordenação entre as diferentes Forças armadas. Se for a Otan, isso vai ser percebido como uma guerra ocidental contra um povo árabe e muçulmano. Não vejo quem poderia assumir.

Na coalizão atual, os países árabes também não estão presentes...
Migault: Este é um problema. Mas a presença da Otan seria ainda mais significativa, porque a Otan já intervém no Afeganistão. Para a opinião pública árabe, a presença da Otan pode aumentar o sentimento de intervenção do Ocidente em questões internas árabes.
Há uma cacofonia quando se fala dos objetivos da operação. No Reino Unido, falou-se primeiro na saída de Kadafi, mas o premier David Cameron diz que este não é o objetivo. A falta de clareza pode complicar as coisas?
Migault: O problema é que já ultrapassamos o objetivo da resolução, que era uma zona de segurança aérea, de forma que a aviação de Kadafi não possa bombardear Benghazi. Fomos muito além disso, bombardeando bases aéreas e os postos de comando líbios.

O senhor vê uma saída rápida para a crise líbia ou uma guerra civil prolongada?
Migault: Se seguirmos o mandato da ONU, de neutralizar as Forças armadas, vai ser rápido. Para desorganizar o dispositivo de defesa terrestre, precisaremos de mais 15 dias. Depois, uma vez neutralizadas as Forças armadas, o que acontecerá? Como saímos da crise? Negociamos com Kadafi? Esta é a verdadeira questão.


TRAGÉDIA JAPONESA
País sofre com exageros da mídia estrangeira
Pânico coletivo e postura da imprensa japonesa ajudam a dar tom catastrófico à crise

Claudia Sarmento

OSAKA, Japão. “Tóquio está coberta por uma nuvem radioativa que atravessará o Pacífico”. “Um novo tremor gigante desencadeará a erupção do Monte Fuji”. “Um reator nuclear no bairro de Shibuya, coração fashion de Tóquio, está ameaçado”. “A radiação chegará à França”. Manchetes sensacionalistas publicadas nos últimos dias — principalmente na imprensa estrangeira — têm ajudado a espalhar um pânico mundial em relação à crise no Japão, que é muito grave, mas não apocalíptica como sugeriram alguns veículos desde o terremoto do dia 11. Acostumados a um tom jornalístico mais moderado — e, em geral, mais oficialista — os japoneses declararam guerra a exageros de meios de comunicação que, acreditam, estão incentivando a fuga em massa e destruindo a imagem do país.
Internautas criaram um site — o Mural da Vergonha Jornalística — onde reúnem dezenas de reportagens consideradas especulativas ou irresponsáveis, além de erros graves, como o cometido pela Fox News. A rede americana identificou uma casa noturna no centro de Tóquio, Shibuya Eggman, como uma usina nuclear.
Especialistas em mídia reconhecem que o catastrofismo não ajuda ninguém numa hora como esta, mas lembram que a tradicional falta de independência da imprensa japonesa tampouco permite que a população se sinta bem informada.
— Houve uma tendência ao exagero na imprensa estrangeira. Na Europa, por exemplo, a crise é tratada como se fosse o fim do mundo. Mas o governo japonês não sabe se comunicar com o público dentro ou fora do Japão e acredito que as embaixadas deveriam realizar entrevistas coletivas para manter seus cidadãos a par dos acontecimentos de uma maneira transparente — diz o presidente do Clube dos Correspondentes Estrangeiros no Japão, o suíço George Baumgartner.
Segundo ele, com algumas poucas exceções, os japoneses também não confiam na mídia tradicional de seu país e acabam recorrendo a informações que consideram mais independentes na internet.
Dividida em grupos setorizados — os chamados “kisha clubs”, abertos apenas para funcionários de grandes empresas de comunicação nacionais — a imprensa japonesa se viu sem credibilidade no meio de uma crise em que as autoridades são acusadas de lentidão na divulgação dos fatos, parecendo muito otimista e ingênua em comparação aos relatos de repórteres estrangeiros.
— A imprensa japonesa depende, principalmente, das declarações do Gabinete e da Tepco (Tokyo Electric Power). É importante evitar o pânico, mas deixar de relatar os fatos também não é a resposta correta para evitar confusão — avalia Keiko Kanai, professora de jornalismo da Universidade Kinki, em Osaka.
Para ela, com exceção dos veículos que optaram por coberturas puramente sensacionalistas, a imprensa internacional tem conseguido ouvir um número maior de fontes, sem medo de relatar quais poderiam ser as consequências mais graves do acidente em Fukushima. Essa visão pessimista pode ter levado a interpretações extremas de governos ocidentais e residentes de Tóquio, que chegaram a fugir do Japão com a roupa do corpo. Keiko defende os relatos que não são escandalosos, mas tampouco subestimam a realidade da crise nuclear:
— Ao admitir que o pior dos cenários não está descartado, os meios de comunicação ocidentais vêm fornecendo ao público informações suficientes para que trace planos para o futuro. Acredito que muitos japoneses estão sentindo falta disso agora— avaliou a professora e ex-repórter.
fonte: JORNAL O GLOBO

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