DESTAQUE DE CAPA
ONU aprova operação militar na Líbia para conter Kadafi
O Conselho de Segurança da ONU aprovou ontem à noite uma resolução que autoriza o uso de “todos as meios necessários" para proteger os civis das tropas leais ao ditador Muamar Kadafi na Líbia. As medidas incluem a adoção de uma zona de exclusão aérea e foram aprovadas por 10 votos a favor e 5 abstenções - Brasil, China, Índia, Rússia e Alemanha. A decisão da ONU ocorreu horas depois que Kadafi advertiu os rebeldes em Benghazi, principal reduto da oposição, que atacaria a cidade em breve, “sem misericórdia para aqueles que não se renderem". A notícia sobre a resolução foi festejada pelos insurgentes nas ruas de Benghazi, mas Kadafi reagiu dizendo que transformará a vida das forças que atuarem em nome da ONU num "inferno"
ONU aprova intervenção militar para proteger civis de ataques de Kadafi
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
Com a abstenção do Brasil e de outros quatro países, o Conselho de Segurança da ONU aprovou ontem uma resolução que autoriza a adoção de "todas as medidas necessárias" - código para a intervenção militar -, incluindo a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia, para proteger os civis das forças de Muamar Kadafi.
Dez dos 15 países-membros votaram a favor. Eram necessários ao menos nove votos favoráveis, sem nenhum veto. Além da Alemanha, Índia, China e Rússia - que com o Brasil fazem parte do Bric - também se abstiveram de votar. A aprovação ocorreu em meio às ameaças de Kadafi de lançar uma ampla ofensiva contra Benghazi - o principal reduto rebelde - e atacar sem misericórdia os que não se renderem (mais informações na pág. 14).
A resolução permitirá não apenas a aplicação de uma zona de exclusão aérea de forma imediata, mas efetivamente qualquer medida - menos uma incursão terrestre - para impedir ataques que possam resultar na morte de civis.
Fontes diplomáticas francesas disseram que a ação militar poderia ser iniciada em poucas horas e incluiria a participação da França, Grã-Bretanha, e possivelmente os EUA e uma ou mais nações árabes. Mas um militar americano disse que nenhuma ação imediata estava programada. O Canadá ofereceu seis caças para ajudar na área de exclusão aérea - em um raio de 100 km ao redor de Benghazi - e a Itália colocou suas bases à disposição.
Aliviada, a população de Benghazi saudou o anúncio com tiros para o ar. Kadafi, por sua vez, disse à Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) que a aprovação foi "um ato flagrante de colonização, uma insanidade, uma arrogância". "Se o mundo enlouquecer, enlouqueceremos juntos. Vamos responder. Faremos de sua vida um inferno, porque estão fazendo isso da nossa. Eles nunca terão paz", declarou o ditador.
As negociações estiveram sob o comando da França, da Grã-Bretanha e do Líbano. Os EUA envolveram-se mais intensivamente nos últimos dias depois que a Liga Árabe e a União Africana se posicionaram a favor da zona de exclusão aérea. O desafio, ao longo dos últimos dois dias, foi convencer a China e a Rússia a não vetar a resolução.
O Brasil, ao justificar a abstenção, afirmou que a posição brasileira "não significa uma aceitação do comportamento do governo líbio". Segundo a embaixadora Maria Luiza Viotti, "o problema está no texto da resolução". Para a diplomata brasileira, "as medidas adotadas podem gerar mais danos do que benefícios". Além disso, segundo Maria Luiza, os movimentos no mundo árabe "têm crescido internamente. Uma intervenção externa alteraria esta narrativa, tendo repercussões na Líbia e em outros países".
Demonstrando a importância da questão para a França, o próprio chanceler Alain Juppé compareceu ao conselho em Nova York e disse que a "obrigação dos franceses não é dar lições, mas ajudar as pessoas a decidir seu futuro. A situação na Líbia é alarmante. Não podemos abandonar a população civil diante da repressão. Temos pouco tempo. É uma questão de dias. Ou mesmo de horas. Cada hora que passa, aumenta o peso sobre os nossos ombros. Não podemos atuar tardiamente".
Na avaliação de alguns países, mesmo a zona de exclusão aérea não será suficiente. A embaixadora dos EUA junto à ONU, Susan Rice, disse antes da votação que talvez sejam necessárias medidas ainda mais restritivas para conter o regime líbio. Os EUA e seus aliados poderiam também enviar militares para assessorar e treinar os rebeldes, disse um oficial americano.
A resolução também congelou os bens de mais sete indivíduos e cinco companhias, que se juntam aos membros do regime de Kadafi e seus parentes que já haviam sido punidos na resolução aprovada em fevereiro.
RESOLUÇÃO 1.973
Exigências
A ONU quer um cessar-fogo imediato na Líbia, além o fim à violência e abusos contra civis; reforça a necessidade de se encontrar uma solução que atenda às "legítimas demandas do povo líbio"; e pede o cumprimento do direito internacional no país
Proteção
As Nações Unidas autorizam a "tomada de todas as medidas necessárias" para proteger as áreas povoadas do país, incluindo Benghazi, mas exclui o uso de forças de ocupação em qualquer parte do território líbio
Liga Árabe
Tem o papel de manter a paz e a segurança na região
Exclusão
Para a proteção do povo líbio, todos os voos estão proibidos no espaço aéreo do país, exceto os que tenham cunho de ajuda humanitária. "Todas as medidas necessárias" podem ser usadas para impedir voos não autorizados pela ONU
Embargo
Garante aos países-membros o direito de fiscalizar embarcações e aviões destinados à Líbia para apreender armas que estejam a caminho do país. Revistas em alto-mar também estão autorizadas
Banimento
Os países-membros estão proibidos de receber aviões líbios
Brasil apresenta justificativa para abstenção
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
A embaixadora brasileira na ONU, Maria Luiza Viotti, atribuiu a abstenção do país ao texto da resolução. "As medidas adotadas podem causar mais danos do que benefícios. Mas não significa uma aceitação do comportamento do governo líbio", disse. Além disso, segundo a representante brasileira os movimentos no mundo árabe têm crescido internamente, e uma intervenção externa alteraria esta narrativa, tendo repercussões na Líbia e em outros países.
A abstenção brasileira ocorre às vésperas da programada visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, neste fim de semana. O governo brasileiro há anos tenta conseguir apoio para a inclusão do país entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Na votação de ontem, a posição da administração brasileira foi contrária aos interesses dos americanos.
NACIONAL
Comissão do Senado aprova fim da reeleição
Proposta prevê ainda que mandatos de presidente da República, governadores e prefeitos passariam de quatro para cinco anos
Andrea Jubé Vianna - O Estado de S.Paulo
A comissão especial da reforma política no Senado aprovou ontem o fim da reeleição e mandato de cinco anos para presidente da República, governadores e prefeitos. A nova regra valeria para os eleitos a partir de 2014, ou seja, quem está no cargo atualmente ainda poderia tentar a reeleição. Neste caso, na hipótese de reeleição da presidente Dilma Rousseff, ela seria favorecida com um mandato de nove anos, já que o segundo teria a duração de cinco anos.
O presidente da comissão, Francisco Dornelles (PP-RJ), e o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foram os únicos a defender o modelo atual: mandato de quatro anos com direito à reeleição. O ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique (PMDB) defendeu o fim da reeleição ou, mantido o instituto, que o governante seja obrigado a se desincompatibilizar do cargo para disputar novo mandato.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o líder do PT, Humberto Costa (PE), defenderam o fim da reeleição, com mandato de cinco anos, embora seus partidos tenham sido os únicos a se beneficiar com esse modelo. "O PT sempre foi contra a reeleição, mas não poderíamos ignorar as regras do jogo", justificou o petista.
Uma das principais vozes pelo fim da reeleição, o senador Itamar Franco (PPS-MG) afirmou que existe uma linha invisível entre o governante e o candidato que nem o Tribunal Superior Eleitoral consegue distinguir. "Uma hora ele é governador, outra hora é candidato. Quando tira o paletó, ele é candidato, mas a caneta vai com ele", diz.
Na mesma reunião, a maioria do colegiado defendeu a manutenção do voto obrigatório. Aécio admitiu que o voto facultativo seria "mais palatável à opinião pública", mas chamou a atenção para o risco de se ter "governantes eleitos por uma minoria pouco expressiva". Segundo ele, num momento de maior confronto e crise política, isso poderia gerar instabilidade social. "Temo que surjam setores desestimulados, gerando uma dispersão muito grande dos votos e uma distorção do resultado eleitoral", concluiu.
Além disso, a maioria da comissão avaliou que o modelo atual consiste numa "obrigatoriedade flexível", já que a lei eleitoral prevê sanções brandas ao eleitor que faltar ao pleito, como multas estimadas em R$ 3,50. Na próxima reunião, os senadores vão analisar as propostas de implantação do voto distrital e do voto majoritário para deputados federais, estaduais e vereadores.
O texto final será apreciado pela comissão especial no dia 5 de abril e segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça, na forma de uma proposta de emenda constitucional (PEC). Em seguida, será encaminhado ao plenário da Casa. O tema também será discutido pela comissão da reforma política em funcionamento na Câmara. Há um esforço para se harmonizar os trabalhos das duas comissões para evitar a concorrência entre as Casas. Mas por enquanto, os senadores saíram na frente e já se posicionaram sobre suplência, reeleição, data da posse no Executivo e voto obrigatório. Os deputados só começam os debates na próxima semana, analisando os sistemas de votação.
A REFORMA POLÍTICA NO SENADO
Mandato
A maioria dos senadores aprovou o mandato de 5 anos para os cargos do executivo: presidente da República, governadores prefeitos
Reeleição
Com o tempo de mandato maior, a comissão aprovou o fim da reeleição. Apenas dois senadores defenderam o modelo atual
Voto obrigatório
A comissão especial do Senado também decidiu pela manutenção da obrigatoriedade do voto pelos eleitores entre 18 e 70 anos
Suplência
Na terça-feira, a comissão já havia aprovado a redução do número de suplentes de senador. Cada um terá direito a apenas um suplente
Data da posse
A posse de prefeitos e governadores passaria para o dia 10 de janeiro, e a de presidente da República, para o dia 15 de janeiro subsequente ao ano da eleição
Voto majoritário
Na próxima reunião, os senadores vão discutir propostas de implantação do voto majoritário para deputados federais, estaduais e vereadores
Marcio Fortes vira ''plano C'' para aviação civil
Espera por resposta de Rossano Maranhão faz surgirem como opções o ex-ministro e, antes dele, atual presidente da Oi
Edna Simão / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff está colecionando nomes de executivos que podem ser utilizados para ocupar cargos no governo. A lista de "planos B" já considera inclusive os titulares de cargos que ainda precisam ser criados, como a Secretaria Nacional de Aviação Civil.
Para assumir a futura pasta, o nome favorito de Dilma é o do atual presidente do Banco Safra, Rossano Maranhão. Se ele realmente recusar o convite para o cargo, que terá status de ministro, um dos nomes cotados é Luiz Eduardo Falco, hoje presidente da Oi. Além dele, existe a possibilidade "pequena" de indicação do ex-ministro das Cidades, Marcio Fortes.
Desde o ano passado, surgem pelo Planalto boatos sobre convites do governo federal para que Rossano trocasse a iniciativa privada por um cargo público - todos teriam sido recusados. Agora, o convite foi feito oficialmente e a demora de Rossano em dar uma resposta definitiva sobre o assunto só estimula especulações sobre novos nomes.
Como a primeira opção do governo para o cargo é Rossano, Dilma não tem poupado elogios ao executivo, que já ocupou a presidência do Banco do Brasil (BB). Ontem, em entrevista ao jornal Valor Econômico, ela afirmou que o nome de Rossano já foi cogitado para vários cargos públicos desde o governo Luiz Inácio Lula da Silva. "Nós o consideramos um excepcional executivo."
Comércio exterior. Embora o nome de Fortes seja uma alternativa para a Secretaria Nacional de Aviação Civil, a intenção de Dilma seria indicar o ex-ministro para o comando do Eximbank brasileiro - uma estrutura administrativa dedicada exclusivamente a financiar as exportações e a produção destinada ao mercado exterior ligada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Desde a época em que eram colegas de ministério, Fortes tinha bom relacionamento com Dilma - ele em Cidades, ela na Casa Civil. Fortes era responsável por programas prioritários do governo nas áreas de habitação e saneamento básico do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluindo o Minha Casa, Minha Vida.
Ex-diretor do BC assume Infraero
Enquanto o nome do futuro ministro responsável pela aviação civil segue indefinido, a Infraero já tem novo comando. O ex-diretor do Banco Central Antonio Gustavo Matos do Vale assumiu a presidência da estatal. João Márcio Jordão ocupava o posto interinamente, desde a saída de Murilo Marques Barboza.
VISITA DE OBAMA
Patriota: País espera dos EUA ""relação de iguais""
Segundo chanceler, esse reconhecimento é mais importante para o Brasil que uma declaração qualquer sobre o Conselho de Segurança
Lisandra Paraguassu / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
A chancela do governo americano às pretensões brasileiras de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas não deve vir na bagagem do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Mas o Brasil não só não espera uma declaração formal, como não considera que o apoio americano fará uma real diferença. O que o governo brasileiro espera de Obama é, de acordo com o chanceler Antonio de Aguiar Patriota, uma relação de iguais.
"Em linguagem simples e direta, esperamos uma relação de igual para igual. As circunstâncias do mundo de hoje favorecem muito isso. O Brasil se consolidou como democracia, como economia. Essa capacidade de liderança em todos esses diferentes temas de interesse global, a capacidade de articulação tanto com o mundo em desenvolvimento quanto no mundo desenvolvido. Isso oferece frentes múltiplas de interlocução."
O reconhecimento dessa relação é mais importante para o Brasil que uma declaração qualquer sobre o Conselho de Segurança. "Uma manifestação dos Estados Unidos não vai por si só afetar dramaticamente o curso dos acontecimentos. A reforma do Conselho de Segurança envolve o entendimento nas Nações Unidas sobre uma série de questões específicas", observou Patriota. "Então um discurso dos Estados Unidos sobre o país X ou Y é um dado importante, significativo, uma manifestação de respeito pela política externa de um país, pela sua capacidade de contribuir para a paz e segurança internacional, mas não é em si mesmo uma panaceia."
Peso do Irã. Em novembro do ano passado, em visita à Índia, Obama declarou apoio à pretensão da Índia em obter um assento no Conselho de Segurança reformado. Com Brasil, Alemanha e Japão, a Índia forma o G4, o grupo mais forte de candidatos a novos donos de um assento permanente no conselho.
No entanto, as manifestações dos americanos sobre as intenções brasileiras podem ser consideradas no máximo como tímidas. A atuação brasileira na questão das armas nucleares do Irã pesou contra o País.
Ainda assim, a diplomacia brasileira considera que há uma mudança de direção depois dos elogios feitos pela secretária de Estado, Hillary Clinton, à atuação do Brasil no Haiti, em fevereiro, durante a visita de Patriota.
A declaração de Obama sobre a Índia é vista pelos brasileiros mais como um sinal de que, talvez, os americanos passem a se engajar em uma reforma do Conselho de Segurança, o que não fizeram até agora. De acordo com Patriota, a falta de uma decisão sobre a reforma está gerando "impaciências" entre os países.
"Eu vejo como uma questão que adquirirá mais e mais relevância à medida que se acelera esse processo de transformação geopolítica do mundo que estamos presenciando hoje. Quem diria que em tão pouco tempo o G20 se firmaria como o foro privilegiado de coordenação sobre temas econômicos e financeiros? Há um sentimento de que na ONU essa onda de reformas ainda não chegou para valer e já existem manifestações de crescente impaciência em relação a isso", afirmou.
Em uma conferência de imprensa por telefone na tarde de ontem, o secretário de Estado adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental do governo americano, Arturo Valenzuela, afirmou que o governo Obama tem o compromisso de dar a real importância às organizações e à cooperação internacional e reconhece a necessidade de uma reforma na ONU.
"Estamos muito conscientes de que a arquitetura das Nações Unidas que serviu muito bem até hoje precisa de mudanças. E como essa mudança será feita certamente será discutida no Brasil", disse, mas sem se comprometer com as pretensões brasileiras.
Novos tempos
ANTONIO PATRIOTA - MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
“Em linguagem simples e direta, esperamos uma relação de igual para igual. As circunstâncias do mundo de hoje favorecem muito isso”
Segurança fecha Cristo Redentor para Obama visitar
Até equipes de limpeza e ascensoristas foram dispensados e a própria equipe do presidente é que terá de operar os elevadores
Bruno Boghossian / RIO - O Estado de S.Paulo
Cercado por um esquema de segurança rigoroso, o presidente dos EUA, Barack Obama, encontrará um Cristo Redentor completamente isolado, sem turistas e funcionários, durante sua visita prevista para a manhã de domingo.
Devido ao bloqueio do monumento, até equipes de limpeza e ascensoristas foram dispensados - o que obrigará a própria equipe do presidente a operar os elevadores que dão acesso ao pé da estátua.
Homens responsáveis pela segurança do governo americano farão varreduras no entorno do monumento a partir das primeiras horas da madrugada de domingo. A estátua ficará isolada a partir de 0h, com o bloqueio das estradas de acesso.
A Arquidiocese do Rio, que administra o santuário do Cristo Redentor, passará o controle do espaço à equipe de Obama no fim da noite de sábado. Os seguranças terão liberdade para realizar o reconhecimento da área, varreduras e ações de patrulhamento antes da chegada da família do presidente.
Barack Obama, a primeira-dama Michelle e as filhas do casal, Sasha e Malia, devem chegar ao monumento na limusine da comitiva americana às 9h30. Apesar do rígido esquema de segurança, o presidente teria pedido para fazer uma visita "turística" à estátua, sem formalidades e protocolos de um evento oficial.
Irritação. Um dos pontos mais famosos do Rio, a estátua do Cristo Redentor só será reaberta para visitação às 11h de domingo. Turistas aprovam a decisão de Obama de visitar o monumento, mas mostraram irritação com interdições provocadas pela passagem do presidente americano. "Vai prejudicar muito turistas que estão na cidade por pouco tempo e terão que cancelar suas programações", reclamou a funcionária pública aposentada Fátima Heineck, de Porto Alegre.
Para o empresário americano Walter Wolf, que visitava o Cristo Redentor ontem à tarde, a agenda turística de Obama no Rio faz parte de uma estratégia para consolidar a imagem do presidente como líder mundial. "Não votei nele em 2008, mas sei que essa visita é importante. Estando no Cristo Redentor, ele demonstra a admiração que os EUA têm pelo Brasil", afirmou.
Interdições. O discurso de Obama, previsto para o domingo na Cinelândia, bloqueará o acesso a parte do centro do Rio. O Theatro Municipal, de onde o presidente falará aos brasileiros, cancelou o início da temporada, originalmente marcado para hoje.
Bares da região, como o tradicional Amarelinho, ficarão fechados durante todo o dia. Devido à expectativa de dificuldades no trânsito, parte da programação de domingo do Museu de Arte Moderna foi cancelada.
Segundo o Comando Militar do Leste, responsável pelas equipes brasileiras de segurança durante a visita, não será necessário interromper pousos e decolagens de voos no aeroporto Santos Dumont, a 1 quilômetro da Cinelândia. Algumas rotas, no entanto, podem ser desviadas e os pequenos aviões deverão utilizar o Aeroporto Antônio Carlos Jobim. / COLABORARAM CLARISSA THOMÉ E MÁRCIA VIEIRA
Central de favelas quer passeio por Cidade de Deus
Às vésperas da chegada do presidente Barack Obama ao Brasil, as restrições impostas pela segurança já feriu suscetibilidades. Ontem, no seu twitter, o empresário Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa), na Cidade de Deus, desabafou: "Nego quer ir lá tirar uma foto com uma criança melequenta e meter o pé. Se for isso eu vou pular fora". A previsão é de que Obama visite a sede da Cufa e assista à apresentação dos meninos atendidos pela ONG.
Nas mensagens seguintes, Athayde lamenta que os organizadores queiram restringir os passos de Obama na favela. Mas até o final da noite de ontem, ele ainda tinha alguma esperança de convencer a comitiva de que Obama poderá circular pela Cidade de Deus. "Meu trabalho será hoje de demovê-los dessas ideias casabrancais. Se eu conseguir tá lindo, se não, que tenham uma boa passagem. Fui".
À espera de Obama
"Pós-visita" anima empresários
A Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham) não espera anúncios de acordos bombásticos nos próximos dias, mas aposta que o período "pós-visita" do presidente Barack Obama trará novidades no campo econômico.
Blindados vão reForçar segurança
Quatro blindados do tipo Urutu, do Exército, seis helicópteros e mais de 800 homens vão fazer a segurança do presidente americano e de sua família durante a visita ao Rio. Os blindados devem ficar nos locais onde Barack Obama tiver atividade prevista.
Equipe médica já está de prontidão
O governo dos EUA escolheu o Hospital Samaritano, em Botafogo, na zona sul do Rio, para atender Obama e sua comitiva em caso de problemas de saúde. Leitos de quartos e da CTI já estão reservados. Uma ambulância ficará de prontidão na Cinelândia.
Primeira-dama vai visitar estudantes
A primeira-dama Michelle Obama passará parte da manhã de sábado com alunos de escolas públicas num restaurante de comida natural perto da Esplanada. Ela será ciceroneada pela esposa do chanceler Antonio de Aguiar Patriota, Tânia Cooper Patriota.
Boeing não enviará executivos ao País
Beneficiária do lobby dos EUA pela venda do caça F-18 Super Hornet para a Força Aérea Brasileira, a Boeing ficará na retaguarda e preferiu não enviar nenhum executivo às reuniões de empresários previstas na agenda de Barack Obama no Brasil.
AGENDA
DIA 19: 18H30 CHEGADA AO GALEÃO
DIA 20: 9H30 VISITA PARTICULAR AO CRISTO REDENTOR; 12H50 VISITA À CIDADE DE DEUS E 14H30 DISCURSO NA CINELÂNDIA
DIA 21: 9H00 PARTIDA PARA SANTIAGO
Presidente critica situação de presos em Guantánamo
Na semana em que vai receber o americano Barack Obama, a presidente Dilma Rousseff comparou a questão dos direitos humanos no Irã à prisão que os EUA mantêm em Guantánamo. "Se não concordo com o apedrejamento de mulheres, eu também não posso concordar com gente presa a vida inteira sem julgamento (na base de Guantánamo)", afirmou a presidente, em entrevista publicada ontem pelo jornal Valor Econômico.
Dilma citou os direitos humanos ao comentar a visita de Obama ao País. Depois de afirmar que "o Brasil é um país que os EUA têm de olhar de forma muito circunstanciada" - pois é um caso único de detentor de reservas de petróleo sem conflitos armados e que respeita contratos e princípios democráticos -, a presidente disse que é preciso ter "perfeita consciência da questão dos direitos humanos".
"E isso vale para todos. Isso vale para o Irã, vale para os Estados Unidos e vale para o Brasil", salientou Dilma. A presidente ponderou que o Brasil também tem problemas, citando problemas no sistema carcerário.
Para Dilma, "o grande sumo disso tudo, o que fica, é a progressiva consciência de que o Brasil é um país que assumiu seu papel internacional e que pode, pelos seus vínculos históricos com os Estados Unidos e por estarmos na mesma região, ser um parceiro importantíssimo". A presidente destacou a importância de fechar "parcerias estratégicas" com os EUA, como a que será proposta na área de avaliação meteorológica e na formação de brasileiros no exterior. "Todos os países que deram um salto apostaram na formação de profissionais fora. Queremos parceria do governo americano em garantia de vagas nas melhores escolas."
ESPAÇO ABERTO
Obama no Brasil
*Fernando Gabeira
A viagem do presidente Barack Obama ao Brasil pode ser histórica. A prudência, entretanto, recomenda esse adjetivo apenas para o episódio que já aconteceu e é visto com a perspectiva do tempo. Além do mais, a palavra história é cheia de armadilhas para quem acha que ela tem um sentido, um curso linear ou é o desdobramento de um script antecipado.
Diante dos últimos acontecimentos - rebelião no mundo árabe, terremoto e crise nuclear no Japão -, até mesmo o homem mais poderoso do mundo deve reconhecer, no íntimo, que nem tudo está sob controle.
Se a história fosse linear e previsível, depois do diálogo Lula-Bush em torno do etanol Obama e Dilma estariam agora discutindo uma cooperação dos dois países no desenvolvimento da matriz solar, na abertura de milhares de empregos verdes. Pelo caminho da fotossíntese, o etanol era apenas uma das manifestações do solar.
Mas as novas circunstâncias - descoberta do pré-sal e instabilidade no mundo árabe - acabaram pondo o petróleo no centro da agenda. Se os dois países decidirem fazer negócios nesse campo, o que se espera de histórico, no sentido mais realista do termo, são as salvaguardas ambientais. Desastres num oceano já estressado representam um grande retrocesso. O próprio Obama traz na memória o acidente com a Deepwater Horizon.
Dois grandes países das Américas dizem alô ao petróleo num momento em que talvez fosse preciso dizer goodbye. Mas outro tema delicado deve aterrissar em sua agenda. Aliás, nem precisa ser incluído na agenda, pois é inescapável: o terremoto no Japão e a crise nuclear que lhe sucedeu.
Tanto Brasil como EUA, por intermédio de seus governos, estão firmemente decididos a avançar em seus projetos de construção de usinas nucleares. Os dois países já viveram acidentes envolvendo radioatividade: Three Mile Island e Goiânia, Rua 57. Embora a pressão nos EUA seja maior, é improvável que os dois presidentes alterem seus planos. Mas os procedimentos de segurança terão de ser mais rígidos e convincentes. O histórico nesse processo não é esperar que Obama e Dilma façam como a Áustria e transformem suas usinas atômicas em usinas solares. O histórico é se disporem a aumentar as medidas de segurança nuclear, na esteira do debate sobre Fukushima.
Pode parecer uma agenda nostálgica: petróleo e nuclear. Mas em ambos os casos esse tipo de produção ficará mais caro. E talvez seja por aí, por uma perda de competitividade impulsionada pelos gastos de segurança no oceano e nas centrais nucleares, que as energias alternativas encontrem seu lugar ao sol.
Nada disso impede que a visita de Obama seja um sucesso. No seu governo, os EUA exercitam o soft power, uma influência através da visão de mundo e cultura. Sempre existiu essa tendência, mas ficou mais popular. No passado, eram os músicos do Modern Jazz Quartet, sobriamente vestidos com ternos escuros e gravata. Hoje, a embaixada americana faz um concurso de texto com o sorteio de um iPad.
A escolha do prêmio não é acidental. A Apple é a empresa mais conceituada do mundo. E a informática, uma das responsáveis pela importância dos EUA. No Rio de Janeiro, por exemplo, a IBM instalou equipamentos para um moderno centro de monitoramento de desastres, dentro do programa Smart Cities. Servirá não só para prevenir desastres, gerir crises, mas também para administrar, de forma inteligente, o cotidiano da cidade.
Ainda que não seja objeto de debates, a informática é uma das áreas de cooperação que avançam com seu dinamismo próprio. Solar, biotecnologia e internet seriam os pontos da agenda do século 21, segundo o cientista americano Freeman J. Dyson. Mas nem sempre o século que está na cabeça de um cientista é o que os governantes têm de enfrentar no mundo real.
As posições do Brasil e dos EUA sobre o Irã estão também banhadas de ironia histórica. Elas se tornaram convergentes no governo Dilma. A mudança na política brasileira aconteceu mesmo com a vitória da coalizão do governo nas urnas. Não foi, portanto, um gesto eleitoral, mas um ajuste necessário com o pensamento da sociedade e com a tradição diplomática do Brasil.
Se a resistência americana à presença do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas foi estimulada pela posição de Lula sobre o Irã, ela se baseou num castelo de areia. O que define o Brasil não é o equívoco momentâneo de um governo, mas o pensamento da sociedade e sua história diplomática. Esses fatores acabam prevalecendo.
Obama não pode fazer no Brasil nem o discurso do Cairo nem o de Praga. Mas ajudaria bastante uma referência aos esforços pelo desarmamento nuclear e à disposição de continuar nesse caminho. Isso contribui para reduzir o exíguo espaço de uma posição simpática a Ahmadinejad.
Numa entrevista ao jornal The Washington Post, a presidente Dilma Rousseff condenou a execução da iraniana Sakineh Ashtiani por apedrejamento. Talvez pelas limitações de espaço, ela não pôde elaborar sobre isso. Mas o Brasil não é apenas contra a execução de Sakineh. No que depende da opinião da sociedade, inscrita na Constituição do País, é contra a pena de morte. Contra qualquer pena de morte.
O discurso de Lula sobre as oposições no Irã, sua ambiguidade em definir Sakineh como uma mulher incômoda já ficaram para trás e representam, no máximo talvez, uma corrente partidária, algo muito diferente de uma política nacional.
O Brasil também exercita o soft power. O filme Orfeu, de Marcel Camus, que emocionou a mãe de Obama, tinha, entre outros componentes brasileiros, a música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. É possível criar uma coalizão democrática que una simpatias nacionais com o objetivo de prevenir e administrar crises. Fizemos isso no Haiti, onde o futebol e a música ajudaram na pacificação das favelas de Cité Soleil e Bel Air. Para além do solar, do genoma e da internet, o século nos empurra para uma diplomacia preventiva. Qualquer passo nessa direção será bem-vindo, como bem-vindo é o presidente Barack Obama.
*JORNALISTA
Energia - a chance de discutir sem soberba
*Washington Novaes - O Estado de S.Paulo
É impressionante a atitude de soberba olímpica - para não falar em descaso ou desprezo - com que o Ministério de Minas e Energia (MME) encara as dúvidas da comunidade científica e da nossa sociedade a respeito da política energética nacional. Uma postura que se torna mais evidente e incompreensível no momento em que o mundo se interroga a respeito dos desdobramentos da série de acidentes nucleares no Japão, após o terremoto e o tsunami. O ministro Edison Lobão, por exemplo, questionado (Agência Estado, 15/3) sobre a possibilidade de estar em questão a segurança das usinas nucleares brasileiras - já que se debate a segurança nuclear no mundo todo -, "descartou a possibilidade de qualquer mudança". E o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear disse apenas temer "danos ao programa nuclear brasileiro", que prevê, além de Angra 3, em construção, mais quatro usinas nucleares até 2030.
Dá a impressão de que estamos fora - ou acima - do mundo, no momento em que a Alemanha suspende a decisão que tomara de prorrogar por 12 anos a vida de usinas que seriam fechadas até 2021 e decide desativar várias usinas antigas; a Suíça suspende o licenciamento de novas usinas; a Áustria pede à União Europeia que teste a segurança de todos os reatores em atividade em 14 dos seus 27 países; o Partido Verde da França (país que mais depende de energia nuclear) exige um referendo sobre o modelo; Bélgica e Polônia anunciam que reavaliarão seus caminhos nessa matéria; o governo da Grã-Bretanha pede reavaliação imediata de 11 usinas projetadas; nos EUA, senadores que defendiam a proposta do presidente Barack Obama de destinar US$ 36 bilhões para 20 usinas nucleares novas agora recomendam prudência (The New York Times, 13/5), já que 31 das atuais 104 usinas nucleares norte-americanas têm tecnologia japonesa, com 23 reatores iguais aos da usina de Fukushima.
Não é só. A secretária da Convenção do Clima, Christiana Figueres, não duvida de que "vai mudar o cenário mundial", tal como dizem especialistas em energia em vários países, inclusive no Brasil. "O acidente vai fazer todo o mundo repensar o uso de usinas nucleares", afirma o professor Aquilino Senra Martinez, da UFRJ, lembrando que o projeto de Fukushima é da década de 60 (Folha de S.Paulo, 13/5). "O desastre serve de alerta para o Brasil", acentua o ex-ministro José Goldemberg, lembrando que o risco na área nuclear é grande e "há melhores opções", que "o Brasil deveria discutir" (O Popular, 13/5). Tudo na mesma linha de editorial deste jornal (15/3, A3), lembrando que o desastre de Fukushima levanta dúvidas sobre a segurança e "deve estimular o debate internacional".
De fato, a tragédia no Japão ressaltou mais uma vez as grandes questões que há décadas permeiam a área nuclear:
- Passado e presente evidenciam a alta dose de insegurança de operação de usinas nucleares e os riscos de desastres, quase invariavelmente de consequências dramáticas;
- a energia nuclear é muito mais cara que outras formas de energia;
- nenhum país conseguiu até hoje equacionar o problema da destinação dos altamente perigosos resíduos de reatores nucleares, que em geral se acumulam nas próprias usinas (como em Angra 1 e 2; em Angra 3, o então ministro Carlos Minc, que sempre criticara as duas primeiras usinas, condicionou o licenciamento da terceira a uma solução "definitiva" para os resíduos - o que não foi feito, mas não impediu o início das obras).
A própria Tepco, empresa que opera a usina acidentada no Japão, já fora multada anteriormente por falhas na segurança de suas usinas. Outras 11 usinas já apresentaram problemas (Estado, 15/3). Ainda assim, o país - que já teve acidentes graves antes - mantém 55 reatores nucleares, que fornecem pouco mais de 30% da energia consumida. Mas é também considerado desde 1990 exemplar em matéria de técnicas de construção resistente a terremotos. Em Fukushima, a usina resistiu ao tremor, mas não ao tsunami; a sequência interrompeu o funcionamento dos geradores de emergência e o resfriamento dos reatores. E é uma usina projetada para resistir a vibrações nas estruturas dez vezes mais intensas que as suportadas por Angra 1 e 2 (Veja, 16/3).
No nosso caso, é preciso lembrar ainda que Angra 1, 2 e 3 estão numa região sujeita a eventos climáticos extremos, que já provocaram no município deslizamentos e desastres. Não bastasse, num programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e hoje uma das principais figuras da área de ciência no governo federal, disse que o projeto de Angra 3 "deveria ser revisto", diante das informações de vários cientistas de que o nível do mar já está se elevando no litoral fluminense, acompanhando o que acontece em praticamente todo o mundo.
São muitas, portanto, as razões que deveriam levar a direção da nossa política de energia a discutir os rumos dessa área. Ouvir a comunidade científica, que, como já foi mencionado neste espaço mais de uma vez, tem dito que o Brasil pode tranquilamente viver com metade da energia que consome hoje - economizando 30% com projetos de conservação e eficiência (como conseguiu economizar no apagão de 2001); ganhando mais 10% com a redução das perdas nas linhas de transmissão, hoje em 17%; e outros 10% com repotenciação de geradores antigos, a custos menores que os de implantação de novas usinas. É o que diz há muito tempo, por exemplo, estudo da Unicamp e do WWF, de 2006. Mas fala ao vento.
Não faz sentido apregoar - como já pregam alguns - que sem a energia nuclear não haverá caminho senão o das mega-hidrelétricas na Amazônia, muito questionadas. Ou a ampliação das termoelétricas - que, na verdade, já está ocorrendo. O que faz sentido é, numa hora dramática como esta, convocar a comunidade científica e, diante da sociedade, debater livremente nosso modelo energético.
*JORNALISTA
OPINIÃO
Boa vizinhança
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Chefes de Estado não fazem nada por acaso. Cada gesto, cada palavra, cada movimento tem um significado específico. Quando se trata de um presidente dos Estados Unidos, então, todo ponto é letra a ser minuciosamente destrinchada e interpretada.
O embaixador Luiz Felipe Lampreia, chanceler durante um período particularmente venturoso das relações entre Brasil e Estados Unidos, o governo Fernando Henrique Cardoso e seis anos do governo Bill Clinton, enxerga na visita do presidente Barack Obama um interesse especial na reconstrução de um diálogo abalado durante o período Lula, notadamente no último ano em função do apoio do Brasil ao Irã.
Para ele, a visita tal como foi concebida é um sinal de prestígio e de reconhecimento do fortalecimento da presença brasileira no mundo. Econômica e politicamente falando.
"É a primeira viagem de Obama à América Latina e é a primeira vez que um presidente americano vem aqui antes que o presidente brasileiro tenha ido lá." A iniciativa foi de Obama, depois que a presidente Dilma Rousseff anunciou que iria aos Estados Unidos em abril.
"Isso denota interesse de retomar um diálogo fluido e mostra quanto o Brasil é hoje um aliado mais valoroso do que já foi quando a desorganização da economia deixava o País relegado a um papel bem menos relevante."
Na opinião de Lampreia, a escolha do Rio de Janeiro como cenário do ponto alto da visita, no domingo, e a presença da mulher, Michelle, e das duas filhas de Obama buscaram acentuar o caráter de amabilidade e descontração à viagem.
As imagens produzidas no Rio, no Cristo Redentor, na Cidade de Deus pacificada e no discurso da Cinelândia, põem o presidente americano num cenário internacionalmente familiar. Diferente seria se visitasse São Paulo, cidade com características semelhantes a qualquer grande metrópole do mundo.
O Rio embeleza e ameniza o clima.
Ocorreu assim em 1997 com Bill Clinton, numa viagem precedida por um ambiente marcadamente antiamericano eivado de críticas aos "excessos" do esquema de segurança. Críticas logo dissipadas quando Clinton visitou o Morro da Mangueira, tocou tamborim na bateria da verde e rosa e, segundo Jamelão, exibiu-se "mais feliz que pinto no lixo".
Cenografia à parte, há o interesse econômico de parte a parte e a expectativa brasileira de que Barack Obama dê algum sinal que possa ser visto como apoio à reivindicação de um assento permanente no Conselho de Segurança na ONU.
Alguma chance? "Washington sabe que é isso que o Brasil espera, mas por uma questão de resistência à divisão de poder não tem interesse em acelerar o processo de reforma do conselho. Alguma coisa deve ser dita, mas acho que a intensidade das palavras será uma decisão a ser tomada pelo próprio Obama depois da conversa com Dilma no sábado."
Luiz Felipe Lampreia vê apenas um "senão", para não dizer um risco, nessa amabilidade toda por parte dos EUA: a ideia de que a reconstrução das relações possa implicar um alinhamento automático do Brasil às posições americanas.
"Isso não pode nem vai acontecer, porque o Itamaraty tem histórico de política externa independente. Aproximação e diálogo fluido é uma coisa. Aliança incondicional está fora de cogitação."
Paralelo. Ao declarar, em entrevista ao Estado, que o dinheiro entregue por ele à deputada Jaqueline Roriz era oriundo de superfaturamento de contratos do governo do Distrito Federal, o delator do escândalo que derrubou José Roberto Arruda falou a respeito de algo que Marcos Valério e Delúbio Soares calaram sobre o mensalão: a origem do dinheiro.
É exatamente o ponto em que o ministro Joaquim Barbosa sustenta a acusação tanto contra os petistas quanto contra o tucano Eduardo Azeredo. O dinheiro pode ter tido como destino o caixa 2 das campanhas eleitorais, mas teve origem no desvio de recursos públicos.
Daí a rejeição da tese das defesas de que houve "apenas" crime eleitoral e a denúncia da ocorrência de crimes comuns.
HIDRELÉTRICA DE JIRAU
Governo Federal intervém em Jirau
Força Nacional e Polícia Federal assumem canteiros de obras, trabalhadores são retirados e operações são paralisadas por tempo indeterminado
CHRISTIANE SAMARCO E RUI NOGUEIRA - Agencia Estado
Depois de ouvir a Camargo Corrêa e avaliar as informações do Ministério das Minas e Energia e dos relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Planalto decidiu mobilizar um contingente da Força Nacional e da Policia Federal para assumir o controle dos canteiros da construtora na usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. A presidente da República, Dilma Rousseff, acompanha a situação e pediu que a retirada e acomodação dos trabalhadores fossem feitas com segurança.
Usando pelo menos 300 ônibus, a construtora retirou para a capital, Porto Velho, seus 19 mil trabalhadores dos canteiros nas duas margens do Rio Madeira, paralisou tudo e não tem prazo para a retomada das obras. Ao todo, a empresa tem 22 mil trabalhadores envolvidos na construção da usina, uma da maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que forma o complexo hidrelétrico do Madeira junto com a usina de Santo Antônio.
Roberto Silva, gerente de Relações Sindicais e Trabalhistas da Camargo Corrêa, admitiu ao Estado que "a cidade não comporta tanta gente" e que a solução foi pagar transporte terrestre e aéreo para os trabalhadores que pedem para voltar ao estados de origem. A empresa estava usando prédios do Sesc e do Sesi para acomodar algumas centenas de operários.
Ontem, a direção do consórcio da usina, o grupo Energia Sustentável do Brasil (ESBR), e o ministério decidiram que a primeira providência, depois do controle na área de segurança, é começar a reerguer os refeitórios e os alojamentos, o que viabilizaria o retorno paulatino dos trabalhadores aos canteiros. Hoje, o governo estadual e a empresa devem divulgar medidas para provar que têm o controle da área, tanto assim reverter os pedidos de demissão que muitos trabalhadores estão fazendo.
Distúrbios em Jirau podem atrasar obra
Executivo diz que a previsão de início de operação em março de 2012 pode ser revista
Alexandre Rodrigues / RIO - O Estado de S.Paulo
Os distúrbios que paralisaram ontem as obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, devem comprometer o cronograma do empreendimento.
A afirmação foi feita pelo presidente do Energia Sustentável do Brasil, consórcio construtor da usina, Victor Paranhos, que ainda não tinha informações suficientes para avaliar os prejuízos provocados por uma série de saques e incêndios que destruíram dezenas de ônibus usados no transporte de trabalhadores e parte da estrutura de alojamentos do canteiro de obras da hidrelétrica, no Rio Madeira.
"Durante a noite houve uma invasão pelo mato, com pessoas encapuzadas. Hoje, os trabalhadores tentaram voltar ao trabalho e houve nova invasão. A tropa da Polícia Militar perdeu o controle. O comandante local tentou achar uma liderança para dialogar com a outra parte, foram reunidas algumas pessoas num refeitório, mas eles não se entendiam", contou o presidente do consórcio, que reúne GDF Suez e Eletrobrás.
Depois de participar de uma cerimônia na sede do BNDES na tarde de ontem, o executivo afirmou que não havia descontentamento aparente entre os funcionários ou pauta de reivindicações pendente. "É preocupante porque não sabemos qual é a motivação. Não há sequer uma liderança", afirmou.
Paranhos lamentou a paralisação das obras no momento em que estava perto de ser concluída a operação de desvio do Rio Madeira, com 95% do vertedouro pronto. Segundo ele, a previsão de início de operação da usina em março do ano que vem poderá ser revista.
Em meados de junho, trabalhadores da usina de Santo Antônio, que junto com a usina de Jirau formam o complexo do Rio Madeira, decidiram cruzar os braços para reivindicar reajuste salarial e pagamento de horas extras.
A paralisação culminou com destruição de 35 ônibus e 1 veículo e com a abertura de investigação pelo Ministério Público do Trabalho. A Odebrecht é responsável pelas obras de Santo Antônio. Juntas, as duas usinas terão capacidade de gerar 6.450 megawatts.
O prefeito de Porto Velho, Roberto Sobrinho (PT), que também esteve ontem no BNDES, classificou o episódio como "uma rebelião, um motim" e manifestou preocupação com a falta de abrigo para milhares de trabalhadores. / COLABOROU WELLINGTON BAHNEMANN
Aumenta clima de tensão
Gabriela Cabral - O Estado de S.Paulo
Dezoito mil trabalhadores foram retirados do canteiro de obras da Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, em ação que contou com mais de 800 agentes de segurança pública entre estaduais e federais. Desde terça-feira, o clima de tensão tomava conta do canteiro, que fica a 130 quilômetros de Porto Velho, por motivos ainda desconhecidos.
Cerca de 60 veículos, entre ônibus e carros, foram queimados pelos trabalhadores, segundo a construtora Camargo Corrêa, responsável pelas obras civis da usina. O canteiro ficou quase todo destruído. Falta de pagamento de benefícios e participação dos lucros teriam motivado o início do conflito, mas alguns trabalhadores alegaram que a confusão começou quando um motorista do ônibus que faz o transporte agrediu um idoso.
Durante toda a quinta-feira, a Secretaria de Segurança Pública trabalhou para realizar a retirada dos trabalhadores do local que, inconformados, declararam que foram agredidos por policiais militares. Balas de borracha e bombas de efeito moral teriam sido usadas para dispersar os funcionários que permaneciam na entrada do canteiro de obras. Alguns foram feridos.
Vanilson de Jesus Souza, natural do Maranhão, que já trabalhou em cinco barragens e trabalhava há quatro meses em Jirau como armador, disse que nunca mais pretende voltar a Rondônia. "Todo mundo aqui veio de longe para ganhar um salário melhor e levamos bala. Nunca vi isso em nenhuma empresa no Brasil. Eles têm de fechar essa obra."
Os trabalhadores foram alojados no Serviço Social da Indústria (Sesi), na capital, onde devem negociar se continuam na empresa ou vão embora. A operação de transporte à Porto Velho foi feita com mais de 20 ônibus que tumultuaram o trânsito na BR-364. O secretário de segurança, Marcelo Bessa, solicitou reforço da Força Nacional. "O Estado não pode ser onerado por essa situação. Solicitamos apoio da Força Nacional para que assuma o policiamento das usinas."
O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia informou que não há motivação trabalhista para a movimentação dos operários. A polícia vai investigar as razões da fúria e a destruição, além de roubos em algumas áreas do canteiro e fora dele.
PRESIDENTE
Dilma quer combater a inflação com crescimento
Presidente afirma, em Uberaba (MG), que quer expansão, mas sem ''voo de galinha'' e que País se expande aumentando a oferta de bens e serviços
Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff disse ontem que é possível frear a inflação sem estancar o desenvolvimento econômico e sem provocar quedas nos índices de emprego. O caminho ideal, na visão da presidente, é aumentar a oferta de bens e serviços. Isso poderia levar o País a taxas de crescimento constantes, deixando para trás o crescimento de curto alcance, que ela chamou de voo da galinha.
As declarações de Dilma foram feitas em Uberaba (MG), onde participou da cerimônia de assinatura de um protocolo para a implantação de uma fábrica de fertilizantes na cidade e de um gasoduto. Em seu discurso, feito de improviso e com duração de 35 minutos, observou que essas duas obras fazem parte do esforço que tem sido feito no Brasil para que a taxa de crescimento seja constante: "Que não seja aquela taxa do voo da galinha, no qual a gente cresce num ano e no outro, não." Em seguida, numa alusão à polêmica que se trava hoje dentro e fora do governo sobre a melhor receita para se conter a inflação, observou: "Tem muita gente que acha que você só controla a inflação derrubando o crescimento econômico. Mas se controla a inflação não negociando com ela. Se controla a inflação também fazendo o País crescer, aumentando a oferta de bens e serviços."
"Coisa preciosa". Ainda segundo a presidente, o aumento da oferta de produtos gera "uma coisa preciosa, que é o emprego".
Dilma também fez referência à necessidade de se estimular o mercado interno. O caminho para isso seria a continuidade e o avanço de programas sociais que, iniciados no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, reduziram de forma expressiva o número de famílias pobres no País e incorporaram novos consumidores ao mercado.
"Tirar o restante da pobreza é uma exigência social e ética, mas também econômica", afirmou. "Um país é medido pelo seu mercado consumidor. Por isso é que fazemos parte dos Brics (sigla criada a partir dos nomes de Brasil, Rússia, India e China, que tiveram crescimento destacado nos últimos anos e ainda apresentam forte potencial econômico). Não somos um Bric por sermos uma economia emergente. O que caracteriza os Brics é o fato de terem milhões de pessoas marginalizadas do crescimento econômica. Quando elas começam a consumir, elas se transformam em grandes indutores de mais crescimento. Fazem a roda da economia girar."
Foi um discurso no tom desenvolvimentista que caracterizou Dilma como ministra, na Casa Civil, e na campanha presidencial. Combinava bem com o evento em Uberaba, uma vez que as duas obras ontem anunciadas, com investimentos de cerca de R$ 2,9 bilhões, fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), idealizado por ela no governo anterior.
''Estamos preparando forte intervenção nos aeroportos''
Presidente Dilma afirma que vai fazer concessões e aceitar investimentos da iniciativa privada nos terminais dos aeroportos
O jornal Valor Econômico publicou ontem entrevista com a presidente Dilma Rousseff. Ela falou sobre vários temas de inflação à concessão de aeroportos. Leia a seguir as principais frases da presidente na entrevista:
Inflação
"Eu não vou permitir que a inflação volte no Brasil. Não permitirei que a inflação, sob qualquer circunstância, volte. Também não acredito nas regras que falam, em março, que o Brasil não crescerá este ano"
"Isso (a ideia de que é possível ter um pouquinho mais de inflação para obter um pouco mais de crescimento) não funciona. É aquela velha imagem da pequena gravidez. Não tem uma pequena gravidez. Ou tem gravidez ou não tem."
Salário mínimo
"No futuro nós vamos ter uma menor preocupação com a valorização do salário mínimo. Quando ? Quando houver um crescimento sustentado nesse país. O que aconteceu com o salário mínimo ao longo do tempo? Uma baita desvalorização. Seja porque ele não ganhava sequer a correção inflacionária, seja porque vinha de patamares muito baixos. Acho que o processo de valorização do salário mínimo ainda não se esgotou."
Aeroportos
"Estamos nos preparando para ter uma forte intervenção nos aeroportos. Vamos fazer concessões, aceitar investimentos da iniciativa privada que sejam adequados aos planos de expansão necessários. Vamos articular a expansão de aeroportos com recursos públicos e fazer concessões ao setor privado. Não temos preconceito contra nenhuma forma de expansão do investimento nessa área, como não tivemos nas rodovias."
Japão
"Ficamos todos muito impactados. A comunicação global em tempo real cria em nós uma sensação como se o terremoto seguido do tsunami estivesse na porta de nossas casas. Nunca vi ondas daquele tamanho, aquele barco girando no redemoinho, a quantidade de carros que pareciam de brinquedo!"
Pré-sal
"Vamos seguir num ritmo que não transforma o petróleo em uma maldição. Queremos ter uma indústria de petróleo, desenvolver pesquisas, produzir bens e serviços e exportar para o mundo. Temos que apostar que o pré-sal é um passaporte para o futuro. Não vamos explorar para usar, mas para exportar. Quere também, ter ganhos na cadeia industrial do petróleo."
VOO 447
Air France: Airbus será processada por homicídio culposo
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
A Justiça da França anunciou ontem, em Paris, que vai abrir investigação oficial contra a Airbus, maior fabricante de aviões comerciais do mundo, por homicídio culposo (sem intenção) dos 228 passageiros e tripulantes do voo 447 da Air France. A decisão foi comunicada ao diretor-presidente da empresa e pode se estender à companhia aérea, cujos executivos foram convocados a comparecer à Justiça hoje.
Pelos trâmites da Justiça na França, a abertura oficial de investigação significa que os juízes de instrução do caso consideram que há elementos indicando possível responsabilidade em um crime. No caso do voo AF-447, desaparecido no Atlântico quando realizava a rota Rio-Paris, em 31 de maio de 2009, a Airbus é suspeita de ter negligenciado o risco de falhas nos sensores de velocidade das aeronaves, os tubos Pitot.
Segundo mensagens automáticas enviadas pelo aparelho antes da queda da aeronave, essas sondas apresentaram falha, o que em tese pode ter provocado o desligamento em cadeia de sistemas eletrônicos de navegação do Airbus, induzindo a tripulação a possíveis falhas de avaliação. Essa hipótese foi levantada nos primeiros dias após o acidente e é considerada pelo Escritório de Investigação e Análises (BEA), órgão responsável pela investigação, como uma das possíveis origens do acidente.
Pela mesma suposta negligência, a Air France deve se tornar objeto de investigação formal da Justiça a partir de hoje. A companhia não se manifestou.
Ontem, o diretor-presidente da Airbus, Thomas Enders, protestou contra a decisão da Justiça francesa. "Nós desaprovamos firmemente essa decisão, que julgamos prematura." Ele garantiu que a empresa continuará a "cooperar com a investigação e na realização da próxima fase de busca das caixas-pretas".
Sob a coordenação do BEA, as autoridades francesas realizarão nas próximas semanas uma quarta etapa de buscas em uma região de 10 mil km2 do Atlântico, que se estenderá até junho. O custo, de 9 milhões, será coberto pela Airbus e a Air France.
Na França e no Brasil, associações de famílias de vítimas demonstraram satisfação com a decisão preliminar da Justiça. Em Paris, Jean-Baptiste Audousset, porta-voz da associação Ajuda Mútua e Solidariedade AF-447, que representa famílias francesas, afirmou que a eventual inculpação por homicídio culposo abre uma nova etapa nas investigações. / COM AGÊNCIA FRANCE PRESSE
AVIAÇÃO
Gol passa a TAM e assume liderança no mercado doméstico pela primeira vez
Gol fechou o período com uma vantagem de apenas 0,18 ponto porcentual em relação à rival; apesar da vantagem ainda folgada, as duas líderes apresentaram mais uma vez perda de participação para as companhias de menor porte
Glauber Gonçalves / RIO - O Estado de S.Paulo
A Gol assumiu pela primeira vez a liderança do mercado doméstico de aviação, ao passar a TAM em fevereiro. Segundo números da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a companhia fechou o mês passado com uma participação de 39,77%, enquanto a rival teve uma fatia de 39,59%.
No ano em completa seu décimo aniversário, a Gol comemora o feito, mas diz que sua atuação não está pautada pela liderança e enfatiza que não ganhou mercado a qualquer custo. "Não conseguimos isso dando passagens. Isso é comprar mercado", disse a vice-presidente de mercado da empresa, Claudia Pagnano. "A celebração desse dado não significa que tenhamos aberto mão do yield médio (margem realizada por assento vendido). Fizemos isso de forma financeiramente saudável para a companhia", acrescentou.
Para o professor Marco Aurélio Cabral, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o avanço da Gol pode ser creditado a melhorias na qualidade dos serviços prestados pela empresa, mas também teve influência de uma avaliação mais cautelosa do consumidor com relação à TAM.
"A Gol, por questões de estruturação, incorria em índices de cancelamentos altos e tinha problemas de frequência e qualidade muito severos. Ao longo do tempo, aprimorou seus serviços, como esperado. Já a TAM passou por momentos difíceis, do ponto de vista do atendimento e da qualidade do serviço, no fim do ano passado (a Anac chegou a suspender a venda de passagens da empresa). Então, era de se esperar uma resposta do consumidor em relação a isso."
Apesar de ter passado a rival em fevereiro, a Gol prevê que as duas podem se alternar na primeira posição nos próximos meses. Oscilações na demanda e um aumento geral nos preços das tarifas, provocado pela alta do preço do petróleo, podem mexer com o mercado este ano.
A TAM, além de ter tido uma perda de participação significativa em um curto período - passou de 43,35% em janeiro para 39,59% em fevereiro -, viu sua taxa de ocupação cair mais de dez pontos porcentuais. A empresa argumenta que os números são reflexo de uma diminuição sazonal da participação de passageiros viajando a lazer, acentuada pelo fato de o carnaval ter ocorrido em março.
Em nota, o presidente da companhia, Líbano Barroso, minimiza a perda da liderança, afirmando que, na avaliação da TAM, a posição deve ser resultado do equilíbrio entre o market share e a rentabilidade. "Temos empenhado nossos melhores esforços em reduzir custos e tornar nossas operações cada vez mais eficientes", disse.
Aliança. Embora diversas possibilidades estejam abertas para a Gol nos próximos anos, Cláudia Pagnano garante que a empresa só trilhará caminhos que garantam a manutenção da política de low fare, low cost (baixas tarifas e baixos custos).
É justamente para manter esse modelo que a empresa tem evitado entrar em uma aliança global de companhias aéreas, disse. Ao contrário da TAM, a empresa pretende continuar fechando acordos de compartilhamento individuais. "Participar de uma aliança é uma característica mais associada a uma companhia tradicional, do que a uma de low cost", diz.
Apesar da manutenção de patamares elevados de participação que as deixam isoladas na primeira e segunda posição, Gol e TAM têm perdido participação no mercado para as companhias de menor porte. Em fevereiro, essas empresas ampliaram sua fatia do mercado doméstico para 20,64%. A Azul detém 7,96%, seguida por Webjet (5,89%), Trip (2,77%) e Avianca (2,58%).
Demanda por voos teve crescimento de 9,34% em fevereiro
Segundo os números da Anac, a demanda por voos domésticos, que é o volume de passageiros transportados, cresceu 9,34% em fevereiro em relação ao mesmo mês de 2010. Por outro lado, a oferta foi ampliada em 13,31% no mesmo período de comparação. Em decorrência disso, houve uma queda na taxa de ocupação de fevereiro ante o mesmo mês de 2010: de 70,96% para 68,48%.
E, se no mercado doméstico a TAM perdeu a primeira posição para a Gol, nos voos internacionais operados por companhias brasileiras a companhia ainda é líder isolada. Em fevereiro, a TAM abocanhou uma fatia de 85,85% nesse segmento, a Gol/Varig ficou com 12,92% e a Avianca, com 1,22%. Enquanto a empresa comandada pela família Constantino concentra suas operações internacionais na América do Sul e Caribe, a TAM voa também para os Estados Unidos e a Europa.
A expectativa do mercado é que, com a fusão com a chilena LAN, processo ainda em curso, a empresa amplie ainda mais sua presença no segmento internacional. A estratégia da Gol, por outro lado, é manter suas atenções voltadas para a região. "Nosso foco é Brasil, Caribe e América do Sul e continuará sendo essa. Não temos alteração", afirma a vice-presidente de mercado da companhia, Claudia Pagnano.
Embraer busca maior presença na América Latina
Empresa quer que, em 2020, participação da região nas vendas de aviões comerciais E-Jets chegue a 20%
Silvana Mautone - O Estado de S.Paulo
A Embraer prevê encerrar este ano com 134 aviões comercias da família E-Jets - com capacidade entre 86 e 118 passageiros - operando na América Latina. Isso significa entregar, até dezembro, outros 34 aviões na região, já que ontem a empresa entregou para a companhia aérea Azul a 100.ª unidade desse modelo na América Latina.
Atualmente, as vendas na América Latina representam cerca de 15% do faturamento total com os modelos E-Jet no mundo. Segundo o vice-presidente de aviação comercial da Embraer, Paulo César de Souza, esse porcentual deve subir para cerca de 20% em dez anos.
O executivo disse que o mercado mundial de aviação está apresentado recuperação, apesar da alta do petróleo no mercado internacional, em razão dos conflitos no Oriente Médio. Segundo ele, neste ano a empresa já fechou a venda de 15 aviões comerciais.
Questionado sobre as perspectivas até dezembro, ele disse ainda ser difícil dizer, mas acredita que será melhor do que em 2010. "Será um pouco melhor do que no ano passado, quando vendemos 98 E-Jets", afirmou. Isso só não se concretizará, disse, caso a alta nos preços do petróleo persista a ponto de gerar uma crise mais ampla, que afete a economia como um todo.
Questionado se o preço do petróleo em alta pode vir a prejudicar as vendas da Embraer, Souza disse que ainda não é possível saber. "Temos de ver em qual patamar ele vai se estabilizar", afirmou. Isso pode ocorrer porque, com custos maiores, o lucro das empresas aéreas deve ser reduzido e algumas podem adiar planos de ampliação e renovação de frota. Os custos com petróleo representam cerca de 30% das despesas totais das companhias aéreas. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), estima que o lucro líquido dessas empresas deve cair 46% este ano em relação ao ano passado.
China. Souza admitiu que a empresa negocia com o governo chinês a possibilidade de passar a fabricar no país jatos executivos da família Legacy. "Estamos conversando, essa é uma das alternativas que estamos estudando."
Ele confirmou também que é esperada uma decisão durante a visita que a presidente Dilma Rousseff fará à China, em abril. A fábrica que a Embraer tem em associação com a estatal Aviation Industries of China (Avic) estará 100% ociosa a partir de abril, porque, até o final deste mês, serão entregues as duas encomendas existentes de jatos comerciais do modelo ERJ-145, de 50 lugares, e por isso pode ser fechada.
Aerolineas Argentinas quer sair da concordata
Reestatizada em 2008, empresa teve ajuda financeira do governo argentino para pagar salários e renovar frota
A companhia aérea Aerolineas Argentinas anunciou que pediu à Justiça da Argentina que retire a empresa da concordata, situação em que se encontra há dez anos. Em comunicado, a companhia diz que pagou 99,3% da dívida relacionada com o estado de recuperação judicial.
O governo da Argentina retomou a Aerolineas do grupo espanhol Marsans, em meados de 2008, com forte apoio dos sindicatos dos aeronautas do país. À época, a empresa contabilizava uma dívida de quase US$ 900 milhões, incluindo salários de funcionários em atraso.
Além disso, a frota tinha se deteriorado: em 2008, cerca de 40% das aeronaves não estava em condições de voo, segundo informações do governo. Ao longo dos últimos dois anos e meio, a Aerolineas Argentinas recebeu recursos oficiais para expandir e atualizar seus aviões.
Com isso, a companhia conseguiu, na semana passada, voltar a integrar a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) como membro pleno, depois de quase dez anos de suspensão por conta de seus severos problemas econômicos.
O retorno definitivo da relação com a Iata vai permitir que a empresa volte a emitir passagens por meio do sistema centralizado de reservas da associação, visto como crucial para que ela faça alianças de partilha de códigos com outras empresas. A parceria também reabre possibilidades de negócio para a empresa.
Histórico. Fundada em 1949 como uma companhia estatal pelo presidente Juan Domingo Perón, a Aerolineas Argentinas foi vendida à companhia espanhola Iberia no início dos anos 1990, durante a gestão de Carlos Menem, por US$ 560 milhões. O processo foi marcado por uma série de denúncias de fraude.
A Iberia se retirou do negócio em 2001, quando a Sociedade Estatal de Participações Industriais da Espanha (Sepi) transferiu as empresas aéreas a Marsans, que pagou o preço simbólico de US$ 1 e recebeu do governo espanhol US$ 758 milhões para a cobertura da lista de passivos da Aerolineas Argentinas e de sua marca alternativa, a Austral. / AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
DIREITOS HUMANOS
Comissão da Verdade é dívida do Estado, diz Maria do Rosário
Destinada a apurar crimes ocorridos durante a ditadura militar, comissão deve ser vista além de perspectivas ideológicas, segundo a ministra dos Direitos Humanos
17 de março de 2011 | 14h 26
Rosa Costa, da Agência Estado
BRASÍLIA - Ao falar nesta quinta-feira, 17, na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, se referiu à Comissão da Verdade, destinada a apurar fatos ocorridos durante a ditadura militar no País, como sendo "uma dívida do Estado brasileiro". Ela lembrou que em 1995, quando deputados e senadores criaram a comissão sobre mortos e desaparecidos, o Estado brasileiro assumiu a sua responsabilidade pela tortura, pelo desaparecimento e pela morte de brasileiros no período de 1964 a 1985. "No entanto, essa comissão, que já foi instituída, não teve os instrumentos para oferecer às famílias, aos brasileiros, o que ocorreu verdadeiramente com seus filhos, seus netos, seus familiares", alegou.
A ministra negou a existência de "pressão" da parte dos militares para impedir o funcionamento da comissão. "Não existe pressão. Existe entendimento, o clima é de trabalho", afirmou. "As Forças Armadas da atualidade são parte de um processo de aprofundamento democrático e são resguardo da soberania nacional. Nós compreendemos para além de posturas de oposição ou governo, fundamentadas em perspectivas mais ideológicas. Pensamos unicamente na democracia e nos direitos humanos ao propor a Comissão da Verdade".
Maria do Rosário tentou minimizar a atuação do governo no impasse criado pela criação da comissão, ao afirmar que o Poder Executivo "não vem com esta agenda ao Parlamento brasileiro dizer que essa é a nossa bandeira". "Não vem ao Parlamento dizer: essa é a nossa questão acima de todas as outras." Segundo ela, é preciso definir que não se trata de uma questão dos Poderes, mas, sim, "da nação brasileira". "Ela (criação da Comissão da Verdade) não é de governo ou de oposição. Ela é nossa, ela é da democracia."
DIRETO DA FONTE
SONIA RACY
Distensão
Depois de o Exército retirar do seu calendário oficial a data que marca o início da ditadura, 31 de março, e em meio as críticas do comando à criação da Comissão da Verdade, Dilma disse sim e marcou seu primeiro grande evento com os militares.
Será no Dia do Exército,19deabril.
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Kadafi ameaça civis com ataque ''sem misericórdia''
Líder líbio diz que seus soldados entrarão de casa em casa em Benghazi para ver se a cidade é de ''traidores ou heróis''
Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
Enquanto suas tropas avançavam ontem em direção a Benghazi, o principal reduto da oposição, e o Conselho de Segurança da ONU aprovava a imposição de uma zona de exclusão aérea e outras medidas para conter sua ofensiva, o ditador Muamar Kadafi fez à tarde uma aterrorizante advertência aos moradores da cidade, e ameaçou também a comunidade internacional com a interrupção do tráfego no Mar Mediterrâneo.
"Não haverá misericórdia para aqueles que não se renderem", avisou Kadafi, em pronunciamento de rádio e televisão.
"A questão está decidida, estamos chegando", afirmou Kadafi, cujas tropas foram vistas por moradores ontem à noite a 130 km de Benghazi, depois de vencerem uma sangrenta batalha pelo controle de Ajdabiya, situada 160 km a oeste.
"O povo verá amanhã (hoje) se a cidade é de traidores ou heróis", continuou o ditador. "Não me traiam, meus amados benghazis."
A cidade, de 1 milhão de habitantes, sempre foi o principal reduto de dissidência contra o regime de Kadafi. Como resultado, seus moradores queixam-se de ser prejudicados pelo governo, com precária infraestrutura e salários mais baixos.
Kadafi disse que haverá buscas de casa em casa na cidade. "Aqueles que não tiverem armas não têm o que temer." Muitos moradores de Benghazi, e de outras cidades da região leste, controlada pela oposição desde o levante iniciado há um mês, têm fuzis em casa, retirados dos quartéis das forças leais ao regime, que debandaram nos confrontos com manifestantes civis apoiados por militares desertores.
Uma faixa de 700 km a leste de Benghazi, até a fronteira com o Egito, percorrida pelo Estado na quarta-feira, ainda é firmemente controlada pelos rebeldes líbios.
Mais cedo, a TV líbia havia exibido outra declaração de Kadafi, destinada a desencorajar a aprovação da zona de exclusão aérea e outras iniciativas de apoio aos rebeldes: "Qualquer ação militar estrangeira contra a Líbia exporá todo o tráfego aéreo e marítimo no Mar Mediterrâneo ao perigo e instalações civis e militares se tornarão alvos do contra-ataque líbio. A bacia do Mediterrâneo enfrentará perigo não só no curto, mas no longo prazos", acrescentou, sem explicar a natureza da ameaça.
Kadafi, que se reabilitou nos últimos anos perante a comunidade internacional renunciando ao terrorismo e opondo-se à Al-Qaeda, afirmou no fim da semana passada que apoiaria o grupo extremista se a comunidade internacional interviesse no conflito líbio.
O ex-ministro da Justiça Mustafa Abdel Jalil, que aderiu ao levante desde o início, tornando-se um dos líderes da oposição, disse que o ditador ordenou pessoalmente o atentado contra o avião da Pan Am sobre a cidade escocesa de Lockerbie, em 1988. Como parte de sua reabilitação, o ditador indenizou as famílias das vítimas do atentado.
De manhã, os rebeldes líbios tinham conseguido alguns ganhos no terreno. Seus aviões - obtidos no fim de semana, com a deserção de oficiais - haviam fustigado forças leais a Kadafi no flanco oeste de Ajdabiya.
"Zona de exclusão aérea não nos interessa mais", disse ao Estado, sorrindo, um morador de Benghazi. "Agora temos aviões." Ao mesmo tempo, suas baterias antiaéreas conseguiram derrubar pelo menos dois aviões do regime de Kadafi.
No entanto, no decorrer do dia, as tropas de Kadafi voltaram a cercar Ajdabiya, cidade de 150 mil habitantes duramente castigada pelos bombardeios aéreos e de foguetes. A partir daí, começaram a avançar em direção à cidade de Benghazi. Médicos em Ajdabiya disseram que 2 pessoas foram mortas ontem, além das 26 que morreram nos dias anteriores.
PONTOS-CHAVE
Protestos
Manifestantes líbios iniciam marchas contra o regime de Kadafi em 15 de fevereiro, inspirados nos levantes na Tunísia e no Egito, que levaram à queda de seus presidentes
Ofensiva
Rebeldes chegaram a controlar todas as cidades que abrigam instalações petrolíferas, mas acabaram retrocedendo ante a ofensiva das forças leais a Kadafi
Reduto rebelde
Opositores ainda mantêm o controle da cidade de Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia, e têm armas e equipamentos militares tomados dos quartéis após a deserção de vários militares
Contra-ataque
Com o apoio de mercenários, tanques e aviões, ditador líbio vem recuperando o controle de áreas antes ocupadas pelos rebeldes e agora ameaça com um golpe final contra os opositores
HAITI
Aristide volta ao Haiti e terá festa na chegada
Roberto Simon - O Estado de S.Paulo
O ex-presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide deixou ontem à noite Johannesburgo, na África do Sul, rumo a Porto Príncipe, onde milhares de simpatizantes de seu partido, o centro-esquerdista Lavalas, prepararam uma grande festa de recepção. O padre que presidiu o Haiti duas vezes chegará hoje no final do dia no Haiti, segundo o governo sul-africano e assessores do político.
O fim dos sete anos de exílio de Aristide chegou a provocar um mal-estar entre os EUA e a África do Sul. Washington levantou suspeitas sobre as intenções do ex-presidente, que chega ao seu país dois dias antes do segundo turno das eleições, e pediu para que ele adiasse sua viagem para depois da votação.
O presidente americano, Barack Obama, telefonou para seu colega sul-africano, Jacob Zuma, para alertá-lo sobre o "potencial desestabilizador" da volta de Aristide. Pretória, porém, disse que não poderia "mantê-lo refém" no país.
Em Porto Príncipe, simpatizantes de Aristide construíam ontem um grande palco branco na região da casa do ex-presidente. "Seja bem-vindo Titide (apelido de Aristide no Haiti)", diziam os cartazes que emolduram o palanque.
Depois de uma nova mão de tinta rosa no muro, a residência do político ganhou ontem uma fileira de bandeirinhas vermelho e azul do Haiti, colocadas sobre o muro.
Volta de Duvalier. No domingo, haitianos vão às urnas para escolher entre o astro pop Michel Martelly e a ex-primeira-dama Mirlande Manigat. Integrantes do Lavalas negam que a volta do Aristide tenha por objetivo atrapalhar as eleições. O fim do exílio seria "motivo de festa e não de violência", disseram vários militantes no QG do partido.
Em menos de três meses, Aristide é a segunda personalidade política a retornar ao Haiti do exílio. Em janeiro, depois de 25 anos vivendo na França, o ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o "Baby Doc", desembarcou de surpresa em Porto Príncipe.
"Vim para ajudar", disse o homem que aterrorizou o país entre 1971 e 1986, quando acabou deposto por uma revolta popular. Três dias depois de retornar, ele foi indiciado por corrupção e desvio de verbas. Duvalier chegou a ser detido no hotel onde estava hospedado, mas foi liberado logo depois e permanece na capital haitiana à disposição da Justiça local.
TÓQUIO
China cobra transparência do Japão
Ações japonesas para tentar evitar tragédia nuclear ampliam desconfiança da comunidade internacional sobre gravidade de acidente
Ao mesmo tempo em que mobilizava helicópteros militares e caminhões-pipa para evitar o derretimento do núcleo dos reatores da usina atômica de Fukushima, o Japão enfrentava ontem a crescente pressão da comunidade internacional - sobretudo da China -, que exigia informações mais precisas sobre a crise nuclear aberta com o terremoto e o tsunami da semana passada.
"Nós esperamos que o Japão relate detalhes para o mundo (sobre a situação dos reatores) de uma maneira precisa", declarou a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Jiang Yu. Autoridades dos EUA já haviam sugerido na véspera que Tóquio poderia não estar informando com precisão as condições dos reatores e governos europeus, como o francês, estimaram que o nível de gravidade do acidente nuclear - estabelecido pelo Japão em 4, numa escala de 1 a 7 - é, na verdade, de grau 6.
A cobrança internacional mais intensa coincidiu com a decisão das autoridades japonesas de recorrer a métodos cada vez mais desesperados e incomuns para resfriar os reatores danificados. Momentos antes de o Exército começar a jorrar água, policiais a bordo de caminhões transportando canhões d"água foram obrigados a recuar por causa do alto nível de radiação detectado na área.
Os helicópteros tinham de sobrevoar os reatores a grande altitude para despejar a água que retiravam do oceano - sem pairar sobre a instalação - para evitar a contaminação radioativa.
Os cinco caminhões militares especialmente adaptados jogaram água contra o reator durante uma hora, mas o resultado da medida ainda não estava claro.
As iniciativas japonesas se concentraram no reator 3 da usina nuclear de Fukushima, a 225km da capital, e não no reator 4, caracterizado por Washington como aquele que apresentava uma ameaça muito mais grave do que indicava o governo do Japão.
A decisão de se concentrar no reator número 3 parecia sugerir que as autoridades japonesas acreditam que ele representa uma ameaça ainda mais séria, por ser o único no local carregado com um combustível misturado conhecido como mox (óxido misto), que inclui plutônio recuperado.
Engenheiros nucleares ocidentais disseram que a liberação do mox na atmosfera produziria uma nuvem radioativa mais perigosa do que a dispersão das barras de urânio armazenadas no local.
Na quarta feira as autoridades japonesas também expressaram preocupação diante da rápida queda da pressão no reator 3, indicando que os medidores estavam falhando ou que uma ruptura já teria ocorrido.
Após a tentativa do Exército de resfriar o material físsil usado e armazenado no reator com caminhões-pipa, o vice-diretor-geral da Agência de Segurança Nuclear e Industrial, Hidehiko Nishiyama, disse que ainda era cedo para avaliar o sucesso da empreitada.
Nishiyama disse também que níveis de radiação equivalentes cerca de 250 milisieverts por hora tinham sido detectados 30m acima da usina.
Nos Estados Unidos, o limite máximo de exposição à radiação para policiais, bombeiros e outros funcionários dos serviços de emergência envolvidos em operações de salvamento equivale a um total de 250 milisieverts por uma hora inteira. Os números exibidos pelas Forças Japonesas de Autodefesa podem servir de indicação do motivo que levou um helicóptero a dar meia volta na quarta feira antes de conseguir despejar água fria numa piscina de armazenamento na instalação. / NYT e REUTERS
Segunda chance de aperfeiçoar a segurança
Desde 1977, engenheiros defendem um sistema de filtragem em reatores para remover a radioatividade dos gases expelidos; a crise no Japão pode ser nova oportunidade
*Frank Von Hippel, Bulletin Of The Atomic Scientists - O Estado de S.Paulo
Um aspecto do drama que estamos acompanhando na usina nuclear de Fukushima, no Japão, desde o terremoto seguido de tsunami do dia 11, é o esforço da Tokyo Electric Power (Tepco) para evitar um acúmulo de pressão no sistema de contenção de seus reatores de água fervente nas usinas 1 e 2. Estes reatores perderam sua conexão com a rede elétrica por causa do terremoto e seus geradores reservas, movidos a diesel, não entraram em funcionamento.
Como resultado, não houve eletricidade para bombear água e remover a energia térmica gerada pela radiação residual do combustível. Com isso, a pressão dentro dos reatores começou a aumentar e as válvulas de escape foram abertas para aliviar esta pressão. Em seus porões o sistema de contenção do reator contava com piscinas d"água destinadas à supressão de aumentos acentuados na pressão, além de bombas movidas a vapor que poderiam fazer a água circular das piscinas para os reatores. Mas, após algum tempo, as piscinas começaram a ferver, impossibilitando seu uso.
Em três dos reatores (as unidades 1, 2 e 3 que estavam em funcionamento - e portanto quentes), o nível da água apresentou queda, expondo o combustível, que se superaqueceu e liberou parte de sua radiação no sistema de contenção. A pressão do vapor também se acumulou no sistema de contenção, ao ponto de este quase explodir. Com isso, a Tepco recebeu permissão do governo para liberar parte do gás do sistema de contenção. Por causa dos elementos radioativos no gás, a população das imediações foi retirada e levada a uma distância mínima de 20km da usina.
Felizmente, a liberação de material radioativo foi muito menor do que a que ocorreu em Chernobyl. Boa parte da radiação ainda está presa ao combustível, e a maioria da radioatividade liberada deve ter se dissolvido na água. E o mais importante: o vento levou os vapores tóxicos na direção do mar.
Em 1979, durante o acidente no reator de Three Mile Island, o combustível foi também parcialmente exposto e o revestimento do combustível também apresentou defeito, liberando uma considerável dose de radiação dentro do sistema de contenção, e houve uma explosão de hidrogênio. Mas o sistema de contenção não apresentou pressão muito acima do normal e por isso a atmosfera não recebeu uma dose significativa de radiação. A principal diferença entre este acidente e o atual está no fato de os sistemas de resfriamento de Three Mile Island terem contado com energia elétrica para funcionar, condensando o vapor que estava dentro.
O problema do aumento acentuado na pressão do sistema de contenção e a necessidade potencial de exaustão são uma antiga questão na comunidade que cuida da segurança no funcionamento de reatores nucleares. Em 1977, um grupo de engenheiros nucleares da Universidade da Califórnia sugeriu que um sistema de filtragem fosse instalado em reatores para remover a radioatividade dos gases expelidos. Alguns países adotaram a ideia.
A Comissão Reguladora Nuclear (NRC) dos EUA rejeitou a ideia. O argumento implícito foi a opinião da indústria segundo a qual já haveria proteção suficiente, caracterizando tal despesa como um desperdício. Após Three Mile Island, em 1979, não conseguimos reformar a NRC nem obrigar o uso de projetos aperfeiçoados de contenção. A tragédia no Japão pode estar nos dando nova oportunidade.
*É CODIRETOR DO PROGRAMA DE CIÊNCIAS E SEGURANÇA GLOBAL
Temor causa saída em massa de Tóquio
Estudante brasileiro volta para casa, pois não confia nas informações sobre radiação
Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo
A madrugada de hoje começava no Japão quando o brasileiro Marcionilo Euro Carlos Neto, de 25 anos, decidiu encerrar sua temporada na cidade de Chiba, onde desde agosto realizava um intercâmbio estudantil. "Não estou satisfeito com as notícias sobre a usina de Fukushima. Parece que o governo está escondendo muita coisa."
Ontem, o movimento continuava intenso nos aeroportos internacionais do Japão, com milhares tentando embarcar para fugir da radiação. As companhias aéreas aumentaram o número de voos para dar mais agilidade à retirada.
Muitos dos passageiros foram submetidos a testes de radiação ao desembarcarem em outros países. Em Taiwan, 25 pessoas apresentaram níveis de contaminação acima do normal. Na Coreia do Sul, foram três. Um número crescente de governos está aconselhando seus cidadãos a deixarem o Japão.
No início, Neto até cogitou ficar. Ao Estado, contudo, ele contou que as notícias "cada vez piores" sobre a crise nuclear o convenceram a voltar e retomar a faculdade de letras em Juiz de Fora - sua família é de Espera Feliz (MG).
"O que o governo japonês está fazendo (para conter a radioatividade) não está adiantando", afirmou. Neto ficou impressionado com a "falta de preocupação" dos moradores de sua cidade com a possível contaminação radioativa. "Em Tóquio (a 50 quilômetros de onde vive), houve contaminações, mas aqui (em Chiba) todos voltaram às ruas normalmente já na segunda-feira."
Intérprete e professor de inglês, espanhol e japonês, ele disse que procurou ajuda da empresa de consultoria linguística em que trabalha em Juiz de Fora. "Eles ligaram para a companhia aérea e conseguiram marcar minha passagem de volta." / COM REUTERS
Obama ordena revisão nuclear e vê risco no Japão
17 de março de 2011 | 19h 14
JEFF MASON E PATRICIA ZENGERLE - REUTERS
O presidente norte-americano, Barack Obama, disse na quinta-feira que ordenou uma revisão completa das instalações nucleares dos Estados Unidos.
Ele afirmou que a radiação emitida por uma usina nuclear danificada por um terremoto no Japão representa um "risco substancial" para as pessoas próximas.
Em discurso na Casa Branca, Obama manifestou confiança de que o Japão irá se recuperar da atual crise causada por um terremoto de magnitude 9, um tsunami e o incidente nuclear, uma conjunção que aparentemente está acima da capacidade de reação do governo japonês.
Obama disse que os EUA não trabalham com a hipótese de que a radiação da usina japonesa de Fukushima Daiichi possa atingir seu território, e afirmou que os norte-americanos não precisam tomar nenhuma precaução exceto permanecerem bem informados.
"Estamos trabalhando agressivamente para apoiar nossos aliados japoneses neste momento de desafio extraordinário", disse ele.
"O Exército dos EUA, que há décadas ajuda a garantir a segurança do Japão, está trabalhando o tempo todo. Até agora enviamos por via aérea centenas de missões de apoio aos esforços de recuperação."
O chefe da autoridade reguladora de energia nuclear dos EUA, Gregory Jaczko, disse que seu país está empenhando em oferecer ideias e eventualmente equipamentos para ajudar o Japão a resfriar a superaquecida usina nuclear, 240 quilômetros ao norte de Tóquio. A agência coordenada por Jaczko irá realizar a revisão solicitada por Obama.
"Quando vemos uma crise como a do Japão, temos a responsabilidade de aprender com esse fato e tirar as lições para garantir a segurança de nosso povo", disse Obama, que embarca na sexta-feira para uma viagem ao Brasil, Chile e El Salvador.
Na quinta-feira, Obama foi à embaixada japonesa para assinar um livro de condolências, e disse que seu governo sente uma "grande urgência" em ajudar o Japão.
Ao mesmo tempo em que oferece ajuda, o governo dos EUA orienta seus cidadãos a deixarem o Japão, e já enviou aviões fretados para retirar seu pessoal diplomático e militar e os respectivos familiares.
Embora sejam aliados incondicionais, os governos dos EUA e Japão demonstram ter opiniões diferentes sobre a zona de perigo em torno da usina danificada.
O Departamento de Estado dos EUA recomenda a seus cidadãos que deixem uma zona em torno de 80 quilômetros da usina, ou evitem sair de casa.
Já o Japão recomendou a retirada da população num raio de 20 quilômetros, e orientou que as pessoas evitem sair de casa se estiverem a uma distância de 20 a 30 quilômetros.
"Mesmo que as equipes de emergência japonesas continuem fazendo um trabalho heroico, sabemos que o dano aos reatores nucleares na usina de Fukushima Daiichi apresentam um risco substancial para as pessoas que estão próximas", disse Obama.
"É por isso que ontem (quarta-feira) nós pedimos uma retirada dos cidadãos americanos que estão a 80 quilômetros da usina. Essa decisão foi baseada numa cuidadosa avaliação científica."
A Casa Branca disse que Obama está confiante de que o Japão tem plena consciência sobre a gravidade da crise que enfrenta.
(Reportagem adicional de Andrew Quinn, Phil Stewart e Emily Stephenson)
Nenhum comentário:
Postar um comentário