DESTAQUE DE CAPA - SUPLEMENTO ESPECIAL
O que ele quer no Brasil
Barack Obama chega amanhã a Brasília com a intenção de selar acordos que contribuam para a recuperação econômica dos EUA. O governo Dilma Rousseff, centrado em uma nova política externa, pretende consolidar uma relação igualitária com a maior potência do mundo. Caderno especial mostra os interesses em jogo na visita do presidente norte-americano, o esquema de segurança e as mudanças na rotina dos brasilienses.
O que ele vem fazer no Brasil
Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, chega amanhã a Brasília com dois objetivos claros: concretizar parcerias comerciais que ajudem na recuperação da economia norte-americana e identificar soluções locais para o grave problema energético de seu país. O primeiro presidente afrodescendente dos EUA será recebido na capital por Dilma Rousseff,
A primeira mulher a governar o Brasil. Um encontro revestido de simbolismo e que muito diz sobre os momentos históricos de duas grandes nações democráticas no início do século 21.
Os negócios de cada um
Brasil tenta ser reconhecido como "adulto" para integrar a elite da ONU. EUA buscam oportunidades para exportar e gerar empregos
Isabel Fleck
A consolidação de uma relação “de igual para igual”. É isso que o Brasil quer do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua primeira viagem ao país e à América do Sul. O visitante, no entanto, tem objetivos mais práticos e urgentes: ele procura no Brasil soluções para ajudar a recuperar a ainda enfraquecida economia dos Estados Unidos, além de garantir saídas para o problema energético. As duas demandas não chegam a ser conflitantes, mas mostram as realidades distintas de um país que cresceu — e quer o reconhecimento disso — e de outro que tenta voltar a ser o que era antes de ser varrido por uma grave recessão. Talvez por isso tenha sido tão trabalhoso fechar uma agenda que atendesse aos interesses de ambas as partes e tivesse um peso mais do que simbólico.
Nos últimos dias, versões de acordos e memorandos circularam entre a Embaixada Americana, o Itamaraty e outros ministérios, para garantir que o maior número de textos estivesse pronto até a chegada de Obama. Até ontem, muitos dos documentos que integrariam o pacote não foram finalizados. Entre os confirmados estavam o acordo de Cooperação Econômica e Comercial (Teca, na sigla em inglês), que cria um mecanismo de discussão de barreiras não tarifárias no comércio bilateral, e o de parceria para megaeventos esportivos, visando à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
Pelas impressões passadas pela Casa Branca três dias antes da visita, os dois textos abordam as necessidades mais imediatas dos EUA: crescimento da economia e geração de empregos. “Como anfitrião (dos dois eventos), o Brasil deverá investir mais de US$ 200 bilhões em infraestrutura. Podemos ser um grande parceiro em termos de prestação de serviços e exportações relacionadas a essa área”, disse o vice-conselheiro para assuntos econômicos internacionais, Mike Froman. Foi ele que também revelou o desejo de aumentar as exportações para o Brasil — responsáveis por cerca de 250 mil empregos nos EUA —, o que seria facilitado pelo Teca. “Essa visita é fundamentalmente sobre a recuperação econômica e as exportações”, disse.
A meta contrasta com o anseio brasileiro de equilibrar a balança comercial, que hoje registra superavit de quase US$ 8 bilhões para os americanos. Segundo o chanceler Antonio Patriota, esse será um dos temas a serem tratados por Obama e pela presidente Dilma Rousseff, na manhã de sábado, no Palácio do Planalto. “O Brasil defenderá seus interesses específicos, que incluem a questão da competitividade industrial, e temos que levar em conta a situação do câmbio e situações de barreiras específicas, que representam obstáculos à exportação brasileira”, afirmou Patriota.
Em teleconferência com jornalistas brasileiros, o secretário de Estado adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, tentou acalmar os ânimos. “Queremos que essa seja uma relação ‘win-win’ (em que ambos os lados ganham)”, declarou, destacando ainda que uma das metas de seu país é garantir a segurança energética, com acesso a fontes diversificadas. “Precisamos de energia limpa, e essa vai ser uma importante parte da agenda com o Brasil”, assegurou.
Os dois países já têm um memorando de entendimento para cooperação em biocombustíveis, mas ela esbarra nas barreiras tarifárias ao etanol brasileiro e nos subsídios de Washington aos produtores americanos. Há, ainda, um enorme interesse dos EUA no petróleo do pré-sal. Mas, segundo o Itamaraty, não entrará na pauta nenhum acordo específico sobre compra ou exploração de petróleo.
Entre iguais
As maiores expectativas do governo Dilma se concentram na postura que os EUA terão, daqui para a frente, em relação ao país. “O Brasil quer uma relação de igual para igual, e as circunstâncias no mundo de hoje favorecem muito isso”, disse Patriota. “O Brasil se consolidou como democracia, como economia, reduzindo a pobreza, oferecendo oportunidades, desenvolvendo uma matriz energética limpa, que contrasta com a do mundo desenvolvido”, acrescentou o ministro. Além disso, sempre houve expectativa de que Obama repetisse por aqui o que fez na Índia, ao apoiar a inclusão do país como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Entretanto, os sinais que vêm de Washington já começaram a esfriar as pretensões no Itamaraty. A abordagem vaga do tema pelos assessores de Obama e a ausência de qualquer menção direta à ampliação do conselho no comunicado conjunto a ser divulgado levaram a chancelaria brasileira a também relativizar a importância de uma declaração. “Uma manifestação dos EUA não vai, por si só, afetar dramaticamente o curso dos acontecimentos. É uma manifestação de confiança, de respeito pela política externa do país, pela sua capacidade de contribuir para a paz e a segurança internacional, mas não é, em si mesma, uma panaceia”, afirmou Patriota.
Diálogo mais fácil com Dilma
Se nos anos Lula a relação Brasil-EUA foi marcada principalmente pelas dissonâncias, a troca de governo em Brasília chegou com acenos à reaproximação
Isabel Fleck
Nos dois anos que marcaram o fim da era Lula e o início do governo Obama, os dois países viveram um distanciamento pontuado por desentendimentos nas esferas bilateral, regional e global. Nesse período, Brasil e Estados Unidos discordaram publicamente sobre a saída do presidente Manuel Zelaya, em Honduras, a utilização de bases militares pelos americanos na Colômbia e a solução para o problema nuclear do Irã. A ameaça de retaliação brasileira no contencioso do algodão e o reconhecimento unilateral do Estado palestino pelo governo Lula também foram temas que expuseram a crescente desconfiança e as dificuldades de diálogo entre a grande potência e o “gigante adormecido” — que despertou para o mundo.
Na visão do governo brasileiro, era inevitável que um maior protagonismo no cenário internacional acarretasse diferenças e embates com os Estados Unidos. A relação é direta: quanto mais o país estiver presente em questões regionais e globais, mais terá de lidar com as divergências de postura entre os dois países. Este, no entanto, é visto como um outro momento. A chegada da presidente Dilma Rousseff ao poder, com declarações mais favoráveis aos Estados Unidos, e a escolha de um chanceler tão próximo a Washington, por si só, parecem ter colocado a relação entre os dois países em outro patamar. A resposta americana veio primeiro com a secretária de Estado, Hillary Clinton, que interrompeu a folga de revéillon para apenas cumprimentar a nova chefe de Estado em Brasília, e se consolidou no mais importante discurso de Obama para seu público interno — o anúncio da visita a Brasil, Chile e El Salvador, feito no discurso anual sobre o Estado da União.
A expectativa é grande de ambos os lados. Não tanto pelo fechamento de acordos ou memorandos de entendimento, mas pelo desejo de reaproximação, que é manifestado de parte a parte. Em entrevista ao jornal The Washington Post, a primeira que concedeu a um meio estrangeiro depois de eleita, Dilma já disse que tentaria “estreitar os laços” com os americanos. “Acredito que os Estados Unidos têm uma grande contribuição para dar ao mundo. E, acima de tudo, acredito que Brasil e Estados Unidos têm um trabalho a ser realizado em conjunto no mundo”, afirmou, ainda em dezembro. Durante a visita do chanceler Antonio Patriota a Washington, no mês passado, Hillary também destacou a importância das parcerias com o Brasil, na América Latina e no mundo. “O Brasil contribui tanto quando o assunto é o desenvolvimento global, e eu freqüentemente cito o Brasil como um modelo. Vamos explorar novos meios de buscar nossos interesses e valores comuns”, afirmou.
Zona de conforto
O trabalho conjunto, aliás, é o ponto seguro da relação, onde o diálogo continuou estável mesmo em tempos de acirramento político e econômico. A cooperação em terceiros países será, inclusive, o tópico que permeará toda a visita de Obama, com acordos em áreas como biocombustíveis, combate à pobreza, saúde e educação. Para a especialista Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os dois governos estão certos em optar por temas menos espinhosos num momento de reaproximação. “Eles têm que investir nas áreas confortáveis. Se, em um primeiro encontro, os dois já colocarem na mesa questões como o programa nuclear do Irã, as divergências vão surgir novamente, porque o novo governo também não vai mudar a posição sobre o direito de Teerã ao uso pacífico (da energia atômica)”, afirma.
Em conversa com jornalistas, ontem, Patriota não descartou que o tema faça parte das discussões entre os dois mandatários. “Na medida em que o impasse persiste, a conversa pode prosseguir sobre novas bases”, observou. Na opinião de Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, se Obama e Dilma não discutirem os “problemas e questões cruciais no relacionamento”, a viagem será “uma perda de tempo”. “Se eles não conseguirem falar sobre Irã, Honduras, não proliferação nuclear, etanol, tarifas agrícolas em geral e a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança, então a viagem será contraproducente”, avalia.
O momento é de reconquistar a confiança — dos dois lados. “É tempo de uma política de ‘no surprises’ — ou seja, compartilhar, especialmente nas áreas mais sensíveis, não somente nossos pontos de vista, mas as coisas que vamos fazer dentro de nossa diplomacia”, disse o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, em entrevista ao Correio, 10 dias após a posse de Dilma. Mas é momento também de o Brasil encontrar o equilíbrio saudável entre uma postura firme e a flexibilidade necessária para não travar o diálogo. “Talvez tenha faltado um pouco de paciência do Brasil, de esperar os EUA aceitarem o novo papel do país. Eles não vão achar natural o nosso processo de crescimento, então é preciso haver adaptação dos dois lados”, afirma Pecequilo. Para ela, o governo Dilma deverá, porém, manter a política de Estado, mesmo que haja temas divergentes. “É difícil para os dois lados, mas essa é a hora de trabalhar de forma mais madura.”
Batalhões de prontidão
Milhares de agentes das polícias brasileiras e norte-americanas, além das Forças Armadas, serão responsáveis pela segurança da família do presidente dos EUA durante a permanência no Brasil
Luiz Calcagno
Flávia Maia
Uma operação de guerra será montada amanhã e domingo para proteger a integridade física do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de sua família durante a visita ao Brasil. As ações incluem o fechamento de vias, o monitoramento aéreo e o patrulhamento aquático, tanto em Brasília quanto no Rio de Janeiro. Ninguém que não esteja autorizado se aproximará menos de 50 metros do presidente. Nos dois dias em que Obama ficará no Brasil, ele será protegido por mais de 3,5 mil homens, sendo pelo menos 250 agentes norte-americanos. Para se ter noção do nível de detalhamento, um mapa de operação foi montado por homens que chegaram com antecedência e conhecem cada local previsto na agenda da autoridade norte-americana.
Pelo menos 35 carros vindos dos EUA acompanharão Obama, que chegará às 8h em Brasília, em uma comitiva aérea que inclui 21 aeronaves, entre civis e militares. Em seguida, a agenda do presidente prevê, das 8h15 às 9h, uma rápida passagem pelo hotel Royal Tulip Brasília Alvorada, no Setor de Hotéis de Turismo Norte (SHTN), às margens do Lago Paranoá. Embora a gerência de marketing do hotel não confirme nenhuma reserva em nome de Barack Obama — e esteja com as suítes presidenciais ocupadas —, a Marinha está preparada para fazer uma barreira de 200m para impedir o acesso aquático ao edifício e ao Palácio da Alvorada. Além disso, cinco lanchas com 20 policiais militares vão patrulhar a região.
Quem pretende viajar de carro não terá problema. Isso porque as rodovias federais que cortam Brasília não serão bloqueadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) ou pelo Exército durante a visita do presidente americano à capital. O mesmo vale para o Rio de Janeiro. No entanto, a PRF foi orientada pelas Forças Armadas a intensificar as blitzes em ambas as cidades. A ordem é parar todos os carros suspeitos nos dois dias de estadia da família Obama no Brasil.
Militares
O Exército terá, em prontidão, de acordo com a Comunicação Social do Comando Militar do Planalto, “um número razoável de militares para atuar em ocorrências”. Entre as guarnições, estão homens do Destacamento Contra-Terror (DCT) e soldados preparados para lidar com o controle de multidões, manifestações e distúrbios da ordem pública. A força-tarefa contará ainda com o Batalhão de Choque e cães de guerra treinados. As tropas ficarão nos quartéis e em áreas estratégicas próximas à Praça dos Três Poderes. Segundo uma fonte militar, a operação será semelhante à da posse da presidente Dilma Rousseff, em 1º de janeiro, quando foram destacados soldados do Pelotão de Defesa Química, Biológica e Nuclear. A Polícia Federal (PF) também enviará agentes para lidar com esses tipos de ameaça.
Os trabalhos das Forças Armadas, tanto em Brasília quanto no Rio de Janeiro, serão realizados de forma integrada sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. O órgão integrará na operação, ainda, as corporações do Corpo de Bombeiros das duas cidades e o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). No Distrito Federal, a Secretaria de Segurança Pública apoiará as operações com 1.100 homens das polícias Civil e Militar e com 50 profissionais do Corpo de Bombeiros, além de três helicópteros que, somados às aeronaves da Força Aérea Brasileira e da PF, totalizarão oito em prontidão para emergências.
Ameaças de morte
A preocupação com a segurança do chefe de Estado norte-americano se deve às constantes ameaças de morte que Barack Obama recebe. São cerca de 30 por ano, de acordo com o livro In the president's secret service (No serviço secreto do presidente, em tradução livre). Os cuidados têm fundamento, pois quatro presidentes dos Estados Unidos já foram assassinados: Abraham Lincoln, em 1865; James Garfield, em 1881; William McKinley, em 1901; e John F. Kennedy, em 1963. Outros quatro sofreram atentados: Andrew Jackson, Harry Truman, Gerald Ford e Ronald Reagan.
Presença ilustre no domingo carioca
Além do esperado discurso na Cinelândia, Obama deve visitar a comunidade da Cidade de Deus. Dividida, a população se prepara para aplaudir e vaiar o chefe de Estado
Renata Mariz
Distante do poder, das recepções a portas fechadas e do linguajar técnico de acordos internacionais, o brasileiro comum poderá se sentir mais “próximo” do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante a visita dele ao Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, Obama cumprirá uma agenda mais longa e livre, devidamente televisionada, que começará logo com a visita ao maior cartão-postal do país, o Cristo Redentor, na manhã de domingo. Em seguida, passa pela Cidade de Deus, onde conhecerá a experiência de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). À tarde, vai para aquele que é considerado o ponto alto de sua vinda ao Brasil: o discurso aberto ao público na Cinelândia. Tanta programação tem alterado a rotina da cidade e dividido a opinião de quem promete não perder por nada o evento — alguns para aplaudir, outros para vaiar.
Uma panfletagem está marcada para hoje, na Cinelândia, organizada por cerca de 30 entidades sociais. Nos papéis, serão estampados dois recados: “É muita guerra para quem defende a paz” e “Obama, tire as garras do pré-sal”. Representante do Centro de Solidariedade e Luta pela Paz (Cebrapaz), uma das organizações que encabeçam os protestos, Socorro Gomes afirma que, além dos panfletos, os manifestantes levarão, no domingo, faixas e carros de som para o local do discurso de Obama. “Vamos mostrar, como brasileiros que somos, as nossas opiniões, a nossa reprovação com a política violenta e opressora que ele, Obama, personifica.” Do outro lado, há entidades entusiasmadas com a visita de Obama. Coordenador do Viva Rio, ONG engajada no controle de armas no Brasil, Tião Santos destaca como uma oportunidade fantástica a ida do presidente americano a uma favela pacificada, como forma de melhorar a implementação das UPPs.
“Cidade de Deus é emblemática por duas razões. Uma é o filme, que a projetou internacionalmente. A outra é porque a UPP de lá não é uma coisa resolvida como a do morro Santa Marta, por exemplo. Ainda existem braços armados no local, que tem um tamanho considerável, é uma comunidade grande e muito peculiar”, acredita Tião. Segundo ele, as UPPS devem ser apresentadas como um dos caminhos a serem seguidos no combate à violência, não o único. Com o novo modelo de policiamento desde 2009, a Cidade de Deus, na Zona Oeste da cidade, tem aproximadamente 40 mil habitantes. “É uma honra que o presidente americano venha e valorize em sua agenda um tema que por tantos anos foi, e continua sendo, uma situação grave do Brasil, que é a questão da segurança”, diz Tião.
Para o rapper MV Bill, da Central Única de Favelas (Cufa), a vinda de Obama será proveitosa para os dois lados. “Acredito numa proximidade verdadeira entre o Obama e o Brasil.”
Equipes da prefeitura, agentes norte-americanos de segurança e policiais trabalham nos últimos detalhes para garantir que tudo corra bem no percurso de Obama pelo Rio. Inspeções estão sendo realizadas na Cinelândia e na Cidade de Deus. Quem não gostou nada do evento foram os donos de bares e restaurantes do Centro da cidade, que terão de ficar fechados no domingo. Um dos mais tradicionais da área da Cinelândia, o Amarelinho chegou a cancelar o pedido de chope extra que havia feito apostando na movimentação de pessoas causada pelo discurso de Obama. “Como somos um bar tradicional da cidade, pensamos que teríamos muito público. Quem sabe o próprio Obama não poderia vir tomar um chope aqui”, brinca Renato Marques, 35 anos, caixa do Amarelinho há 13 anos.
Cerco aéreo
Tanto em Brasília quanto no Rio de Janeiro haverá forte restrição ao tráfego de aeronaves por conta da chegada da comitiva do presidente dos EUA no Air Force One
Luiz Calcagno, Edson Luiz e Max Milliano Melo
O céu de Brasília e o do Rio de Janeiro serão fortemente vigiados durante a visita de Barack Obama. A Força Aérea Brasileira (FAB) restringirá parte do espaço aéreo das duas cidades amanhã e domingo, quando o presidente norte-americano estará no país. O Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra) vai proibir voos em um raio de 100km no DF. No Rio de Janeiro, o espaço vetado será em um raio de 36km, terá início na noite de sábado e se estenderá até a manhã de segunda-feira.
Dentre as proibições estão sobre voos na área central da capital federal durante todo o sábado. A medida não atingirá aeronaves comerciais, militares ou voos de caráter especial, como os de transporte de doentes e os voltados para doação de órgãos. Com isso, está proibido o tráfego de aviões de pequeno porte, helicópteros, táxi aéreo, planadores, asas-delta, ultraleves, parapentes, paragliders, balões a ar quente e aeronaves para lançamento de paraquedistas. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) notificará pilotos civis sobre como proceder no período. A FAB posicionou baterias de artilharia antiaérea em locais estratégicos, tanto no DF quanto no Rio.
Além da artilharia, a FAB terá aeronaves de prontidão e convocará todos os homens das bases de Brasília e do Rio de Janeiro. No DF, pelo menos três helicópteros ficarão à disposição para emergências. Caças F-5 EM, Mirage 2000 e A-29 Super Tucano estarão a postos para a defesa do espaço aéreo. Os Mirage estão baseados em Anápolis (GO), a 152km de Brasília, e os F5 ficam na base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Além dos radares em terra, a Força Aérea vai contar com aviões-radar E-99, que rastreiam aeronaves clandestinas com maior eficiência.
Apenas dois dos seis helicópteros da Polícia Federal serão empregados no sistema de segurança de Barack Obama. Quatro aeronaves estão sem manutenção e não poderão voar durante a passagem do presidente dos Estados Unidos pelo Brasil. Segundo fontes da PF, dentre os aparelhos parados, alguns estão aguardando manutenção, enquanto outros esperam a realização de licitação para a contratação de empresa que preste o serviço. A assessoria da Polícia Federal informou que atuar com pouco menos da metade da frota não afeta o trabalho da corporação, pois está próximo da margem aceitável em missões, que é de 50% dos helicópteros operando.
Comitiva
Os 8.000km que separam Washington de Brasília serão percorridos a bordo do avião presidencial, apelidado pelos americanos de Air Force One. Não se trata apenas de um avião, mas de dois Boeing 747-200B que, quando abrigam o líder norte-americano, recebem este apelido. Os cerca de 200 lugares da aeronave fabricada em 1990 foram substituídos pelo Salão Oval Aéreo, em referência ao gabinete oficial de Obama na Casa Branca. Com 1.219m² de área útil, o avião conta com suíte presidencial, sala de reunião, escritórios, cozinha e enfermaria, além de acomodações para receber a comitiva presidencial. A fim de organizar e manter o funcionamento do escritório do ar, cerca de 26 pessoas integram a tripulação (veja arte). Além de Obama, outros três presidentes voaram a bordo do Boeing: George Bush, Bill Clinton e George W. Bush.
OPINIÃO
Washington é aqui
José Flávio Sombra Saraiva
Ph.D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, é professor titular de relações internacionais da UnB e presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (Abri)
Um dos centros do mundo se translada para o Brasil no fim da semana. Desembarca o chefe de Estado do mais poderoso poder nuclear, econômico e político do mundo. Seguirão os Estados Unidos, ainda algum tempo, em vantagem em relação ao outro centro, situado na Ásia, particularmente no capítulo estratégico e nuclear.
Viagem quase atrasada ao coração da América do Sul. Mas chega o mandatário ianque em boa hora. Adequada inclusão do Chile e, de volta, a ressaca em El Salvador. A principal mensagem dos Estados Unidos para o sul das Américas será proferida na Cinelândia, no coração do Rio de Janeiro, para grande público, com holofotes voltados para os Andes, o Rio da Prata e a Amazônia. Washington será aqui.
Quais os significados da visita do presidente Obama ao Brasil, já em seu terceiro ano de mandato? Em primeiro lugar, faz um esforço pessoal que concorre com conjuntura complexa dos Estados Unidos. Em meio às discussões congressuais relativas ao orçamento, aos cuidados com a dose do crescimento econômico pós-crise, às tensões políticas do norte da África, às elevações de preço do petróleo e mesmo diante do maremoto mortífero nas ilhas nipônicas, Obama decidiu manter a viagem ao sul das Américas.
É marco para o Brasil o encontro de Dilma com Obama, em Brasília, mesmo sabendo que a América Latina, embora relevante, não o é tanto quanto os temas anteriormente mencionados para a política externa do gigante do Norte. Saibamos apressar nossos interesses, uma vez que eles, também do novo mundo, entendem essa linguagem. E nada de antiamericanismo vulgar, por favor!
O Brasil necessita utilizar a oportunidade para retomar a qualidade histórica das suas relações com os Estados Unidos. Eles sabem o que querem para eles, que nem sempre coincide com o que queremos para nós. Mas já somos adultos e caminhamos com os próprios pés. Há lugar para diálogo altaneiro em torno de temas que nos afligem e que também interessam aos norte-americanos.
Lembremos a Obama que foi ideia dos compatriotas dele, nas conferências após a Segunda Guerra Mundial, a presença do Brasil no diretório onusiano. Projeto abortado pelas desconfianças de Churchill, agora é a vez de uma demonstração mais assertiva na confiança da presença responsável do Brasil na agenda internacional. Obama sabe que, mesmo difícil para alguns de seus parceiros do grupo dos cinco, precisará fazer um gesto gradual de reconhecimento da crescente presença positiva do Brasil no cenário internacional. Isso ele fez em relação à Índia, em sua visita ano passado. O Brasil está no páreo.
Em segundo lugar, lembremos também a Obama que já passamos do romantismo com os chineses. Sabemos que com a China temos interesses comuns em vários aspectos da agenda comercial. Mas que já estamos pagando alto preço pela relação neocolonial que mantemos com a potência oriental.
O padrão comercial com a China traz o Brasil para o mercantilismo dos séculos 16 ao 19. Esse modelo de exportação de commodities, da maneira que está, embora dê dinheiro no médio prazo, não tem futuro estratégico para o Brasil. Retomar os temas tarifários com os Estados Unidos e interesses em investimentos produtivos pode ajudar a superar a esquizofrenia financeira de um país de agiotas como o nosso. Obama conhece essa linguagem. A indústria precisa voltar a ser o centro da economia e as universidades, de um choque de produtividade, como demonstram os dados lamentáveis do balanço recente.
Finalmente, ao lado de Obama o Brasil patriótico pode lembrá-lo que, mesmo com as debilidades de uma democracia incompleta e manchada por elevadas faixas de imoralidade nas práticas políticas, estamos avançando gradualmente para regime moderno de monitoramento dos representantes e governantes. E estamos ao lado dos norte-americanos no campo democrático e não do Irã ou da Líbia. É conquista dos brasileiros, de alguns mais do que outros, convenhamos, como também é lá.
JOGOS MUNDIAIS MILITARES
Um laboratório para 2016
Realização de torneio mundial, em julho, no Rio de Janeiro, pode ajudar o Brasil a se preparar melhor para as Olimpíadas. Forças Armadas contratam atletas para defender o país
Ananda Rope
“Formalmente, não é um evento-teste, porque não está no acordo do Comitê Olímpico Internacional com o Brasil”, explica o presidente da Comissão Desportiva Militar do Brasil, vice-almirante Bernardo Gamboa. “Mas, sem dúvida, irá nos mostrar e ensinar muitas coisas com relação a logística, infraestrutura, alimentação, segurança, comando de controle para os Jogos Olímpicos. São elementos que estão presentes em qualquer competição de grande porte”, continua. A ideia é que, assim como nos Jogos Militares, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio-2016 tenham a segurança integrada, com trabalho conjunto e coordenado entre as Forças Armadas, as Secretarias de Segurança, o Corpo de Bombeiros, as polícias Militar e Civil. “Teremos centros integrados de operações conjuntas com representantes de todos os órgãos ligados à vida da cidade nas três esferas de governo: estadual, federal e municipal. Todo mundo vestindo a mesma camisa: verde e amarela”, completa o vice-almirante.
Além da preocupação em oferecer estrutura de alto nível para a competição, as Forças Armadas Brasileiras resolveram inovar nesta edição dos Jogos Mundiais Militares — também conhecidos como Jogos da Paz. Pela primeira vez, decidiu-se convocar civis para ingressarem nas fileiras esportivas. Com 90% das seleções já montadas, o Brasil será representado por 274 atletas, entre eles aproximadamente 250 (o número ainda não foi fechado) são militares temporários.
“As Forças Armadas a cada ano convocam profissionais temporários. Mas decidimos chamar atletas pela primeira vez. Estudamos, com mais detalhes, os modelos da Itália, França e Alemanha, que fazem isso há muitos anos. A convocação de atletas civis é uma prática muito bem-vista em muitos países, principalmente nos da Europa, onde há interesse grande em usar o esporte como ferramenta de divulgação do país e de suas Forças Armadas”, releva Gamboa. Segundo ele, o modelo continuará a ser adotado no futuro. “Nosso programa com os atletas é perene. Eles representarão nosso país dentro da vigência máxima de sete renovações e, como é um trabalho voluntário (mas remunerado), eles decidem se continuam ou não. Visamos com isso não só os Jogos Militares, mas os Olímpicos.”
QUEM É ELA
Nome: Verônica Chagas
Data de nascimento: 18/9/1975
Local: Brasília (DF)
Altura: 1,69m
Peso: 57kg
Modalidade: hipismo (adestramento)
PRINCIPAIS RESULTADOS:
» prata por equipe no Mundial Militar Equestre (2006)
» campeã por equipe no Campeonato do Exército (2010)
Elas têm a Força
O Brasil terá sua maior representação feminina em Jogos Mundiais Militares. Serão 116 atletas, entre oficiais de carreira e militares temporárias. No grupo está a amazona brasiliense e capitão do Exército Verônica Chagas, 35 anos. Médica e com especialização em medicina esportiva, ela começou a montar aos 5 anos, por influência do pai e dos avôs. “Ganhei minha primeira égua de presente do meu avô aos 13 anos, quando morava na cidade de Uruguaiana (RS). Ele me deu para que eu passasse a competir”, lembra Verônica. “Comecei nas provas de salto e só aos 17 passei para o adestramento, onde estou até hoje.”
Acostumada com a rotina militar, Chagas comemora o ingresso de atletas de alto rendimento nas Forças Armadas para reforçar as equipes brasileiras. “A troca de experiências deixará um legado importante para o esporte militar e, com certeza, os atletas se despedirão dos serviço temporário com uma bagagem enriquecedora.”
A jogadora de vôlei de praia Ângela Vieira já sente os benefícios. “Fui convocada com a minha parceria, a Val. Estamos trabalhando duro e queremos honrar a oportunidade de fazer parte desse projeto inovador”, comemora a brasiliense. Ela, que ingressou no Exército, contou que passou por treinamento para saber como a Força funciona. “Torço para que o projeto dure mais tempo e que outras pessoas possam fazer parte. É bom para o Exército, o atleta e o Brasil.”
Novos militares
Conheça alguns dos atletas que ingressaram nas fileiras das Forças Armadas temporariamente para defender o Brasil nos Jogos Mundiais Militares:
» Vicente Lenilson — velocista
» Jadel Gregório —triplista
» Yane Marques — pentatlo
» Carla Moreno — triatlo
» Fábio Gomes da Silva — salto com vara
» Fabíola Molina — natação
» Diogo Yabe — natação
» Ketleyn Quadros — judô
» Cléia Guilhon – esgrima
Gafe na CBF
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou, no início da semana, as partidas do Campeonato Brasileiro sem levar em conta a reserva do Estádio do Engenhão, entre 16 e 24 de julho, para os Jogos Mundiais Militares Rio 2011. Botafogo x Corinthians, marcado para o mesmo dia da Cerimônia de Abertura dos Jogos (16), e Fluminense x Palmeiras, programado para o dia da Cerimônia de Encerramento (24), terão que mudar de estádio. Além disso, a CBF não levou em conta a previsão de entrega do Engenhão aos militares com pelo menos um mês de antecedência para o início dos Jogos, por razões de segurança. Com isso, outras partidas, como Flamengo x Botafogo (19/6), e Flamengo x São Paulo (7/7), estariam ameaçadas.
Outro calendário que entrou em atrito com o dos Jogos Militares é o do Mundial dos Esportes Aquáticos em Xangai, na China. Enquanto as provas de natação no Rio ocorrem de 16 a 21 de julho, as da competição chinesa serão realizadas entre os dias 24 e 31 do mesmo mês. A pequena diferença de três dias e uma viagem de quase 30 horas fizeram com que alguns atletas desistissem dos Jogos para se dedicar exclusivamente ao Mundial, que é qualificatório para as Olimpíadas de Londres-2012. Isso aconteceu em especial nas provas de revezamento, em que os 12 primeiros se classificam automaticamente para as Olimpíadas. “Já vimos que o conflito é mínimo. Essa situação está bem equacionada”, afirma o vice-almirante Bernardo Gamboa.
Estatísticas e curiosidades
» A primeira medalha de ouro do Brasil em Jogos Olímpicos foi conquistada por um tenente do Exército: Guilherme Paraense, na modalidade de tiro, em Antuérpia (Bélgica), em 1920.
» O Brasil terminou a última edição dos Jogos Mundiais Militares, na Índia, em 2007, na 33ª colocação, com apenas duas medalhas de prata e uma de bronze.
VAGA NO TCU
Corrida à vaga de Ubiratan
De olho em salário vitalício de R$ 26 mil e várias regalias, deputados se lançam na disputa por posto no tribunal
Ivan Iunes e Alana Rizzo
Pelo menos quatro deputados federais decidiram antecipar a disputa pela vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), disponível a partir de junho com a aposentadoria compulsória do ministro Ubiratan Aguiar. Os parlamentares começaram a caça de votos desde já para tentar garantir um emprego vitalício, que rende R$ 26 mil por mês, viagens e moradia custeadas pelo poder público. Átila Lins (PMDB-AM), Sandes Júnior (PP-GO), Sérgio Carneiro (PT-BA) e José Rocha (PR-BA) cobiçam o posto do TCU enquanto partidos disputam cargos no segundo escalão do governo. Até junho, cada partido deve definir o nome do indicado para o posto. O escolhido será definido por votação, em plenário. Entre os concorrentes, há reincidentes na disputa, como Lins. O deputado amazonense perdeu a disputa contra o próprio Ubiratan Aguiar, em 2001, por 196 a 163 votos. Dez anos depois, tenta novamente alcançar o posto.
Como a vaga de Aguiar pertence à cota da Câmara, os deputados serão responsáveis pela escolha do novo ministro — o que traz chances remotas de a escolha recair sobre servidores de carreira do tribunal. Devido à estabilidade do cargo, o posto costuma ser cobiçado por parlamentares sob risco de fuga de votos ou veteranos de parlamento. “A escolha é da Câmara e não abriremos mão disso. Coloquei meu nome à disposição do partido, mas a definição só deve sair no segundo semestre” afirma Júnior.
Contraponto
A disputa dos parlamentares vai na contramão da proposta dos servidores do tribunal. A União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar) organizou a “eleição” de um nome para ser enviado à Câmara. Hoje será divulgado o resultado do primeiro turno: 23 candidatos foram confirmados. Os cinco mais votados irão ao segundo turno, previsto para começar no dia 28. Todos os escolhidos são da área de controle externo e atuam em tribunais de contas. Entre as indicações iniciais que, no entanto, não foram confirmadas estavam a ex-senadora Marina Silva, que disputou à Presidência da República; Cláudio Abramo, da ONG Transparência Brasil; juízes e alguns parlamentares, como o deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), os senadores Pedro Taques e Demostenes Torres. Eles não demonstraram interesse no posto.
“O nosso principal objetivo é que o tribunal tenha um corpo de ministros mais heterogêneo, sem tantas indicações políticas”, afirma a presidente da Auditar, Bruna Mara Couto, citando como exemplo a composição mista dos tribunais superiores. “Embora hoje os auditores substitutos sejam da carreira, isso não exclui a possibilidade de a sociedade ajudar a escolher o ministro.” Os auditores tentam “vender a ideia” entre alguns parlamentares na esperança de apoio. Afinal, o “eleito” precisará do crivo de um partido para participar da disputa na Câmara. “Estamos mobilizando os parlamentares para que apoiem a iniciativa”, diz, completando que os candidatos precisam atender, por exemplo, aos requisitos estabelecidos na Lei da Ficha Limpa, aprovada ano passado. Além dos deputados em campanha, Ana Arraes (PSB-PE) foi citada como um dos possíveis nomes, assim como o ex-deputado José Genoíno (PT-SP), escalado como assessor do ministro da defesa, Nelson Jobim.
COMISSÃO DA VERDADE
Rosário nega cisão
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou em audiência no Senado que não existe “cisão” no governo envolvendo a criação da Comissão da Verdade. Ela defendeu a formação do grupo que discutirá a responsabilidade de militares em crimes praticados durante a ditadura. De acordo com a ministra, caberá ao Congresso iniciar os trabalhos.
“O governo tem uma posição. Trabalhamos com unidade, mas a principal unidade tem que ocorrer na vida parlamentar”, resumiu. Uma carta divulgada por militares criticando a criação da Comissão da Verdade gerou constrangimento entre a pasta de Direitos Humanos e a da Defesa, comandada por Nelson Jobim.
Desaparecidos
Maria do Rosário informou que a secretaria e o Ministério da Justiça anunciarão a criação de um “cadastro único” de crianças desaparecidas. A ministra criticou a atuação de delegacias de polícia que têm como tradição pedir aos pais e parentes que aguardem 48 horas para declarar crianças, idosos ou portadores de deficiências como desaparecidos. A titular da pasta de Direitos Humanos defendeu a criação de norma para que a notificação de desaparecimento seja “imediata”, para reforçar o processo de busca.
Airbus indiciada por homicídio
A construtora aeronáutica europeia Airbus foi, ontem, a primeira a ser indiciada por homicídios culposos na investigação sobre o acidente ocorrido em junho de 2009 com o voo Rio-Paris que causou a morte de 228 pessoas, antes de um provável processo contra a Air France. O presidente da Airbus, o alemão Thomas Enders, foi notificado da acusação contra a companhia como pessoa jurídica.
PROCESSOS SELETIVOS
Chances na Aeronáutica
A Aeronáutica lançou ontem dois processos seletivos que oferecem, ao todo, 675 oportunidades de níveis médio e técnico. Do total, 300 são para o Estágio de Adaptação à Graduação de Sargento e 375 para o Curso de Formação de Sargentos, ambos com turmas previstas para o ano que vem. As capacitações serão realizadas em Guaratinguetá (SP). Após o treinamento, os aprovados vão ser nomeados terceiro-sargento e receber salário de R$ 2,2 mil, além de benefícios como alimentação, alojamento, fardamento, assistência médico-hospitalar e dentária. As duas seleções são abertas para candidatos dos sexos masculino e feminino, solteiros e com idade entre 18 e 25 anos até dezembro de 2012. No caso das mulheres, a exigência é de que elas não estejam grávidas desde a etapa de inspeção de saúde até o término do estágio. As inscrições custam R$ 60 e podem ser feitas das 10h de 23 de março às 15h de 14 de abril por meio das páginas www.fab.mil.br e www.eear.aer.mil.br.
O Estágio de Adaptação à Graduação de Sargento é destinado a candidatos com curso técnico completo, em áreas como eletrônica, administração e enfermagem. O Curso de Formação de Sargentos, por sua vez, exige ensino médio completo.
FIQUE ATENTO
Aeronáutica
» Vagas: 675 (níveis médio e técnico)
» Salário: R$ 2,2 mil
» Inscrição: 23 de março a 14 de abril
» Taxa: R$ 60
» Data da prova: 5 e 12 de junho de 2011
» Endereço: www.fab.mil.br e www.eear.aer.mil.br
INFRAESTRUTURA
Gol desbanca a TAM e é líder
Mudança no ranking do setor aéreo reflete descontentamento dos consumidores. Dilma passará gestão de aeroportos ao setor privado
Gustavo Henrique Braga
A Gol é a nova líder do mercado doméstico de aviação, com participação de 39,77% nas vendas do setor, o que representa um crescimento de 4,4% na comparação com o mesmo período de 2010. Dados divulgados ontem pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostraram que, pela primeira vez desde o início da série histórica, a TAM perdeu o posto de número um no país, com 39,59% dos voos. A queda ocorreu dois meses depois de a companhia causar sérios transtornos aos passageiros, sobretudo durante as festas de fim de ano. Dezembro ficou marcado como um período de filas nos guichês da ex-líder bem como de queixas dos usuários, principalmente pela prática de overbooking. Apesar de não ter havido punição por parte das autoridades, os viajantes deixaram claro o descontentamento. Em nota, a Gol atribuiu o bom desempenho à estabilidade da economia brasileira e ao fortalecimento da classe média brasileira, que já representa 47% dos clientes da companhia. A nova líder transporta mais de 90 mil passageiros em cerca de 900 voos diários, para 51 destinos em todo o país. “Os números da Anac mostram que estamos no caminho certo e que o nosso modelo de negócios é o mais adequado à realidade do Brasil”, afirmou o presidente da empresa, Constantino de Oliveira Junior. Já o presidente da TAM, Líbano Barroso, garantiu que “a liderança de mercado é desejável, porém, não é uma meta que a empresa busca a qualquer custo”.
Todas as demais companhias também cresceram: a Azul passou a deter 7,96% do mercado; a Webjet, 5,89%; a Trip, 2,77%; e a Avianca, 2,58%. O levantamento da Anac indicou ainda que o volume de passageiros transportados cresceu 9,34% no mês passado, em comparação a igual período de 2010. O crescimento da demanda dos brasileiros esbarra, contudo, nas péssimas condições da infraestrutura do setor. Para solucionar esse gargalo, a presidente Dilma Rousseff, conforme entrevista ao jornal Valor Econômico, pretende transferir a administração dos aeroportos para o setor privado na forma de concessões. A Infraero, agora sob o comando de Gustavo do Vale, perderá espaço e ficará subordinada à Secretaria de Aviação Civil, que será criada no fim deste mês com status de ministério, com a missão de salvar o país do caos aéreo anunciado para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Adyr da Silva, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente da Infraero, classificou a proposta de concessões para o setor privado como um “sonho de uma noite de verão”, devido à dificuldade de ser implementado. “A ideia é boa, mas, com o emaranhado de leis no Brasil, o processo levará anos para virar realidade. Basta observar a situação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, próximo a Natal, que se arrasta há anos sem ter saído a concessão”, alertou. Já o consultor da Ernest & Young Luiz Cláudio Campos acredita que a concessão do novo aeroporto de Natal sairá até o fim deste semestre e, no entender dele, será um marco para o setor. “A participação do setor privado pode se dar de três formas: concessão; parceria público-privada; e abertura de capital da Infraero”, explicou Campos. O professor de economia da Trevisan Alcides Leite também considera positivo o modelo de concessões, pois o governo não tem caixa suficiente para bancar sozinho a expansão da infraestrutura. “Isso já deveria ter sido feito no governo passado. Estamos atrasados em pelo menos cinco anos e a conseqüência é que os aeroportos não suportam a demanda atual”, disse.
SR. REDATOR
Infraero
A propósito da carta “Aviação civil” (17/3, pág. 20), não é correta a afirmação de que o Sistema Informativo de Voos dos aeroportos é abastecido manualmente. Os dados disponibilizados pela Infraero são resultado de um processamento automatizado do ambiente aeroportuário que envolve informações de diversas origens e cada entidade é responsável por uma parte do processo. A Anac envia os dados das autorizações de voos com o seu planejamento. Por sua vez, as companhias aéreas informam sobre as previsões e realizações de horários de chegadas e partidas. A Infraero, então, processa e atualiza no sistema de modo a manter informados os usuários da rede.
» Léa Cavallero, superintendente de Marketing e Comunicação Social da Infraero
NATUREZA EM FÚRIA
Cartada final
Técnicos levam cabo de energia ao reator 2, na esperança de bombear água para reatores da usina de Fukushima. Helicópteros tentam evitar catástrofe nuclear
» Rodrigo Craveiro
Em meio a tentativas desesperadas de prevenir o derretimento do núcleo dos reatores da usina nuclear de Fukushima Daiichi e impedir um grande vazamento radioativo, uma notícia divulgada na manhã de hoje (no Japão) representa a esperança de que uma catástrofe seja evitada. De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), as autoridades japonesas informaram que engenheiros conseguiram levar um cabo de energia externo ao reator 2. Os técnicos esperam ligá-lo à rede elétrica assim que terminarem de lançar água sobre o reator 3 (de plutônio) — a operação foi interrompida às 20h09 (hora de Brasília) de ontem.
Mais cedo, quatro helicópteros do Exército, caminhões das Forças de Autodefesa do Japão e um canhão d’água da polícia tinham lançado mais de 64t de água do mar sobre essa unidade. Durante o dia, a própria AIEA havia classificado a situação de “muito séria”, mas admitiu não ter detectado “nenhuma deterioração significativa”. A agência de notícias chinesa Xinhua informou que 19 trabalhadores da usina ficaram feridos e 20 foram expostos à radiação. Físicos nucleares e analistas consultados pelo Correio confirmaram que o restabelecimento de eletricidade em Fukushima Daiichi será crucial. “É uma excelente notícia. Com energia elétrica, os técnicos conseguirão bombear a água com mais eficiência para dentro dos reatores”, explicou a húngara Alinka Lépine-Szily, diretora do Laboratório Aberto de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP). Ela disse ser impossível determinar se a condição crítica do reator 4 pode ser revertida com o bombeamento de água. O reservatório usado para refrigerar as varetas de combustível nuclear recicladas está seca. “Quando a ‘piscina’ fica sem água por muito tempo e a temperatura aumenta demais, os tubos de zircônio que guardam o combustível em decaimento radioativo se derretem e o césio e o iodo sofrem fissão”, afirmou. Nesse cenário, ocorre liberação de radioatividade.
Segundo Edwin Lyman, especialista em plantas de usinas nucleares e membro da ONG da Union of Concerned Scientists, se os motores, as bombas e as válvulas puderem operar de forma confiável, os técnicos terão uma chance de reverter a catástrofe. “Mas se já tivermos um dano extenso ao combustível nuclear, então será difícil resfriar os núcleos dos reatores”, comentou o norte-americano. O otimismo cauteloso também é adotado por Miles Pomper, pesquisador do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin (em Washington). “A ligação do cabo de energia é um passo muito positivo e fornecer a maior esperança desde o início da crise”, admitiu. “No entanto, a eletricidade precisa fluir, permitir que a água refrigere o reator ou as varetas de combustível nuclear reciclado, e isso leva tempo.” Ele explica que não ficou claro se a eletricidade será restabelecida também nos reatores 1, 3 e 4 — os três estão em situação muito mais perigosa que o 2. “Ao mesmo tempo, outros esforços para resfriar as unidades não foram bem-sucedidas, e não sabemos os danos causados aos envoltórios dos reatores”, acrescentou, ao admitir que o Japão precisa correr contra o tempo.
Retirada
Enquanto aguardava a chegada de uma nuvem radioativa à Califórnia para essa sexta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, declarou ontem que o dano à usina de Fukushima Daiichi representa um “dano substancial” às pessoas próximas. Segundo ele, a decisão de retirar todos os norte-americanos de um raio de 80km da central baseou-se em uma “cuidadosa avaliação científica”. “Nós não esperamos que níveis nocivos de radiação alcancem os EUA, incluindo a Costa Oeste, o Havaí, o Alasca e os territórios no Pacífico”, concluiu. O democrata determinou uma revisão completa das instalações nucleares no país. Especialistas franceses preveem que a radiação alcance a Europa na próxima semana, sem representar riscos à saúde. A chanceler alemã, Angela Merkel, prometeu acelerar a transição para as energias renováveis, dois dias depois de ordenar a suspensão imediata dos sete reatores nucleares mais antigos do país. “Queremos chegar o mais rápido possível à era das energias renováveis. Esse é o nosso objetivo”, declarou.
Batendo em retirada
No Aeroporto Internacional de Narita, passageiros fazem fila para abandonar Tóquio: japoneses e estrangeiros buscam refúgio no sul da ilha ou em países vizinhos
Paloma Oliveto
À medida que aumentam os riscos de uma catástrofe nuclear, japoneses e estrangeiros que estão no país começam a abandonar as proximidades de Tóquio e não são poucos os que veem no aeroporto internacional da capital a melhor saída. A corrida dos brasileiros contra a ameaça radioativa levou o Consulado-geral do país a abrir as portas no sábado (hoje, no Japão) e na segunda-feira, somente para a emissão e renovação de passaportes, além do registro de nascimento das crianças brasileiras. O consulado também anunciou a segunda missão de busca na província de Miyagi, passando por Sendai e Onagawa. De acordo com um comunicado de imprensa do órgão, 14 brasileiros ainda estão no local. “Em Onagawa, um dos veículos do consulado visitará o abrigo montado no ginásio da vila, onde se encontram sete brasileiros. A chegada ao ginásio de Onagawa está prevista para as 8h (de sábado). Após a passagem por Onagawa, os veículos do comboio seguirão viagem juntos para Kamisato, na província de Saitama, onde os brasileiros retirados das áreas atingidas poderão contar com alojamento temporário, se precisarem”, informou o Consulado-geral do Brasil em Tóquio. Vinte e seis brasileiros que viviam na região já foram resgatados pelo órgão.
O paraense Mitsuru Hirashita, 39 anos, vive na cidade de Isesaki, a cerca de 250km da usina nuclear de Fukushima, há duas décadas e considera a possibilidade de voltar ao Brasil. “Depois de 11 de março, a terra aqui não parou de tremer. Sentimos os tremores várias vezes ao dia, é algo que já se tornou até rotina”, conta. “Muitos estrangeiros estão abandonando o país com medo dos terremotos e, principalmente da radiação da usina, que pode vir a piorar”, relata. “Moro no Japão desde 1991 e esse foi o primeiro terremoto mais forte, depois de Kobe, que sentimos aqui. Depois dessa, eu e minha família pensamos seriamente em retornar ao Brasil, porém ainda não decidimos.” Hirashita conta que, hoje, a população vive atenta ao noticiário e enfrenta dificuldades para executar tarefas que, antes, eram corriqueiras. “Temos racionamento de energia elétrica até duas vezes ao dia, dependendo da necessidade, e cada blecaute dura cerca de três horas. Também falta combustível nos postos e, nos supermercados, cada vez mais as prateleiras ficam vazias, porque as pessoas ficam estocando para se prevenir de uma possível falta de mantimentos e também para evitar ficar saindo de suas casas”, relata. “Procuramos não ficar expostos ao tempo e usamos máscaras ao sair de casa. Devido ao racionamento de energia elétrica, o trabalho em quase todos os setores diminuiu em geral para meio período.”
Sem pânico
Em Tóquio, a falta de alimentos, as quedas de energia e a precariedade no funcionamento do transporte público também preocupam os brasileiros. O professor Osvaldo Nascimento, 41 anos — oito deles na capital japonesa —, diz que a rotina dos moradores está bastante afetada. “Dormimos pouco à noite e, durante o dia, tentamos levar uma vida normal, mas é quase que impossível manter o ritmo que tínhamos antes do dia 11. O que realmente nos preocupa aqui em Tóquio, neste momento, é o desabastecimento e os constantes fortes tremores que estão acontecendo”, diz. Entre os problemas enfrentados, estão o desabastecimento dos supermercados e a falta de transporte. “Os trens estão funcionando em esquema de emergência, algumas linhas foram desativadas temporariamente e as linhas mais importantes funcionam em horários irregulares. Não há racionamento de alimentos, e sim um desabastecimento, já que toda a população após o terremoto resolveu estocar alimentos”, diz o professor. “A maioria dos postos de gasolina já estão fechados e os poucos que ainda têm combustível para vender estão com filas intermináveis.”
Apesar das alterações na rotina, Osvaldo faz questão de destacar que não acredita em um desastre nuclear. “Acho importante repetir isso: não há, por parte de nossa família ou pela maioria das pessoas que conheço e convivo, nenhuma preocupação com relação à radiação aqui onde moramos. A contaminação por Fukushima aqui em Tóquio é pura especulação. Não há nenhum motivo para ‘pânico radioativo’ aqui em Tóquio. Estamos calmos, muito tranquilos e 100% seguros por essas bandas”, garante.
Vivendo em Kakamigahara, a 500km da capital japonesa, desde 2003, a paulistana Ritsuko Hirano, 39 anos, lamenta que os compatriotas que moram no país decidam abandoná-lo. “Os estrangeiros estão abarrotando os balcões do consulado, pedindo que o Brasil mande um avião para transportá-los. Acho isso muito deprimente”, diz. “Sei que algumas pessoas estão desesperadas, mas agora é que o país vai precisar de todos, para reconstruir o Japão. Aqui, tivemos a chance de uma vida melhor e agora não podemos abandonar o país”, acredita. Ontem, os cidadãos americanos começaram a deixar o país com a ajuda da Embaixada dos Estados Unidos. De acordo com o Departamento de Estado americano, um avião retirou 100 pessoas, com destino a Taiwan. O porta-voz do Departamento de Estado disse que os passageiros eram, na maioria, familiares dos diplomatas americanos. Segundo Patrick Kennedy, hoje um novo voo sairá do país. O porta-voz também informou que 14 ônibus foram enviados de Tóquio para Fukushima, província onde se localiza a usina nuclear cujos reatores foram afetados pelo terremoto. O Pentágono também autorizou familiares de militares americanos que trabalham na Ilha de Honshu a deixar o Japão.
Testes em Angra
Usinas nucleares brasileiras serão avaliadas quanto à segurança, anuncia o governo federal. Mesmo com as análises, obras de novo reator vão continuar
Depois de afirmar — no começo da semana — que as falhas registradas nas usinas nucleares japonesas não teriam chance de acontecer no Brasil, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou que o governo federal fará uma avaliação das condições de segurança em Angra 1 e 2. Segundo Lobão, a análise será feita pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), em parceria com a estatal Eletronuclear e com técnicos do governo. “Vários países estão fazendo isso e nós também vamos. Não queremos ficar na contramão de nada. Temos consciência de que o episódio do Japão foi grave e não queremos jamais que isso se repita”, afirmou, depois de reunião no Ministério da Fazenda.
Atualmente, somente as duas usinas nucleares funcionam no país, e Angra 3 já está em construção. O ministro evitou responder diretamente se a crise nuclear japonesa afetaria os planos de expansão dessa fonte de energia no país (o programa nuclear brasileiro previa a construção de quatro usinas até 2030). Apenas defendeu que, no momento, as análises têm prioridade. “Vamos ter cuidado especial com a política nuclear. Nosso objetivo (com a avaliação) é testar a segurança, mas isso não significa que é preciso parar Angra 3.” Lobão ainda assegurou que os produtores de urânio no país tampouco serão prejudicados, e o governo continuará garantindo a produção para quem encontrar o elemento químico.
Diferenças
No mesmo dia em que o ministro anunciou os futuros testes, a Eletronuclear — subsidiária da Eletrobras responsável por construir e operar as usinas nucleares do país — divulgou comunicado para esclarecer as diferenças entre Angra 1 e 2 e os reatores japoneses. A tecnologia usada em Angra e na maior parte das 440 usinas nucleares em operação no mundo teria, segundo a instituição, algumas vantagens no caso de acidentes como os observados no país asiático. O documento explica: “65% (das usinas em todo o mundo) contam com reatores a água pressurizada (PWR), o mesmo modelo de Angra 1 e 2”. Aproximadamente 25% são reatores a água fervente (BWR), como os da central de Fukushima, no Japão. Os 10% restantes são de usinas movidas a tecnologias que estão se tornando obsoletas.
Nas usinas do tipo PWR, no caso de um acidente com perda total da alimentação elétrica, como o ocorrido em Fukushima, os operadores teriam mais tempo para reestabelecer a energia do que numa BWR. Isso porque elas contam com equipamentos que possibilitam o resfriamento do reator ocorrer por circulação natural de água até o restabelecimento de energia, sem a necessidade de utilizar bombas acionadas por eletricidade. Nas BWR, por sua vez, “um corte no fornecimento de energia interrompe imediatamente o resfriamento, como aconteceu na usina de Fukushima Daiichi”. No Japão, 50% das usinas são do tipo PWR e a outra metade é BWR, de acordo com a Eletronuclear — e, na região afetada, só havia usinas BWR em operação.
Capacidade
Angra 1 e Angra 2, juntas, têm capacidade instalada de 2 mil megawatts. Mais 1.080 megawatts serão agregados ao sistema quando Angra 3 for inaugurada, em 2015.
Reconstrução exigirá ferro
A tragédia japonesa não impulsionará só uma avaliação nas usinas nucleares brasileiras: também poderá provocar uma alta no preço do minério de ferro do mercado internacional. Na avaliação do ministro das Minas e Energia, isso se deve ao aumento que haverá na demanda quando começarem os esforços de reconstrução do país. Por ora, as vendas do produto para o Japão estão inalteradas, de acordo com dados da Vale, maior mineradora do Brasil. A empresa tem 56 navios aguardando carregamentos em portos — nove rumo ao Japão. Em 2010, os embarques de minério de ferro e pelotas da Vale para o Japão somaram 30,8 milhões de toneladas, equivalentes a 10,5% do total vendido pela companhia.
VISÃO DO CORREIO
Alerta nuclear
O sofrimento do povo japonês diante do desastre natural que culminou com o acidente nos quatro reatores de Fukushima fez acender a luz de alerta em instalações nucleares por todo o planeta. Embora tenha a melhor estrutura do mundo para responder a catástrofes como terremotos e tsunamis, o Japão demonstrou falhas na segurança de suas usinas. O país abalado pelas explosões de Hiroshima e Nagasaki é extremamente dependente da fissão do urânio para suprir as demandas de energia em seu território pequeno e irregular — cerca de 44% da matriz energética nacional é nuclear. A utilização frequente desse recurso, porém, não pode ofuscar a exigência de redução dos riscos.
Durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil retomou seu programa de geração energética a partir da fissão atômica. Diante dos apagões e de uma elevação contínua no consumo, foi preparada uma estratégia de aumento da produção e diversificação das fontes. A intenção é que o país possa usufruir de energia termelétrica, hidrelétrica, solar, eólica e nuclear. Essa última opção, no entanto, requer cuidados extremos, como ficou claro com a experiência japonesa, e há dúvidas sobre a capacidade preventiva brasileira.
Atualmente, estão operacionais as instalações de Angra 1 e 2. No ano passado, o BNDES aprovou R$ 6,1 bilhões para a construção de Angra 3. O governo pretende erguer mais quatro usinas, provavelmente duas no Nordeste e outras duas no Sudeste. A justificativa para investimentos nessa fonte é o custo-benefício, o fato de não ser dependente de condições climáticas favoráveis (geração estável) e a grande reserva de urânio presente no país — sexta maior reserva do mundo.
Depois da tragédia em Fukushima, não houve indícios de que o Brasil vá alterar o planejamento. E o país não está sozinho nesse caminho: Rússia, China — que está construindo 25 reatores —, França e outras nações da União Européia ratificaram seus programas nucleares operacionais. A reação generalizada foi ordenar a revisão de procedimentos de emergência. O sentimento é de que a energia atômica, por sua conveniência, não pode sofrer um novo período de ojeriza e ostracismo global, como o que se seguiu ao acidente de Chernobyl, em 1986.
A preferência por essa opção não pode, entretanto, se sobrepor à segurança. Por enquanto, o que se ouviu dos ministérios de Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia foram declarações rápidas e superficiais sobre o potencial de prevenção de acidentes nas usinas brasileiras. A sociedade precisa de explanações mais claras, que inspirem confiança. No Japão, por exemplo, boa parte da população não tinha conhecimento de que os reatores em questão, da década de 1960, são ultrapassados.
No caso brasileiro, ainda que as novas usinas saiam do papel, a fonte nuclear deve ser responsável por cerca de 6% da produção energética nacional. Esse alcance limitado não isenta as autoridades de explicações. A intenção não é abrir mão desses recursos arbitrariamente — afinal, os reatores têm funções diversas, como para a fabricação de radioisótopos utilizados em exames médicos e esterilizações —, mas aplicá-los da maneira mais tranqüila possível.
ARI CUNHA
Visto, lido e ouvido
Ajuda do Brasil
» Oitenta e um bombeiros com cães farejadores estão indo para o Japão, dependendo de autorização do Itamaraty, que está em contato com autoridades japonesas.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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