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quinta-feira, 17 de março de 2011

17 de março de 2011 - JORNAL DO BRASIL


VISITA ILUSTRE
Ele está chegando

Ana Paula Siqueira

A segurança do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que chega ao país na manhã de sábado, é uma das grandes preocupações do governo brasileiro, que trata o tema com o máximo de sigilo. Sem revelar nem mesmo o efetivo que será empregado na guarda do chefe de Estado, um forte esquema está sendo montado em Brasília e no Rio de Janeiro, sob o Comando do Exército.
A Força Aérea Brasileira (FAB) fará o controle do espaço aéreo enquanto Obama estiver no país. Caças estarão de prontidão em Brasília e no Rio, onde haverá restrição de voos. As medidas adotadas, no entanto, não diferem do esquema montado durante a posse da presidente Dilma Rousseff, em 1º de janeiro. O trânsito também será restrito nas áreas por onde o presidente americano passar. No Rio, a Polícia militar já definiu as ruas que serão fechadas e os locais em que o acesso ficará restrito.
Em Brasília, até o fechamento desta edição, a cúpula da PM continuava reunida para definir os últimos detalhes. A Esplanada dos Ministérios deverá ser fechada, como tradicionalmente ocorre nesse tipo de evento. À Polícia Federal (PF) cabe a responsabilidade da segurança pessoal de Obama, em parceria com o serviço secreto americano. A PF participará dos comboios, da segurança fixa nos locais de hospedagem e será responsável também pelas varreduras nos locais por onde o presidente dos EUA deverá passar, com o apoio do grupamento antibombas e também do canil da corporação.

“O cara”
Depois de surpreender ao dizer que o ex-presidente Lula “é o cara”, Obama preferiu adiar sua primeira visita ao Brasil para depois das eleições do ano passado. Em fevereiro, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, foi aos Estados Unidos discutir os detalhes da viagem, que deverá resultar em cerca de dez acordos bilaterais.


JUDICIÁRIO
O primeiro voto de Fux
Novo ministro do Supremo estreou em plenário ontem

Luiz Orlando Carneiro

No seu primeiro voto em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux acompanhou a maioria já formada, e deu o sexto voto necessário para que fosse declarado inconstitucional o dispositivo da Lei 11.418/07, que suprimiu a convocação pessoal dos interessados nos procedimentos de nova demarcação dos terrenos de Marinha, autorizando que tais notificações sejam feitas por edital, e não individualmente.
O julgamento da ação de inconstitucionalidade proposta pela Assembleia Legislativa de Pernambuco tinha sido interrompido no mês passado, e foi retomado na sessão de ontem, para que fosse colhido o voto do 11º integrante da Corte, empossado no último dia 3, já que questões constitucionais só podem ser resolvidas por maioria absoluta (6 votos).
No início do julgamento, cinco ministros tinham concedido a medida cautelar, e declarado a inconstitucionalidade da norma legal, enquanto outros quatro a tinham indeferido, inclusive o relator, Ricardo Lewandowski. O ministro Dias Toffoli estava impedido de votar, por ter atuado no caso como advogado-geral da União.
No entender da maioria – Ayres Britto, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso – estava em discussão uma “remarcação” dos terrenos de Marinha (faixas de terra com 33 metros de largura, contada a partir da preamar), havendo necessidade de “chamamento dos interessados certos”, que estão inscritos no Patrimônio da União. Até por que eles pagam laudêmio (taxa de ocupação) e, em caso de transação, 5% sobre o valor de transferência da propriedade.
No seu primeiro voto proferido no plenário do STF, Luiz Fux aderiu à maioria já formada, ressaltando – no que chamou de “ementa autoexplicativa” – que qualquer intimação tem de ser pessoal, pois “nenhum dispositivo constante de lei pode se sobrepor ao devido processo legal”.

Áreas litorâneas
Ficaram vencidos no julgamento – além do relator – os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, na linha dos pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria- Geral da República de que o Brasil tem 6.700 quilômetros de litoral e que 70% de sua população vivem em áreas litorâneas. Assim, seria impossível expedir convite pessoal a todos os ocupantes conhecidos de área de Marinha ou adjacente.
No início da sessão de ontem, o relator repassou comunicação da AGU de que o governo já preparou uma medida provisória para modificar a lei sobre demarcação de terrenos de Marinha, de acordo com a decisão afinal tomada pelo STF.


COISAS DA POLÍTICA
Mauro Santayana

Imprudência diplomática 
É preciso romper o silêncio da amabilidade para estranhar o pronunciamento público que o presidente Obama fará, da sacada do Teatro Municipal, diante da histórica Cinelândia. Afinal, é de se indagar por que a um chefe de Estado estrangeiro se permite realizar um comício – porque de comício se trata – em nosso país. Apesar das especulações, não se sabe o que ele pretende dizer exatamente aos brasileiros que, a convite da Embaixada dos Estados Unidos – é bom que se frise – irão se reunir em um local tão estreitamente vinculado ao sentimento nacionalista do nosso povo.
É da boa praxe das relações internacionais que os chefes de Estado estrangeiros sejam recebidos no Parlamento e, por intermédio dos representantes da nação, se dirijam ao povo que eles visitam. Seria aceitável que Mr. Obama, a exemplo do que fez no Cairo, pronunciasse conferência em alguma universidade brasileira, como a USP ou a UnB, por exemplo. Ele poderia dizer o que pensa das relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e seria de sua conveniência atualizar a Doutrina Monroe, dando-lhe significado diferente daquele que lhe deu o presidente Ted Roosevelt, em 1904. Na mensagem que então enviou ao Congresso dos Estados Unidos, o presidente declarou o direito de os Estados Unidos policiarem o mundo, ao mesmo tempo em que instruiu seus emissários à América Latina a se valerem do provérbio africano que recomenda falar macio, mas carregar um porrete grande.
Se a ideia desse ato público foi de Washington, deveríamos ter ponderado, com toda a elegância diplomática, a sua inconveniência.Se a sugestão partiu do Itamaraty ou do Planalto, devemos lamentar a imprudência. Com todos os seus méritos, a Presidência Obama ainda não conseguiu amenizar o sentimento de animosidade de grande parte do povo brasileiro com relação aos Estados Unidos. Afinal, nossa memória guarda fatos como os golpes de 64, no  Brasil, de 1973, no Chile, e a ação ianque em El Salvador, em 1981, e as cenas de Guantánamo e Abu Ghraid.
O Rio de Janeiro é uma cidade singular, que, desde a Noite das Garrafadas, em 13 de março de 1831, costuma desatar seu inconformismo em protestos fortes. A Cinelândia, como outros já apontaram, é o local em que as tropas revolucionárias de 1930, chefiadas por Getulio Vargas, amarraram seus cavalos no obelisco então ali existente. Depois do fim do Estado Novo, foi o lugar preferido das forças políticas nacionalistas e de esquerda, para os grandes comícios. A Cinelândia assistiu, da mesma forma, aos protestos históricos do povo carioca, quando do assassinato do estudante Edson Luís, ocorrido também em março (1968). Da Cinelândia partiu a passeata dos cem mil, no grande ato contra a ditadura militar, em 26 de junho do mesmo ano.
Não é, convenhamos, lugar politicamente adequado para o pronunciamento público do presidente dos Estados Unidos. É ingenuidade não esperar manifestações de descontentamento contra a visita de Obama. Além disso – e é o mais grave – será difícil impedir que agentes provocadores, destacados pela extrema-direita dos Estados Unidos, atuem, a fim de criar perigosos incidentes durante o ato. Outra questão importante: a segurança mais próxima do presidente Obama será exercida por agentes norte-americanos, como é natural nessas visitas. Se houver qualquer incidente entre um guarda-costas de Obama e um cidadão brasileiro, as consequências serão inimagináveis.
Argumenta-se que não só Obama como Kennedy discursaram, em público, em Berlim. A situação é diferente. A Alemanha tem a sua soberania limitada pela derrota de 1945, e ainda hoje se encontra sob ocupação militar americana. Finalmente, podemos perguntar se a presidente Dilma, ao visitar os Estados Unidos, poderá falar diretamente aos nova- iorquinos, em palanque armado no Times Square.


CARTAS

José Genoino
O governo emprega no segundo escalão do Ministério da Defesa um cidadão acusado de formação de quadrilha e de corrupção. E ainda há quem julgue que os comandos militares são autoritários. Se fossem, jamais o ex-deputado José Genoino, inimigo das Forças Armadas na guerrilha do Araguaia, assumiria qualquer função de importância em um ministério que cuida dos altos interesses das instituições militares, que têm a nobre e honrosa função de defender a pátria.
Paulo Marcos Gomes Lustoza, Rio
VILLAS-BÔAS CORRÊA

O seu a seu dono
O jornalista e escritor Elio Gaspari, autor da obra-prima dos quatro volumes sobre a ditadura militar - A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura encurralada e A ditadura derrotada – é um doador de frases, que atribui a amigos e conhecidos, com generosidade perdulária.
Uma das mais famosas –“Pobre gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual” – foi atribuída ao Joãozinho Trinta. Meu filho Marcos, seu amigo de sempre e parceiro em várias duplas em jornais e revistas, testemunhou a faísca de talento na sentença irretocável, e a imediata escolha de Joãozinho Trinta para a autoria, jamais negada.
Na crônica literária são inúmeras as denúncias de plágio, confirmadas ou desmentidas. Será uma proeza digna de manchete, arrancar do Gaspari uma restrição aos espertos que se banham nas águas límpidas de seu talento.
E, no entanto, está sempre pronto a acolher a ponderação, um conselho, uma crítica de amigo. Quando meu filho Marcos despencou da escada em sua casa, bateu com a cabeça no chão e entrou em coma profundo, Gaspari foi dos primeiros a aparecer na Clínica São Vicente.
Logo seguido pela romaria dos amigos. Sua mulher e minha querida amiga Dorritz já estava no Rio, onde também trabalha, na revista Piauí. Sentou-se ao meu lado e não arredou pé até a hora de pegar o avião de volta para São Paulo.
Senti cócegas na língua e não resisti à tentação de puxar o assunto. A série sobre a ditadura militar estava prevista para cinco volumes. E há muito tempo não se fala no livro encalhado. Gaspari reconheceu que devia aos seus leitores a promessa esquecida.
Mas estava indeciso em voltar às pesquisas no monturo da ditadura. Meti o bedelho sem constrangimento: a série estava completa.
Parou no governo do presidente Geisel. E que era o ponto final perfeito. O que pretendia pesquisar nos seis anos do presidente general João Figueiredo? Com a simplicidade dos que não se consideram sábios da Grécia, Gaspari encerrou o assunto, rolando a pedra para tampar a sepultura: “Você tem razão. Não vou escrever mais uma linha sobre a ditadura”.
Meia hora depois, levantou-se e pegou o táxi para o aeroporto, levando o caixão com o livro que morreu antes de nascer. Marcos e Gaspari são amigos de muitas décadas. Sem uma discussão, um desentendimento.
Nas noites em claro do fechamento da revista Veja, em São Paulo, a dupla encerrava o turno com a média com pão e manteiga no botequim. E cada qual para o seu lado. Uma ou duas vezes aceitou o convite de Jô Soares para a volta na carona da sua motocicleta.
Jô apostava corrida com os aviões da rota Rio–São Paulo. E ganhava  com o Marcos na garupa. Mas o Elio Gaspari não é um excêntrico. Ele e Dorritz moram em dois apartamentos conjugados em São Paulo. Na verdade não moram, hospedam-se.
Gaspari passa a manhã e parte da tarde no apartamento em que dorme. À tardinha passa para o outro apartamento, onde a secretária o espera com volumoso papelório de jornais, revistas, cartas, telegramas, contas. Tudo devidamente catalogado, que o Gaspari tem os seus cacoetes burocráticos.
Enterrou o quinto livro em silêncio. No lançamento do terceiro volume, A ditadura derrotada, Marcos comparece abrindo os comentários da última página. Sem poupar elogios: “Surpresa: A ditadura derrotada, (...) terceiro livro da coleção e o primeiro de um tríptico intitulado O sacerdote e o feiticeiro, conseguiu melhorar o que era irretocável. Trata-se, mais uma vez, de cerca de 500 páginas de texto, encorpado por mais de 1.500 notas de pé de página e uma vasta bibliografia. Fechado, é um tijolaço. Aberto, é levíssimo ”.


METEOROLOGIA
Tsunami carioca
Ondas de até dois metros de altura foram a atração na Praia do Arpoador

José Luiz de Pinho

Chocados com a tragédia no Japão, os moradores da Praia do Arpoador, na zona Sul do Rio, se espantaram também com a ressaca que atingiu sua área nos dois últimos dias, quando ondas de até dois metros de altura cobriram a faixa de areia da praia e parte do calçadão da Rua Francisco Bhering, próximo ao Parque Garota de Ipanema.
Duas japonesas que passavam por ali, as amigas Chie Hashimoto e Yuki Honda, não contiveram as lágrimas. De férias no Rio desde o dia 1º, elas lembraram do tsunami no Japão e pensaram em seus parentes que estão sofrendo com a catástrofe.
– Não são ondas de dez metros como as que nosso povo enfrentou, mas quem não está acostumado com esta visão, se assusta – disse Chie Hashimoto.

Marinha desmente hipótese de furacão
– Tenho avó, tia e irmão em Yokohama, que fica longe da região mais afetada – disse ela. – Mas pela falta de transportes, eles tiveram que caminhar durante quatro horas para chegar a Tóquio, num percurso que levaria, no máximo, 40 minutos de carro.
Nascida na cidade de Fukuoka, que também fica mais ao sul do país, Yuki Honda olhava, consternada, para o mar agitado e as ondas estourando no paredão do Arpoador. Na lembrança, a mãe, que está no Japão, e a incerteza quanto a volta ao país.
– Até agora, o que nos informam de lá é que a terra ainda está tremendo. Temos passagem comprada para voltar no dia 30, mas precisamos analisar a situação: do jeito que está, não dá para voltar para casa tão cedo.
A força das águas no Arpoador fez o Grupamento Marítimo do Corpo de Bombeiros interditar parte da Pedra do Diabo, para evitar que turistas, pescadores ou curiosos corressem risco de serem engolidos pelas ondas.
– Parece um tsunami no Arpoador – comparou o salva-vidas Paulo Vítor Breves, 26 anos. – Trabalho aqui no Posto 7 há três anos e é a primeira vez que vejo uma ressaca de verão cobrir toda a faixa de areia. Isso só acontece no inverno. Ano passado, salvei uma mulher que foi puxada pelo mar por uma onda na Pedra do Diabo. Por isso, interditamos o local.
O Instituto Climatempo explicou que a ressaca é consequência de um ciclone extratropical, em alto-mar, entre o litoral do Rio Grande do Sul e o do Uruguai. Enquanto isso, o Serviço de Meteorologia da Marinha desmente a hipótese de furacão, divulgada entre internautas..
– A velocidade dos ventos foi de 60 km/h, e só consideramos furacão os ventos que passam de 100 km/h – disse o tenente Gadelha.

As ondas roubaram a cena no Arpoador 
Há 32 anos no Instituto Nacional de Meteorologia, Marlene Leal afirmou que não há possibilidade de nova ressaca como nos últimos dois dias.
– O ciclone, que estava próximo ao litoral, já se deslocou para o oceano, rumo à África – garantiu a meteorologista. Novidade no Arpoador, a ressaca de verão virou atração para turistas e cariocas.
– Essas ressacas assustam mesmo é à noite, porque o estrondo das ondas é maior. Fica difícil até dormir – admitiu Gérson Benevides, morador do prédio 17, de frente para o mar.
Há 12 anos porteiro do edifício 91, da Rua Francisco Bhering, Antônio Rodrigues também estava assustado e lembrou de uma ressaca de 1999. – As ondas batiam no paredão e os respingos molhavam até as lâmpadas dos postes do calçadão, a quatro metros. Agora, com o que aconteceu no Japão, a gente fica cismado – confessou o porteiro.
As amigas cearenses Aline Gomes, Edna Cristina e Audete Mota, que haviam trocado Copacabana pelas areias do Arpoador, estavam quase arrependidas.
– Tenho medo que o tsunami do Japão chegue ao Brasil. Meu marido é marinheiro e está em alto-mar – preocupava- se Edna.


TESTEMUNHOS
Maurina ou a coragem da inocência

Maria Clara Bingemer - Teóloga e Professora da PUC

Morreu no último sábado, em São Paulo, irmã Maurina Borges da Silveira, franciscana, 87 anos. De idade avançada e saúde muito frágil, faleceu em Araraquara, em conseqüência da falência múltipla de órgãos. Religiosa desde muito jovem, aparentemente era uma freira como qualquer uma das muitas outras que por esse Brasil afora dão sua vida pelo Reino de Deus, fazendo os serviços mais humildes e obscuros e cuidando dos abandonados pela sociedade.
Sua vida, no entanto, foi marcada por fatos diferentes, que nunca sucederam a outras irmãs da mesma congregação. Irmã Maurina foi a única freira presa e torturada nos porões da ditadura militar brasileira. Em outubro de 1969, aos 43 anos, quando era diretora do Orfanato Lar Santana, foi presa em Ribeirão Preto, São Paulo. Ela cedia uma sala para reuniões de estudantes, ignorando que pertenciam ao grupo guerrilheiro Forças Armadas de Libertação Nacional (Faln). Ao tomar conhecimento de que no porão do orfanato havia material impresso que eles ali guardavam, mandou queimar tudo.
Depois, enterrou no quintal, sem nada dizer a ninguém, para não comprometer a instituição e proteger as órfãs por quem era responsável, além de suas irmãs de congregação. Quando os militantes que ali se reuniam foram presos, Maurina foi levada junto com eles. Durante cinco meses a frágil mulher foi interrogada e barbaramente torturada: levou choques, foi pendurada no pau de arara e obrigada a assinar falsas confissões de ser amante de um dos militares. Ouviu insultos, calúnias, ameaças de morte, gritos. De tal forma foram as atrocidades a que foi submetida que o então arcebispo dom Felício da Cunha levou o caso à cúpula da instituição e excomungou dois dos delegados que se ocupavam da religiosa, Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano. O caso da irmã Maurina – totalmente inocente – inspirou pessoas como dom Paulo Evaristo Arns, na época bispo auxiliar e depois cardeal e arcebispo de São Paulo, a se engajarem na luta social.
O Brasil inteiro recorda com admiração a coragem do cardeal paulista em denunciar e combater as torturas e violações aos direitos humanos que aconteciam nos cárceres brasileiros. Todo o meio eclesial brasileiro tomou conhecimento do caso da irmã Maurina, que recebeu o apoio de muitos cristãos, religiosos ou leigos solidários com sua situação.
Quando o cônsul japonês foi seqüestrado e trocado por vários presos que foram exilados no México, irmã Maurina estava entre eles. A notícia de que sairia do Brasil foi para ela um rude golpe. Não queria, não pensava em deixar seu país. Algemada, entrou no avião sob os olhares espantados e chocados de muitos.
Tempos depois, pôde voltar ao Brasil. Desde então levou uma vida absolutamente discreta, na oração e no trabalho que sua congregação lhe pedia. Jamais consentiu em ser fotografada, nem apareceu na mídia. Aos que lhe perguntavam como se sentia com respeito a seus carrascos, teve apenas palavras de perdão.
Em recente entrevista, no entanto, declarou suspeitar que o que realmente detonou o processo de sua prisão foi o fato de que em sua creche havia crianças filhas de mães solteiras cujas famílias tinham posses, mas não queriam criar os filhos. Candidamente, ela foi de casa em casa devolver as crianças e dizer que a creche das franciscanas não era lugar para elas. Pertencia às crianças pobres e necessitadas que não tinham onde viver. Irmã Maurina acreditava que seu gesto provocara raiva nas famílias e que a denúncia que a levou à prisão pode ter vindo dali.
Mas não cultivava ódio nem rancor de seus detratores e torturadores. Segundo testemunho de uma companheira de cela, ela dizia que sua prisão foi apenas a parte que lhe coube na História. E ponto.
Num momento em que as mulheres estão em alta no Brasil, vivendo a novidade de sua primeira presidente mulher, uma figura como a de madre Maurina é digna de ser olhada com respeito e admiração. Sua coragem e fé inabalável diante das torturas, da prisão, do exílio varrem para bem longe o estigma de “sexo frágil”. Que agora, junto de Deus, ela peça por um Brasil melhor para nossos filhos e netos.
FONTE: JORNAL DO BRASIL

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