APERTO FISCAL
Corte real é de R$ 13 bilhões para os ministérios
Novas despesas ainda não foram consideradas, como o IR
Ribamar Oliveira e Luciana Otoni | De Brasília
Do corte de R$ 53,5 bilhões na programação orçamentária deste ano, detalhado ontem pelo governo, R$ 19,6 bilhões foram em emendas feitas pelos parlamentares ao Orçamento, ou seja, reduziu-se apenas o desejo de gasto. Uma parte resultou de estimativa mais realista de algumas despesas, como é o caso da diminuição de R$ 8,9 bilhões na previsão de gastos com subsídios, o que não representa um corte efetivo. O mesmo pode ser dito do enxugamento de R$ 5,1 bilhões do programa Minha Casa Minha Vida, cuja fase dois ainda depende de aprovação do Congresso Nacional. Mas uma parcela de R$ 13,1 bilhões subtraída da lei orçamentária atingiu diretamente os ministérios e será efetivamente um corte na carne.
Desses R$ 13,1 bilhões, R$ 9,7 bilhões terão que ser cortados nas despesas de custeio da máquina pública federal e R$ 3,4 bilhões nos chamados investimentos administrativos, com a suspensão de novas aquisições, aluguéis e reformas de imóveis e aluguel de veículos, máquinas e equipamentos.
Entre as medidas de ajuste no custeio da máquina, a presidente Dilma Rousseff deverá baixar hoje decreto reduzindo em 50% as despesas com diárias e passagens do funcionalismo. A redução será de 25% nas áreas de fiscalização e de poder de polícia. Nem mesmo o Ministério da Educação escapará. Ele terá que enxugar R$ 1,5 bilhão em seus gastos de custeio, segundo informou ontem a secretária de Orçamento Federal, Célia Corrêa.
O governo decidiu também não utilizar R$ 3,5 bilhões de uma reserva de R$ 5 bilhões que tinha feito para contratar novos servidores públicos e para conceder reajustes salariais e reformular carreiras. "Não haverá novos concursos, não serão contratados novos servidores e não haverá novos reajustes salariais, apenas aqueles que já foram concedidos serão mantidos", explicou Célia Corrêa.
Além disso, o governo decidiu reduzir as despesas programadas com o abono salarial e com o seguro-desemprego em R$ 3 bilhões. A secretária de Orçamento admitiu que essa é "uma meta" e que, para atingi-la, o governo poderá até mesmo reduzir o prazo de duração do benefício do seguro-desemprego, hoje fixado em cinco meses. "Em algum momento essa legislação será readequada", disse. "Isso não está descartado", acrescentou.
O ajuste detalhado ontem foi maior do que os R$ 50 bilhões inicialmente anunciados porque o governo aumentou o Orçamento deste ano em R$ 3,5 bilhões, por meio de medidas provisórias, para cobrir despesas extraordinárias, como aquelas decorrentes das enchentes na região serrana do Rio de Janeiro. Do total cortado, R$ 36,2 bilhões foram em despesas discricionárias, R$ 15,76 bilhões foram reestimativas de despesas obrigatórias e R$ 1,6 bilhão resultou de vetos da presidente Dilma à lei orçamentária.
O Ministério da Defesa foi um dos mais atingidos pelo ajuste, pois perdeu R$ 4,38 bilhões. Este corte atingirá a construção do submarino de propulsão nuclear, numa parceria da Marinha com a França, a produção de helicopteros e do cargueiro KC-390 pela Embraer. "O Ministério da Defesa terá que reduzir a sua manutenção operativa e rever contratos em vigor", observou a secretária de Orçamento.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por sua vez, assegurou que não existem recursos para a compra de novos caças pela Força Aérea este ano. "Não há espaço fiscal para a compra desses caças em 2011", disse.
Embora aparentemente tenha sido o mais atingido pelos cortes, o Ministério de Turismo não sofreu tanto assim. O seu orçamento original era de pouco mais de R$ 800 milhões quando chegou ao Congresso Nacional, na proposta encaminhada pelo Executivo. Com as emendas dos parlamentares, o Turismo ficou com um orçamento de R$ 3,6 bilhões. O corte realizado atingiu, portanto, basicamente as emendas dos deputados e senadores.
O corte orçamentário não está concluído. Não foi considerado no ajuste detalhado ontem a perda de receita com a correção da tabela do Imposto de Renda em 4,5%, já anunciada pelo governo, e o reajuste do programa Bolsa Família. Apenas com a correção da tabela do IR, o governo estimar perder R$ 2,2 bilhões. Com o reajuste do Bolsa Família, a estimativa extraoficial é de uma despesa de R$ 1,2 bilhão.
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, explicou que essas questões serão consideradas durante a reestimativa das receitas e despesas orçamentárias que será feita, por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por volta do dia 20 de março. Nesse documento, que será enviado ao Congresso Nacional, o governo calculará também os cortes que serão feitos nas despesas do Legislativo e do Judiciário. O corte de ontem atingiu apenas as despesas do Executivo. A necessidade de um novo corte no dia 20 de março dependerá do comportamento da receita.
Pastas não sabem que despesas serão cortadas
André Borges e Tarso Veloso | De Brasília
Os ministérios ainda não sabem quais programas serão cortados para atender ao aperto fiscal determinado pelo Planejamento e pela Fazenda. O corte mais profundo realizado pelo governo atingiu o Ministério das Cidades, responsável pelo programa Minha Casa, Minha Vida. O projeto habitacional sofreu redução de R$ 5 bilhões em seu orçamento. Da previsão inicial de R$ 12,6 bilhões, restaram R$ 7,6 bilhões. O governo alegou que, mesmo com a redução, o programa ainda ficou com R$ 1 bilhão acima do investido em 2010.
Procurado pelo Valor, o ministério informou que não se pronunciaria sobre os cortes até a publicação do decreto. A Caixa Econômica Federal (CEF) também evitou dar entrevistas. Neste mês, o banco estatal anunciou que chegou a financiar um milhão de moradias até o fim do ano passado.
No Ministério da Defesa, a redução chega a quase 30% do previsto, com queda de R$ 15,3 bilhões para R$ 10,8 bilhões. Para a assessoria da Defesa, ainda não foram definidos os programas atingidos. "Até agora só sabemos o valor total da redução dos investimentos, mas não fechamos quais projetos serão prejudicados", disse um assessor do ministério. O ministro Nelson Jobim havia anunciado, no dia 15 de fevereiro, que o corte incidiria sobre despesas contingenciáveis do ministério.
No Ministério dos Transportes, onde o investimento caiu de R$ 18,4 bilhões para R$ 16 bilhões, os cortes se concentraram em emendas parlamentares. Por meio de nota, o ministério informou que "as ações incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram preservadas em sua integralidade, não havendo expectativa de entraves à sua continuidade". O encolhimento de despesas, segundo o ministério, vai ocorrer em "ações ainda em fase de projeto", mas ainda não há uma lista que obras são essas.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, disse ontem, em São José dos Campos (SP), que espera reduzir os cortes necessários na área de recursos não reembolsáveis com a ampliação dos créditos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em R$ 1,9 bilhão.
"O ajuste fiscal é necessário e o ministério vai participar, mas nós queremos priorizar o que é estratégico. O satélite meteorológico que estamos desenvolvendo com a Nasa, por exemplo, é prioridade número um para o ministério", afirmou. No total, segundo o ministro, serão contingenciados R$ 610 milhões, que o Congresso já tinha cortado dos fundos setoriais, e outros R$ 353,6 milhões de verbas para custeio, além de deixar de receber R$ 710 milhões em emendas parlamentares.
Os projetos considerados estratégicos, como o programa espacial brasileiro, segundo ele, serão preservados. "Estamos concluindo as reformas na Base de Alcântara, que ficará pronta ainda este ano e os investimentos no projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS) também serão mantidos", afirmou Mercadante.
O investimento previsto no desenvolvimento do satélite GPM (sigla em inglês para Medida de Precipitação Global) com a Nasa, é da ordem de US$ 70 milhões. Segundo Mercadante, o governo brasileiro está pedindo à Nasa para antecipar em um ano o lançamento do satélite brasileiro, previsto inicialmente para 2015, para apoiar o Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Naturais.
"O grande problema com esse satélite é saber se a Nasa manterá o programa, uma vez que houve corte de US$ 18 bilhões no orçamento da agência e nós não sabemos até que ponto isso vai afetar o projeto", disse o ministro.
O Ministério do Turismo informou que, como o decreto do contingenciamento deve sair só hoje, as autoridades ainda não sabem detalhes do corte. "A ministra do Planejamento anunciou, mas o ministério não definiu", disse uma assessora. Basicamente, o que foi cortado no Turismo se resume a emendas de parlamentares. Sem as emendas - cerca de R$ 3 bilhões -, o orçamento do ministério ficou em R$ 573 milhões.
O mesmo ocorre no Ministério do Esporte, que sofreu baixa de 64% no orçamento, caindo de R$ 2,3 bilhões para R$ 853 milhões para gastar. Em nota, o ministério informou que a redução "não deve afetar a execução dos programas da pasta" e que a decisão foi tomada "após reuniões com o ministro Orlando Silva".
Os cortes afetam também despesas administrativas dos ministérios. Em Minas e Energia, a retirada de R$ 237 milhões do pacote de R$ 978 milhões antes previsto está relacionada a despesas operacionais do ministério, e não a projetos de energia. Segundo fonte ligada ao ministério, os cortes atingirão a área administrativa, em despesas como não renovação de frota de veículos e troca de equipamentos de informática, entre outros.
O Ministério da Agricultura informou que o corte de 51% de seu orçamento é uma "cota de sacrifício" no esforço para controlar a inflação. O ministro Wagner Rossi informou que as áreas mais sensíveis, como defesa agropecuária e pesquisas da Embrapa, serão mantidas. Os subsídios à comercialização e ao seguro rural também devem ser preservados do corte total de R$ 1,4 bilhão na pasta.
No Ministério do Desenvolvimento Agrário, onde a tesoura do governo atingiu R$ 929 milhões, ainda não foram decididas as áreas ou programas que sofrerão cortes, mas as principais ações do ministério, como aquisição de terras para a reforma agrária e subsídios à agricultura familiar, serão mantidas.
O Ministério do Meio Ambiente, que sofreu corte de R$ 400 milhões, não respondeu ao pedido de detalhamento da suspensão das despesas.
(Colaboraram Mauro Zanatta, de Brasília, e Virgínia Silveira, de São José dos Campos)
CONGRESSO
Abertura da aviação entra na pauta da Câmara
Presidente da Casa pretende colocar em votação projeto que aumenta teto de capital externo no setor
Caio Junqueira e Claudia Safatle | De Brasília
O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), pretende colocar em votação nas próximas semanas o projeto que aumenta o teto de participação do capital externo nas empresas aéreas nacionais. "Há acordo entre os líderes para votar esse projeto e vamos colocá-lo em votação ainda neste semestre", afirmou o deputado, ontem ao Valor.
O texto a ser aprovado elevará o limite da participação do capital estrangeiro nas empresas aéreas dos atuais 20% para 49% do capital social, o que, avalia Maia, beneficiará o consumidor que poderá, além de ter mais opções para voar, ver os preços se reduzirem com a concorrência que a alteração deverá promover. Espera-se também que uma eventual aprovação aumente a possibilidade de haver trajetos regionais no país, área hoje com grande defasagem na cobertura.
Para acelerar a aprovação, a Câmara deve colocar em pauta um projeto que já passou pelo Senado e que prevê que "pelo menos 51% do capital com direito a voto" deve pertencer a brasileiros e que "a transferência a estrangeiro das ações com direito a voto que estejam incluídas na margem de 49% do capital "depende de aprovação da autoridade aeronáutica".
Esse projeto foi o mais defendido na comissão especial instalada na Casa em março de 2009 para tratar do assunto, cujo parecer foi aprovado em junho de 2010. Junto com ele, outras 30 medidas foram sugeridas, mas ainda não é certo se todas elas integrarão o pacote para ser votadas em bloco na Câmara.
O motivo é que a maioria delas referia-se mais a regras de direitos do consumidor, às quais há grande rejeição por parte das empresas aéreas, como o reconhecimento da prevalência do Código de Defesa do Consumidor na regulação da relação entre passageiros e companhias aéreas; a instituição de punições severas à prática do overbooking, mantida; a possibilidade de que sejam transferidos a terceiros o bilhete de passagem e critérios mais rígidos de indenização por perda de bagagem. A legislação sobre a participação estrangeira no setor, porém, tem viés de direito concorrencial e boa parte do empresariado apoia.
Assim, a possibilidade maior é de que apenas ele seja apreciado, uma vez que já passou pelo Senado e praticamente teve consenso na comissão da Câmara. Isso, ademais, adequaria-se a estratégia do Palácio do Planalto de evitar grandes temas polêmicos neste começo de governo.
O trâmite também é facilitado pelo forte apoio político que a ampliação do percentual tem. Marco Maia, apesar de ter sua base basicamente entre sindicalistas, foi relator da CPI do Tráfego Aéreo, que foi presidida pelo atual ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio (PT-RJ).
Na CPI, ele classificou de "anacrônica" a atual limitação de 20%. "Os debates sobre a proposta de eliminação desta restrição, total ou parcialmente, são eivados de paixão, de ambos os lados". Depois, afirma que "fato é que não restam claras, porém, as razões pelas quais a maior participação do capital estrangeiro afetaria a segurança nacional", como alegam os críticos da ideia.
ENTREVISTA
MODELO BRASILEIRO DE CONSOLIDAÇÃO ECONÔMICA E POLÍTICA SURPREENDEM PHILIPPE SCHMITTER
"O Brasil não precisa mais do corporativismo"
Cristian Klein | De São Paulo
O estilo é excêntrico. Gosta de usar chapéu e costumava ser visto em automóvel multicolorido pelas ruas de Florença, na Itália, onde é professor emérito do European University Institute. O americano Philippe Schmitter, de 74 anos, é considerado um dos maiores cientistas políticos do mundo. Em 2009, ganhou o prêmio equivalente ao Nobel da área, o Johan Skytte Prize, da universidade sueca de Uppsala.
Tem opiniões firmes, taxativas. Mas não consegue encontrar resposta para o que chama de "mistério". O Brasil não se encaixa em suas expectativas. Na semana passada, Schmitter voltou ao país, onde esteve em 1967 para pesquisar sua tese de doutorado. À época, entrevistou líderes sindicais e analisou o corporativismo brasileiro, que persiste até hoje, para sua decepção e espanto.
Schmitter alega que não tem respostas pois há tempos não estuda o Brasil. Mesmo assim é incisivo. Afirma que o país precisa de mais pluralismo e critica instituições corporativistas - como Sesi, Sesc, o imposto sindical - que seriam resquícios "fascistas" da era Vargas. O quadro partidário e a legislação eleitoral seriam "caóticos", embora, admita, tenha informações de que o sistema político brasileiro funcione bem.
A capacidade intelectual de Schmitter está à altura de ideias polêmicas, entre as quais métodos para aperfeiçoar a democracia como loteria e o direito de voto para todos os cidadãos, incluindo os bebês.
Em São Paulo, Schmitter participou de conferência organizada pelas associações internacional e brasileira de ciência política - IPSA e ABCP - e pelo European Consortium for Political Research. Bastante requisitado, antes de conceder esta entrevista proferiu duas palestras, na FGV e no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), onde tentava contatar um velho conhecido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Valor: Por que o corporativismo seria tão ruim para o Brasil?
Philippe Schmitter: Eu não diria ruim, não é essa a implicação. Mas a expectativa comum é, ou foi até recentemente - na verdade, estive envolvido na mudança dessa visão - que quanto mais os países se desenvolvem, maior é o crescimento na divisão do trabalho, maior é a especialização, e há mais formas complexas de produção etc. Desenvolvimento representava isso, o que remonta a Durkheim, a Adam Smith. A estrutura socioeconômica, ao se tornar mais complexa, produziria um padrão pluralista de grupos de interesse. E os grupos vistos originalmente como os mais unificados, por exemplo, a classe trabalhadora, começariam progressivamente a se fragmentar em diferentes setores, profissões, técnicas. Essa expectativa se baseou na experiência dos Estados Unidos, Canadá e outros países.
Valor: Por que o Brasil deveria seguir o mesmo caminho?
Schmitter: O Brasil tem duas características a mais que o favoreceriam a se tornar ainda mais pluralista: uma variedade de grupos étnicos e religiosos e uma variedade de subeconomias regionais, traduzida na expressão Belíndia, uma mistura de Bélgica e Índia. Ou seja, tudo indicava que o Brasil era o país em desenvolvimento perfeito do Terceiro Mundo para um sistema de interesses pluralistas. Mas continuou e está praticamente sozinho neste sistema corporativista.
Valor: E por que continuou?
Schmitter: É obviamente fácil de entender porque [Getúlio] Vargas no Estado Novo impôs esse sistema. Era muito comum nos anos 1930. Ele copiou de [Benito] Mussolini [ditador da Itália entre 1922 a 1943]. A primeira questão difícil é: por que isso sobreviveu nos anos 40, 50 e persistiu até o golpe militar de 1964? Eu consigo entender porque a ditadura militar gostaria de continuar esse sistema. Na verdade, os militares o ampliaram para as áreas rurais, porque o sistema de Getúlio era apenas para as áreas urbanas. Não havia sindicatos rurais. Foram os militares que os criaram, pois queriam controlá-los.
Valor: Em sua origem, o corporativismo tem essa característica: a de controlar o conflito social.
Schmitter: Neutralizar e controlar a formação de associações de classe etc, pelo Estado, normalmente por um ministério como o do Trabalho. No caso do Brasil, esse foi o instrumento. O que me intriga é que, agora, mais uma vez, houve uma redemocratização do Brasil, que é ainda mais profunda e significativa do que a de depois de 1945, e a pergunta é: por que o Brasil não mudou do corporativismo para o pluralismo? Por que sobreviveu todo esse aparato, expresso, por exemplo pelo imposto sindical, mas também por outros tipos de instituições como Sesi, Sesc etc. Mais peculiar ainda é o fato de o antigo Lula ter sido um oponente, o qual acho, não tenho certeza, entrevistei, pois conversei com vários líderes sindicais em São Paulo, quando estive aqui em 1967. [Lula tornou-se dirigente sindical, pela primeira vez, em 1969, como suplente, e em 1972, como titular].
Valor: E por que o Brasil não mudou?
Schmitter: Não tenho uma resposta, porque não estou estudando mais o país. Mas se você pegar o México, que tinha um sistema muito parecido, iniciado em 1936, a democratização representou a desintegração do modelo corporativista.
Valor: Quais são os principais sinais de pluralismo no México?
Schmitter: As associações se tornaram voluntárias, você não precisa contribuir para elas, como se faz no imposto sindical. Você escolhe ser representado ou não e, em muitos casos, você tem mais de uma instituição representativa, há uma oficial e outra não oficial, ou várias. No Brasil, os capitalistas podem escolher a Fiesp ou sua associação não corporativista. Há uma forma de pluralismo para a burguesia. Mas não há para os trabalhadores.
Valor: Em países europeus, como os nórdicos, o corporativismo, denominado societal, também prevalece, mas não é do tipo estatal, como no Brasil. Qual é a diferença básica entre os dois? Por que no Brasil o modelo não é benéfico?
Schmitter: Lá, a diferença básica é que a estrutura de representação de interesses ainda é monopolista e hierárquica, como no Brasil, mas é voluntária. É produzida pela escolha livre dos trabalhadores e capitalistas. O sistema é formalmente voluntário, mas gera incentivos que tornam a associação quase compulsória. É muito difícil para um trabalhador sueco, por exemplo, não ser um membro de um sindicato. Porque os sindicatos oferecem uma série de serviços, de empréstimo, habitação, cobertura para o desempregado. A filiação é voluntária, mas está tão enraizada em políticas públicas que você não pode ficar fora. Já o corporativismo getulista, ou de Mussolini, é autoritário.
Valor: No entanto, há uma tese corrente de que o modelo corporativista brasileiro teria ajudado o país a enfrentar a grave crise econômica mundial de 2008. O que o senhor pensa sobre esse argumento?
Schmitter: Não tenho a menor ideia. Para responder a essa questão eu teria que saber que tipo de comportamento se deu. A resposta mais comum é a existência de pactos sociais, ou seja, acordos explícitos, negociados. Mas tipicamente, em sistemas de corporativismo estatal, não há coisas assim, o Estado impõe. Por exemplo: o sistema brasileiro de relações industriais é inteiramente dependente do salário mínimo. É uma decisão do Estado, ratificada pelo Parlamento. Não é independentemente negociado entre capital e trabalho.
Valor: Para o senhor, a persistência do corporativismo brasileiro é bizarra. O quadro partidário e o sistema eleitoral seriam caóticos. No entanto, a economia se mostrou forte e o Brasil é considerado uma democracia consolidada.
Schmitter: O Brasil é uma real democracia funcional. Mas seu componente mais caótico não são os grupos de interesse ou os movimentos sociais. São os partidos políticos. Vocês têm um sistema partidário e uma legislação eleitoral muito incomuns. Pessoas me dizem que o quadro partidário brasileiro não é tão caótico quanto parece, mas acho que vocês têm 17 partidos no Parlamento. Isso é absolutamente maluco. Apesar disso, e escrevi um artigo sobre o assunto, a qualidade da democracia, não só no Brasil, mas em outros lugares da América Latina, é melhor do que as pessoas pensam. Há obviamente exceções - a Bolívia é uma bagunça. E ninguém sensato esperaria que o Brasil se comporte como a Suécia.
Valor: O corporativismo, além de controlar e neutralizar o conflito social, foi visto como um instrumento para acelerar a industrialização e a modernização de países em desenvolvimento. Isso explicaria sua persistência no Brasil?
Schmitter: Essa é uma teoria muito associada a um romeno, Mihail Manoilesco, que foi muito, muito lido aqui no Brasil e que eu utilizei em meus trabalhos. Isso faria sentido nos anos 1930 e, talvez, nos anos 50, como uma desculpa. Talvez até tenha tido o seu efeito. Mas é irrelevante no momento atual. O Brasil hoje não precisa desse fóssil corporativista. O Brasil tem corporativismo porque foi herdado de um período anterior e é difícil se livrar dele. É uma situação de path-dependence. Por que o Brasil é tão dependente dessa trajetória? Não houve essa dependência na Espanha, em Portugal, no México ou qualquer outro lugar.
Valor: Como eles se livraram?
Schmitter: Muito facilmente. Tão logo você tem democracia e liberdade de associação, partidos políticos em competição, especialmente concorrendo pelo voto da classe trabalhadora, os socialistas, os comunistas, como na Espanha e em Portugal, você tem sindicatos socialistas e sindicatos comunistas. As instituições corporativistas prévias começam a se desintegrar, tornam-se não oficiais, não impostas, e passam a competir uma com as outras.
Valor: Por outro lado, o pluralismo é uma característica do sistema partidário brasileiro, considerado muito competitivo.
Schmitter: Que nada... É por isso que vocês têm 17 partidos. Talvez a resposta [para a persistência do corporativismo] seja que vocês tenham muitos partidos. O tipo de competição que fragmenta e destrói o corporativismo - que existe entre os capitalistas, mas especialmente entre os trabalhadores - não ocorre no Brasil. Porque vocês têm muitos fragmentos. Eu imaginaria que o PT, especialmente com a história de Lula, poderia ter sido o partido que competisse com outros partidos trabalhistas, um PTdoB ou qualquer sigla semelhante, a ponto de a competição levar à fragmentação do sistema, minando o corporativismo e abrindo espaço para o pluralismo nas organizações. Isso não aconteceu. Simples argumentos diriam que é por causa da cultura política brasileira. Isso é besteira. A explicação mais simples é que as organizações dos capitalistas e dos trabalhadores reforçam a trajetória dependente porque é bom para elas, querem continuar com o imposto sindical.
Valor: Até que ponto o pluralismo pode ser considerado um bom modelo para os tempos de prosperidade e o corporativismo, para as épocas de crise, como a de 2008?
Schmitter: Há uma hipótese tradicional de que quando você tem um "boom", que não é gerado pelo pluralismo como tal, o pluralismo permite uma espécie de flexibilidade para tomar vantagem desse momento. E o corporativismo, porque introduz regulações, restrições nos negócios, inibe. É uma hipótese que faz sentido.
Valor: O que o senhor está pesquisando atualmente?
Schmitter: Estou trabalhando em algo completamente revolucionário. Estou desenvolvendo um sistema de medida no qual posso pegar diferentes democracias e lhe dizer que tipo de capitalismo elas têm.
Valor: A democracia brasileira seria um ponto fora da curva?
Schmitter: Eu não estaria tão seguro... Mas nessa pesquisa estou estudando apenas os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as nações ricas.
Valor: O que há de revolucionário?
Schmitter: Há uma hipótese importante na literatura de variedades de capitalismo, que se baseia na noção de complementariedade institucional. Todo sistema capitalista pode se distinguir de outro sistema por um número de características: papel do Estado, governança corporativa, descentralização, papel das bolsas de valores, sistema de crédito etc. Eu meço oito variáveis no meu trabalho. A hipótese principal é que o que faz uma economia capitalista funcionar bem não é ter um tipo de instituição, mas ter instituições complementares. E a ideia é que há dois conjuntos de instituições complementares, ambas as quais funcionam bem, mas de forma diferente e que beneficiam as pessoas diferentemente. O primeiro é o capitalismo liberal, expresso pelo Consenso de Washington e que tem os Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália, Canadá como exemplos. O outro é o capitalismo social e cujos maiores representantes são Suécia, Dinamarca, Áustria, Finlândia, que são países corporativistas. Os dois sistemas têm instituições muito diferentes, mas que se complementam. Logo, o importante não é ter um sistema corporativista ou pluralista, mas se ele está inserido num conjunto de instituições. A segunda implicação dessa hipótese é que nos países de sistemas mistos as instituições não são complementares e, logo, seu desempenho será pior.
Valor: E isso se confirma?
Schmitter: Não. Essa é a hipótese que eu estou provando que não é verdade. Há capitalismos liberais e capitalismos sociais. Entre eles, pela minha medição, está provavelmente o país mais confuso, com a mais estranha mistura de instituições, que é o Japão. A predição, logo, é que o sistema japonês terá o pior desempenho.
Valor: Mas o Japão funciona bem, tem uma grande economia.
Schmitter: Não agora. Porque o Japão é o sistema capitalista com o pior desempenho após a crise. Ele costumava ter um bom desempenho, nos anos 1980 e 90. Agora, o capitalismo japonês está uma bagunça.
Valor: Por que isso aconteceu, as instituições japonesas mudaram desde 1980?
Schmitter: Esse é o ponto, não sei. Não estou medindo ao longo do tempo. Gostaria de fazê-lo, mas não tenho os recursos para tal. Mas veja a Coreia do Sul. Tem um sistema misto e está indo muito bem. A Alemanha também é um exemplo de sistema que não é liberal nem social. Mas tem instituições muito consistentes. A Alemanha e a Holanda saem da minha análise como sistemas híbridos e têm um desempenho muito bom. Ou seja, você não precisa ser liberal ou social. O pior é quando suas instituições são muito diversas, não complementares. É o caso da França e da Itália. A conclusão é que o capitalismo não é uma coisa boa ou ruim que depende apenas de uma instituição, mas de um padrão de instituições.
AVIAÇÃO
Trip compra mais quatro aeronaves da Embraer
Alberto Komatsu | De São Paulo
A Trip Linhas Aéreas anuncia hoje a aquisição de quatro aeronaves da Embraer, modelo 190, num investimento equivalente a US$ 172 milhões, a preços de lista. De acordo com o presidente da companhia aérea regional, José Mário Caprioli, são quatro opções de compra que foram convertidas em pedidos firmes.
Na Embraer, a avaliação é a de que o contrato com a Trip faz parte de uma tendência das empresas de comprar mais aviões para suprir a crescente demanda. No ano passado, o transporte aéreo de passageiros no país cresceu 23,5% diante de 2009. Para este ano, a estimativa das companhias aéreas é de uma expansão de pelo menos 15%.
"Estamos anunciando a compra de quatro aeronaves diretamente com a Embraer. Elas fazem parte do plano de chegarmos no ano que vem com uma frota de 70 aeronaves", diz Caprioli. Atualmente, a Trip tem 43 aeronaves e planeja encerrar 2011 com 57 unidades.
O diretor da Embraer para a América Latina e Caribe de aviação comercial, Eduardo Munhós de Campos, diz que o anúncio da Trip integra uma tendência não só no Brasil, mas em toda a América Latina.
"O anúncio da Trip não é um fato isolado. A compra dela faz parte de uma tendência do mercado para acompanhar o forte crescimento da demanda", afirma o executivo da Embraer. Os quatro jatos da Trip serão financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A Embraer entregou no ano passado 100 aviões para a aviação comercial. Segundo Campos, foi um dos piores desempenhos da fabricante brasileira por causa da crise. Em 2007, as entregas da Embraer somaram 130 unidades. Um ano depois, mais 162 jatos. Em 2009, foram 122 entregas. "Estamos muito otimistas em 2011", afirma Campos. A Embraer anuncia em meados de fim de março suas previsões para este ano.
Dos quatro aviões que estão sendo adquiridos pela Trip, um será entregue até o fim deste ano e os três restantes no ano que vem. Cada um terá capacidade para 110 passageiros. Somente este ano a Trip vai receber nove jatos 190, a maior parte de outra encomenda. Assim, a companhia vai dobrar sua frota de 190.
A Trip planeja atender 100 cidades brasileiras em até três anos, com a ajuda dos novos aviões, diz Caprioli. Atualmente, a empresa regional voa para 82 municípios. Os aviões que estão sendo anunciados e os que serão entregues ainda em 2011 também serão usados para aumentar a frequência de voos em localidades já atendidas pela companhia.
O cenário de aumento no preço do petróleo por causa do clima de incerteza no Oriente Médio, principalmente em virtude das manifestações contra o ditador da Líbia, Muamar Gadafi, será discutido na próxima reunião do conselho de administração da Trip. Caprioli diz que tradicionalmente a Trip não faz hedge de combustível porque sua frota tem um grande número de turboélices, mais econômicos do que jatos.
No entanto, como a frota de jatos da Trip está aumentando, a necessidade de hedge, ou não, será discutida em até 20 dias, revela o presidente da companhia aérea regional.
No dia 17 de janeiro, a Azul Linhas Aéreas anunciou uma revisão do seu planejamento de frota pelo segundo ano consecutivo. Na ocasião, seu fundador e presidente do conselho de administração, David Neeleman, comunicou a aquisição de três turboélices que não estavam previstos inicialmente. São modelos da fabricante franco-italiana ATR, modelo 72-200, para 70 passageiros. Em julho de 2010, a Azul anunciou pedido de 40 turboélices ATR 72-600.
TAM encomenda 34 aviões para os próximos 20 anos
A TAM Linhas Aéreas anunciou ontem a aquisição de 34 aeronaves para os próximos 20 anos, o que corresponde a um investimento de US$ 3,2 bilhões, a preços de tabela. São 32 aviões europeia Airbus, modelo A320 principamente para voos domésticos, e dois da americana Boeing, da família 777-300ER, para operação de longo curso.
O presidente-executivo da TAM, Líbano Barroso, diz que os dois aviões 777 não estavam previstos no planejamento inicial de frota da TAM. Foram adicionados por causa do crescimento da demanda por voos internacionais.
Em 2010, o fluxo de passageiros entre o Brasil e o exterior, por empresas aéreas nacionais, cresceu 20,4%, em relação a 2009. A demanda da TAM acumulou crescimento de 17,3% no mesmo período. "Verificamos aumento de demanda principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Os aviões de longo curso poderão ser usados para aumentarmos a frequência ou capacidade em cidades já atendidas", diz Líbano. Segundo ele, o aumento de oferta em voos ao exterior virá da troca de um A330, com 220 assentos, por um 777, de 360 lugares, 64% de espaço a mais.
Maior taxa de ocupação dos voos aumenta lucro da TAM
Alberto Komatsu | De São Paulo
Presidente da empresa não acredita em "guerra tarifária" neste ano; índice de rentabilidade que baliza reajuste de preços subiu em fevereiro.
A companhia aérea TAM anunciou ontem lucro líquido de R$ 150,6 milhões no último trimestre de 2010, o que representa um crescimento de 7,9% em relação ao resultado do mesmo período do ano anterior, quando foi apurado ganho de R$ 139,6 milhões. Os números apresentados ontem seguem as normas contábeis internacionais (IFRS).
O presidente-executivo da empresa, Líbano Barroso, diz que o bom desempenho foi obtido com o aumento na taxa de ocupação dos aviões.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a taxa média de ocupação dos aviões da TAM ficou em 71,6% de outubro a novembro, ou crescimento de 4,2 pontos percentuais diante do terceiro trimestre.
No ano, o lucro da TAM foi de R$ 637,4 milhões, o que representou um recuo de 48,9% em relação ao lucro de 2009, de R$ 1,24 bilhão. Líbano afirma que o lucro anual menor é resultado do impacto do câmbio.
"Em 2009 houve uma forte valorização do real em relação ao dólar. Já no ano passado o dólar andou meio de lado", diz o executivo.
A TAM teve receita líquida de R$ 3,22 bilhões no quarto trimestre de 2010, um crescimento de 29% em relação ao mesmo período de 2009. No ano, a receita da companhia somou R$ 11,38 bilhões, uma alta de 16,5% na comparação anual.
O resultado trimestral foi afetado por um acréscimo de 25,1% das despesas operacionais, que totalizaram R$ 3 bilhões nos últimos três meses de 2010, reflexo dos gastos maiores com combustíveis, pessoal e manutenção e reparos.
O banco de investimentos UBS, por meio de relatório, informa que a receita líquida do quarto trimestre veio 3,9% acima de suas expectativas.
O lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) de outubro a dezembro somou R$ 394,4 milhões, volume 50,6% superior. No acumulado do ano o Ebitda da companhia registrou expansão de 106,4%, ao ficar em R$ 1,6 bilhão.
O relatório do UBS informa que o Ebitda da TAM no último trimestre de 2010 ficou 2,5% abaixo de suas expectativas.
O presidente da holding TAM, Marco Antonio Bologna, disse que não acredita em "guerra tarifária" em 2011, pois o custo do assento por quilômetro oferecido, "yield", índice de rentabilidade que baliza reajustes de tarifas, teve aumento de 5% em fevereiro, na comparação com janeiro.
O "yield" da TAM no quarto trimestre de 2010 teve aumento de 10,1% na comparação com o terceiro trimestre. No ano, o índice acumulou alta de 10,5%.
EU&LIVROS
Movimento aeroviário muda negócio e vida urbana
Bloomberg Businesseek
"Aerotropolis: The Way We'll Live Next".
De John D. Kasarda e Greg Lindsay. Editora Farrar, Straus and Giroux, 480 págs. US$ 30,00
Se Ryan Bingham, personagem de George Clooney em "Amor sem Escalas", tivesse lido "Aerotropolis", talvez compreendesse o poder das forças globais que mantinham sua alma perdida lá em cima - e preferisse ir a uma cidade que está florescendo na Ásia. Uma colaboração entre John D. Kasarda, professor da Universidade da Carolina do Norte, e Greg Lindsay, jornalista que escreveu para várias publicações, inclusive "BusinessWeek", este livro de negócios-com-sociologia descreve como o movimento aeroviário remodela os negócios e a vida urbana, de Chicago a Shenzhen, e redefine nosso futuro.
Embora receba crédito como autor principal, Kasarda está presente como personagem principal, retratado na terceira pessoa. Espécie de evangelista, Kasarda viaja em pregação para empresas, cidades e países, que pretende convencer da importância de adotarem as novas regras do mundo dos negócios, para não correrem o risco de ficar para trás. Essas regras estão relacionados ao funcionamento da "aerotrópolis" - combinação de enorme aeroporto, cidade planejada, centro de embarque e um parque de escritórios futurístico. O aeroporto internacional de Dallas/Fortworth, no Texas, projetado nos anos 70, tornou-se uma proto-aerotrópolis e gerou o crescimento econômico daquela metrópole em expansão. Entre as aerotrópolis em desenvolvimento estão Dubai e Nova Songdo, na Coreia do Sul - cujas obras devem estar concluídas em 2015 - que funcionará como extensão do aeroporto internacional de Inchon, cujas enormes instalações foram inauguradas em 2001. Empresas já mudam seus escritórios para construções pré-fabricadas na Nova Songdo, a apenas duas horas de voo de Shangai e Pequim.
A era do Jato, no século XX, foi caracterizada pela construção de aeroportos nas periferias das cidades. A era do Instante, no século XXI - com viagens que favorecem a ubiquidade, escalas de trabalho de 24 horas/7 dias por semana e cadeias globais de suprimentos -, exigirá reconfiguração. Cidades deverão ocupar o entorno de aeroporto em círculos concêntricos de zonas comerciais e residenciais, como se vê na Nova Songdo e em Haiderabad, na Índia. Os autores acreditam que as forças econômicas e tecnológicas que orientam essa transformação são irresistíveis. Executivos e planejadores urbanos no Ocidente precisariam envolver-se nessa tendência em que Coreia do Sul - como China e Índia - já estão navegando.
"Aerotrópolis" segue a tradição de trabalhos como "Edge City", que explica aos leitores por que estão vivendo e trabalhando daquela maneira. Em "Edge City", Joel Garreau mostrou como os transportes moldaram a vida urbana (jumentos definiram a montanhosa Jerusalém; veleiros fizeram Lisboa; ferrovias induziram o crescimento de Chicago; a produção de automóveis em massa determinou a expansão da Los Angeles metropolitana). Garreau também mostrou como o asfalto, aviões e redes de computadores combinaram-se, nos anos 80, para produzir centros populacionais extraurbanos, em lugares como Virgínia. Kasarda e Lindsay começam seu relato por aqui, observando que Reston, na Virginia, e outras cidades alimentadoras do aeroporto Dulles podem ser vistas como precursoras de aerotrópolis desenvolvidas.
Não há dúvida que Kasarda e Lindsay estão envolvidos numa empreitada ambiciosa. Contudo, o melhor material em "Aerotrópolis" está em estudos de caso até pungentes de cidades esclerosadas para adotar a doutrina Kasarda. Em Chicago, Detroit, ou Nova York não faltam especialistas convictos de que seria melhor se pudessem derrubar aeroportos congestionados, construir novos e conectar empresas e pessoas por meio de linhas ferroviárias de alta velocidade. Contudo, a inércia política, interesses comerciais, orçamentos reduzidos e ativistas do tipo "aqui não" impedem a mudança. Os autores dão a entender que a incapacidade de evoluir levará velhas cidades ao desastre. Não obstante, Nova York e suas irmãs - afora Detroit, que tem problemas especiais próprios - de algum modo parecem ter ainda alguma vida em suas ruas supermovimentadas e mesmo nos saguões de seus aeroportos congestionados.
Os autores não esclarecem se a cidade-aeroporto do futuro representará evolução para melhor ou um novo círculo do inferno. Quem quer morar numa casa-padrão construída sobre um charco aterrado próximo do aeroporto-monstro de Seul? O que é precisamente a vida - ou será - em uma Nova Songdo não fica claro em "Aerotrópolis", mas as pistas não são encorajadoras. Os autores mostram entusiasmo sobre como a Nova Songdo e seus "clones" na China serão construídas por um consórcio que inclui Cisco, 3M e United Technologies.
URUGUAI
Mujica faz gestão ortodoxa no Uruguai e aposta na estabilidade
Daniel Rittner | De Montevidéu
"Harvard, que é tão dogmática quanto Moscou, está nos vencendo", protestou o ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica, então ministro de Agricultura da coalizão Frente Ampla, dizendo-se insatisfeito com os rumos do primeiro governo de esquerda da história do Uruguai. "Sempre pensei que se podia fazer um pouco mais", queixou-se, com nítido aborrecimento, em 2005.
Por essas e outras, há cerca de um ano, boa parte dos analistas e dirigentes políticos uruguaios questionava se Mujica manteria o tom conciliador com que havia saído das urnas, driblando as pressões de setores da Frente Ampla por uma gestão mais heterodoxa da economia e medidas que fugissem do carimbo de "esquerda light."
Agora, ao completar hoje um ano como presidente, o ex-guerrilheiro parece ter deixado para trás a ideologia de marxista que protagonizou a histórica invasão de Pando - quando ele e outros camaradas tomaram a delegacia, a central telefônica, bancos e outras instalações da cidade, em 1969 - para governar com a suavidade de quem mantém o hábito de cultivar flores e hortaliças na modesta chácara, a 15 quilômetros do centro de Montevidéu, onde já vivia e que faz as vezes, sem nenhum empregado, de residência presidencial.
Na economia e nas políticas sociais, pouco mudou em relação ao governo do ex-presidente Tabaré Vásquez, que iniciou uma expressiva queda do índice de pobreza, dos 33% registrados em 2005 para os atuais 18%. Mas são justamente a estabilidade e a segurança jurídica, na opinião de especialistas, que têm permitido a Mujica potencializar esses ganhos. O PIB caminha para o nono ano seguido de crescimento. A taxa de desemprego caiu para o recorde histórico de 5,4% em dezembro e os salários vêm aumentando cerca de 3% ao ano, em termos reais. Apontando a melhoria dos indicadores fiscais e da dívida, a agência Moody"s elevou recentemente em dois degraus a classificação de risco do Uruguai, deixando-o a um só passo do grau de investimento.
A lei de sigilo bancário foi flexibilizada e o Uruguai firmou tratados de bitributação com oito países, numa tentativa de sair da lista cinza de paraísos fiscais da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas as Justiças do Brasil e da Argentina, que já investigaram casos notórios de lavagem de dinheiro no país vizinho, continuam sem acordos com o Uruguai e não se beneficiaram com a nova legislação.
Mujica tem resistido às pressões de setores da Frente Ampla, como o Movimento de Participação Popular (MPP), seu partido de origem, por mudanças na política econômica. O presidente assumiu sua opção pela ortodoxia e entregou a gestão das finanças públicas ao vice-presidente Danilo Astori e seus aliados, que já comandavam o Ministério da Economia durante o governo de Tabaré. "O núcleo da equipe econômica é o mesmo de antes, e isso não é um mero detalhe", observa Ramiro Almada, sócio-diretor da consultoria Oikos, de Montevidéu. "Quando a esquerda chegou ao poder no Uruguai, parecia uma hecatombe e que todos os capitais iriam embora do país. Mas o governo, tanto de Tabaré quanto de Mujica, tem sido bastante responsável e aprendeu que a estabilidade econômica é fundamental."
Para muitos observadores, no entanto, a manutenção dessa estabilidade pode esbarrar na frágil maioria detida por Mujica no Congresso e pelas ameaças de movimentos radicais de sua base de apoio. "A Frente Ampla tem uma maioria muito precária: 50 votos contra 49 na Câmara de Representantes e 17 votos contra 14 no Senado", disse ao Valor o senador Pedro Bordaberry, do Partido Colorado, terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2009 e líder oposicionista em ascensão. "Daí a necessidade que existe de ampliar a base de apoio a outros partidos em questões essenciais para o país, como a macroeconomia, a segurança e a educação. Se ele optar só por sua coalizão, cada controvérsia será uma crise porque cada um dos 50 deputados sabe que seu voto é essencial."
Mas o presidente fez gestos importantes de conciliação. À oposição, ofereceu cargos de diretoria em estatais e autarquias que permitem acompanhar mais de perto e fiscalizar o governo. Para os militares septuagenários - sem aparentar rancor pelos 13 anos em que foi mantido preso e sob tortura -, defendeu prisão domiciliar àqueles que cumprem pena por crimes contra a humanidade na última ditadura (1973-1985).
Iniciativas como uma nova lei de parcerias público-privadas (PPPs) para fomentar investimentos em infraestrutura, ainda em fase de tramitação no Congresso, e a proposta de uma "reforma do Estado" marcaram o primeiro ano de Mujica. Ele enfrentou paralisações de funcionários públicos contra a determinação de jornada de trabalho mínima de seis horas por dia, carga já não cumprida em todos os setores da administração pública, como forma de compensar os baixos reajustes salariais do passado. Em uma medida de caráter simbólico, proibiu o uso de redes sociais como Facebook e Twitter em diversos escritórios governamentais, com a alegação de evitar a perda de tempo.
Apesar disso, Mujica não conseguiu interromper o inchaço da máquina estatal. Só nos quatro primeiros meses de seu governo, a quantidade de funcionários públicos aumentou mais de 3%. Bordaberry, que elogia a gestão macroeconômica, critica o "aumento desmedido de cargos de confiança e políticos."
No fim do ano passado, em meio à definição do orçamento pelos próximos cinco anos, viu uma escalada dos conflitos sindicais e greves gerais. Os catadores de lixo da capital também pararam e Mujica tomou uma decisão insólita: deslocar o Exército para recolher o lixo nas ruas. "O problema é que nunca os sindicatos haviam criado tanta expectativa", avalia o cientista político Adolfo Garcé, professor da Universidade da República.
Com um jeito assumidamente interiorano, gosta de sair para almoçar no centro velho de Montevidéu, sem avisar os assessores. Ninguém pode acusá-lo de enriquecimento, lícito ou não. O único patrimônio declarado é um Fusca modelo 1987, cujo valor estimado é de US$ 1,9 mil. A chácara está no nome de sua esposa. Ele doa 70% de seu salário, de US$ 11.545, a um programa de moradias populares.
"Mujica não precisa de pesquisas de opinião para saber o que as pessoas estão pensando na rua. É muito bom no diálogo e tem uma capacidade extraordinária de negociação, mas é fraco na gestão", afirma o professor Garcé. "Tabaré sabia que não sabia, e aí delegava. Mujica não sabe, mas não confia nos especialistas. Ele só confia em militantes, que povoaram o segundo escalão do governo. E é justamente o segundo escalão que move a administração pública."
LÍBIA
EUA já avaliam intervenção militar na Líbia
Agências internacionais
Os Estados Unidos começaram a discutir com países aliados uma possível intervenção militar na Líbia, que poderia contribuir para a queda do ditador Muamar Gadafi. Washington reposicionou ontem navios e aviões de guerra, colocando-os mais próximos da Líbia. O governo americano bloqueou ainda cerca de US$ 30 bilhões em ativos da Líbia.
Os governos americano e britânico falaram ontem em impor uma zona de exclusão aérea na Líbia para proteger civis dos ataques de Gadafi. Ontem houve relatos de ataques de aviões e helicópteros líbios a alvos civis. Não há confirmação independente.
Essa é a reação mais contundente do Ocidente desde o dia 15, quando começaram os protestos contra Gadafi e os confrontos na Líbia, que já teriam deixado mais de 2 mil mortos.
A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Susan Rice, disse que o país ainda espera para saber se a oposição a Gadafi aceitaria uma intervenção estrangeira.
Rice disse também que é prematuro discutir apoio militar a esses grupos, mas que Washington está tratando com países da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) uma operação militar na Líbia.
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse em Genebra que o reposicionamento dos navios da Sexta Frota americana (baseada na Itália) visa ajudar operações humanitários e de resgate na Líbia. Ela, porém, mandou um recado dúbio: que a operação naval não é um prenúncio de ação militar na Líbia, mas ao mesmo tempo que todas as opções estão sobre a mesa no que diz respeito à forma como Washington pretende lidar com a crise no país. Ela afirmou que "é hora de Gadafi" deixar o governo. "Agora", enfatizou.
O premiê britânico, David Cameron, foi mais direto: "Não descartamos o uso de forças militares", disse. E afirmou que está negociando com países aliados a imposição de uma zona de exclusão área em território líbio.
O primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, disse que seu governo solicitará à ONU a aprovação de uma área de exclusão.
O governo da Itália, que era um dos principais aliados de Gadafi no Ocidente, está avaliando ceder suas bases para que caças façam o controle aéreo de partes do território líbio, no caso de a ONU aprovar a medida, disse o ministro das Relações Exteriores, Franco Frattini.
Ontem, o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, procurou demonstrar que não há ainda nada definido sobre uma ação militar e que uma resolução do Conselho de Segurança da ONU exclui intervenção militar no país.
O Departamento do Tesouro americano anunciou ontem que bloqueou cerca de US$ 30 bilhões em ativos líbios nos EUA, aos quais Gadafi e família tinham acesso. Esse é o maior bloqueio de ativos estrangeiros já feito no país. Governos europeus estão adotando medida semelhante, num cerco econômico ao regime de Gadafi.
A disposição do governo americano de avaliar uma ação militar contra o líder líbio - há 41 anos no poder - ocorre após uma sucessão de críticas do Partido Republicano e de analistas conservadores, que atacaram Obama pela reação branda aos distúrbios na Líbia.
Na sexta-feira, porém, poucas horas depois de um avião ter retirado alguns dos últimos americanos da Líbia, Washington anunciou as primeiras sanções.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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