PRIMEIRA PÁGINA
PF na
penúria
Vitima de cortes orçamentários, a Polícia Federal
já não é mais a mesma. Sem poder realizar as
Empresas
tentam reduzir endividamento excessivo
A fixação dos analistas de ações pelo resultado
operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que as despesas
financeiras têm no lucro e, principalmente, no pagamento de dividendos aos
acionistas. O peso da dívida poder ser muito relevante. Em levantamento baseado
em dados da Economatica, o Valor identificou pelo menos sete casos de grandes
empresas em que o lucro operacional desaparece após o reconhecimento do serviço
da dívida
Anvisa
dá força a genéricos de uso hospitalar
Uma das prioridades da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) neste ano é apressar a chegada de remédios
genéricos de uso hospitalar ao mercado. A principal proposta é obrigar que os
fabricantes que detêm a patente desses produtos facilitem a aquisição dos
medicamentos para testes de bioequivalência. A medida vai garantir que as
farmacêuticas possam fazer os testes necessários para o registro de genéricos e
similares para tratamentos de alto custo ou com poucas alternativas
terapêuticas disponíveis. Segundo a agência, já houve casos de atrasos de até
um ano para que um medicamento voltado para oncologia chegasse ao mercado por bloqueio
de fabricantes. O projeto está em fase de consulta pública
Fed
levanta dúvida sobre suas metas
O Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, ficou
um pouco mais transparente com o anúncio de que perseguirá uma inflação de 2% a
longo prazo. Mas não dissipou as suspeitas de segmentos do mercado financeiro
de que poderá relegar a estabilidade de preços a um segundo plano para tentar
reanimar a economia americana
Um freio
na importação de orgânicos
Varejistas como Pão de Açúcar e Casa Santa Luzia
interromperam as importações ou reduziram drasticamente suas compras externas
de produtos orgânicos. Norma do Ministério da Agricultura, válida desde 1º de
janeiro de 2011, quando foi feita a regulamentação nacional dos orgânicos,
tornou obrigatória a certificação a partir de critérios de produção específicos
para o mercado brasileiro. Dessa forma, para chegar ao país, os exportadores
estrangeiros têm de pagar pela certificação local. "Eles não querem arcar
com o custo de uma segunda certificação. Simplesmente paramos de
importar", diz Leonardo Myao, diretor comercial do segmento de frutas,
legumes e verduras do Pão de Açúcar
Com
privatizações, Dilma quebra tabu no PT
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abortou
pessoalmente dois planos desenhados por seus auxiliares para abrir os
aeroportos para a iniciativa privada. Em 2008, vetou estudos do BNDES para
eventual privatização da Infraero. Em 2009, o governo trabalhou firmemente na
concessão do Galeão e de Viracopos, mas Lula vetou de novo o projeto
EDITORIAL
Cuba e
as ambiguidades da política externa brasileira
A concessão de visto de entrada no Brasil para a
dissidente cubana Yoani Sanchez mostra como o governo, quando motivado, pode
reduzir a ambiguidade que marca a diplomacia nacional em matéria de direitos
humanos. Se, além da tácita aprovação do governo cubano para o visto, o governo
brasileiro tiver conseguido a inédita autorização para saída de Yoani do país,
o governo brasileiro terá demonstrado na prática seu argumento sobre a
superioridade das negociações discretas em lugar da pressão escancarada sobre
governos "amigos" que não respeitam as liberdades individuais.
Com o visto a Yoani, o governo claramente busca
desocupar o palco durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, para
que possa brilhar o roteiro econômico programado para a viagem: empréstimos para
obras de infra-estrutura a cargo de uma grande empresa brasileira, linhas de
crédito para compra de alimentos "made in Brasil" pelos cubanos,
apoio do Palácio do Planalto às pálidas reformas econômicas liberalizantes
prometidas pela administração de Raúl Castro.
Sem declarações infelizes sobre dissidentes, como a
comparação com criminosos comuns feitas no governo passado, e com o sinal verde
para a visita de uma das dissidentes cubanas mais populares no exterior, Dilma
imagina equilibrar-se entre a tradicional política de não intervenção em
assuntos internos defendida pelo Itamaraty e a necessidade de dar uma resposta
aos que cobram seu anunciado compromisso com os direitos humanos - assunto que
quer evitar durante a visita.
Não é apenas um tema político; também está em jogo
a marca Brasil, em um mundo onde grandes empresas brasileiras com atuação
global começam a sentir a pressão de organizações não governamentais, que as
acusam de desrespeito a direitos humanos ou ao meio ambiente.
O esforço para constranger empresas de ação mundial
com etiquetas pouco lisonjeiras atende a preocupações legítimas da chamada
sociedade civil internacional, mas também serve a interesses dos competidores
internacionais das mesmas companhias, em sua disputa pela simpatia dos políticos
e da opinião pública. Pintar a imagem do Brasil com cores desfavoráveis
facilita o trabalho de quem procura apontar o setor privado brasileiro como
influência nociva - seja ao meio ambiente, seja aos direitos humanos, seja a
alguma outra grande causa internacional.
A surpresa com que foi recebido o visto a Yoani
revela, por um lado, desconhecimento da ação do Itamaraty, que não tinha
justificativa para fazer o contrário, e também não negou visto a outro
dissidente famoso, o Dalai Lama, apesar de gigantesca pressão contrária da
diplomacia chinesa. Não havia razão para negar a entrada de Yoani como não
havia contra o líder religioso, que, aliás, passou sem alarido por território
brasileiro no ano passado. O assombro com o visto à cubana mostra como ainda é
ambígua a imagem do governo em matéria de direitos humanos, até dentro do
Brasil, quando se trata de questões delicadas para governos aliados.
Dilma não deve dar destaque à questão dos direitos
humanos, nem pretende receber em Havana os grupos de dissidentes que pediram um
encontro com ela. O governo argumenta que, dessa forma, mantém boas relações
com o governo na ilha e pode exercer com mais eficiência uma influência benigna
na liberalização do modelo cubano. A presidente não esconde que esse raciocínio
não está isento de simpatia pelos governantes cubanos, especialmente pelo
ditador aposentado Fidel Castro, a quem ela pediu audiência.
Queira ou não Dilma não escapará do tema dos
direitos humanos, que faz parte da polêmica ideológica em torno da ilha e de
seus dirigentes. Cuba é apenas o exemplo mais vistoso de um dilema que o
governo brasileiro já enfrenta e enfrentará com frequência crescente ao apoiar
a ação de empresas brasileiras em países com ditaduras escancaradas e longevas,
como a de Cuba. Se não deseja firmar uma imagem de país sem valores essenciais
a não ser o desejo de expansão comercial, não bastará ao Brasil conceder vistos
diplomáticos a estrangeiros em desgraça ou acusar de hipocrisia e seletividade
as grandes potências que endossam as críticas aos parceiros do Brasil no mundo.
OPINIÃO
Como a
Europa pode voltar ao trabalho
Klaus F. Zimmermann
Sem sombra de dúvida, a reforma dos mercados de
trabalho é a parte mais crítica do processo de reforma na zona do euro e em
toda a União Europeia. Somente medidas bem-sucedidas nessa área poderão induzir
uma recuperação duradoura e focada no futuro da Europa. Os chefes de Estado
europeus têm uma excelente oportunidade para focar sua reunião de cúpula de
hoje em estratégias para reduzir o desemprego.
Embora o objetivo seja claro - o crescimento deve
ser estimulado em todos os países e o desemprego precisa encolher - é preciso
resistir à tentação de acreditar na existência de alguma solução de "tamanho
único". Longe disso. Cada país pode, e cada país deve, desenvolver sua
própria estratégia para reforma do mercado de trabalho. Cada país, e não
Bruxelas ou qualquer outra pessoa, é, portanto, responsável por seu próprio
destino. E isso tem uma razão muito simples. As condições, necessidades, opções
e desafios do mercado de trabalho, são distintas, em cada país, muitas vezes
significativamente, em diferentes países.
Alguns países têm um componente muito grande do
setor de serviços em sua economia nacional e, portanto, dependem em grande
parte da demanda doméstica. Outros dependem fortemente de exportações e devem
preparar-se contra um possível desaquecimento nessa frente. Existem, ainda,
aqueles que ainda precisam evoluir de uma dependência excessiva de estruturas
agrárias. E outros, ainda, precisam concentrar-se principalmente em reduzir os
enormes níveis de desemprego juvenil.
Porém mesmo países onde o desemprego já é bastante
baixo, como a Alemanha, têm de lidar com sérios desafios. Uma força de trabalho
em encolhimento e pressões sobre os sistemas de seguridade social sugerem
incentivos para adiar a idade de aposentadoria e fazer muito mais para integrar
as mulheres na força de trabalho. Essa é uma área onde a França e os países
escandinavos têm dado exemplos notáveis de como fazer a coisa certa.
E embora não caiba à Comissão Europeia em Bruxelas
prescrever qualquer caminho específico e, possivelmente, até mesmo uniforme, de
reforma, há um papel útil que a Comissão poderia desempenhar. Ela deveria acompanhar
e incentivar o progresso dos países quanto à liberalização do mercado de
trabalho e criação de novos empregos. Incentivar mudanças positivas seria um
uso verdadeiramente construtivo dos recursos de controle da Comissão. A
mentalidade atual - obcecada com o desempenho orçamentário dos países e a
imposição de sanções a países que já se encontram em graves dificuldades
fiscais - tende a ser contraproducente.
Especificamente, a Comissão Europeia pode melhorar
a mobilidade laboral na Europa, promovendo colaborações entre os birôs de
trabalho nacionais para intercambiar informações sobre vagas e trabalhadores
interessados e criar o extremamente necessário mercado de trabalho online
europeu. Uma mobilidade muito maior da mão de obra dos trabalhadores europeus é
a chave para gerar crescimento adicional mediante redução do desperdício de
recursos humanos. Da mesma forma, nós, europeus, podemos falar um total de 23
línguas oficiais na UE, mas isso não deveria nos impedir de fazer muito mais
para reconhecer os certificados de treinamento profissional de uma forma muito
mais aberta de outros países.
Nesse aspecto, a Alemanha pode se tornar um centro
precoce de atenção e reforma. Por causa do crescimento econômico sustentado, o
mercado de trabalho alemão está se aproximando do pleno emprego. Com o gradual
declínio da população total do país, as chances são de que haverá mais empregos
a serem preenchidos, na Alemanha, no futuro, do que o número de novos
trabalhadores que entram no mercado de trabalho a cada ano. Ao mesmo tempo, os
alemães têm estado na vanguarda daqueles particularmente preocupados em ter o
certificado "apropriado" de formação para novos funcionários.
Não posso imaginar que num mercado de trabalho de
500 milhões de pessoas, com muitos jovens sem um emprego, os empregadores
alemães não conseguiriam encontrar pessoal adequado em outros países. Na era de
mídias sociais e do Skype, não é muito difícil selecionar talentos, mesmo a
longas distâncias. A médio prazo, essa é uma estratégia de RH muito mais produtiva,
para as grandes empresas, do que a prática em que estão começando a se
envolver: tentar usar caça-talentos para roubar uns dos outros jovens
profissionais que estão apenas em seu primeiro emprego. Esse é, efetivamente,
um jogo de soma zero.
Uma mentalidade mais arejada e internacional também
seria um elemento poderoso rumo à eventual criação de economias mais dinâmicas
nos países de origem dos migrantes. Tomemos o exemplo da Turquia. Embora o país
não seja sequer membro da UE e a barreira de idioma seja certamente alta, a
Turquia tornou-se uma economia manufatureira muito atraente. Uma parte
fundamental do dinamismo recém-redescoberto baseia-se na transferência de
competências dos trabalhadores turcos que trabalhavam na Alemanha antes de
retornarem a seu país e criarem pequenas empresas. Desnecessário dizer que os
27 países da UE deveriam fazer, cada um em relação aos outros, o que a Alemanha
e Turquia fizeram, juntas, durante as últimas décadas, sem qualquer ato de
planejamento governamental.
Levar honestamente em conta particularmente as
necessidades e responsabilidades do norte da Europa também nos leva a pensar
muito diferentemente sobre o Norte da África, especialmente as pessoas com
formação superior na Tunísia ou no Egito. Falamos muito sobre o rápido
envelhecimento na Europa. Enquanto isso, a idade média no Egito é de 24 anos e
na Tunísia de 29,7 anos.
Se o exemplo turco demonstrou alguma coisa é que
ambos os lados podem se beneficiar, mesmo de formas inesperadas, do processo de
intercâmbio. Esse exemplo nos ensina que devemos abrir nossos olhos para o
potencial. O fato de as estratégias destinadas a suprir as necessidades de
nossos mercados de trabalho precisarem também se alinhar muito bem com a
estratégia da União Europeia em matéria de política externa certamente não fará
mal algum. (Tradução de Sergio Blum)
Klaus F. Zimmermann é diretor do IZA, Instituto
para o Estudo de Trabalho, Bonn, Alemanha
COLUNAS
Sergio
Leo
Com olhos na Argentina
A presidente Dilma Rousseff viaja a Cuba nesta
semana, incomodada porque, no Brasil, parece haver mais preocupação com a
questão dos direitos humanos na ilha que com o possível papel do Brasil nas transformações
liberalizantes do modelo econômico dirigido por Raúl Castro. Mas é ao Sul, e
não no Caribe, que está o maior incômodo sentido no Palácio do Planalto. Há más
notícias vindas da Argentina, e elas podem ficar piores.
No governo e na Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), sabe-se que os argentinos atravessarão dificuldades para
fechar suas contas externas neste ano, de queda de preços nas commodities de
exportação, quebra de safras com a seca e retração de mercados mundiais. Nos
últimos dias, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pediu audiência à presidente
argentina, Cristina Kirchner, e tem defendido a busca de alternativas para
melhorar as contas de comércio na Argentina. Um estudo, realizado ainda no
governo Luiz Inácio Lula da Silva, orienta as sugestões do executivo.
No governo Lula, a Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI), chegou a fazer um levantamento sobre a
competitividade argentina, na busca da desejada e ainda frustrada integração
produtiva com o vizinho. Até hoje, apenas a indústria automotiva conseguiu
êxito na integração dos parques produtivos de Brasil e Argentina, e mesmo essa
enfrenta agora problemas nas linhas de montagem com os atrasos de entrega de
peças provocado pelo protecionismo argentino. A ABDI chamou atenção para a
competitiva indústria de petróleo e gás e para a incipiente e promissora
indústria naval no país vizinho.
Não é por outra razão que esses dois exemplos têm
sido citados por Skaf. Mas o estudo da ABDI mostrou obstáculos aos argentinos
para se associar ao parque produtivo brasileiro de gás e petróleo ou fornecer
embarcações: falta padrão comum de certificação, há requisitos técnicos
divergentes e a legislação que privilegia fornecedores nacionais no Brasil
teria de ser alterada para incluir empresas do país vizinho. A novidade é a
postura da Fiesp, em busca de acordo com a Argentina - negligenciada pela
indústria brasileira em favor de mercados mais promissores, segundo admitiram
empresários paulistas reunidos há duas semanas na sede da federação.
Duas vozes foram importantes para garantir o tom
conciliatório na Fiesp: o diretor de Relações Internacionais e Comércio
Exterior, Roberto Giannetti, e o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior
no governo Lula Welber Barral.
A boa vontade não é consensual, porém. Executivos
do setor de calçados, furiosos com as constantes retenções indevidas de
mercadorias nas alfândegas, acusam a Argentina de não cumprir acordos, como o
firmado pelo setor para uma cota informal de exportações àquele mercado.
Os conflitos comerciais apartam os parques
produtivos e desencorajam empresários que poderiam sentir atração pela soma dos
dois mercados. Como o estudo da ABDI, há outras iniciativas ensaiadas no
governo Lula - como um projeto para financiamentos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas argentinas - que
acabaram paralisadas com a falta de sintonia entre os dois governos. Não
bastassem as divergências entre as equipes econômicas, é palpável a falta de
paciência de Dilma Rousseff com Cristina Kirchner.
Analistas argentinos reparam que as medidas
protecionistas no Brasil, ao contrário das adotadas pelo governo Kirchner, não
criaram incertezas nem interromperam as cadeias de fornecimento nacionais, e
cuidaram de preservar os sócios do Mercosul. A Argentina não cogita isentar o
Brasil das restrições de entrada de mercadorias; está premida pela carência de
divisas para cumprir suas obrigações internacionais. Como avaliou uma
consultoria argentina, para a Fiesp, um superávit comercial inferior a US$ 5
bilhões levaria o país à bancarrota.
Os problemas argentinos, como os dançarinos, no
tango, vêm em dupla: a encrenca econômica anda abraçada à política, que
complica a interlocução com o país vizinho. Difícil saber com quem afinar os
passos: o encarregado do mais recente controle sobre importações, Ricardo
Echegarray, presidente da Anfip (a Receita Federal argentina) recebeu caneladas
do poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que andou se
estranhando com o vice-presidente Amado Boudou e disputa influência no governo
com o outrora influente ministro de Planejamento e Investimento Público Júlio
de Vido.
Echegarray divulgou as normas para a declaração
antecipada que, a partir de 1º de fevereiro, todos importadores terão de
entregar à Anfip para ter liberada a entrada das mercadorias no país em um
prazo que prometeu não ser superior a dez dias corridos. Moreno telefonou a
dirigentes de associações empresariais exigindo que os importadores lhe mandem
por e-mail um formulário diferente do da Anfip com dados pormenorizados sobre o
que querem importar; e informou que deve levar até quinze dias úteis para
analisar os dados, até porque tem só oito funcionários para a tarefa.
Boudou entrou em cena, em entrevista para uma rádio
local, para dizer que ninguém precisa mandar nenhum e-mail a Moreno, pois a
Anfip será a "janela única" para informar ao governo.
Boudou também andou eriçando sensibilidades com
declarações sobre um possível terceiro mandato para Cristina - o que alguns
interpretaram como uma tentativa de abafar a disputa já existente entre
peronistas, para saber quem sucederá a presidente. É nesse ambiente movediço
que o Brasil quer evitar novas barreiras ao comércio bilateral. Cada passo
exigirá muito ensaio, e os calos são muitos; será quase impossível não pisar em
algum.
Sergio Leo é
repórter especial e escreve às segundas-feiras
POLITICA
Dilma
fortalece Casa Civil e amplia atuação da Junta Orçamentária
Por Fernando Exman | De Brasília
Passado o primeiro ano de seu mandato, a presidente
Dilma Rousseff decidiu mudar a forma de tocar a máquina pública. O freio de
arrumação, que busca uma maior eficiência e um melhor desempenho, foi feito nos
encontros setoriais realizados nos últimos dias e na reunião ministerial promovida
na segunda-feira. Como saldo, o governo federal deve ter a partir de agora mais
reuniões temáticas envolvendo os diversos atores do Executivo e de empresas
públicas, uma Casa Civil mais forte e uma Junta Orçamentária atuante.
"A ideia é desenvolver a cultura da
performance, do desempenho e da accountability. É uma lógica menos discursiva e
mais voltada à gestão", comentou uma autoridade do Palácio do Planalto,
acrescentando que, embora seja óbvio na iniciativa privada, isso muitas vezes
não é visto no setor público. "Os ministérios têm que ter capacidade de
prestar contas de seus trabalhos."
Em 2011, a presidente dividiu o governo em quatro
grandes eixos: infraestrutura, erradicação da pobreza extrema, desenvolvimento
econômico e direitos e cidadania. No Palácio do Planalto, entretanto, a
avaliação é de que esse modelo não funcionou como o imaginado.
Os investimentos em infraestrutura, por exemplo,
não ocorreram no ritmo esperado. O governo estima que a segunda edição do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) investirá R$ 955 bilhões entre 2011
e 2014, mas até setembro do ano passado apenas R$ 143,6 bilhões haviam sido
executados. Desse total, R$ 13,2 bilhões saíram do Orçamento Geral da União e
R$ 41,4 bilhões das empresas estatais.
Na área de erradicação da miséria, o Ministério do
Desenvolvimento Social bateu a meta fixada para a implementação do programa
Brasil Sem Miséria. Mas sobraram críticas à atuação do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. O eixo de cidadania e relacionamento com os movimentos
sociais, tocado pelo ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da
Presidência), tem recebido elogios no governo. Por outro lado, Dilma já cobrou
de integrantes do eixo de desenvolvimento econômico novas medidas de incentivo
à indústria e às exportações.
A demanda foi feita durante as reuniões sobre o
cenário econômico para 2012 e políticas de crédito e financiamento, que fizeram
parte da maratona de encontros setoriais promovida por Dilma na semana passada.
Também foram realizadas reuniões sobre a organização de grandes eventos
internacionais pelo Brasil, como a Copa de 2014, a Olimpíada de 2016 e a cúpula
sobre desenvolvimento sustentável Rio+20, energia, segurança pública, defesa
nacional, educação e saúde.
A presidente gostou desse modelo, que promoveu
debates intensos entre ministros, presidentes de bancos públicos, da Autoridade
Pública Olímpica e outros órgãos federais, atores convocados para participar
apenas das reuniões em que poderiam contribuir diretamente. Como resultado,
sinalizou aos seus subordinados que pretende "sistematizar" a
prática, intensificá-la e fazer novas rodadas dessas reuniões temáticas a cada
três meses. Assim, poderá analisar os detalhes do que for feito, verificar os
dados incluídos nos sistemas de monitoramento da Casa Civil, checar se as metas
fixadas previamente foram cumpridas e distribuir novas tarefas para que os
objetivos prioritários definidas para 2012 sejam alcançados.
"As reuniões setoriais e os despachos
coletivos eliminam as situações em que um ministro fica jogando a
responsabilidade para outro. O ministro tem a oportunidade de falar ou se calar
para sempre", explicou um interlocutor da presidente.
Nas palavras de auxiliares de Dilma, a atitude
deve-se ao fato de a presidente conhecer os desafios de cada Pasta,
característica de quem "está no governo federal há nove anos" e
chefiou a Casa Civil entre 2005 e 2010 na administração Luiz Inácio Lula da
Silva. Mas essa não foi a única medida influenciada pela experiência adquirida
por Dilma na Casa Civil.
Outra delas foi o recado dado aos ministros de que
não discutirá diretamente com eles a qualquer momento a elaboração de projetos
de lei, propostas de emenda à Constituição e decretos. Primeiro, ressaltou,
esses assuntos devem passar pela Casa Civil. Se por um lado Gleisi tende a se
fortalecer no governo e ganhar maior autoridade junto aos seus colegas de
Esplanada de Ministério, por outro Dilma cria um anteparo e evita que ministros
tentem debater com ela assuntos que não constem da pauta de seus despachos ou ainda
não estejam maduros dentro do governo.
Dilma também informou aos ministros que nenhum novo
projeto será inserido no PAC sem o crivo da Junta Orçamentária. O colegiado,
formado pelos ministros da Casa Civil, Fazenda e Planejamento e teoricamente
responsável pelas definições relativas à liberação de verbas para obras e
demais despesas do governo, já foi palco de disputas de poder entre a então
ministra da Casa Civil Dilma Rousseff e o então ministro da Fazenda Antonio
Palocci.
Até agora, a Junta Orçamentária vinha perdendo
importância no governo Dilma. Mas a presidente quer novamente evitar que
ministros tentem levar diretamente suas ideias ao gabinete presidencial, o que
ocorria no governo Lula, ou rotulem como obras do PAC projetos que não foram
originalmente incluídos no programa. O interesse de emplacar novos projetos
como empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento deve ser grande
neste ano. Em seu esforço para elevar os investimentos para impulsionar o
crescimento da economia, o governo decidiu poupar o PAC e o programa
habitacional Minha Casa, Minha Vida dos cortes do Orçamento que em breve serão
anunciados.
BRASIL
Para o
Brasil, ONU deve coordenar reconstrução do Haiti
Por De Havana
A presidente Dilma Rousseff deve ficar menos de
oito horas no Haiti, após deixar Havana, no dia 1º de fevereiro, mas a
expectativa é que ela faça um firme pronunciamento em relação ao futuro da
missão de paz das Nações Unidas (Minustah), aquartelada no país sob comando das
Forças Armadas do Brasil.
Na avaliação do governo brasileiro, o problema de
segurança no Haiti já não é crônico e o momento é oportuno para a ONU começar a
organizar um esforço efetivo dos países ricos em torno de um projeto de
reconstrução institucional e material do país.
O essencial, de acordo com fontes ligadas à missão
brasileira, é que as forças de paz deixem o país quando o Haiti tiver as
mínimas condições para caminhar com as próprias pernas. Na prática, isso
demanda construir a infraestrutura - ou reconstruir o que havia antes do
terremoto de 2010 - básica do país. Isso significa desde a capacitação
institucional, como a criação de uma nova força policial e projetos de
segurança alimentar até a construção de hospitais e usinas de energia.
A presidente vai assinar um convênio com os
haitianos na área de assistência de saúde, projeto a ser tocado por médicos
cubanos. No que se refere à infraestrutura, Dilma deve lançar a pedra
fundamental de uma usina hidrelétrica a ser construída com financiamento
brasileiro, promessa antiga que pode ganhar corpo agora dentro de um projeto de
financiamento da reconstrução, organizado e comandado pelas Nações Unidas.
Após o terremoto que há dois anos devastou Porto
Príncipe, a capital haitiana, os países ricos se comprometeram a enviar algo em
torno de US$ 2 bilhões para projetos de reconstrução. No entanto, a
instabilidade política haitiana levou os países e autoridades envolvidas com o
projeto, como o ex-presidente americano Bill Clinton, a recuar. Havia o receio
de que o dinheiro, assim como parte da ajuda humanitária enviada ao país após o
tremor de terra, pudesse ser desviado.
Desde então, no entanto, os brasileiros avaliam que
houve avanços institucionais. Há cerca de um ano, o cantor popular Michel
Martelly foi eleito presidente da República, com a transição de um governo
democraticamente eleito para outro, de oposição. No fim do ano passado, o
Congresso haitiano aprovou o programa de governo e o gabinete do
primeiro-ministro.
A própria ONU avalia que a situação de segurança no
país já permite o início de retirada das tropas adicionais autorizadas após o
terremoto de 2010. O contingente militar, de 8.940 homens, foi recentemente reduzido
para 7.340; o contingente policial, que contava com 4.391 pessoas, voltou para
o nível de antes de terremoto - 3.241.
As próximas reduções de contingente serão feitas
com base na situação de segurança local, que o governo brasileiro considera sob
controle. Isso quer dizer que, na prática, o poder das gangues que infestavam a
capital foi desmantelado e o crime no Haiti poderia ser controlado por uma nova
polícia nacional, como a que está sendo treinada e organizada pelo Brasil.
Nessa situação, a avaliação que se faz em Brasília
é que o presidente democraticamente eleito tem legitimidade para mediar a ajuda
internacional para a reconstrução do Haiti.
Apesar de avaliar que há progressos na reconstrução
institucional do país e "alívio da emergência humanitária gerada pelo
terremoto", o governo brasileiro também ainda enxerga fatores de
instabilidade e insegurança, principalmente aqueles que decorrem do desemprego
e da precariedade em que ainda vivem cerca de 500 mil deslocados pelo
terremoto. Os cálculos são que 4,6 milhões de haitianos se encontrem em
situação de insegurança alimentar. (RC)
Secex e
exportadores discutem regras para tradings
Por Tarso Veloso | De Brasília
As regras para a atuação das trading companies
poderão se tornar mais simples a partir deste ano. Na sexta-feira,
representantes da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do
Desenvolvimento irão se reunir com membros de associações de exportadores para
discutir a revisão do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, que disciplina as normas para
o funcionamento dessas empresas. A intenção do governo, segundo apurou o Valor,
é simplificar o processo de criação dessas companhias e facilitar a interação
com os produtores.
"Queremos favorecer o elo entre tradings e
pequenas empresas. É importante facilitar e garantir a participação dos
pequenos. Nós queremos facilitar as primeiras exportações das pequenas
empresas", diz a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.
"As tradings foram consideradas intermediários por muito tempo e hoje seu
papel é valorizado como o elo de ligação entre empresas de menor porte, sem
experiência no mercado externo, com outros países. Queremos reforçar esse
elo."
As exportações feitas pelas trading companies
registraram, no ano passado, um ritmo de crescimento menor do que o das vendas
externas totais do país. As tradings aumentaram os embarques em 19,3% no ano
passado em relação a 2010, totalizando US$ 29,6 bilhões, abaixo do crescimento
de 26,8% das exportações totais, que somaram US$ 256 bilhões.
Essa queda, diz Tatiana, não significa que o setor
está enfraquecido. O crescimento das exportações das tradings no ano passado
foi menor na comparação com 2010, mas foi o terceiro maior desde 2005. Entre
2005 e 2011, as tradings elevaram as vendas externas em 188,3%, passando de US$
10,3 bilhões em 2005 para US$ 29,6 bilhões no ano passado. No mesmo intervalo,
as exportações totais brasileiras aumentaram 116%.
As exportações das trading companies ficaram
concentradas em produtos básicos no ano passado. Dos US$ 29,6 bilhões vendidos
ao exterior em 2011, 87,1% foram desses itens. Os bens manufaturados
representaram 8,4% do total e os semimanufaturados, 4,5%.
O valor de itens básicos exportados representou
novo recorde histórico para o segmento, com crescimento de 19,3% sobre as
vendas externas de 2010, US$ 24,7 bilhões. "Foi um ano importante para
produtos básicos. Eles puxaram o ritmo das exportações. Um dos nossos desafios
é contribuir para o aumento das exportações de manufaturados por tradings e
incentivar as pequenas empresas a exportar por meio delas", explica
Tatiana.
Na lista dos principais produtos básicos
comercializados estão minério de ferro, soja em grãos, carne de frango, farelo
de soja, milho em grão, carne bovina, carne suína, café em grãos e carne salgada.
Entre os itens industrializados se destacam açúcar bruto, suco de laranja,
preparações e conservas de carne de peru, café solúvel, tubos de ferro ou aço
fundido e açúcar refinado.
A maior parte das mercadorias exportadas pelas
tradings são originárias de Estados com atividades extrativistas e agrícolas. O
Pará liderou as exportações por intermédio das trading em 2011, totalizando US$
11,8 bilhões, 40,0% do total vendido. Também se destacaram Minas Gerais, US$
4,7 bilhões, participação de 15,9%; Espírito Santo, US$ 4,2 bilhões (14,4%);
Mato Grosso, US$ 2,4 bilhões (8,2%) e São Paulo, US$ 1,6 bilhão (5,4%).
As importações feitas pelas trading brasileiras, ao
contrário das exportações, são compostas, quase na totalidade, por produtos
manufaturados -95,4% das compras. No ano passado, os automóveis foram o
principal item importado - US$ 2,1 bilhões, participação de 35,5% do total.
Aparecem a seguir máquinas automáticas para processamento de dados, com US$
249,3 milhões (4,1%), aparelhos transmissores e receptores de telefonia (US$
244,6 milhões, 4,1%) e máquinas e aparelhos de terraplenagem - US$ 179,8
milhões, 3%.
A China foi o principal fornecedor das tradings
brasileiras no ano passado, somando US$ 1,5 bilhão, valor equivalente a 25,1%
das compras totais no ano. Na segunda posição está a Argentina, US$ 1,1 bilhão,
participação de 18,7%.
Paraná
pode atrair novos projetos
Por De Fazenda Rio Grande (PR)
O governador do Paraná, Beto Richa, disse que o
Estado pode receber, nos próximos meses, investimentos privados que somam R$ 6
bilhões. O pronunciamento foi feito durante o início das obras da fábrica da
japonesa Sumitomo na sexta-feira, mas o governador não deu detalhes das outras
empresas.
Uma delas é a Klabin, maior fabricante brasileira
de papéis para embalagens, que deve decidir sobre a implantação de uma nova
fábrica de celulose ainda no primeiro trimestre de 2012, com investimento total
estimado em US$ 3,8 bilhões. Outra candidata é a Foxconn, de tecnologia. O
secretário de Indústria e Comércio do Paraná, Ricardo Barros, disse que está
definindo uma agenda para viajar para Taiwan e fevereiro para melhorar as
condições da proposta para que ela faça investimentos no Estado.
Arena
Pernambuco será a mais 'elitizada' do Nordeste
Por Murillo Camarotto | Do Recife
A Odebrecht divulgou na semana passada a
configuração interna da Arena Pernambuco, um dos quatros estádios do Nordeste
que receberão jogos da Copa do Mundo de 2014. No projeto, o número de cadeiras
destinadas ao torcedor de maior poder aquisitivo, seja em camarotes, cadeiras
especiais ou congêneres, chega a um terço dos 46 mil lugares. O percentual é
superior ao das arenas de Fortaleza e Salvador, onde esses lugares não passam
de 10,5% do total.
O diretor de Investimentos do Consórcio Arena
Pernambuco, Jayro Poggi, informou que a distribuição dos assentos foi definida
com base em análises do mercado local, que incluíram pesquisas e entrevistas individuais
e em grupo. Os estudos, segundo ele, identificaram uma demanda importante por
acomodações mais sofisticadas. "Há um segmento bem amplo desse público que
tem uma condição melhor e quer ter privacidade e acesso a serviços
diferenciados. E tínhamos que atender a isso", explicou o executivo.
Quem quiser pagar mais terá à disposição 11,5 mil
cadeiras especiais, mais espaçosas e com visão privilegiada do campo de jogo.
Também estão previstos 1,6 mil lugares em camarotes e outros 1,9 mil em frisas,
espécie de cercado com mesas e cadeiras onde os torcedores poderão ter acesso a
serviços de alimentação, por exemplo. Ao todo serão 15 mil lugares
"privê", ou 33% da capacidade da arena. No Castelão, em Fortaleza,
serão 10,5%, contra apenas 7,5% da Arena Fonte Nova, em Salvador. Em Natal, as
obras da Arena das Dunas estão atrasadas e ainda não houve definição.
Poggi informou também que cada setor do estádio
terá mais de uma faixa de preço. Segundo ele, haverá pelos menos dez opções
para quem quiser assistir futebol ou algum show musical na Arena Pernambuco,
prevista para ficar pronta no final deste ano. Para a Copa do Mundo, o
executivo lembrou que a FIFA tem autonomia absoluta sobre a comercialização dos
bilhetes.
Um dos fatores que pode explicar a quantidade de
acomodações "vip" é o contexto em que o estádio está inserido.
Localizada no município de São Lourenço da Mata, região metropolitana do
Recife, a Arena Pernambuco será a grande estrela da Cidade da Copa, projeto
bilionário que está sendo erguido pela Odebrecht no conceito de "smart
city " (cidade inteligente). Serão construídos edifícios residenciais de
médio e alto padrão, universidades, shopping center e hipermercado, entre
outros empreendimentos. O local também fica próximo das duas unidades
pernambucanas da Alphaville Urbanismo, cujas vendas estão bastante aquecidas.
Além das questões mercadológicas, a maior presença
de "áreas nobres" na Arena Pernambuco, quando comparada aos outros
estádios do Nordeste, pode ter influências culturais. Na avaliação de estudiosos,
há na sociedade pernambucana - com maior ênfase na parte de cima da pirâmide -
uma tendência um pouco mais acentuada para a distinção espacial entre as
classes sociais, herança que ficou dos tempos, não muito distantes, em que os
senhores de engenho comandavam a política e a economia.
"O pernambucano, especialmente o da capital,
se vê diferente dos demais cidadãos do Nordeste, devido a uma importância
política e econômica que o Estado já teve nos tempos áureos do açúcar. É uma
espécie de complexo da aristocracia frustrada", analisa o cientista social
Tulio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco. A perda de importância em
nível nacional, ele avalia, pode estar por trás da constante necessidade de
auto-afirmação de uma parcela dos pernambucanos.
"Salvador, por exemplo, tem um perfil social
mais homogêneo que o de Recife, creio que por conta de nossa elite, que é um
tanto mais segregacionista", analisou o estudioso, que também desenvolve
pesquisas sobre as relações entre o futebol e a sociedade. "Com a ascensão
das classes mais baixas, o rico vai buscar seu espaço. E o Recife parece ter
uma elite mais disposta a ir ao estádio", completou.
Na mesma linha, a historiadora francesa Christine
Dabat, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), observa que os padrões de
distinção entre as classes sociais que foram estabelecidos pelo senhor de
engenho continuam presentes. "É uma singularidade histórica essa
configuração ideológica do que é ser pernambucano", afirmou a professora,
que há 30 anos estuda os reflexos da cultura do açúcar em Pernambuco.
Faz parte do folclore local, por exemplo, ter na
ponta da língua a lista dos símbolos da grandeza de Pernambuco, como a maior
avenida em linha reta do mundo, o maior teatro a céu aberto do mundo e o maior
bloco de carnaval do mundo, entre outras.
INTERNACIONAL
País
desperta forte interesse em Davos
Por De Davos
O salão no Hotel Belvedere, em Davos, estava cheio
de convidados do governo brasileiro. O alemão Eric Essiger, presidente da
Emirates Capital, parecia não conhecer muita gente. Mas queria só uma coisa:
saber como investir "muitas centenas de milhões de dólares"" no
Brasil.
A Emirates Capital caça investimentos para seus
clientes, incluindo fundos soberanos e empresas da Arábia Saudita, como ele
contou. Seu objetivo é simples: com a Europa em crise e os investimentos rendendo
pouco no velho continente, seus clientes querem investir dinheiro em minas de
ouro e em aquisição de terras no Brasil, que são consideradas aplicações
seguras.
Essiger acertou um encontro com o
secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC), Alessando Teixeira, para a semana que vem em Brasília. E
reiterou que o montante do dinheiro depende do que o Brasil pode aceitar como
investimento que a Emirates quer fazer. Despediu-se e partiu antes do fim do
almoço.
Dois outros fundos de investimentos procuraram os
representantes brasileiros para dizer que querem investir "mais de US$ 1
bilhão no Brasil. No encontro de sábado ao meio-dia, que a Apex (Agência de
Promoção de Exportações) organizou, a impressão era de que todo mundo queria
investir ou pelo menos vender para o Brasil.
No Fórum Mundial de Economia, o interesse pelo país
foi forte entre participantes. Um debate sobre as perspectivas brasileiras
gastou quase todo o tempo em elogios. O ministro da Defesa da Noruega, Espen
Barth Eide, chegou a apontar semelhanças entre o modelo brasileiro, de
crescimento com inclusão social, e o norueguês. Outro ministro escandinavo
tinha sugerido para o Brasil deixar de ser modesto e contar mais ao mundo o que
está fazendo.
A voz discordante veio com o professor americano
Daniel Isenberg. Ele não aguentou, levantou-se quase no fim do debate para
reclamar de autossatisfação dos brasileiros. E passou a apontar problemas como
burocracia excessiva, insegurança, mercado de capital distorcido.
"Um fala que somos modestos, outro aponta
autossatisfação. A verdade deve estar no meio", comentou rindo o ministro
das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Ele e Teixeira, do MDIC, foram
incansáveis nas explicações sobre a situação brasileira, ao longo do fórum de
Davos.
A presença brasileira terminou com uma "noite
cultural" no Centro do Congresso, onde os líderes fazem seus discursos,
que dificilmente a elite mundial esquecerá. Foi provavelmente a melhor festa
promovida nos últimos anos em Davos. Sem exageros, elegante, com boa
representatividade da culinária brasileira - de tapioca a feijoada, picanha e
bobo de camarão -, um excelente balé (grupo Corpo, de Belo Horizonte), música
variando de bossa nova e forró a samba e chorinho. E, para completar, imagens
do Brasil passando nos telões, para admiração geral.
A equipe da Apex deu um show. E restou ao fim
sempre a mesma indagação de participantes: "onde está sua
presidente?". (AM)
Elite
econômica deixa Davos menos pessimista sobre a crise na Europa
Por De Davos
A elite econômica e política mundial partiu de
Davos, nos Alpes suíços, aparentemente menos pessimista do que na chegada.
Mudou o sentimento sobre a crise da zona do euro, o principal foco de problema
da economia mundial. Fala-se menos de iminente colapso do euro, e o foco agora
é como e quando dar uma solução definitiva às turbulências provocadas pela
dívida soberana de vários países.
A inundação de liquidez de €490 bilhões dada pelo
Banco Central Europeu (BCE) a mais de 500 bancos, em dezembro, pode ter marcado
o começo do fim da crise da zona do euro, na avaliação de alguns participantes.
Não é a bazuca pedida pelo mercado, ou seja, um programa de ajuda financeira
bem mais amplo do que a Alemanha e outros países aceitaram até agora autorizar,
mas a crise pode ser resolvida sem ruptura.
O Fórum de Davos terminou ontem com os líderes
empresariais dizendo que a criação de emprego, sobretudo para os jovens, é a
principal prioridade. O capitalismo e o livre mercado devem ser mais sensíveis
a questões sociais. Paul Polman, CEO da Unilever, declarou ser inaceitável que
200 milhoes de pessoas estejam desempregadas.
O fato é que a elite global parecia meio
desmoralizada em Davos e precisamente sobre tema "o futuro do
capitalismo". Um debate do gênero há alguns anos seria um escândalo. Desta
vez, houve dois, organizados pela revista americana Time e pela BBC de Londres
juntamente com o fórum, examinando como "corrigir o capitalismo".
"Os empresários perderam sua orientação
moral"", afirmou a secretária-geral da Confederação Internacional de
Sindicatos, Sharan Burrow. Quem reagiu foi David M. Rubenstein, um dos
fundadores da private equity Carlyle Group, que embolsou cerca de US$ 400
milhões somente no ano passado. Ele defendeu o capitalismo como melhor sistema,
e acha que, para assegurar que o sistema seja justo, é preciso melhorar leis e
regulamentações, investir em educação e promover inovação.
O debate foi intenso sobre a crise, e opiniões para
reinventar o capitalismo variaram desde controlar os pagamentos excessivos dos
executivos a novos modelos de envolvimento do Estado para reduzir desigualdades
e promover justiça.
Nouriel Roubini, professor da Stern School of
Business, em Nova York, observou que o novo modelo de capitalismo de Estado
também tem seus problemas, como a própria China reconhece, com desigualdades
que alimentam a instabilidade política. Para Angel Gurria, secretário-geral da
OCDE, entidade que reúne os países ricos, "o que precisamos é livrar o
capitalismo de seu lado mais sombrio".
Sobre as economias emergentes, a avaliação é de que
representarão 68% do crescimento mundial na próxima década. A balança de poder
econômico é evidente em sua direção. Mas para Stephen Roach, professor na Yale
University, o conceito de emergente descolando das economias desenvolvidas é
irrelevante hoje. Mais importante é o de "resilientes"".
A China, como sempre, atraiu muita atenção. A
avaliação nos debates foi de que a transição de poder neste ano em Pequim levará
o país a se focar na estabilidade doméstica. A China tem 20% da população
mundial, mas apenas 10% do PIB global. E a expectativa é de que o pais
continuará reformando sua economia, privatizando também terras, para introduzir
mais confiança no sistema. Pequenas e médias empresas locais procuram competir
mais globalmente, tentando passar do "Made in China" para o
"Criado na China"".
Fragilizadas pela crise, as autoridades europeias
se sucederam em Davos para repetir que os progressos na zona do euro tem sido
importante, que o velho continente ainda tem muito a oferecer e seu modelo
social de mercado não está morto. Por exemplo, tem a maior "taxa per
capita de prosperidade" - renda, direitos humanos, qualidade do ar, entre
outros.
O futuro do poder dos EUA também esteve em
discussão. Nita Lowey, deputada democrata de Nova York, avisou que os EUA estão
determinados a manter sua força militar e ser o poder predominante no século
XXI. Bob Corker, senador republicano do Tennessee, provocou alguns comentários
irônicos, quando disse que os americanos não estão psicologicamente preparados
para ter papel secundário nos assuntos globais.
Quanto ao Japão, o país continua se recuperando do
tsunami do ano passado, que causou prejuízos de US$ 1 trilhão. (AM)
ESPECIAL
Depois
de veto de Lula, aeroporto privado vira realidade com Dilma
Por Daniel Rittner e Fábio Pupo | De Brasília e São Paulo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abortou
pessoalmente dois planos desenhados por seus auxiliares para abrir os
aeroportos para a iniciativa privada. Em 2008, vetou estudos do BNDES para uma
eventual privatização da Infraero, sugerida por empresários à então ministra
Dilma Rousseff. Em 2009, o governo trabalhou firmemente no projeto de concessão
do Galeão e de Viracopos, mas Lula vetou de novo a continuidade das discussões.
"Ele garantiu que honraria o compromisso de
não fazer privatizações", recorda um ex-assessor que convivia com o
petista no Palácio do Planalto, relativizando a magnitude dos leilões de
rodovias federais realizados em sua gestão. Lula não queria perder o eixo do
discurso explorado com insistência pelo PT nas últimas campanhas presidenciais:
o "sucesso" das intervenções estatais contra o "liberalismo"
tucano.
Nos primeiros meses de seu mandato, sob o fantasma
de um vexame na Copa do Mundo de 2014 e buscando destravar investimentos
necessários para atender a um crescimento da aviação comercial, que atingiu
estratosféricos 118% nos últimos oito anos, Dilma decidiu romper um paradigma
no PT e comprar a briga com os sindicatos. O resultado será transferir para a
gestão privada dois dos aeroportos mais lucrativos do país - Guarulhos e
Campinas -, além de Brasília, em leilão marcado para o próximo dia 6.
Segundo o governo, a escolha desses terminais para
a concessão ocorreu por concentrarem a maior necessidade de investimentos para
os próximos 30 anos para acompanhar a demanda. Hoje, os três aeroportos juntos
movimentam 30% dos passageiros, 57% das cargas e 19% das aeronaves do sistema
brasileiro.
"Ao fim desse processo, teremos quatro grandes
operadoras aeroportuárias concorrendo entre si", explica Marcelo Guaranys,
presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - incluindo na conta a
Infraero e ressaltando a regra que permite ao mesmo grupo privado arrematar
somente uma concessão.
Influi, nos números, o peso gigantesco do aeroporto
de Guarulhos, o mais lucrativo de todos. Ele integra o conjunto de apenas sete
terminais lucrativos, de um total de 66 controlados pela Infraero. Considerando
custos com depreciação, Guarulhos está no topo do ranking, com resultado
líquido aproximado de R$ 190 milhões por ano. Campinas está em quarto lugar -
depois de Congonhas e de Curitiba -, com R$ 17,9 milhões. Entre os 59 que dão
resultado negativo, está o de Brasília - prejuízo anual de R$ 4,5 milhões.
Por isso, a Anac chegou a conceber um modelo em que
aeroportos poderiam ser concedidos em bloco, reunindo lucrativos e deficitários
em um mesmo grupo. Avaliava-se que alguns terminais menores, que hoje operam no
vermelho, como Florianópolis, poderiam ser rentáveis com um "choque de
gestão" da iniciativa privada. No fim, prevaleceu um formato pelo qual
operadores privados assumirão os aeroportos mais estratégicos do país.
Guarulhos, o mais superlotado de toda a rede da
Infraero, é a principal porta de entrada e saída do país e tenta há quase dez
anos tirar do papel seu terceiro terminal de passageiros. Brasília, que também
opera acima de sua capacidade, tornou-se um dos maiores centros de distribuição
de voos domésticos. Viracopos, aposta do governo para o futuro da aviação
brasileira, se transformará no maior aeroporto da América Latina em 2023.
Os vencedores do leilão precisarão entregar as
obras da primeira fase dos contratos de concessão em 18 meses, o que inclui
novos terminais de passageiros e pátios de aeronaves. "É um cronograma
arriscado. Certamente precisaremos executar as obras em três turnos",
afirma um alto executivo de uma construtora que participará do leilão.
O dilema das grandes empresas pode ser resumido da
seguinte forma: as equipes de engenharia temem enfrentar problemas que ameacem
o calendário - e gerem multas de R$ 150 milhões -, enquanto as áreas de novos
negócios das empreiteiras veem boas perspectivas de retorno, se o desafio das
primeiras obras for superado.
Dilma cercou-se de cuidados, políticos e técnicos,
para levar adiante as concessões. Juntou uma equipe de tecnocratas conhecidos
no governo pela obsessão por detalhes para tocar o plano. Nenhum deles tem
carreira política. O time é encabeçado por um ex-diretor de infraestrutura do
BNDES (o ministro Wagner Bittencourt), um ex-diretor do Banco Central (Gustavo
do Vale, presidente da Infraero) e um economista de 34 anos, tido por colegas
do Planalto como "jovem brilhante" (Guaranys).
Politicamente, o governo tomou o cuidado de banir o
termo privatização de declarações públicas ou mesmo de conversas entre
assessores. A ideia é enfatizar a diferença com as concessões feitas no governo
Fernando Henrique Cardoso, como as de telefonia e as de ferrovias, frisando a
participação de 49% da Infraero nas futuras operações de Guarulhos, Campinas e
Brasília.
Outra precaução foi conceder uma série de
benefícios aos empregados da Infraero. Quem migrar para as concessionárias
privadas terá cinco anos de estabilidade e indenização de 1,2 salário por ano
trabalhado na estatal.
Até o fim de março, o governo pretende concluir um
plano de outorgas, que definirá quais aeroportos serão mantidos pela Infraero e
aqueles que serão repassados a governos estaduais ou ao setor privado. É
provável que o Galeão (RJ) e Confins (MG) estejam na segunda rodada de
concessões, que dificilmente sairá em 2012.
Alexandre de Barros, um ex-diretor da Anac que
agora dá aulas de engenharia de transportes na Universidade de Calgary
(Canadá), vê um cenário de intensa competição, no médio prazo, entre cinco
potenciais aeroportos privados. Brasília e Confins deverão concorrer como
"hubs" de voos domésticos. Além de disputar os passageiros nacionais,
os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Galeão vão competir fortemente também
pelos voos internacionais, acredita Barros.
Experiência
internacional indica aumento das tarifas aeroportuárias
Por De Brasília
A privatização de aeroportos em outros países reúne
uma coleção de experiências que guardam poucas semelhanças entre si. Há casos
de venda em definitivo dos ativos (Reino Unido), de contratos de aluguel de
terminais inteiros pelas companhias aéreas para gestão própria (Estados Unidos
e Canadá), de concessão de toda a rede de aeroportos a uma única operadora
(Argentina) e de divisão do sistema em grupos que juntam instalações rentáveis
e deficitárias (México).
O modelo brasileiro não é inspirado em nenhum outro
caso em particular, mas se aproxima da experiência australiana, na prática. A
Austrália concedeu cada um de seus grandes aeroportos - Sidney, Melbourne e
Brisbane - a empresas diferentes, que competem entre si por tráfego e para
atrair bases operacionais das companhias aéreas, como centros de distribuição
de passageiros em conexão. Há uma renegociação tarifária a cada cinco anos,
como no Brasil, onde está prevista a aplicação de um "fator-X" para
capturar os ganhos de produtividade em benefício dos passageiros. Entre as
renegociações, as tarifas australianas são reajustadas de acordo com a
inflação, mas é aplicado um desconto equivalente ao percentual de aumento
esperado da demanda para cada um dos aeroportos.
Independentemente do modelo seguido, quase todas as
experiências levaram ao mesmo lugar: aumento das tarifas aeroportuárias,
segundo um estudo feito pela Associação Internacional de Transporte Aéreo
(Iata). A entidade, que representa companhias aéreas de todo o planeta, checou
a situação de 12 aeroportos internacionais concedidos à iniciativa privada.
O aeroporto de Atenas, por exemplo, erguido por
conta da Olimpíada de 2004, chegou a ter um aumento de nada menos que 500% em
sua tarifa em relação àquela cobrada pelo aeroporto antigo. No Peru, o
aeroporto de Lima foi concedido sob a condição de que a concessionária pagasse
royalties de 46% sobre sua receita bruta. O resultado foi o aumento de tarifas
para o consumidor e para empresas aéreas.
"A experiência internacional demonstra que não
existe uma receita de bolo para a concessão, mas algumas propostas do modelo
brasileiro nos preocupam, como a cobrança de taxas sobre a receita de fontes
não tarifárias, como os espaços comerciais do aeroporto e o arrendamento das
áreas de dutos para abastecimento dos aviões", afirma Carlos Ebner,
diretor da Iata no Brasil.
O arrendamento das áreas de combustível, segundo
ele, costuma figurar como uma importante fonte de receita complementar do
concessionário. Hoje a taxa cobrada da companhia aérea é de 1,1% do volume de
combustível comprado. "O que nos preocupa é que isso não é regulado, como
acontece com as taxas de embarque, por exemplo. Qualquer movimento de preço
nesse tipo de serviço afeta as companhias aéreas, que automaticamente repassam
o aumento para o preço das passagens aéreas."
O aprendizado de algumas concessões internacionais,
segundo Ebner, também já demonstrou que o sucesso delas está diretamente ligado
à capacidade de o concessionário usar parte de sua receita comercial para
reduzir o preço das tarifas cobradas pelo aeroporto. "É isso o que torna
um aeroporto mais competitivo, mas no modelo brasileiro há o problema de
subsídio cruzado", comenta Ebner. "A receita comercial deve ir para
um fundo nacional da aviação civil, ou seja, o dinheiro não volta para a
melhoria daquele aeroporto, mas é distribuído entre vários."
Nos Estados Unidos, onde quase todos os grandes
aeroportos são estatais, há acordos com empresas aéreas para a administração de
terminais. Isso faz com que companhias como American, United, Delta e
Continental tenham bases operacionais em determinadas cidades. Investimentos em
ampliação da infraestrutura, no entanto, costumam ser feitos com dinheiro
público.
"A diferença com o Brasil é que, nos Estados
Unidos, não há lei de licitações nem concursos públicos. Isso dá, naturalmente,
muito mais agilidade para acompanhar a demanda por investimento", diz
Alexandre de Barros, professor de engenharia de transportes na Universidade de
Calgary e ex-diretor da Anac. Da rede de aeroportos americanos, 33% são
operados por autoridades municipais, como Atlanta; 30% por uma autoridade
aeroportuária, com representantes de várias instâncias, como Washington; e 6%
são geridos por consórcios intermunicipais, como Dallas/Forth Worth,
transformado em base de operações da American Airlines.
A divisão da rede de aeroportos por grupos, com
terminais rentáveis e deficitários em lotes iguais, foi uma opção estudada pelo
governo brasileiro. O objetivo desse modelo, adotado no México, é evitar que
apenas aeroportos lucrativos despertem interesse do setor privado e instalações
menores deixem de receber investimentos. No caso mexicano, houve divisão em
quatro grupos e só o aeroporto da capital, por onde passam 30% de todos os
passageiros, continua sendo gerido pelo Estado. Outros 34 aeroportos foram
distribuídos em três lotes, concedidos por 50 anos - renováveis por outros 50 -
entre 1998 e 2000, com um terminal-âncora por grupo (com 5 milhões de
passageiros/ano).
"A lição que podemos tirar do México é que os
concessionários concentram seus investimentos nos aeroportos principais. Por
mais que a regulação econômica crie incentivos para evitar isso, a tendência do
investidor é procurar brechas no contrato para aplicar recursos no aeroporto
que realmente lhe dá lucro", reconhece Alexandre de Barros. (DR e AB)
EMPRESAS & TECNOLOGIA
Anvisa
quer maior acesso a genéricos
Por Mônica Scaramuzzo | De São Paulo
A expansão do mercado de medicamentos no Brasil nos
últimos anos e as metas do governo federal de ampliar o acesso da população à
saúde estão trazendo novos desafios para a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Com uma estrutura enxuta, a agência sanitária brasileira
concentra esforços em 2012 para acelerar a chegada de medicamentos genéricos de
uso hospitalar no mercado e na eliminação de barreiras para facilitar o
ingresso de produtos inovadores no país.
Em entrevista ao Valor, Dirceu Barbano, presidente
da Anvisa, afirmou que a principal proposta da agência para agilizar o processo
de genéricos de uso hospitalar é obrigar os fabricantes que detêm a patente
desses produtos a facilitar a aquisição dos remédios para testes de
bioequivalência. Essa medida garantirá que as farmacêuticas possam fazer os
testes necessários para o registro de genéricos e similares para os tratamentos
de alto custo que, hoje, têm poucas alternativas terapêuticas disponíveis.
Esse processo ainda está em fase de consulta
pública e vai demorar cerca de 60 dias para ser concluído. O presidente da Anvisa
explicou que boa parte dos laboratórios encontra barreiras para adquirir
medicamentos de referência de uso hospitalar. "Incluímos dispositivos para
obrigar quem detém o registro de referência a não criar obstáculos para a
entrada do genérico do mercado." Essa aquisição é mais fácil para os
medicamentos que são vendidos nas redes de varejo.
Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos
(Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos), comemora a
iniciativa. "Muitos laboratórios bloqueiam as vendas desses produtos.
Levamos nossa dificuldade à Anvisa porque não conseguíamos fazer os
testes", disse.
Segundo Barbano, já houve casos de atrasos de até
um ano para que um medicamento voltado para oncologia fosse colocado no mercado
por conta dessas barreiras. A demora, em média, é de seis meses. Essas novas
regras devem acelerar a entrada de concorrentes. "Com isso, antes mesmo do
vencimento da patente, as empresas teriam condições de adquirir o produto para
desenvolver o genérico e pedir o registro", disse.
O mercado de genéricos movimenta cerca de US$ 5,5
bilhões por ano, segundo Finotti. O de área hospitalar está estimado em cerca
de US$ 6 bilhões, incluindo hospitais públicos, privados e clínicas, de acordo
com dados preliminares da consultoria IMS Heath.
Outro ponto importante no segmento de genéricos e
similares é que a partir de 2014 esses dois tipos medicamentos não terão mais
diferença sob o ponto de vista técnico. "Em 2004, a Anvisa tinha um grande
desafio que era decidir o que seriam feitos com os medicamentos similares. O
similar é uma cópia do medicamento de referência [com patente]. Mas
diferentemente do genérico, mantém uma marca", explicou.
Com a lei do genéricos, em 1999, os laboratórios
são obrigados a desenvolver uma cópia idêntica do medicamento de referência e
esse produto tem de passar por testes de bioequivalência para comprovar sua
eficácia. Como o Brasil não tinha lei de patente para medicamentos, muitos
remédios foram lançados no mercado, como cópias dos produtos de referência, mas
comercializados com marcas, garantidos pela lei 6.360, de 1976. Em 2004, a
Anvisa decidiu que todos os similares, para permanecerem no mercado, teriam de
fazer testes, uma vez que não passaram por estudos clínicos, como forma de se
estabelecer critérios de qualidade. "Definimos um prazo de adequação que
vai até 2014. Cerca de 90% desses medicamentos já obedecem esses
critérios", disse.
O desafio até 2014 será definir se os similares
deverão ser intercambiáveis com os de referência, como ocorre com os genéricos.
De acordo com a Anvisa, se um medicamento similar é prescrito pelo médico, não
pode ser intercambiável. "O país vai ter de resolver o que vai fazer,
mesmo porque, de fato, todos serão iguais", disse Barbano. Mas essa é uma
questão legal, que foge do fórum da Anvisa. "A princípio, eles podem ser
intercambiáveis", disse.
Ao Valor, Henrique Uchio Tada, diretor técnico
executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), que
representa os produtores de similares, disse que as empresas do setor vão
discutir, nos próximos meses, se querem que seus produtos sejam
intercambiáveis. "É uma questão estratégica de cada empresa."
Neste ano, a Anvisa também está olhando com mais
atenção a área de dispositivos médicos, que teve impacto importante com o
crescimento da economia. "Vamos participar de um fórum em Cingapura sobre
equipamentos para saúde. A Anvisa fará parte de um comitê gestor para permitir
que empresas tragam equipamentos para fabricar no Brasil e possam
exportar."
Barbano reconhece a demora na análise de
documentos, mas disse que a Anvisa está fazendo esforços internos, sem
necessidade de investimento de pessoal. Ele lembra que a agência foi criada em
1999 e fez concurso público em 2004. "O volume de trabalho de todos os segmentos
cresceu 20% por ano, nos últimos anos. Estamos empenhados em ganhar em
eficiência e dar respostas porque atividade regulatória não pode ser empecilho
em um momento ímpar da economia brasileira." Segundo ele, grande parte das
decisões depende de técnicos. "Eles têm de analisar com cautela porque
quando surge um problema, como ocorreu com os implantes mamários, a sociedade
vai querer uma resposta."
Até o fim de abril, a Anvisa colocará em prática o
registro eletrônico de dossiês, que passa a valer para os registros de novos
medicamentos. Em uma segunda etapa entram os genéricos e similares.
A agência está estreitando acordos de cooperação
com outros países para a troca de informações confidenciais sobre medicamentos.
A Anvisa está em linha com as agências da Argentina, Colômbia e Cuba e mantém
acordos bilaterais com os EUA, Canadá, França, Portugal, Suécia e China.
"Há quase uma impossibilidade de informação de harmonização global de
registros de produtos porque as leis regulatórias de cada país são diferentes.
Nosso empenho é trabalhar na pesquisa de reconhecimento de capacidade de outro
países." Segundo ele, a Anvisa levou à Organização Mundial da Saúde (OMS)
a experiência brasileira de partilhar informações de relatórios de inspeções. O
objetivo maior seria compartilhar os registros.
Italiana
Atlantia se une a Bertin em rodovias
Por De São Paulo
O grupo Bertin está fechando parceria com o grupo
italiano Atlantia para unir a administração das concessões de rodovias no
Brasil que pertencem aos dois grupos. Segundo fontes próximas das negociações,
juntas as duas empresas vão administrar cerca de 1.500 quilômetros espalhados
pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais e com faturamento bruto estimado
próximo a R$ 1 bilhão. A concessão dos trechos Sul e Leste do Rodoanel não deve
fazer parte do negócio.
A Atlantia é uma das maiores empresas de concessões
rodoviárias do mundo e faturou em 2010 cerca de € 4 bilhões. A empresa gere 4,5
mil quilômetros de estradas na Itália, Polônia, Índia, Chile e Brasil. A
empresa chegou ao país em 2010 quando adquiriu da Leão & Leão 50% da
concessionária Triângulo do Sol, que administra cerca de 400 quilômetros de
estradas em Minas Gerais. No ano passado, essa fatia da Atlantia chegou a 80%
na Triângulo do Sol, que agora fará parte da joint venture firmada com o grupo
Bertin.
Já o grupo Bertin vai colocar no negócio suas
concessionárias Nascentes das Gerais, que fica no Estado de Minas, Rodovias das
Colinas e Rodovias do Tietê, estas duas últimas no Estado de São Paulo. Juntas
as concessões do Bertin somam mais de 1.000 quilômetros de estradas. A
negociação também previa que o Rodoanel fizesse parte da joint venture mas
acabou ficando de fora do negócio. (JG)
Odebrecht
contrata haitianos para obras de Santo Antônio e Teles Pires
Por Josette Goulart | De São Paulo
Desde a segunda-feira passada, cerca de 40
haitianos que estavam refugiados em Brasiléia, no Acre, passaram a fazer parte
dos quadros de funcionários da construtora Norberto Odebrecht. Apesar da
dificuldade da língua, esses haitianos serão aproveitados na construção da
hidrelétrica de Teles Pires, que está sendo erguida no Mato Grosso. A
empreiteira é a única grande construtora que está contratando os imigrantes em
suas obras de energia. Outros 50 haitianos já estão em fase de contratação para
trabalharem na usina de Santo Antônio, em Porto Velho.
O diretor da Odebrecht Energia, Enio Silva, diz que
essa ainda é uma fase de testes para perceber a adaptação desses funcionários,
principalmente em termos de segurança em função da dificuldade de comunicação.
A empresa estuda até mesmo a mudança das placas de sinalização. Os haitianos
falam o crèole, ou crioulo haitiano, e não entendem nada de português. Por isso
mesmo, eles passarão por uma fase de treinamento para identificar palavras de
segurança em português. A construtora identificou entre os próprios imigrantes
um tradutor que fala francês, crèole, português e espanhol.
A meta, segundo Silva, é contratar até 300
imigrantes haitianos. Esse número não chega a 2% de todo o efetivo hoje nas
obras de energia da construtora. Além disso, outras empresas do grupo, com a
ETH e a Odebrecht Infraestrutura, também estão contratando haitianos para suas
obras.
A forte imigração que já trouxe ao país cerca de
cinco mil haitianos, segundo dados extra-oficiais, e fez o governo brasileiro,
neste início de ano, restringir a concessão de vistos. Desde 2010, cerca de
1.600 vistos foram concedidos e outros 2.400 estão em análise. Mas para entrar
no Brasil, os haitianos terão agora que obter o visto antecipadamente e ficou
restringido ao número de cem os vistos concedidos por mês. A imigração tem sido
motivada pelo grande número de obras no Brasil e pelas dificuldades que os
haitianos enfrentam desde o terremoto que devastou o país em 2010.
A questão tem sido delicada, apesar do forte
crescimento do emprego no país, principalmente em função do elevado número de
obras civis e de infraestrutura no Brasil. E há quem defenda que esses empregos
devem ser ocupados sempre por mão de obra local. A Odebrecht, entretanto, não
viu problemas em contratar esses imigrantes. Para as obras de Santo Antônio, a
empresa está recrutando haitianos que já estão na cidade. Segundo Enio Silva,
as igrejas e organizações que estão acolhendo essas pessoas em Porto Velho,
estimam que cerca de 500 haitianos moram hoje na cidade.
As obras de Santo Antônio empregam hoje mais de 14
mil funcionários e em Teles Pires o efetivo chega a 1.700.
Maersk
demonstra interesse nos ativos da Anadarko no Brasil
Por Assis Moreira | De Davos
O mercado do petróleo tem sido agitado nas últimas
semanas por rumores de que três grandes companhias petroleiras europeias
preparam-se para comprar os ativos da americana Anadarko Petroleum no Brasil,
num negocio estimado em mais de US$ 3 bilhões.
Jakob Thomasen, presidente da dinamarquesa Maersk
Oil, uma das três companhias que estariam interessadas, evitou em entrevista ao
Valor, em Davos, confirmar o negócio alegando que não comenta "rumores".
Mas o executivo imediatamente explicitou dois
pontos: primeiro, Maersk Oil quer se expandir no Brasil e não exclui
aquisições. E segundo, "gosta" dos ativos que a americana Anadarko
quer vender no pré-sal. "Os ativos que a Anadarko está vendendo são bons,
estão próximos de alguns dos nossos blocos, e gostamos daqueles blocos",
afirmou o executivo.
As informações publicadas na Europa são de que a
Maersk, a francesa Total e a norueguesa Statoil fariam juntos uma oferta para
aquisição de blocos da Anadarko até amanhã. A companhia americana contratou em
setembro o Citigroup, Morgan Stanley e Scotia Waterous para coordenar a venda
de seus blocos.
A Maersk tem seis blocos na bacia de Campos. A
expectativa é de explorar mais onze poços este ano. Os investimentos previstos
para o Brasil ficam por volta de US$ 200 milhoes em 2012 - sem eventual negocio
envolvendo a Anadarko.
Como outras empresas, a dinamarquesa constata que o
mercado aquecido no Brasil aumentou o custo de investimentos. Outra preocupação
é com a exigência de conteúdo local nos equipamentos para exploração,
inclusive, para o pré-sal.
"A ideia do conteúdo local é interessante, mas
acho que todas as companhias no Brasil vão enfrentar o desafio de como executar
os projetos", afirmou, em referência as dificuldades dos fornecedores na
entrega de equipamentos necessários a exploração de petróleo.
Além do Brasil, a Maersk Oil produz petróleo e gás
na Dinamarca, Noruega, Catar, Angola, Grã-Bretanha, Golfo do México e
Cazaquistão. "O que fazemos é projeto robusto comercialmente, sem estar
focados na volatilidade do preço do petróleo", afirmou Thomasen.
FINANÇAS
Guinada
do Fed abre suspeita sobre postura mais tolerante com inflação
Por Alex Ribeiro | De Washington
O Fed (Federal Reserve, o banco central americano)
ficou um pouco mais transparente com o anúncio de que perseguirá uma inflação
de 2% no longo prazo. Mas não foi capaz de eliminar as suspeitas entre
segmentos do mercado financeiro de que poderá relegar a estabilidade de preços
a segundo plano para tentar reanimar a economia dos Estados Unidos.
A cotação do ouro subiu nos dois dias que se
seguiram à decisão do Fed, acumulando valorização próxima de 10% em janeiro. O
dólar caiu perante as principais moedas do mundo. Os títulos do Tesouro
americano indexados à inflação mostram ganho de mais de 1,2% no mês, puxados
pelo aumento de demanda de quem aposta numa aceleração dos índices de preços.
À primeira vista, todo esse medo da inflação parece
desproporcional, já que o Fed, na prática, adotou uma âncora formal para sua
política monetária, com o objetivo de 2% para a variação de preços. Mas, quando
a decisão é vista em conjunto e em detalhe, o comprometimento com a
estabilidade de preços é menor que parece.
O Fed também indicou que os juros seguirão próximos
de zero até fins de 2014, e o presidente da instituição, Ben Bernanke, deixou
uma porta aberta para mais medidas não-convencionais de estímulo, ante a fraca
atividade econômica no país.
No comunicado divulgado ao mercado na semana
passada, o Fed menciona que perseguirá um "objetivo" de 2% para a
inflação de longo prazo. Definir um "objetivo" é algo mais suave do
que se comprometer com uma meta. É verdade que, na entrevista coletiva que
explicou a decisão, Bernanke chamou o "objetivo" de "meta".
Mas negou que o Fed esteja adotando um regime de metas de inflação. Ele
ratificou o mandato duplo de, ao mesmo tempo, buscar a estabilidade de preços e
o máximo emprego.
Para especialistas, formalmente não é possível
dizer que o Fed adotou um regime de metas de inflação, embora Bernanke seja um
reconhecido defensor desse sistema. Para ter um regime de metas, não basta
apenas ter uma meta, ou mesmo objetivo.
"O regime de metas de inflação tem como núcleo
a ideia de que a inflação baixa no longo prazo é o único objetivo factível para
um BC", afirma Marvin Goodfriends, professor de economia da Carnegie
Mellon University, em Pittsburgh, e ex-assessor do Fed de Richmond. "A
ideia por trás disso é que a melhor contribuição que o BC pode dar para um
baixo desemprego no longo prazo é adotar como objetivo uma inflação
baixa."
Ou seja, num legítimo regime de metas, o Fed teria
que ter conferido mais peso para a inflação do que para o máximo emprego.
Bernanke, porém, disse que a inflação baixa e o máximo emprego são dois
objetivos com pesos iguais dentro das decisões de política monetária.
Goodfriends acha que a adoção de um objetivo
inflacionário pelo Fed "não foi de muito benefício". Uma questão é
que o Fed indicou, no mesmo anúncio, que manterá os juros virtualmente em zero
por algum tempo. "Em outras palavras, a política monetária está sendo
relaxada, tirando a atenção dos riscos inflacionários", afirma o
professor. Ao mesmo tempo, anunciou um objetivo de 2% para o longo prazo, mas
sem definir operacionalmente como buscá-la.
Muitos analistas econômicos acreditam que, desde a
presidência de Alan Greenspan, o Fed segue num regime informal de metas de
inflação, com objetivo entre 1,5% e 2% e compromisso primordial de garantir a
estabilidade de preços. "O Fed já adotava na prática um regime flexível de
metas de inflação, como muitos outros Bcs", afirma Donald Kohn, ex-vice-presidente
do conselho de governadores do Fed, hoje pesquisador da Brookings Institution,
um importante centro de estudos de Washington.
O comunicado divulgado pelo Fed, lembra ele, deixa
claro que a inflação é um único objetivo quantitativo que a política monetária
pode perseguir, já que o desemprego de longo prazo de uma economia depende de
outros fatores, como estrutura do mercado de trabalho.
Banco
Central libera compra de letras financeiras entre bancos
Por Vinícius Pinheiro | De São Paulo
O Banco Central deu sinal verde para que os bancos
possam adquirir letras financeiras - títulos de dívida emitidos por bancos,
semelhantes às debêntures das empresas - emitidas por outras instituições. O
aval do BC, aliado ao aperto no compulsório sobre depósitos a prazo definido em
dezembro, deve dar novo impulso às emissões de letras, cujo estoque soma R$ 156
bilhões.
A posição oficial confirma o entendimento que o BC
já havia manifestado ao Valor em novembro passado. Havia uma dúvida no mercado
se a operação poderia ser vista como concessão de funding entre bancos, o que é
proibido pela legislação que trata do sistema financeiro nacional. À espera do
esclarecimento do BC, a Cetip não permitia o registro desse tipo de operação, o
que, na prática, inviabilizava qualquer negócio.
Com a liberação, a Cetip pretende liberar registro
de negociação de letras entre bancos a partir do dia 2 de fevereiro. A única
restrição agora é para a aquisição de letras financeiras emitidas por um banco
que detenha participação superior a 10% de outro.
Na avaliação do diretor comercial da Cetip, Carlos
Ratto, o parecer do BC mostra que havia, de fato, uma incerteza jurídica sobre
o assunto. "Pode ter ficado uma falsa impressão de que a Cetip estava
impondo uma restrição, quando uma de nossas funções é justamente trazer
segurança para o mercado", afirma.
A expectativa é que a liberação destrave as ofertas
públicas de letras financeiras, de acordo com o advogado António Aires, sócio
da área bancária do escritório Demarest & Almeida. Agora, os bancos de
investimento que coordenam as operações poderão conceder a chamada garantia
firme - por meio da qual se comprometem a adquirir os papéis caso não encontrem
investidores no mercado. Praticamente todas as emissões de títulos de renda
fixa no mercado de capitais nacional são realizadas com o uso desse mecanismo.
Até o momento, apenas o Banco Daycoval e a RCI -
financeira das montadoras Renault-Nissan - realizaram ofertas públicas de
letras. Outras instituições, como o Banco PSA, da Peugeot Citroën, também se
preparam para realizar captações públicas.
A liberação de compra de letras entre bancos deve
estimular também as operações privadas, principalmente após as mudanças nas
regras do compulsório sobre depósitos a prazo, em dezembro. Na norma, o BC
permitiu que a aquisição de letras financeiras fosse deduzida do recolhimento
do compulsório. Antes do ofício do BC, porém, as instituições só podiam comprar
títulos de outras de algum investidor que se dispusesse a vendê-los no mercado
secundário.
Com a solução do impasse sobre a negociação de
letras entre bancos, o mercado aguarda agora outras medidas para aperfeiçoar as
letras financeiras. Uma delas é o fim da proibição de cláusulas de resgate
antecipado dos papéis. Embora a intenção tenha sido reforçar o caráter de longo
prazo do instrumento, a regra dificulta a criação de compromissos (covenants)
nas operações. "Essa restrição dificulta as colocações de letras no
mercado", avalia Aires, do Demarest, que assessorou a emissão pública da
RCI, a primeira realizada no mercado brasileiro.
INVESTIMENTOS
Juros
queimam lucro
Por Fernando Torres | De São Paulo
A empresa de alimentos JBS acaba de concluir um
processo de reestruturação de dívida por meio do qual pretende economizar cerca
de R$ 350 milhões anuais em pagamento de juros.
A medida será relevante para a companhia, que faz
parte de um grupo de empresas em que a conta financeira "consumiu"
todo o ganho operacional gerado pelo negócio nos nove primeiros meses de 2011.
A fixação que os analistas de ações têm pelo
resultado operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que
as despesas financeiras têm no lucro que sobra para recolhimento de impostos e,
principalmente, pagamento de dividendos aos acionistas.
Mas em muitos casos ele pode ser relevante. Em
levantamento feito com base em dados da Economatica, o Valor identificou pelo
menos sete casos de grandes empresas em que o lucro operacional desaparece após
o registro do serviço da dívida.
Juntas, as empresas de alimentos Marfrig, Minerva e
JBS, as varejistas B2W e Globex e as companhias de infraestrutura Triunfo e
Rede Energia tiveram lucro antes de impostos e resultado financeiro (Ebit, na
sigla em inglês) de R$ 3,59 bilhões de janeiro a setembro do ano passado, o que
equivale a 4,1% da receita obtida pelas companhias no mesmo período.
O mesmo grupo de empresas, no entanto, teve
resultado financeiro líquido (já considerando as despesas e as receitas
financeiras) negativo de R$ 5,17 bilhões, restando um saldo negativo de R$ 1,57
bilhão no lucro antes da incidência de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre
Lucro Líquido (CSLL).
Em outras palavras, os credores ficaram com todo o
resultado operacional gerado pelos ativos das companhias até setembro.
Entre elas, apenas a Minerva conseguiu apresentar
saldo positivo na última linha do balanço no acumulado de janeiro a setembro,
por conta de efeito fiscal.
Cada uma das sete empresas citadas apresentou essa
situação no acumulado de janeiro a setembro, sendo que foram excluídas da
amostra as companhias que claramente se enquadraram na mesma situação apenas
por conta do efeito da alta de 18% do câmbio sobre a dívida em dólar no
terceiro trimestre, como é o caso de Fibria, General Shopping, Braskem,
Hypermarcas e Suzano.
Marfrig, Minerva e B2W tiveram resultado financeiro
negativo maior que o lucro operacional nos três primeiros trimestres de 2011.
No caso de Trunfo, JBS e Rede Energia, a situação se repetiu em dois
trimestres. Na Globex, isso foi verdade no primeiro trimestre, enquanto no
segundo a conta financeira consumiu 99% do Ebit e no terceiro trimestre a relação
caiu para 94%.
O que a teoria e a prática mostram é que isso
ocorre mesmo em empresas saudáveis durante os ciclos de investimento. As
companhias tomam empréstimos, investem o dinheiro em novos projetos ou em
aquisições no curto prazo, mas o retorno demora mais para aparecer.
Não existe uma regra de bolso que determine qual o
limite de comprometimento do lucro operacional com as despesas financeiras
líquidas.
Mas certamente não é normal que essa relação supere
100% de forma consistente. Nesses casos, é comum que haja um plano para
reverter a situação. Seja por aumento dos resultados operacionais, venda de
ativos, aumento de capital ou redução do custo do endividamento.
Além da JBS, que transferiu as dívidas da holding
brasileira para a controlada americana para pagar menos juros, outras empresas
do grupo também estão tomando ações para tratar da questão. A Marfrig vendeu
operações de logística recentemente e trocou ativos com a BRF- Brasil Foods e a
Rede Energia está em negociação para sua venda.
Minerva, B2W, Globex e Triunfo disseram que
consideram sua estrutura de capital adequada e não preveem nenhuma medida
específica para o curto prazo, confiando na melhora paulatina dos resultados
operacionais.
Em resposta por e-mail, o diretor de relações com
investidores da Marfrig, Ricardo Florence, disse que o foco principal neste ano
está no aumento da geração de caixa "a partir da maior integração das
unidades de negócio, buscando sinergias e melhoria nas margens, contribuindo
assim para a desalavancagem gradual da empresa".
O executivo mencionou ainda que a empresa vendeu
ativos de logística nos Estados Unidos e no Brasil por R$ 1 bilhão nos últimos
meses, sendo que esse dinheiro deve engordar o caixa da companhia. "Temos
medidas já implementadas e outras em implementação, como controle de custos e
redução de despesas, permitindo estrutura de capital mais eficiente",
disse.
Na Rede Energia, a assessoria disse que os
executivos não comentariam o caso, uma vez que a negociação para venda do
controle da companhia, conforme antecipado pelo Valor em dezembro, ainda está
em andamento.
O departamento financeiro da Minerva também
respondeu apenas por e-mail. A empresa disse que analisa sua capacidade de
pagamento excluindo do resultado financeiro as despesas que não têm efeito
caixa. Sob esse prisma (que ignora o regime de competência da contabilidade), o
lucro operacional teria superado a despesa financeira líquida de caixa em R$
61,9 milhões de janeiro a setembro.
Do ponto de vista de estrutura de capital, a
companhia também considera seu resultado adequado, com o argumento de que, se
for considerado um patrimônio liquido médio de R$ 500 milhões para o ano de
2011, o que exclui as debêntures obrigatoriamente conversíveis em ações no
valor de R$ 200 milhões (que entram no patrimônio), "o capital do
acionista está sendo remunerado a uma taxa de 12,38% até o terceiro
trimestre". Esse resultado se sustenta porque a empresa possui uma conta
de Imposto de Renda e CSLL positiva, deixando a última linha do balanço no azul.
Ao falar da controlada Globex, o diretor de
relações com investidores do grupo Pão de Açúcar, Vitor Fagá de Almeida, disse
que o endividamento da empresa é baixo, a despeito de as despesas financeiras
líquidas consumirem praticamente todo o lucro operacional. "A Globex está
num processo de integração e já deu lucro no terceiro trimestre", disse
ele, que confia numa melhora consistente do resultado.
No caso da Triunfo, o diretor financeiro, Sandro
Antônio de Lima, disse que não vê problema nos resultados atuais porque a
empresa "está desde 2007 em um forte ciclo de investimentos". "O
nível de endividamento da empresa é adequado e com perfil de longo prazo",
afirmou, dizendo que com o passar do tempo os resultados operacionais devem
crescer e reverter o quadro.
Mas apesar de garantir que a companhia não precisa
de aumento de capital com o plano atual de investimentos, Lima diz que vê com
bons olhos uma iniciativa desse tipo para o futuro, para elevar o percentual de
ações em circulação e a liquidez dos papéis da companhia. "Mas não neste
momento, porque o preço da ação está abaixo do que vale", disse. "Se
o valor estivesse melhor faríamos sim [um aumento de capital], porque isso
abriria mais espaço para oportunidades importantes de investimento", afirmou
o executivo.
Por e-mail, a companhia de comércio eletrônico B2W
lembrou que recebeu um aporte de capital privado de R$ 1 bilhão no início do
ano passado e disse que o investimento que está fazendo, de R$ 358 milhões em
2011, tem impacto na relação entre a geração de caixa e o resultado financeiro.
Segundo ela, esses "investimentos preveem um tempo de maturação e uma
geração futura de caixa".
A empresa disse também que a análise do resultados
dos nove primeiros meses distorce os dados, uma vez que 35% da geração de caixa
da companhia se concentra no quarto trimestre. Considerando os 12 meses até
setembro, e não apenas os três primeiros trimestre, a razão entre o resultado
financeiro e o Ebit da B2W cai de 1,54 vez para 1,39 vez, ou seja, a relação
continua negativa.
AGRONEGÓCIOS
Nova
regra trava entrada de orgânicos
Por Bettina Barros | De São Paulo
Uma norma do Ministério da Agricultura que tornou
mais rígida a entrada de produtos orgânicos no país está sendo considerada uma
"barreira protecionista" por alguns varejistas, que afirmam terem
sido afetados pela decisão.
Desde 1º de janeiro de 2011, quando foi implementada
a regulamentação nacional dos orgânicos, passou a ser obrigatória a
certificação a partir dos critérios de produção específicos para o Brasil. Até
então, cada certificadora seguia uma cartilha diferente, adotando como
referência regras existentes nos EUA, Europa ou Japão.
Para os varejistas, a criação desses padrões
nacionais acabou tendo o efeito de inviabilizar a importação de orgânicos
processados. Isso porque, na prática, a chancela que os agricultores
estrangeiros tinham para entrar no mercado brasileiro não vale mais. Para
chegar aqui, agora eles precisam pagar por uma outra certificação que olhe para
as especificações brasileiras. E muitos parecem ainda não estar dispostos a
tanto.
"Eles não querem arcar com o custo de uma
segunda certificação. Simplesmente paramos de importar", afirma Leonardo
Myao, diretor comercial do segmento de FLV (frutas, legumes e verduras) do Pão
de Açúcar e responsável pela oferta de orgânicos da rede varejista. "É um
retrocesso de sortimento para o consumidor. Não vejo esse rigor em nenhum outro
lugar do mundo". Segundo ele, a regulamentação "comeu 10% de toda a
minha taxa de crescimento".
De acordo com o executivo, a grande dificuldade é
que a medida do Ministério da Agricultura exige o rastreamento de todos os ingredientes
utilizados nos produtos orgânicos processados. Assim, em uma massa, por
exemplo, é necessário comprovar a origem orgânica da farinha de trigo, ovos e
fermento. Em produtos mais sofisticados, com maior número de matérias-primas,
Myao diz ser impossível cumprir isso. "Muitas vezes, as matérias-primas
vêm de vários países para a fabricação de um produto. E como é que se rastreia
e se comprova que o alho que veio da China é orgânico?".
A Casa Santa Luzia, em São Paulo, também
praticamente acabou com o seu portfólio de orgânicos importados
industrializados. Hoje, a empresa disponibiliza apenas dois tipos de massas -
que só consegue vender porque foram contratadas ou estocadas antes da
regulamentação entrar em vigor. Ana Fanelli, responsável pelo controle de
qualidade, afirma que o supermercado importou, até janeiro de 2011, cerca de 40
produtos, entre chocolates, massas, molhos, azeites, temperos, biscoitos e
arroz. "É uma filosofia da casa oferecer variedades de produtos, mas a
indústria nacional ainda não tem essas coisas". Apesar disso, o Santa
Luzia ainda oferece 320 itens orgânicos, entre industrializados e in natura,
feitos no Brasil.
Segundo o governo, o rastreamento é uma premissa
básica para a certificação. "Se é impossível comprovar a origem de um
alimento, como posso provar que ele é orgânico?", questiona Rogério Dias,
coordenador de Agroecologia do ministério. Não é isso, portanto, que está em
questão. "Há diferenças no processo de certificação dos países. Nos EUA, o
uso de ureia é permitido na produção animal. Aqui não, nem na Europa. O uso de
aditivos no processamento também não é possível em todos os lugares. São essas
diferenças que estamos olhando", explica.
Dias vê como uma possível explicação para que os
produtores estrangeiros não queiram arcar com os custos o fato de o mercado
interno brasileiro talvez ainda não ser tão atraente para esse segmento.
"Pode simplesmente estar faltando interesse comercial no Brasil. Mas aí
estamos falando de outro problema", diz. "Quando o nosso mercado
interno de orgânicos crescer mais, talvez isso mude".
Para ele, essas perdas fazem parte do processo de
enquadramento do Brasil no comércio internacional - e nada mais são do que
reciprocidade comercial. "Os nossos produtores, quando querem vender para
os EUA, precisam pagar uma certificação para o mercado americano. O mesmo
acontece para a Europa e o Japão. Sempre foi assim e sempre assumiram esse
custo. Por que aqui as coisas têm que ser mais fáceis? ", questiona.
O próximo passo - e Dias não arrisca dizer quando -
será buscar os ajustes nas regulamentações com outros países, o chamado
"reconhecimento de equivalência". Por esse mecanismo, as
certificadoras focariam na averiguação somente dos pontos de discordância -
caso da ureia e dos aditivos, por exemplo. "Mas antes precisamos arrumar a
casa. Os próprios produtores brasileiros estão tendo de se adaptar às novas
regras", diz Dias.
Analistas afirmam que a real dimensão da queda nos
importados é desconhecida porque não existem dados confiáveis. A declaração de
um produto cultivado sob esse preceito é hoje voluntária - e poucos
importadores o fazem, entre outros motivos, por burocracia.
O impacto da nova regra tem sido mais sentido no
Pão de Açúcar devido à sua parceria com o grupo francês Casino, que propiciou a
entrada de um portfólio considerável de produtos orgânicos processados, que se
estendia de molhos de tomates e massas a bolachas, chocolates, geleias, chás e
vinhos. "Agora importamos só dois itens - azeite do Chile e papinha
infantil da Argentina, que são fáceis de rastrear", diz Myao. Apesar do
recuo nos importados, o segmento teve um crescimento acima do esperado.
Produtos orgânicos perecíveis registraram incremento de 16% nas vendas sobre
2010, enquanto os de mercearia subiram 24%, superando em muito a alta de vendas
de seus pares convencionais.