Massacre de Eldorado dos Carajás completará 16 anos sem
nenhum preso
Amigos, as imagens são fortes, mas não posso deixar
de mostrá-las. Eu estava lá, pois faria parte das negociações com o governo
paraense na condição de Coordenador do Secretariado Nacional do Serviço Paz e
Justiça. Acabei sendo testemunha de um dos mais absurdos atos de violência
perpetrados por agentes do poder público em período democrático.
Há exatamente 15 anos, uma marcha de trabalhadores
rurais que ia para Belém, capital do Pará, terminou em um dos mais sangrentos
episódios de violência no campo da história recente do país. Por seu
simbolismo, o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de
1996, tornou-se um marco na luta pela terra no Brasil e no mundo.
Ao todo, 19 sem-terra foram mortos quando a Polícia
Militar do Estado recorreu à força para desobstruir um trecho da rodovia PA
150, conhecido como “curva do S”, no município de Eldorado dos Carajás, a cerca
de 750 quilômetros de Belém. Outras duas vítimas faleceram depois, por não resistirem
aos ferimentos causados pela repressão.
Para marcar a data, em 2002 foi instituído o Dia
Nacional da Luta pela Reforma Agrária, celebrado em 17 de abril. A iniciativa
partiu da então senadora Marina Silva e foi convertida em decreto assinado pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi também o massacre ocorrido no sudeste do Pará
que originou o chamado “Abril Vermelho”, jornada nacional de mobilizações
organizada todos os anos pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra) para cobrar a realização da reforma agrária.
Neste ano, desde o início do mês, segundo balanço
divulgado pela entidade na última sexta-feira (15), mais de 70 propriedades
haviam sido ocupadas. As ações, promovidas em 17 Estados, incluem também
audiências, debates, fechamento de estradas, protestos em sedes de secretarias
estaduais e escritórios regionais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária). Mais de 18 mil famílias estão mobilizadas.
Na pauta do movimento estão o assentamento urgente
de 100 mil famílias que vivem em acampamentos no país e políticas de apoio a
quem foi assentado, com investimento em moradias rurais, linhas de crédito,
programas de capacitação e educação. O governo já se reuniu com representantes
do MST para ouvir suas demandas.
Em Eldorado dos Carajás, onde foi criado o
assentamento 17 de abril em parte da área que era reivindicada pelos
trabalhadores mortos em 1996, uma semana de atividades foi programada. Segundo
Eurival Martins Cardoso, um dos coordenadores do MST na região, vivem hoje no
assentamento 6.000 pessoas. A área, que foi desapropriada, é de 18 mil
hectares, dividida em 690 lotes da reforma agrária. Cada quota de terra, de 25
hectares, foi entregue a uma família.
Dimas Rodrigues, um dos coordenadores do
assentamento, diz que o aniversário de 15 anos do massacre tem um duplo
significado para quem continua em Eldorado dos Carajás. Além de marcar a
renovação da luta, a data traz de volta a difícil missão de lidar com a herança
daquele trágico episódio.
- É um momento muito importante para nós. Muitas
vezes, quando a gente fala até se emociona, porque é uma data de 15 anos que
estamos completando, são 15 anos de impunidade pelo acontecimento. É uma data comemorativa
e ao mesmo tempo muito triste para nós.
Rodrigues era um dos cerca de 1.500 trabalhadores
que, na tarde do dia 17 de abril de 1996, participavam da manifestação na PA
150.
- Um grito de ordem que tem aqui diz que, enquanto
houver um latifúndio, nós vamos lutar até o fim, não vamos nos aquietar. Não é
porque aconteceu esse tipo de coisa que a gente vai se acovardar, de maneira
alguma. Vamos lutar até o último momento para que cada um tenha seu pedaço de
terra para ter uma vida digna.
Massacre
Era início de tarde quando os trabalhadores
aguardavam a chegada dos ônibus que os levariam para Belém. Os veículos haviam
sido prometidos pelas autoridades locais para que os manifestantes fossem à
capital negociar a expropriação do complexo de fazendas Macaxeira. Para cumprir
o acordo, os sem-terra haviam desobstruído a via. Os ônibus, no entanto, não
apareceram. Em seu lugar, chegou um batalhão de cerca de 150 policiais, o que
levou os trabalhadores a fechar novamente a rodovia.
Além dos 19 mortos, 69 pessoas ficaram gravemente
feridas. E muitas outras carregam, ainda hoje, marcas físicas e psicológicas da
tragédia. Há trabalhadores com balas alojadas no corpo, sobreviventes que
ficaram mutilados, gente que perdeu os movimentos dos membros e a visão.
De 144 policiais levados ao banco dos réus, 142
foram absolvidos. Houve apenas duas condenações: do coronel Mário Colares
Pantoja e do major José Maria Pereira Oliveira, apontados como comandantes da
operação.
Ambos, porém, recorreram da sentença, que é de
2002, e aguardam o desfecho do caso em liberdade. Passados 15 anos do episódio,
ninguém está na cadeia.
TEXTO: JÚLIO ROCHA
Fotos: JÚLIO ROCHA (07 de abril de
1996)
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