Pesquisar

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

13 de fevereiro de 2012 - VALOR ECONÔMICO



PRIMEIRA PÁGINA

COLUNAS

Abono salarial já custa R$ 10,3 bi
O gasto com o abono salarial está em uma trajetória explosiva e dobrou nos últimos quatro anos. Em 2007, essa despesa foi de R$ 5,1 bilhões e, no ano passado, atingiu R$ 10,38 bilhões, de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. A previsão do Ministério do Planejamento é que o gasto atinja neste ano R$ 13,3 bilhões - um aumento de 28%. O crescimento acelerado fez a equipe econômica do governo colocar essa despesa como uma daquelas que precisam ser controladas e discute formas de fazê-lo. O Palácio do Planalto acompanha as discussões, embora o assunto ainda não tenha sido levado à decisão da presidente Dilma Rousseff.

Lei aumenta encargo para bolsa escolar
Uma lei do fim do ano passado poderá desestimular empresas a concederem bolsas de estudos a seus funcionários. Até a edição da norma, a concessão de benefícios educacionais pelas companhias não era considerada parte do salário do trabalhador e, portanto, não estava sujeita à contribuição previdenciária. Com a Lei nº 12.513, só ficam livres da tributação os valores até R$ 933,00 mensais ou até 5% da remuneração do trabalhador. Vale o limite que for maior. Benefícios acima disso não contam mais com isenção. Em razão disso, o Laboratório Sabin, por exemplo, alterou sua política de concessão de benefícios para educação e reduziu a quantidade de vagas para bolsas de estudo

Governo dá novas missões ambiciosas para a Telebras
Reativada em 2010 para colocar de pé ambicioso plano de popularização da internet, a Telebras praticamente não saiu do lugar. Foi alvo constante de críticas das operadoras de telefonia, perdeu orçamento e sofreu com auditorias do Tribunal de Contas da União. Agora, o governo decidiu dar novo alento à estatal

Receita imbatível para vencer eleição
O comandante nacional do PRB e bispo da Igreja Universal, Marcos Pereira, um dia ouviu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a seguinte receita eleitoral: é preciso ter muito dinheiro, um partido robusto ou um grupo de comunicação forte. Com um dos três itens, o candidato é competitivo. Com dois, ganha-se a eleição e, se tiver os três itens, disse-lhe Lula, liquida-se qualquer opositor

EDITORIAL
BC amplia os instrumentos para conter a taxa de inflação

A economia brasileira está à beira de receber uma enxurrada de dólares, dada a abundância de liquidez internacional decorrente das ações mais recentes do Federal Reserve Bank (Fed, banco central americano) e do Banco Central Europeu (BCE). De janeiro aos primeiros dias de fevereiro houve um ingresso líquido de US$ 11 bilhões em moeda estrangeira. O Banco Central do Brasil já começou a se preparar para enfrentar a retomada dos fluxos de capitais.
Na sexta-feira, num sinal de que a situação externa melhorou, o Banco Central esticou o cronograma de redução da remuneração dos depósitos compulsórios dos bancos e indicou que estes voltarão a ser corrigidos por 100% da taxa Selic em junho de 2014. A medida original foi adotada em dezembro do ano passado para induzir os grandes bancos a repassar liquidez para os pequenos e médios.
A crise internacional continua presente, assim como a perda de dinamismo das economias desenvolvidas, mas as condições de liquidez são o elemento novo na análise da autoridade monetária. Estima-se que o Federal Reserve e o Banco Central Europeu vão irrigar os mercados com cerca de US$ 4 bilhões num mundo em que a taxa de juros é predominantemente negativa. O Brasil, com a taxa Selic de 10,5% ao ano, é um dos prováveis receptores de uma parte relevante desses recursos.
É a partir desse novo cenário que o Banco Central se reposiciona, ajusta medidas tomadas no passado recente, quando o crédito externo para o país diminuiu e ficou mais caro e recalibra a "caixa de ferramentas" da política monetária.
Se a missão do BC é uma só - cumprir a meta de inflação de 4,5% -, o instrumental para chegar lá não é mais e tão somente o manejo da taxa básica de juros, a Selic.
O Banco Central se comunica com a sociedade pelos seus documentos (ata do Copom e relatório trimestral de inflação) e pelos pronunciamentos da sua diretoria. A comunicação é parte da política monetária, na medida que é usada para coordenar as expectativas dos agentes econômicos em direção à meta de inflação.
Na última semana, a autoridade monetária enviou novas mensagens aos mercados: as medidas macroprudenciais - destinadas a mitigar riscos sistêmicos no setor financeiro - adotadas no ano passado para, ao fim e ao cabo, ajudar no controle da inflação, foram muito bem-sucedidas e vieram para ficar.
O BC disse ainda mais: essas medidas (como, por exemplo, a exigência de mais requerimento de capital para os bancos emprestarem aos seus clientes) mostraram ser mais rápidas nos seus efeitos sobre a demanda do que a própria taxa de juros.
E apontou um novo roteiro a seguir, embora sem prazos nem datas: juros e ações macroprudenciais devem ser instrumentos usados de forma coordenada e, se necessário, conforme o ciclo econômico, em direções contrárias.
Tomando o ciclo como hoje se apresenta no Brasil - economia em forte desaceleração e inflação alta, mas em queda - isso poderia significar uma trajetória mais acentuada de queda da taxa Selic e, em outra direção, um aperto no torniquete do crédito bancário, mediante ações de regulação do BC sobre o sistema bancário.
No caso de um aumento expressivo do ingresso de moeda estrangeira no país, o primeiro alvo é a taxa de câmbio. A moeda brasileira já se valorizou, este ano, 7,6%. Elevar as taxas de juros em caso de aceleração da inflação, como o mercado projeta para o fim deste ano e início de 2013, só agravaria esse quadro.
O caminho traçado pelo Banco Central é de redução dos juros este ano para um dígito. Pelas indicações mais recentes do BC, o mercado já projeta juros na casa dos 8% ao fim do exercício.
Pode-se discutir se a autoridade monetária está tomando riscos demais e se o uso de uma "caixa de ferramentas" ampliada é adequado ou não. Só não é prudente desconhecer que o mundo está andando de lado, continua sujeito a riscos de crédito e o Federal Reserve e o Banco Central Europeu resolveram abrir as "torneiras".
O debate internacional do pós-crise de 2008 tem se concentrado em como utilizar os dois instrumentos - juros e regulação - para alcançar dois objetivos: a estabilidade de preços e a estabilidade financeira. O Banco Central, aqui, não está alheio a essa discussão.

OPINIÃO
Commodities versus manufaturas

David Kupfer

Já há alguns anos o tema da desindustrialização vem motivando um amplo debate na sociedade brasileira. Provavelmente, o fato econômico que forneceu a moldura inicial para esse debate foi o crescimento das importações de bens manufaturados que acompanhou a inflexão para a apreciação cambial do final de 2004.
Posteriormente e, particularmente após o choque deixado pela crise financeira internacional de 2008, a preocupação com a competitividade microeconômica da indústria brasileira começou a ganhar espaço, trazendo novos contornos para a discussão. O aumento da importância da dimensão estrutural nessas novas condições de contorno vem mobilizando amplamente os economistas, de modo que os estudos de maior fôlego que são necessários para elucidar o tema estão começando a se tornar disponíveis.
E por que esses estudos de maior fôlego se fazem necessários? Uma razão está circunscrita ao âmbito estritamente positivo da questão. De acordo com a definição consagrada na literatura, desindustrialização nada mais é do que uma redução permanente (não cíclica) da participação da indústria no emprego total de uma economia. Uma variante cada vez mais usada busca relacionar o conceito à redução da participação da indústria não no emprego e sim no valor adicionado (PIB).
A troca da variável de medida parece plenamente justificável devido à crescente dificuldade de interpretação do efeito líquido sobre a estrutura produtiva da adoção de técnicas e métodos de organização da produção fortemente poupadores de mão de obra, em curso na atualidade. Contudo, introduz um novo componente tão ou mais difícil de analisar: os preços, incluindo os termos de troca de serviços versus bens e, dentre esses últimos, de commodities (bens agrícolas, minerais e semimanufaturados) versus manufaturas.
Não é sem razão que a participação da indústria no PIB brasileiro segue trajetórias tão discrepantes se calculada em valores correntes ou constantes. De acordo com dados do Ipeadata disponíveis para os últimos 60 anos, não ajustados para as diversas mudanças metodológicas introduzidas no sistema estatístico nacional no período, verificou-se, em valores correntes, uma queda de um máximo de cerca de 35% em 1985 para cerca de 15% em 2009, com a maior parcela da queda tendo ocorrido na década de 1990. Já em valores constantes, houve queda de um máximo de cerca de 21% em 1977 para cerca de 16% em 2009, com a maior parte da queda tendo ocorrido na década de 1980.
Porém, a principal razão que exige um mergulho mais profundo no tema da desindustrialização está no âmbito normativo e, portanto, não se esgota na mera averiguação da evolução do peso da indústria na composição estrutural do PIB ou do emprego. Para enfrentá-la, torna-se necessário considerar as causas concretas do processo de desindustrialização e contrastá-las com tendências esperadas de mudança estrutural que parecem acompanhar o desenvolvimento econômico das nações.
Sabidamente, pelo lado da demanda, a maior elasticidade-renda dos serviços frente aos produtos industriais faz com que, com o aumento da renda da população, a demanda dos primeiros cresça mais rapidamente que a dos segundos. Pelo lado da oferta, o crescimento da produtividade mais pronunciado na atividade industrial do que nos serviços altera os preços relativos, barateando os primeiros frente aos segundos. Em ambos os casos, o peso da indústria tende a se reduzir, mas esse tipo de desindustrialização é interpretado como um fenômeno "natural", um processo benigno que reflete o enriquecimento da sociedade e contra o qual nada se pode e, muito menos, se deve fazer.
Diferente é quando essas tendências afetam negativamente a competitividade da produção doméstica, seja por meio do deslocamento das exportações do país no mercado internacional, seja pela substituição da produção industrial nacional por produtos importados. Nesses casos, a perda de competitividade deve ser tratada como sintoma de alguma patologia. Dessas, as mais conhecidas são a doença de custos, caso em que o canal de transmissão se dá pelo aumento dos custos salariais em decorrência do encarecimento dos preços dos serviços (serviços versus bens) ou a doença holandesa, caso em que a erosão da competitividade se dá pela valorização cambial trazida pela especialização do país em produtos baseados em recursos naturais (commodities versus manufaturas).
Enquanto o entendimento mais preciso da direção e da intensidade do processo de mudança estrutural em curso no Brasil ainda está em construção, é interessante colocar em perspectiva uma ideia que, embora não pertença ao tema acima discutido, volta e meia, atravessa o debate no Brasil: a noção de que uma redução prévia do peso da atividade industrial pode ser desejável como requisito para uma expansão posterior. Geralmente manejado em defesa da abertura comercial, essa ideia apoia-se na hipótese de que o acesso a tecnologia incorporada em insumos e bens de capital importados, ao propiciar uma maior competitividade dos produtos finais, pode ser condição necessária e suficiente para garantir a melhor trajetória possível de desenvolvimento industrial. O problema é que esse resultado favorável somente ocorrerá se a produção dos bens finais for capaz de adicionar mais valor do que o montante contido nos bens importados utilizados em sua elaboração. Mesmo com os preços dos bens exportados pelo país nas alturas, isso é justamente o contrário do que vem sendo a tendência predominante no Brasil.
David Kupfer é professor e membro do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreve mensalmente às segundas-feiras

Brasil e China: uma reunião de concertação e cooperação

Michel Temer

Tenho a satisfação de copresidir, até amanhã, juntamente com o vice-primeiro-ministro da China, Wang Qishan, a 2ª Reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que constitui o mecanismo formal de mais alto nível nas relações bilaterais com a China.
A Cosban proporciona os canais institucionais necessários ao encaminhamento dos mais variados temas da parceria estratégica Brasil-China. Do diálogo político a temas de comércio e investimentos; da cooperação em energia, ciência e tecnologia à parceria no campo espacial e da educação e cultura, essa comissão envolve uma ampla gama de setores governamentais brasileiros, representando os interesses do empresariado, de instituições acadêmicas e de diferentes segmentos da sociedade brasileira.
Desde a primeira reunião da Cosban, realizada em 2006, quando a parte brasileira foi liderada pelo saudoso vice-presidente José Alencar, as relações sino-brasileiras apresentaram avanços expressivos, tornando-se crescentemente mais diversificadas e complexas. A face mais facilmente mensurável dessa relação nos mostra que, em 2006, o comércio bilateral era da ordem de US$ 16 bilhões, tendo crescido exponencialmente a cada ano, atingindo a cifra recorde de US$ 77,1 bilhões em 2011.
China e Brasil revelaram capacidade de reação rápida e consistente aos efeitos da crise de 2008 e de sua reincidência mais recente, centrada nos países da zona do euro. Os dois países têm importante papel a desempenhar na retomada da economia global e estão comprometidos a assegurar condições para manter seu crescimento interno de forma estável e robusta. Nossos respectivos programas domésticos de inclusão social foram intensificados, em benefício das camadas menos favorecidas de nossas populações.
Desde 2009, a China é um dos nossos principais parceiros comercial e fonte de novos investimentos no Brasil. Em 2011, nosso superávit com a China foi de US$ 11,5 bilhões, equivalente a 38% do superávit global brasileiro.
Com a visita de Estado da presidenta Dilma Rousseff à China, em abril de 2011, foram estabelecidas as bases para um salto qualitativo na parceria. O desafio é o de propiciar meios para irmos além da complementaridade que já caracteriza a relação bilateral. Precisamos, assim, diversificar os fluxos de comércio, de forma a aumentar a participação de produtos de maior valor agregado nas exportações brasileiras para a China.
No quadro da visita da presidenta Dilma Rousseff, houve também entendimentos com vistas a promover a diversificação dos investimentos nos dois sentidos. O Brasil empenhou-se com parceiros chineses no intuito de identificar novas áreas para investimentos, tendo presente a importância que atribui à agregação de valor às nossas cadeias produtivas.
Como resultado desse esforço, de acordo com dados do Conselho Empresarial Brasil-China, o perfil dos investimentos chineses no Brasil, antes concentrados nos setores de mineração, agricultura e petróleo, começou a mudar em 2011. De janeiro a outubro daquele ano, foram anunciados 16 projetos que representam US$ 7,14 bilhões de investimentos diretos chineses no Brasil, dos quais 74% destinados a manufaturas, semimanufaturas e pesquisa e desenvolvimento, além dos investimentos chineses nos setores alimentício, de defensivos agrícolas e de energia.
A parceria Brasil-China na área espacial, iniciada na década de 80, foi redimensionada por ocasião da visita da presidenta Dilma Rousseff, com a decisão do lançamento, até novembro de 2012, do satélite CBERS 3 e, até 2014, do CBERS 4. O projeto CBERS, sigla em inglês de Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, representa marco pioneiro na cooperação em alta tecnologia entre dois países em desenvolvimento. Estima-se que mais de 50 cientistas brasileiros estejam vinculados ao projeto.
A China será também importante parceira do Brasil na implementação do Programa Ciência sem Fronteiras, devendo receber anualmente até 100 estudantes e pesquisadores brasileiros no nível de pós-graduação, em áreas de alta especialização. A distância física e cultural permanece um obstáculo a ser vencido. Estamos buscando meios de maior aproximação entre as sociedades brasileira e chinesa por meio do ensino do mandarim em universidades brasileiras e do português na China, do estímulo ao turismo, do estabelecimento de centros culturais nos dois países, e da cooperação no campo dos esportes. Em 2013, será organizado o mês da China no Brasil e, no ano seguinte, o mês do Brasil na China.
A relação Brasil-China transcende a esfera bilateral e ganha contornos de grande relevância, neste momento de redesenho da governança global. Os dois países são parceiros no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); no G-20 - onde alinham interesses quanto à reforma das instituições financeiras internacionais; e no Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), onde coordenam posições sobre a temática da mudança do clima. A promoção do desenvolvimento sustentável é tema em que Brasil e China compartilham interesses. Acolheremos com satisfação a delegação da China à Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, que terá como foco o desenvolvimento da economia verde em contexto de erradicação da pobreza.
Com o objetivo de sistematizar os avanços alcançados e projetá-los em um horizonte de longo prazo, a presidenta Dilma Rousseff acolheu muito positivamente a proposta do primeiro-ministro Wen Jiabao de elaborar um Plano Decenal, que começaremos a elaborar a partir dos resultados da 2ª Cosban, com vistas a sua assinatura por ocasião de visita ao Brasil do primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, prevista para este ano.
As relações entre o Brasil e a China são tão amplas quanto diversificadas. A Cosban nos permitirá revisitar os diferentes setores que compõem o mosaico dos interesses bilaterais, sempre dentro da perspectiva de longo prazo e do caráter estratégico que norteia nossa parceria.
Michel Temer é vice-presidente da República.

COLUNAS
Sergio Leo
Honduras e Cuba, pontes do Brasil no Caribe

Duas nações problemáticas, catapultadas ao centro da política externa brasileira, Cuba e Honduras são título de um filme do baiano Dado Galvão sobre desrespeito aos direitos humanos, que seria - mas não foi - lançado na semana passada com dois convidados estrangeiros, ambos proibidos de sair de seus países. Um dos prisioneiros em solo pátrio, todos conhecem: a cubana Yoani Sánchez, blogueira e espinho na garganta dos irmãos Castro. Outro, Esdras Amado, jornalista, foi, segundo o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, retido por artifícios judiciais em Honduras.

Honduras, lembra?
Pois é, Honduras, cujo governo é acusado por ativistas e investigadores, como Esdras, de conivência com abusos aos direitos humanos, quer fortalecer laços com o Brasil. Era, no ano passado, o pequeno país centro-americano cujo governo não era reconhecido pela diplomacia brasileira, após um golpe de Estado derrubar o presidente eleito, Manuel Zelaya - que se refugiou dias depois na embaixada brasileira, de onde passou a fazer política, para enorme constrangimento e desmoralização do Itamaraty e do Planalto.
O modelo adotado pela diplomacia brasileira tanto com Cuba quanto com Honduras é um caso a merecer maior atenção, por refletir uma estratégia de expansão do Brasil no Caribe - subestimado por muito tempo no Itamaraty, que sempre o considerou área subordinada à esmagadora atração gravitacional dos Estados Unidos. No governo Lula, iniciou-se uma aproximação política, não só com governos de esquerda, como em Cuba e na Nicarágua, mas com a comunidade regional, o Caricom. Tentava-se apoio para negociações multilaterais, como as da Organização Mundial do Comércio, ou a busca incansável por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Com Dilma, essa aproximação política ganha contornos cada vez mais calcados no mundo dos negócios. Em 2009, ao recusar reconhecimento ao governo de Porfírio Lobo, eleito após o golpe contra Zelaya, o Brasil - acompanhado de outros governos latino-americanos - marcou posição contra mudanças no poder forçadas pelas armas, prática que se acreditava restrita às Américas dos anos 60 e 70. Uma negociação política, que anistiou Zelaya e permitiu a volta do presidente eleito ao país, abriu caminho para o reingresso de Honduras na comunidade latino-americana. E destravou negócios brasileiros, suspensos com a queda de Zelaya.
Não faltou quem, no Brasil, defendesse equivocadamente o golpe e condenasse a política adotada pelo governo brasileiro, por abominar o populista Zelaya. Nenhum desses críticos estava no Palácio do Itamaraty, na última quinta-feira, para ouvir uma defesa entusiasmada da aproximação com o Brasil por parte do chanceler hondurenho, Arturo Corrales (que chefiou missão a Brasília com seis dos principais ministros do país).
Corrales, que não foi cobrado por ninguém pelo escandaloso histórico de abusos atuais contra os direitos humanos em Honduras - retratado recentemente em página editorial do "The New York Times", com relato de assassinatos de opositores e repressão à imprensa -, reafirmou interesse em ter apoio brasileiro nas áreas de segurança e agricultura familiar; e chamou os empresários para investirem no país, que tem acordo de livre comércio com os EUA e anda construindo uma alternativa rodoviária ao Canal do Panamá, o "Canal Seco", de 54 quilômetros, ligando seus portos de águas profundíssimas no Atlântico e no Pacífico.
Foi o próprio presidente Lobo quem reforçou o pleito de Honduras por cooperação com o Brasil, ao encontrar a presidente Dilma Rousseff em dezembro, na posse da presidente argentina em Buenos Aires. Há pedidos hondurenhos para retomada da cooperação em turismo; a FGV faz estudo sobre a viabilidade da produção de etanol no país; negocia-se a compra de Super Tucanos da Embraer (com a venda de equipamentos para um centro de comando aéreo) e a concessão, a empreiteiras brasileiras, de obras hondurenhas.
Para incômodo de empresas locais, a Odebrecht é franca favorita e já obteve financiamento de US$ 271 milhões do BNDES para a construção das hidrelétricas de Los Llanitos e Jucatuyo, as principais obras de geração em Honduras. A Andrade Gutierrez construirá a represa de San Fernando, grande projeto de abastecimento hídrico; e quem está encarregado do Canal Seco são OAS e Queiroz Galvão, que já contam com US$ 145 milhões do BNDES, para a obra de custo total de US$ 219 milhões. Nesta semana, uma missão do Itamaraty vai ao país negociar projetos de cooperação.
A duvidosa distinção de Honduras como o país mais violento do continente, assolado pela disputa dos cartéis de drogas, reduz a importância do convite de Corrales para que empresas brasileiras se instalem no país para exportar ao mercado americano. Os EUA, aliás, têm programa conjunto com o Brasil para apoiar o combate às drogas no país. Mas as obras e programas - especialmente em agricultura - negociados com Honduras abrem grandes perspectivas para empresas brasileiras naquele mercado. Assim como no nascente mercado cubano.
Na visita de Dilma a Cuba, em que ela visitou o porto de Mariel, a cargo da Odebrecht, as conversas não se limitaram à futura zona de processamento de exportações, em estilo chinês, onde já se instalará uma fábrica brasileira de vidros. A Odebrecht negocia com capital angolano a construção de hotel de alto luxo e a exploração de níquel por lá. Os cubanos ofereceram facilidades para brasileiros na exploração de energia renovável com biomassa e de petróleo - a mineira Cowan já negocia exploração em águas profundas cubanas.
O Brasil, discretamente, levanta mais que ondas políticas nas nem sempre tão límpidas praias do Caribe.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

POLÍTICA
Policiais mobilizam-se até no Distrito Federal

Embora tenha arrefecido com o fim do motim da Polícia Militar na Bahia, a mobilização ainda pode se espalhar em outros Estados onde a corporação está insatisfeita com seus salários. Levantamento do Valor sobre o soldo do soldado em início de carreira mostra que o salário médio do país para a profissão é de R$ 2.164,18 - acima da renda média dos brasileiros em 2011, que foi de R$ 1.625,46, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entidades que representam associações da Polícia Militar farão assembleias na quarta-feira para decidir se cruzam os braços no Espírito Santo e Alagoas. Também há risco de motim em Pernambuco, Acre, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Tocantins e Mato Grosso, segundo militares e deputados que trabalham para aprovar o piso nacional. A proximidade do Carnaval, quando cresce a necessidade de policiamento, aumenta o poder de fogo dos policiais.
Até no Distrito Federal, onde os salários são usados como referência para o movimento em todo o país, oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros decidiram no sábado aderir a um movimento local para cobrar aumento de salários e benefícios do governador Agnelo Queiroz (PT). Eles participam de uma assembleia geral na quarta-feira.
Proximidade do Carnaval preocupa governadores e aumenta poder de barganha dos policiais
Segundo o presidente da Associação dos Oficiais do Corpo de Bombeiros Militares do Distrito Federal, Sérgio Aboud, por enquanto os oficiais não pensam em parar e a mobilização não tem relação com o motim iniciado em outros estados. Ele também nega que se trate de pressão pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 300.
"Mas ela realmente seria necessária. O policial ganha pouco e aí vai atrás de complemento que quem paga é o crime organizado. Hoje no DF não tem isso, mas é isso que o governo quer?", indaga.
"Os policiais militares e bombeiros do DF têm os melhores salários do país, os outros estados estão fazendo movimento para igualar ao que se ganha aqui", explicou o porta-voz do governo do DF, Ugo Braga.
Na esteira das mobilizações de PMs, a Polícia Civil começou a pressionar pela aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 446/2009, que cria um piso nacional de salário para os policiais civis, militares e bombeiros, a ser definido por lei federal. O texto tramita anexado à PEC 300/2008, que estabelece um piso nacional apenas para policiais militares e bombeiros.
Policiais civis de 26 Estados aprovaram na sexta-feira, em Brasília, um plano de paralisação nacional, que agora será discutido nos Estados em assembleias no dia 16 de março. "Se até o dia 16 de abril o governo não demonstrar empenho para fazer as coisas andarem, a polícia para", disse o vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de Minas Gerais, Antonio Marcos Pereira.
O prazo até abril, segundo Pereira, foi definido para mostrar que os policiais estão dispostos a negociar a dar tempo para uma posição do governo. Segundo ele, os policiais usarão estes dois meses para pressionar os governos estaduais a orientarem suas bancadas no Congresso em prol das reivindicações.
Já Silveira Alves, 2º vice-presidente da Federação Interestadual dos Policiais Civis das Regiões Centro-Oeste e Norte, diz que, apesar da pretensão de atrair os policiais de todo país, será difícil de concretizar a paralisação. "Não vejo possibilidade de mobilização nacional porque a situação é muito diferente em cada Estado", analisa.
A pauta de reivindicações será entregue pelo presidente Confederação Brasileira de Trabalhadores de Policiais Civis (Cobrapol), Jânio Bosco Gandra, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, nesta semana. Os principais pedidos são uma lei orgânica nacional, que nortearia as atividades dos policiais civis - hoje essas leis são estaduais e, muitas vezes, datam da ditadura militar - e um piso nacional de salários.
Diferentemente da PEC 446, a de número 300 já determina o valor da remuneração: será atrelado aos ganhos da PM e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, que paga R$ 3.453,70 ao soldado em início de carreira, o maior salário do país. Se a PEC 446 seguir esta mesma linha, o soldo da Polícia Civil irá subir para R$ 7.514,33.
O custo extra, segundo os projetos, será pago com recursos de um fundo bancado pela União - o que faz o governo federal abominar a ideia, que tem estimativa de custar R$ 43 bilhões aos cofres públicos.
Apesar de não haver ameaça imediata de greve, o clima é de insatisfação na Polícia Militar de Pernambuco. Os representantes da categoria alegam que na última negociação salarial, encerrada em março do ano passado, o governador Eduardo Campos (PSB) ignorou a demanda dos PMs por uma equiparação com os policiais civis.
"Pedimos ainda um curso de formação para cabos e sargentos, o que também não aconteceu. Temos outras demandas além da salarial, que trata das condições de trabalho", disse o presidente da Associação dos Militares do Estado de Pernambuco, capitão Vlademir Assis. Segundo ele, os PMs também estão insatisfeitos com o fato de os reajustes não terem sido concedidos de forma linear. "Enquanto uns receberam 10%, os coronéis ganharam 30%".
A Secretaria Estadual de Administração informou que em junho a categoria receberá novo reajuste, desta vez de 8,4%. O salário dos soldados passará a ser de R$ 2.276 e o dos coronéis subirá para R$ 12.897. Além disso, o governo diz conceder premiações por produtividade, como metas de redução de homicídios, bônus por apreensão de armas e gratificações por apreensão de drogas e cumprimento de mandados.
Em Minas Gerais, policiais civis e militares pressionaram o governador Antonio Anastasia (PSDB) no ano passado por aumentos de salários. Os primeiros fizeram duas paralisações: entre maio e julho e depois entre novembro e dezembro. Os policiais militares se reuniram em assembleias, mas não chegaram a cruzar os braços.
Com a PM, a situação foi acalmada pela aprovação de um aumento escalonado até 2015 de quase 100% dos salários de todos os níveis da corporação. Mas com a Polícia Civil, o clima é ainda de certo desentendimento. Eles não aceitaram o reajuste parcelado (ver reportagem abaixo).
Ontem no Rio bombeiros e policiais militares tentaram fazer um grande ato na praia de Copacabana. No entanto, poucos servidores, cerca de 100, participaram da passeata e a categoria decidiu discutir hoje às 18h, na sede do sindicato, os rumos do movimento.
O fim de semana pré-carnavalesco teve muitos blocos desfilando pelas ruas da cidade. O Bloco da Preta Gil levou ontem 250 mil pessoas ao Centro do Rio com PMs atuando na segurança.
Bombeiros e policiais militares pedem um piso salarial de R$ 3.500 e, agora, também a liberdade do cabo Benevenuto Daciolo, que está preso em Bangu I, desde quinta-feira. Ele foi flagrado em escuta telefônica organizando a greve na Bahia.
Desde 2011, os policiais militares e os bombeiros do Estado brigam por um piso maior. Em abril, os bombeiros começaram a fazer vários atos pela cidade para conseguir reajustar seus salários para R$ 2 mil. Na época, a categoria tinha o menor salário do Brasil, R$ 1.034.
Desde 2009, o governo do Estado vinha dando pequenos reajustes semestrais que seriam pagos até 2014 a todas as categorias da segurança estadual. Em seu primeiro governo, Cabral adotou esta política para corrigir o pagamento da maior parte das categorias de servidores.
No entanto, os bombeiros não aceitavam as correções lentas e tentaram negociar com o governo para conseguir um reajuste maior. Não conseguiram e em junho entraram em greve. Depois de um mês, o governador autorizou antecipação de dezembro para agosto do pagamento das parcelas de 5,58%. O reajuste beneficiou também inspetores de segurança, policiais militares e civis.
Mesmo assim as categorias não ficaram satisfeitas. Agora, para evitar paralisação, o governo do Estado antecipou em muito os aumentos. Concedeu 39% até fevereiro de 2013, em duas parcelas. O salário base chegará a R$ 2.077. Além disso, há uma previsão de novo reajuste em 2014 que pagará o dobro da inflação.
Desde quinta-feira, dez policiais militares foram presos, cumprindo mandado emitido pela Justiça. Além disso, 14 PMs serão submetidos a processo administrativo disciplinar e 129 policiais militares do 28º BPM (Volta Redonda) serão indiciados em Inquérito Policial Militar (IPM) por cometimento de crime militar.
A Associação de Praças de Santa Catarina (Aprasc), presidida pelo deputado estadual Amauri Soares (PDT), descarta que em Santa Catarina ocorra uma adesão com protestos e greve. Segundo ele, não teria sentido ocorrer uma mobilização porque houve avanços na negociação salarial com o governo catarinense recentemente.
"Apesar de eu ser oposição ao governador do Estado (Raimundo Colombo, do PSD) e apesar de eu ter críticas ao seu governo, tivemos no fim de 2011 mudanças importantes para os praças", diz Soares.
Soares refere-se à definição de uma data-base para a categoria, que até então não existia e passou a ser todo 1º de janeiro, também foi estabelecida a reposição anual das perdas relativas à inflação, tendo sido acertado um reajuste de 4% no último janeiro e mais 4% para o maio, e ainda foi definida a incorporação aos salários de parte do que era considerado abono.
"Existe uma boa relação hoje com o governo do Estado. Houve mobilização em 2008, mas hoje a questão salarial é uma página virada", confirmou o coronel Fernando Cajueiro, chefe de comunicação da Polícia Militar de Santa Catarina.
Nos últimos dias, o governador tem realizado ações que também tentam evitar uma possível onda de protestos. Na sexta-feira, anunciou que nomeará 513 novos policiais civis, classificados em concurso.
No Paraná, o que está em discussão no Estado é a implementação da Emenda 29 à Constituição do Paraná. Ela foi aprovada no fim de 2010 e prevê o pagamento de subsídios. A discussão se arrasta há bastante tempo e, com o motim da Bahia, o governo preferiu antecipar-se e emitiu nota na quarta-feira informando que até o dia 15 de março planeja encaminhar à Assembleia as regras para remuneração das polícias.
O efeito foi contrário. O prazo e os métodos não agradaram. A Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares do Paraná, que tem 15 mil associados, também emitiu nota, na qual classifica a decisão do governador Beto Richa (PSDB) como "meramente procrastinatória".
A paralisação dos policiais militares na Bahia terminou após 12 dias no sábado. Um dia antes, o governo havia apertado o cerco aos amotinados e colocou o alto escalão da polícia para anunciar que as negociações com os manifestantes estavam encerradas. Quem não voltasse ao trabalho teria seus dias descontados a contar pelo início da paralisação e teria de arcar com a abertura de processo administrativo.
O grupo que resistiu até o último momento era representado principalmente por filiados à Associação dos Policiais, Bombeiros e seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra), cujo presidente, Marco Prisco, foi preso após liderar um grupo de 245 manifestantes que ficou acampado na Assembleia Legislativa do Estado por dez dias. Prisco foi um dos últimos a deixar o prédio da Assembleia e o fez pelos fundos, o que foi solicitado por seus advogados. Tinha contra ele mandado de prisão em aberto, expedido pela Justiça e solicitado pelo Ministério Público. Prisco foi levado na quinta-feira para a Cadeia Pública de Salvador.
Pesa contra si a gravação de uma escuta telefônica, autorizada pela Justiça e veiculada no Jornal Nacional, da Rede Globo, que revelava sua participação na trama de atos de vandalismo durante a paralisação.. (Raphael Di Cunto, Vandson Lima, Paola de Moura, Vanessa Jurgenfeld, Marli Lima, Marcos de Moura e Souza e Murillo Camarotto, com Agência Brasil)

PT quer manter tropas federais na Bahia

"A Bahia com Wagner piorou (...) com ACM era melhor. PMs, mesmo que trabalharmos (sic) no carnaval vamos fazer corpo mole. Omissão". Os dizeres acima estamparam um dos cartazes pendurados na entrada do sindicato dos bancários, onde associações ligadas à polícia militar baiana se reuniram dia após dia durante a paralisação da categoria no Estado.
A sentença é uma óbvia provocação ao governador petista Jaques Wagner, que em 2006 conseguiu uma vitória histórica de 1º turno e tirou do comando estadual o grupo ligado a Antônio Carlos Magalhães (governador da Bahia morto em 2007), que lá estava desde 1991.
As associações que sustentaram o motim policial, que durou 12 dias e acabou no sábado, não tem ligação com os carlistas, pelo contrário. Foram apoiadores da campanha de Wagner, que junto com seu grupo político deu respaldo - e segundo o ex-PM e líder dos manifestantes, Marco Prisco, aporte financeiro - a outra grande paralisação policial, em 2001, quando o governador era César Borges (ex-PFL, hoje PR).
"Wagner, então deputado federal, foi parceiro desses mesmos grevistas, fez seu nome junto a essas bases naquela greve", atesta Geddel Vieira Lima (PMDB), vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal. "Ele mostrou uma fragilidade enorme ao se dizer "surpreendido" pela paralisação. Não eram parceiros dele? Até o baixo clero da Assembleia Legislativa da Bahia sabia que isso ia acontecer e ele viajou para Cuba", continua.
"É um episódio a ser debitado na conta do governador e dos seus pares. Pelegrino mesmo foi um dos maiores agitadores da greve de 2001. E agora se escondeu" acusa o ex-deputado federal José Carlos Aleluia (DEM). As falas de Geddel e Aleluia explicitam a intenção dos opositores de Wagner em lhe pregar a pecha de desinformado sobre os subterrâneos de seu governo. A citação ao deputado federal Nelson Pelegrino também não é gratuita. Ele será o candidato do PT na sucessão à prefeitura de Salvador este ano.
PMDB, DEM e PSDB mantêm conversas há tempos sobre a possibilidade de lançarem uma candidatura conjunta para fazer frente ao candidato petista, que terá a seu lado as administrações estadual e federal. "Seria a coisa mais inteligente a se fazer, porque seria o representante de uma ampla frente, com muito tempo de propaganda na TV", diz Aleluia.
Difícil está sendo achar um nome consensual. Nos bastidores, envolvidos de parte a parte entregam: os três partidos desejam a aliança, mas pleiteiam, por diferentes motivos, encabeçar a chapa.
Para o DEM, preocupado que está com sua sobrevivência política, não há sentido em abrir mão da candidatura do deputado federal Antônio Carlos Magalhães Neto, líder nas pesquisas de intenção de voto.
O embate entre tucanos aliados do ex-governador de São Paulo, José Serra, e do senador Aécio Neves (MG) tem de fato influenciado os rumos do PSDB na Bahia, conforme adiantou o Valor na quinta-feira. A ala do partido próxima a Serra coloca o ex-prefeito e deputado federal Antônio Imbassahy como pré-candidato. Os aecistas preferem apoiar ACM Neto.
Já o PMDB, que colocou o nome do ex-prefeito e radialista Mário Kértesz à mesa, não quer se indispor frontalmente ao PT, seu aliado federal, patrocinando uma candidatura do DEM ou do PSDB. Um dos participantes da costura afiança ainda que seria o pior dos mundos para Geddel, porque mesmo sendo oposição a Wagner na Bahia, "ele detém um cargo de confiança na Caixa, com uma caneta poderosa para indicar aliados a postos estratégicos. Não vai querer arriscar isso".
A possibilidade de irem às urnas separados é roteiro conhecido e desagradável à oposição. Em 2008, Imbassahy concorreu pelo PSDB e ACM Neto pelo DEM. Nenhum deles sequer chegou ao segundo turno.
Do lado governista a situação não é muito diferente. A base de Wagner na Assembleia Legislativa é ampla e contempla partidos como PSB e PCdoB, que prestaram solidariedade ao governo durante a paralisação, mas eles têm suas próprias pretensões para outubro. A senadora Lídice da Mata (PSB) e a deputada federal Alice Portugal (PCdoB) são pré-candidatas. Mesmo uma aliança não é garantia de sucesso, e 2008 também serviu de lição aos petistas: à época, o atual senador Walter Pinheiro (PT) teve Lídice como sua vice, o apoio do governador e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E não se elegeu.
Naquele ano o prefeito João Henrique Carneiro (PP) estava no PMDB e conquistou sua reeleição empurrado pelas verbas que o então correligionário Geddel, ministro da Integração Nacional destinou ao município. Carneiro venceu a eleição de 2004 pelo PDT e desembarcou do PMDB rumo ao PP em 2011. Sua gestão tem alto índice de desaprovação e sofre a oposição de petistas, tucanos, democratas e pemedebistas. Mas ninguém descarta receber seu apoio - ou, pelo menos, não desejam ver o prefeito trabalhando para a campanha do adversário. João Leão (PP), secretário da Casa Civil, vislumbra a sucessão.
O pré-candidato do PT diz não ver risco de a paralisação da PM influenciar a eleição ou abalar a popularidade de Wagner, mesmo com os 166 homicídios registrados no período, de acordo com a secretaria estadual de Segurança Pública. "Tive acesso a pesquisas encomendadas por nós [do PT] e de alguns institutos. A popularidade do governador permanece alta", alega Pelegrino. Ele diz não acreditar que os policiais farão corpo mole na volta ao trabalho, mas sugeriu ao governador que mantenha as tropas federais em Salvador durante o carnaval. "Ajudará a elevar a nossa autoestima e vai melhorar a imagem da Bahia", avalia.
Profissionais da área de marketing político ouvidos pela reportagem concordam com o deputado, mas veem outra motivação para a permanência das tropas. Para eles, um carnaval tranquilo sepultaria o uso da paralisação como pauta para as eleições municipais.
Mas o maior desafio para os postulantes ao Palácio Tomé de Sousa será lidar com o comportamento particular do eleitor soteropolitano, que perdura em sua imprevisibilidade desde a redemocratização.
Primeiro prefeito eleito pelo voto direto depois da ditadura militar, Mário Kértesz obteve em 1986 a vitória pelo PMDB depois de romper com o grupo carlista e se aliar à esquerda. Foi o único a fazer seu sucessor, elegendo o popular radialista Fernando José, também pelo PMDB. Quando tentou voltar ao governo, em 1992, ficou com o último lugar na eleição.
A eleita foi Lídice da Mata, então no PSDB, que sofreu forte oposição do governo estadual de ACM. Foi sucedida por Antônio Imbassahy, então no PFL, cuja gestão popular o levou a um segundo mandato, também bem avaliado.
Em 2004, o PFL buscava manter a hegemonia na cidade e lançou mão de um de seus nomes mais vistosos, César Borges, governador até 2002 e eleito senador no mesmo ano. Parecia a estratégia perfeita, mas Borges foi abatido em segundo turno pelo azarão João Henrique (PDT), deputado estadual que se notabilizara pela defesa aos direitos do consumidor e opositor de Imbassahy e ACM.

BRASIL
Impacto da política fiscal sobre a demanda causa controvérsia

Por Sergio Lamucci | De São Paulo

A política fiscal pressiona mais a demanda do que sugere o número oficial do superávit primário (o resultado das contas públicas sem incluir gastos com juros), diz o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. Para ele, o desempenho fiscal de 2011 não foi contracionista como indica o cumprimento da meta de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) pelo setor público consolidado, formado por União, Estados e municípios e estatais, com exceção da Petrobras e da Eletrobrás. O BC, com isso, superestima o papel da política fiscal para controlar a demanda, afirma o economista, sócio-diretor da Schwartsman & Associados.
Num cálculo de Schwartsman que exclui receitas obtidas pelo pagamento de dividendos e de concessões e despesas atípicas, como as referentes à criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB), o superávit do ano passado teria sido de 2,5% do PIB. Ainda que superior ao 1,1% do PIB de 2009 e ao 1,2% do PIB de 2010, o resultado ficou consideravelmente abaixo da média de 3,2% do PIB registrada entre 2003 e 2008, também na série ajustada.
Schwartsman fez esse cálculo para tentar chegar a um número de superávit primário que reflita mais adequadamente o impacto da política fiscal sobre a demanda. Num momento em que o BC conta com o cumprimento da meta de 3,1% do PIB também neste ano para continuar a cortar os juros, o assunto ganha relevância.
O pagamento de dividendos ao Tesouro por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumenta a receita do setor público, mas não retira recursos do setor privado, como ocorre com a arrecadação tributária. Não há, desse modo, um impacto contracionista sobre a demanda.
O ponto é que, nos últimos anos, uma fatia mais expressiva do superávit primário do governo federal tem sido cumprida graças às receitas de dividendos e, em menor medida, de concessões. Em 2011, os dividendos recebidos pelo Tesouro somaram quase R$ 20 bilhões, dos quais R$ 6,9 bilhões do BNDES, R$ 3,7 bilhões da Caixa Econômica Federal e R$ 3,3 bilhões da Petrobras. As concessões, por sua vez, somaram R$ 3,9 bilhões, dos quais R$ 2,1 bilhões se referem ao ingresso de valores decorrente da licitação da banda H, última faixa de frequência disponível para uso da tecnologia 3G. No total, as receitas dessas duas fontes atingiram R$ 23,9 bilhões, o equivalente a 25,5% do valor do superávit primário do governo federal. Entre 2003 e 2007, essa fatia era bem mais baixa - ficou, em média, em 14%.
Schwartsman também excluiu da série despesas atípicas, como os R$ 14,2 bilhões destinados à criação do Fundo Soberano do Brasil no fim de 2008. A medida reduziu o superávit primário oficial daquele ano, mas não teve nenhum impacto sobre a demanda.
Para completar, Schwartsman diz que um mesmo superávit primário obtido com aumento de receitas e de gastos é mais expansionista do que se for atingido com arrecadação e despesas menores. Em 2012, os gastos da União devem crescer mais que no ano passado, dado o impacto do aumento do salário mínimo sobre despesas previdenciárias e assistenciais e a decisão do governo de aumentar os investimentos.
"A política fiscal é mais expansionista do que costumava ser, mas isso não é capturado de modo correto pelo BC." Como os modelos da autoridade monetária se baseiam nos números não ajustados de superávit primário para medir a política fiscal, superestimam fortemente a contribuição da política fiscal para segurar a demanda, afirma Schwartsman.
"O BC continua a agir como alguém de dieta que, na mesa de saladas, trata queijo parmesão como se fosse alface. A questão é que a inflação não vai ser enganada por esse subterfúgio." O resultado, para ele, é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve perder força no acumulado em 12 meses até algum momento do segundo trimestre, mas depois volta a subir, fechando o ano entre 5,5% e 6%, bem acima do centro da meta, de 4,5%, acredita Schwartsman. Em 2011, o IPCA ficou em 6,5%.
Por enquanto, a maior parte dos analistas considera difícil o cumprimento da meta de 3,1% do PIB - os economistas ouvidos semanalmente pelo BC projetam um superávit de 2,8% do PIB. Em relatório, o economista-chefe da corretora Convenção Tullett Prebon, Fernando Montero, diz que os gastos crescerão mais neste ano em termos reais porque algumas despesas importantes já estão contratadas (dado o reajuste de mais de 14% salário mínimo), o governo deve elevar investimentos e por ser difícil cortar duas vezes em algumas rubricas do orçamento, como emendas parlamentares. "Aceito isso, o superávit primário cheio será função de surpresas em receitas que dificilmente tenham grande impacto sobre rendas e gastos na economia, como dividendos de bancos públicos, débitos tributários, concessões", escreve ele. Desse modo, é bastante possível que, para chegar aos 3,1% do PIB, o governo tenha que recorrer mais uma vez a fontes de recursos que pouco impactam a demanda.
O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, trabalha com um número de 2,7% do PIB. Receitas extraordinárias podem levar ao cumprimento da meta, assim como um contingenciamento de R$ 55 bilhões a R$ 60 bilhões do orçamento deste ano, diz ele. Para ele, ainda que a meta seja atingida, a política fiscal será expansionista neste ano, porque os gastos vão mostrar aceleração. Borges estima que as despesas deverão crescer 6,1% acima da inflação neste ano, mais que os 3,3% registrados em 2011. "Mesmo se os investimentos ficarem iguais aos de 2011, haverá um aumento real de 5%".
Borges acredita que o BC deve derrubar a Selic até 9,5% ao ano- hoje, está em 10,5%. Para ele, no fim do ano, quando a economia estiver mais aquecida, a autoridade monetária pode elevar compulsórios e voltar a adotar medidas para restringir o crédito no fim do ano, em vez de elevar os juros. Hoje, ele trabalha com um IPCA de 5%.

Mudança em abono passa pelo Congresso

Por Ribamar Oliveira | De Brasília

A maior dificuldade para as mudanças nas regras de concessão do abono salarial, uma espécie de 14º salário pago ao trabalhador que tenha vínculo com empregadores contribuintes do PIS/Pasep e que ganhe no máximo dois salários mínimos, e cujos gastos têm aumentado exponencialmente, preocupando o governo, é que ele, previsto na Constituição, foi regulamentado pela lei 7.859, de 1989. Qualquer alteração terá, portanto, que ser submetida ao Congresso, o que certamente envolverá uma difícil negociação política.
Alguns setores do governo defendem também a regulamentação do parágrafo 4º do artigo 239 da Constituição, que prevê uma contribuição adicional para o financiamento do seguro-desemprego. Esse adicional seria pago pelas empresas cujo índice de rotatividade da força de trabalho supere o índice médio da rotatividade do setor.
Embora a economia do país tenha criado um elevado número de novas vagas de trabalho formal nos últimos anos, a despesa do governo com o seguro-desemprego bateu recorde em 2011, atingindo R$ 23,8 bilhões. Quando lançou o contingenciamento de R$ 50,6 bilhões no ano passado, o governo esperava manter a despesa total com o seguro desemprego e o abono salarial em R$ 27,1 bilhões. O gasto ficou, no entanto, em R$ 34,2 bilhões no ano passado, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
Como o abono salarial e o seguro-desemprego são pagos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja principal fonte é a contribuição do PIS/Pasep, o adicional previsto na Constituição ajudaria a contrabalançar o aumento das despesas, entendem esses setores. O risco que o governo corre é de que, no futuro, os recursos do FAT não sejam suficientes para custear os dois benefícios e obriguem o Tesouro a complementar o pagamento.
O objetivo do benefício era assegurar uma participação do empregado na vida e no desenvolvimento da empresa e, no caso dos servidores públicos, participar da receita dos órgãos e entidades integrantes da administração pública direta e indireta. Com a medida, o governo de então procurava melhorar a distribuição da renda do país.
A nota técnica 15/2011, elaborada pela Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), informa que, no ano 2000, apenas 29,7% dos trabalhadores formais no Brasil ganhavam até dois salários mínimos. No fim de 2009, a participação já era de 50,9%. De 2000 a 2009, o número de postos de trabalho formal no Brasil aumentou cerca de 15 milhões, alcançando 41,2 milhões.
Segundo a nota, "a curva de beneficiários do abono apresenta uma taxa de incremento acima da taxa de crescimento do número de trabalhadores formais na economia". A nota técnica faz uma avaliação da situação financeira do FAT e acompanha a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2012.
Entre 2006 e 2010, o FAT obteve um crescimento médio, em termos reais, de 3,74% em suas receitas, sendo de 6,0% a taxa média de crescimento da arrecadação PIS/Pasep, e de 11,68% em suas despesas, sendo de 13,83% a taxa média real de crescimento das despesas com pagamento de benefícios do seguro-desemprego e de 20,33% com pagamento do abono salarial, de acordo com a nota técnica.

Mexicanos voltarão ao Brasil para negociações no setor automotivo

Por Sergio Leo | De Brasília

Sob a ameaça de cancelamento do tratado de livre comércio em produtos da indústria automobilística, autoridades brasileiras voltarão a discutir a revisão do acordo só após o Carnaval - mas no Brasil e não na Cidade do México, como chegaram a anunciar na semana passada, depois da visita de uma missão de negociadores mexicanos a Brasília.
A nova missão ao Brasil foi definida após conversa telefônica wentre o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o ministro da Economia mexicano, Bruno Ferrari. O governo brasileiro queixou-se da pouca disposição negociadora dos enviados mexicanos.
A decisão de renegociar foi tomada após telefonema do presidente mexicano, Felipe Calderón, à presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira. A chanceler do México, Patrícia Espinosa, já havia sido informada em janeiro, pelo ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, da decisão brasileira de acionar a cláusula que permite a "denúncia" (cancelamento) do acordo, desde que haja anúncio com 14 meses de antecedência. A pedido de Calderón, Dilma aceitou negociar uma revisão.
Para decepção brasileira, porém, o envio de uma missão de altos funcionários mexicanos a Brasília, na semana passada, foi acompanhado de uma nota em que o governo do México negava a intenção de rever o acordo. Os mexicanos se limitaram a investigar intenções e propostas brasileiras. O fato de o México estar em ano eleitoral reduz as margens de negociação. Descontente, Dilma orientou seus ministros a pedirem explicações ao governo mexicano sobre o real interesse em rever as regras de comércio bilateral e a vinda da nova missão ao Brasil servirá para marcar sua função negociadora.
O governo brasileiro se defende da acusação de que decidiu mudar as regras existentes desde 2002 no momento em que elas geram saldo negativo ao Brasil, após dez anos em que elas foram favoráveis aos brasileiros - os mexicanos calculam em US$ 10 bilhões o superávit acumulado em favor do Brasil, nesse período.
Para as autoridades brasileiras, as fortes mudanças no cenário internacional já justificariam o acordo. Além disso, segundo o argumento levado aos mexicanos, o objetivo era ter um maior intercâmbio de carros e peças entre os dois países, o que é dificultado pela quase inexistência de uma indústria de autopeças mexicana. Há queixas pelo pequeno volume de automóveis populares importados do Brasil pelo México.
A indústria tem levado ao governo argumentos contra o fim do acordo, que, embora tenha se tornado deficitário no comércio de carros de passeio, é superavitário em outros itens do setor, como veículos pesados e autopeças. Os negociadores do Brasil querem a inclusão de caminhões leves e ônibus no livre comércio bilateral, e garantem estar decididos a pôr fim ao acordo se a próxima missão, esperada para fevereiro, não aceitar a revisão das regras.

INTERNACIONAL
Egito perde metade das suas reservas e volta a olhar ao FMI

Heba Saleh | Financial Times, do Cairo

O Egito necessita de um acordo imediato com o Fundo Monetário Internacional para reverter a atual crise monetária depois que reservas internacionais do país recuaram pela metade, alertaram economistas. Dados mostram que o estoque de reservas do país baixou para o perigoso patamar de US$ 16,4 bilhões no fim de janeiro - queda de 53% sobre o mesmo período do ano passado. Em discussão estaria um empréstimo de US$ 3,2 bilhões ao longo de 18 meses.
As turbulências políticas que culminaram com a saída do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011, desequilibraram a economia egípcia ao afugentar investidores e turistas estrangeiros, o que retirou fontes vitais de receita. Até agora, o banco central vinha conseguindo segurar uma desvalorização acentuada da libra, que já perdeu mais de 4% em relação ao dólar. Mas essas intervenções, por outro lado, também contribuíram para secar ainda mais as reservas.
"A situação é muito séria", disse Mohamed Abu Basha, economista da EFG-Hermes, um banco de investimentos regional. "Um acordo com o FMI é a maior esperança para escapar de uma desvalorização significativa. Se houver acordo, podemos pensar mais para uma depreciação controlada do que para uma depreciação de 10% a 20%".
Economistas defendem um empréstimo o mais rápido possível. Isso porque, à medida que o nível de reservas cai, o BC terá menos meios de sustentar a atual política cambial em defesa da libra egípcia. No ano passado, o conselho militar que assumiu interinamente o país declinou um empréstimo do FMI alegando que não gostaria de deixar um legado de dívidas.

ESPECIAL
PRB usa vínculos com Record para crescer nas eleições

O presidente nacional do PRB e integrante da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcos Pereira, certa vez ouviu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a receita para vencer eleição: é preciso ter muito dinheiro, um partido robusto ou um grupo de comunicação forte. Com um dos três itens, o candidato é competitivo. Com dois, ganha-se a eleição. Se tiver os três, ensinou Lula, liquida-se qualquer opositor.
Pereira lembra da receita enquanto espia cinco monitores de televisão em seu escritório. O costume de acompanhar o noticiário de diferentes emissoras foi mantido mesmo depois que o dirigente partidário deixou a vice-presidência da Rede Record para assumir a presidência do PRB, em maio do ano passado.
"Dinheiro nós não temos", adianta. O assunto é a eleição municipal deste ano e Pereira diz que assumiu o desafio de dobrar o tamanho do partido nas prefeituras e nas Câmaras Municipais de todo o país. Criado em 2005, o PRB passará por sua segunda eleição municipal neste ano. Com pouco mais de 277 mil filiados, a legenda elegeu há quatro anos 54 prefeitos e 781 vereadores, números que correspondem a cerca de 1% do total de prefeitos e de vereadores do país. Na eleição para a Câmara dos Deputados, a legenda elegeu oito parlamentares em 2010, ficando na 14ª posição, em relação ao tamanho, de um total de 22 bancadas. Hoje, tem dez deputados federais, um oitavo da bancada petista. No Senado, tem apenas um parlamentar.
"Quem tem amigo não morre pagão e tenho amigos pelo Brasil afora, empresários de rádio, jornal, televisão"
O PRB, além de ter pouco dinheiro, ainda não é robusto.
O grupo de comunicação forte será a ajuda necessária para o presidente do PRB alavancar o partido e a ligação com a Record deve ajudá-lo a concretizar a meta eleitoral. "Quem tem amigo não morre pagão e tenho amigos pelo Brasil afora, empresários de rádio, jornal, televisão. Fui executivo de comunicação por dez anos", lembra.
Aos 39 anos, formado em Direito, integrante da cúpula da Igreja Universal do Reino de Deus, Pereira construiu sua trajetória na emissora. Ingressou na Record no Rio de Janeiro, em 1994 e ficou naquele Estado até 1999. Foi gerente administrativo-financeiro da emissora e diretor executivo da Line Records, gravadora do grupo. Lá, conheceu o bispo Edir Macedo, dono da Record e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. Ao cair nas graças da direção da Record, foi para a sede da emissora, em São Paulo, em 2000, onde exerce o cargo de diretor de rede e vice-presidente executivo entre 2008 e 2010. Nesse período de dez anos pela sede da Record, destacou-se por ser um dos responsáveis pela reestruturação financeira da emissora e fazer mudanças na programação e rentabilidade do grupo.
Pereira deixou o cargo na Record para assumir a presidência do PRB, sucedendo um ex-executivo da Record, o deputado federal Vitor Paulo (RJ).
"Me afastei de verdade [da Record]", diz, apesar de participar de encontros políticos na emissora. Na semana passada, havia agendado uma conversa na quinta-feira com o prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), na sede da Record, em reunião marcada pelo diretor-executivo da Record em Belém. "[O prefeito] queria conversar também com o presidente da Record. Foi para facilitar a agenda dele", explicou dias antes do encontro, que foi remarcado. "Vou institucionalmente, mas não tenho participação executiva [no grupo de comunicação]".
Nos nove meses à frente do PRB, Pereira tem usado seus contatos em meios de comunicação para divulgar o partido. "Tenho muitos amigos, tanto na Record quanto nas afiliadas no Brasil todo. Acho que isso me ajuda", diz.
O presidente do PRB promoveu mudanças no comando dos diretórios, colocando pessoas de sua confiança, muitas delas ligadas à Record. Todos os dirigentes são escolhidos por Pereira, já que o partido é composto somente por comissões provisórias.
Recém-empossado, o presidente do diretório estadual de São Paulo, Vinicius Carvalho, foi diretor-executivo da emissora. O presidente do municipal, Aildo Carvalho, também teve cargo de chefia na Record. No Ceará, Pereira nomeou presidente do diretório estadual o empresário Miguel Dias de Souza, do setor de comunicação. Souza é presidente da TV Cidade, afiliada à Rede Record no Estado, dono de emissoras de rádios e segundo suplente do senador Eunício Oliveira (PMDB). "São pessoas com quem convivi durante anos em minhas passagens pela Rede Record. Me sinto ao lado de amigos", comenta.
O presidente do PRB fez mudanças também em Santa Catarina, dando posse ao bispo Jerônimo Alves, da Igreja Universal do Reino de Deus. No Espírito Santo, também colocou um político de sua confiança e nomeou o radialista Fernando Mendes.
Pereira diz que ainda "não teve tempo de pensar" se vai manter a estrutura de comissões provisórias, que concentra poderes na direção partidária e faz com que o presidente escolha as direções.
No comando do diretório do Rio está outro conhecido de Pereira dos tempos de Record, o deputado Vitor Paulo, a quem sucedeu na presidência do PRB. O parlamentar foi executivo da emissora em Brasília, São Paulo e Rio e diretor de rede em São Paulo. Vitor Paulo foi convidado a ingressar na Record quando era do PSDB e integrava o governo de Marcello Alencar no Rio.
A transformação do PRB em uma espécie de partido dos comunicadores foi reforçada na gestão de Pereira. O presidente da legenda associa isso ao fato de ter sido executivo da Record durante dez anos e explora sua facilidade de falar com afiliadas e emissoras em todo o país. Com isso, ele mesmo marca diferença em relação ao seu antecessor. "O Vitor Paulo também foi executivo da Record. Talvez tenha ficado pouco tempo e não teve tempo de criar laços de amizade".
A cúpula do partido tem outros políticos ligados à emissora.
"Fui contratado para mudar a cara da emissora e desde então a amizade (com Russomano) só se fortaleceu"
O atual líder da bancada na Câmara, bispo Antonio Bulhões (SP), foi apresentador por nove anos do "Fala que te escuto", "hit" da programação evangélica da emissora, e de um programa na Record News. O presidente do Conselho de Ética, deputado federal George Hilton (MG), também apresentou programa na emissora, em Minas. O senador Marcelo Crivella (RJ), integrante da Executiva, é sobrinho do bispo Edir Macedo, dono da Record.
A principal aposta do PRB na eleição municipal deste ano também é ligada à emissora. O ex-deputado Celso Russomano, apresentador de um quadro em um programa da Record, lidera as pesquisas de opinião do Datafolha, com cerca de 20% das intenções de voto na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Foi na Record que Pereira e Russomano se conheceram. "Fui contratado para mudar a cara da emissora e de lá para cá nossa amizade só se fortaleceu", lembra o ex-deputado. Os dois se reencontraram em meados do ano passado, no aeroporto, pouco tempo depois de Pereira ter assumido o comando do PRB. O dirigente partidário convidou o ex-deputado a mudar do PP do deputado federal Paulo Maluf (SP), onde estava isolado e sem legenda para disputar a prefeitura, para o PRB. A migração se deu em setembro e em dezembro o ex-parlamentar estreou um quadro sobre direitos do consumidor na Record. Tanto Russomano quanto Pereira ressaltam, no entanto, que a negociação com a emissora é anterior ao convite para mudar de partido.
O presidente do PRB diz que a candidatura de Russomano é para valer. No caso de eventuais alianças no segundo turno, Russomano diz que poderia fazer acordo tanto com o PSD quanto PT, PSDB, DEM ou PMDB. "Tenho bom relacionamento com todos. Mas minha candidatura está mantida, não tem volta. Aliança só no segundo turno", afirma o pré-candidato.
A pré-campanha de Russomano é comandada por Vinicius Carvalho, presidente do diretório estadual de São Paulo, ex-diretor-executivo da emissora. Ex-deputados, os dois foram contemporâneos na Câmara e atuaram juntos em temas ligados à defesa do direito do consumidor. O pré-candidato quis levar para sua equipe profissionais da emissora e chegou a trabalhar com o diretor artístico Fabiano Freitas, mas o grupo de comunicação o chamou de volta. "Quis pegar mais gente, mas não me deixaram. Disseram que ia desfalcar tudo. Não dá para tirar todo mundo da empresa", comenta Russomano. "Não é à toa que [a emissora] teve esse para crescimento nos últimos anos. É porque tem boas cabeças. Ninguém cresce de graça ou por acaso", diz. "A Record não apresentou ninguém para a campanha. Eu é que tentei tirar de lá. Se eu puder roubar alguém [da emissora para levar para a campanha] eu roubo", comenta o pré-candidato, que apresenta programas nas emissoras Rede Brasil e CNT. A Rede Record foi procurada para comentar a ligacão do apresentador e de ex-dirigentes da emissora com o partido, mas não quis se pronunciar.
A migração de Russomano ao partido faz parte da estratégia do PRB para se alavancar nas próximas eleições com a atração de novos nomes.
O presidente do PRB analisa que a candidatura em São Paulo ajudará na consolidação da legenda. "O partido é mais desenvolvido no Rio, não só pelo fato de o ex-presidente [nacional do PRB, Vitor Paulo] ser de lá e a base dele estar lá, mas também porque [o senador Marcelo] Crivella disputou lá duas eleições majoritárias pelo PRB, em 2006 e 2008", comenta. "Além disso, o nome de Russomano vai manter-se vivo para 2014", diz. Além de São Paulo, as apostas são Macaé e Nova Iguaçu, no Rio, Contagem (MG) e Jaboatão dos Guararapes (PE).
O partido busca também ter mais espaço no governo federal. Ex-presidente do PRB e líder do partido na Câmara até o início deste ano, Vitor Paulo diz que o partido foi o mais fiel na Câmara ao governo. "Mais do que o PT", reforça. Por conta da fidelidade à presidente Dilma Rousseff, dirigentes cobiçam um ministério e cogitam a Secretaria da Pesca, apesar de não ter nenhum aceno da presidente nesse sentido. "Todo partido quer ter seu espaço", diz Vitor Paulo.
O relacionamento do presidente do PRB com Dilma também passa pela Record. As conversas se dão desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando Dilma era ministra das Minas e Energia e presidente do conselho de administração da Petrobras. Pereira, como executivo da emissora, negociava com ela patrocínio da Petrobras. O relacionamento se estreitou quando Dilma assumiu a Casa Civil. Depois que a petista assumiu a presidência, os encontros tornaram-se mais formais e raros. "É diferente do que era com Lula", diz.
O presidente do partido diz que o PRB tem como desafios além de crescer, desvincular sua imagem da Igreja Universal do Reino de Deus para atrair novas lideranças. O partido, no entanto, está ligado à igreja desde sua fundação. O PRB surgiu a partir do antigo Partido Municipalista Renovador (PMN). Em articulação do senador Marcelo Crivella, do deputado Vitor Paulo e do vice de Lula, José Alencar, morto no ano passado, o PMN se transformou no Partido Republicano Brasileiro (PRB), em 2005. Apesar de ser católico, Alencar foi a principal liderança do partido controlado por bispos evangélicos.
"O partido nasceu com duas marcas: o partido do José Alencar e da Igreja Universal. É assim que a imprensa trata", diz Pereira. "O Zé Alencar faleceu. Ainda temos legados, aquela coisa do Alencar, mas com a morte dele o partido ficou conhecido como o partido da Igreja. O meu desafio é esse".
Ligado à igreja, o ex-presidente da legenda Vitor Paulo reclama do "rótulo" que conferem ao PRB. "Não perguntavam ao Alencar se ele era evangélico. Ele diria que não era, porque era católico, mas diria: "qual o problema se eu fosse?" O partido não tem nada a ver com a igreja. Nenhum vínculo", diz o fundador da legenda.
O atual presidente da sigla conta que, por curiosidade, colocou seu nome no Google e encontrou uma imagem que mostrava a triangulação entre a Igreja Universal do Reino de Deus, a Rede Record e o PRB. Junto à imagem, diz, tinha uma análise mostrando ligações entre ele, ex-executivo da Record, a Igreja Universal e Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo, dono da emissora e um dos fundadores da igreja. Ao contar o caso, Pereira não nega nem confirma a análise. "Sei que vai ser quase impossível desvincular essa imagem. Quem sabe no futuro?"

EMPRESAS & TECNOLOGIA
Telebras volta ao jogo com orçamento mais modesto

Desde que foi reativada, há exatamente dois anos, a Telebras conseguiu estar no centro de quase tudo, menos das telecomunicações. Recriada para liderar um projeto inédito de popularização da internet rápida no país, a estatal passou a ser alvo constante de críticas por parte das operadoras privadas de telefonia, sofreu esvaziamento político e financeiro, foi emparedada pelas auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e acabou metida em um ostracismo que transformou seus planos e metas em belas peças de ficção.
"Tudo isso passou", diz Caio Bonilha, que há nove meses assumiu a presidência da Telebras. Na semana passada, uma dúzia de fornecedores de equipamentos esteve na sede da estatal, em Brasília, para checar detalhes do que a empresa comprará ao longo de 2012. "É uma forma de todo mundo se antecipar e estar preparado para as licitações", diz o executivo.
Bonilha abre uma sequência de slides no laptop e enumera os projetos que, segundo ele, "viraram a página" da Telebras. Neste ano serão investidos R$ 510 milhões em projetos de peso, como a instalação de milhares de quilômetros de fibras ópticas pelo país, a construção de cabos submarinos internacionais, a montagem de um satélite geoestacionário em parceria com a Embraer e a criação de centros de internet ultrarrápida para apoiar as cidades-sedes da Copa das Confederações.
O investimento, diz ele, já está garantido pela União, mas também são grandes as chances de a Telebras fazer uma emissão de debêntures neste ano para se capitalizar. O plano é usar a nova lei sancionada pelo Palácio do Planalto, que favorece a emissão de títulos de dívida por empresas ligadas a projetos de infraestrutura. "Com certeza vamos aproveitar esse mecanismo, que pode ajudar a nos fortalecer", comenta Bonilha. "Estamos caminhando, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos. E, finalmente, o mercado começa a acreditar que a Telebras existe."
É fato que a estatal ainda está muito longe de suas ambições originais. Previa-se, por exemplo, que até dezembro passado 1,1 mil municípios estariam plugados em uma rede central ("backbone") de fibra óptica da Telebras, alcançando metade da população do país. Para essa cobertura, seriam investidos R$ 1 bilhão em 2011, com mais R$ 1,5 bilhão em 2012. A realidade é que as primeiras cidades passaram a receber o sinal do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) só em julho do ano passado e os desembolsos acabaram minguando para cerca de R$ 70 milhões. No final das contas, o investimento necessário de R$ 2,5 bilhões para os dois anos foi reduzido para R$ 580 milhões no período.
Os bilhões de reais prometidos, segundo Bonilha, já não são mais necessários, porque a estatal revisou todos os seus projetos. "Quando fizemos o desenho da Telebras, achávamos que faríamos tudo do zero, principalmente nas áreas metropolitanas. Mas isso mudou radicalmente após os acordos firmados com as empresas de energia", comenta. "Outra razão para a queda no orçamento é a redução do preço dos equipamentos em relação àquilo que estimávamos. Tudo caiu bastante ao longo do tempo."
A Telebras tem hoje 200 funcionários, mas pretende chegar a 500 profissionais no quadro próprio até o fim deste ano, por meio de concurso público. Uma consultoria já foi contratada para elaborar um plano de cargos e remuneração. "Hoje, se um funcionário adoece, não tem ninguém para repor", diz Bonilha.
Os planos e metas podem ter mudado bastante, mas a companhia ainda está no vermelho. Em 2010, o resultado líquido ficou negativo em R$ 13,8 milhões. Entre janeiro e setembro de 2011, o saldo negativo chegou a R$ 30,1 milhões. Para Bonilha, os resultados estão dentro do esperado. "Estamos em um setor de capital intensivo, no qual é impossível dar lucro antes de três, quatros anos. Além disso, nossa estratégia não é o lucro imediato, como é a das teles", comenta. "Estamos implantando uma política de governo. Sabemos de nossa responsabilidade de regular o mercado."

Nova companhia planeja colocar satélite em órbita até 2014

De Brasília

Nas próximas semanas será oficialmente lançada a empresa resultante de uma parceria entre a Telebras e a Embraer, criada para liderar o processo de construção e operação de um satélite geoestacionário. Ainda neste semestre, essa sociedade colocará na rua o edital para contratação da companhia que apoiará a fabricação do equipamento. Serão dois anos de construção, com a sede da nova empresa em São José dos Campos (SP). A Embraer terá participação de 51% e a Telebras, de 49%. A previsão de lançamento é 2014. "Já temos a posição orbital definida. Esse projeto começa a ser tocado no próximo mês", diz Caio Bonilha, presidente da Telebras.
A compra dos equipamentos que compõem o satélite será feita por etapas. Para este ano, a previsão é de investir R$ 56 milhões no projeto. A construção do satélite tem a participação dos ministérios da Defesa, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia. Para a Telebras, diz Bonilha, o equipamento servirá de apoio à disseminação da banda larga em regiões remotas que não forem alcançadas pela fibra óptica. Com o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) está prevista a cobertura de até 4,2 mil municípios por meio de cabos. Ao satélite caberá a cobertura adicional das demais 1,3 mil cidades do país. Para o Ministério da Defesa, o satélite servirá para centralizar informações consideradas críticas para o governo. "Será um tipo de backup de informações consideradas estratégicas."
A viabilização de um satélite geoestacionário brasileiro é acompanhada de perto pela presidente Dilma Rousseff, que quer a nacionalização dessa indústria, já que os componentes que darão vida ao equipamento serão fornecidos majoritariamente pelo mercado internacional. Incluído no programa plurianual (PPA) de 2012-2015, o satélite tem uma previsão de investimentos de aproximadamente R$ 700 milhões. "As empresas que fabricam satélites fazem parte de um grupo muito restrito em todo o mundo, e o governo vislumbrou uma oportunidade de retomar seu programa espacial geoestacionário. Faremos parte desse grupo", afirma Bonilha.
A preocupação de lançar o equipamento até 2014 se deve ao fato de que, em dois anos, vencerá o prazo para que o Brasil ocupe a reserva feita para duas posições orbitais a que o país tem direito no espaço para aplicações na área de defesa, conforme as regras definidas pela União Internacional das Telecomunicações (UIT). (AB)

Ligação com os EUA é prioridade

De Brasília

A construção de uma complexa malha de cabos submarinos de fibra óptica começou a ganhar corpo dentro da Telebras. A estatal negocia acordos com várias estatais e empresas estrangeiras para ampliar a conexão entre países e reduzir a dependência das estruturas atuais, praticamente limitadas a redes dos Estados Unidos.
Segundo o presidente da Telebras, Caio Bonilha, atualmente há três projetos em andamento, todos eles com origem em Fortaleza (CE). Dali sairá um cabo que ligará o país aos EUA. Um segundo projeto, já negociado com a empresa Angola Cables, prevê a construção de um ramal submarino até a África. O terceiro projeto, com destino à Europa, está em negociação com uma operadora espanhola.
Além dessas iniciativas, está em andamento um projeto de integração das redes de telecomunicações dos países sul-americanos. Este, porém, será viabilizado por meio de linhas de transmissão de energia e dutos. O trabalho, coordenado pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), já está adiantado em países como Argentina e Paraguai.
"Hoje, o protocolo de internet contratado é muito caro para nós. Pagamos alto esse transporte. Com os cabos submarinos, vamos baratear o nosso custo", afirma Bonilha.
O projeto prioritário é a ligação até os Estados Unidos. A Telebras tem realizado reuniões frequentes com as teles privadas para fechar parcerias que viabilizem a empreitada de 8 mil quilômetros de extensão, R$ 400 milhões em investimento e um ano e meio de trabalho.
"Como o risco de cada um construir seu cabo é alto, queremos encontrar parceiros com interesse em comprar parte da capacidade de transmissão desse cabo", diz o presidente da Telebras. "Fechadas as parcerias, faremos uma concorrência para escolher quem vai construir o cabo e, depois de pronto, cada um explora a sua capacidade, separadamente."
A expectativa é de que as parcerias sejam firmadas no primeiro semestre e a contratação da obra ocorra no semestre seguinte. Estimativas mostram que até 2016 a capacidade instalada de boa parte dos cabos submarinos estará saturada. Embora a fibra óptica tenha uma capacidade extrema de tráfego de dados, essa potência tem vida útil e tende a cair conforme a malha vai perdendo suas características. Em média, elas duram de 20 a 30 anos. Uma emenda, por exemplo, já diminui a sua vida útil.
"O beneficio de contar com essa malha é que, além de reduzirmos custos, podemos ter uma rede estratégica, que pode ser gerenciada com o apoio de mais países", diz Bonilha. (AB)

Com Gabrielli, Petrobras fica mais perto do governo

Cláudia Schüffner | Do RioJosé S

Depois de nove anos na Petrobras, seis dos quais na presidência, o economista José Sergio Gabrielli deixa a companhia em um trimestre de resultados bastante fracos. As ações reagiram mal ao balanço de outubro a dezembro e caíram 8,3% (ordinárias) e 7,8% (preferenciais) no fechamento de sexta-feira. Nos comentários sobre os números, os analistas só fizeram um elogio: à indicação do engenheiro José Formigli, atual gerente-executivo do pré-sal, para a diretoria de exploração e produção, no lugar de Guilherme Estrella. "Formigli é um técnico respeitado, ponderado e realista. Tem credibilidade e talvez consiga trazer metas mais realistas para a empresa", disse Emerson Leite, do Credit Suisse.
O analista se refere a um ponto nevrálgico para qualquer empresa de petróleo: a produção. Entre 2003 e 2011, a da Petrobras cresceu pouco mais de 30%, de 1,5 milhão para 2 milhões de barris, enquanto os investimentos saltaram 280%, para R$ 72,5 bilhões. A produção da empresa anda de lado, não vem atingindo as metas estabelecidas pela própria companhia e fechou 2011 com uma média de 2,022 milhões de barris por dia. Os custos e despesas operacionais também são ascendentes e subiram 27,1% no ano passado.
Se de um lado as reservas cresceram desde 2003 com as descobertas no pré-sal, algumas inclusive ainda não contabilizadas, a Petrobras vem tendo dificuldade de apresentar resultados que justifiquem a máxima de John Rockfeller de que uma empresa de petróleo é "o melhor negócio do mundo".
O baiano Gabrielli, que volta para Salvador para trabalhar em uma secretaria do governador Jaques Wagner (PT), é muito querido pelos funcionários da Petrobras, mas não deixa saudades no mercado, de quem ganhou antipatia depois da sua participação em defesa dos interesses do governo no processo de capitalização da companhia.
A avaliação dos menos críticos à sua gestão é que ela correu "frouxa" e em um ambiente em que cada diretor cuidava dos interesses de sua área de forma independente, como se a empresa fosse compartimentada. Gabrielli, de fato, é um "intelectual" que nunca procurou exercer pela força o poder do cargo que ocupava. É justamente essa característica, elogiada pelos mais próximos dele, que o mercado espera que seja revertida na gestão da nova presidente, Graça Foster. A engenheira, que toma posse hoje, é considerada mais firme, dura e focada na gestão e nos resultados que seu antecessor.
A notória proximidade de Graça com a presidente Dilma Rousseff e a forma como a relação poderá funcionar em benefício dos interesses da Petrobras - que nem sempre são os do governo - são algumas incógnitas que o mercado agora tenta desvendar. Em um relatório para clientes do Eurasia Group, o analista Christopher Garman fez uma leitura que é parecida com a de muitos: "A proximidade de Graça com Dilma significa que a Petrobras não encaminhará interesses corporativos que possam estar em desacordo com as prioridades do governo. Ao mesmo tempo, Foster está provavelmente mais bem posicionada para defender os interesses da empresa por trás de portas fechadas, por causa de sua proximidade com a presidente."
Apesar da avaliação quase unânime de que Gabrielli, assumidamente um homem "de partido" (é vinculado ao PT desde a fundação do partido, em 1980), era ideológico e não defendeu a companhia, isso pode não ser de todo verdade. Ficaram conhecidos alguns embates dele com a presidente Dilma e, mais recentemente, sua vã tentativa de convencer a Fazenda a autorizar a equalização dos preços. Mas ele nunca admitiu discordância do governo e, em público, tornou-se ferrenho defensor das medidas consideradas negativas para a companhia pelos analistas.
O analista Marcus Sequeira, do Deutsche Bank, escreveu em relatório que o principal legado de Gabrielli foi o fato de a Petrobras ter se aproximado do governo, especialmente após a descoberta do pré-sal. "Sob sua gestão, o desempenho financeiro da empresa refletiu um forte aumento de preço do petróleo que compensou o limitado crescimento da produção", escreveu o analista, concluindo que o investimento aumentou acentuadamente, mas o retorno sobre o capital empregado [tanto dos acionistas quanto dos credores] na empresa caiu.
De fato, durante a gestão de Gabrielli a Petrobras passou por uma grande transformação. Mudou o patamar de reservas com o pré-sal, realizou a maior capitalização da história do mercado (US$ 70 bilhões) e obteve o grau de investimento pela Moody´s em 2005. A descoberta do pré-sal aumentou o apetite do governo pela empresa e também seu suposto uso político.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva "adotou" a Petrobras quase como um símbolo de seu governo, pegando carona no brilho da empresa que era uma estrela na bolsa. Em dezembro de 2007, a estatal atingiu seu maior valor de mercado: R$ 430 bilhões, o equivalente a 3,4 vezes o patrimônio. A situação piorou drasticamente desde então. No fim de 2011, a empresa valia menos que o patrimônio (0,9 vez), e agora o valor de mercado está igual ao patrimonial.
Uma das maiores críticas de investidores e analistas refere-se ao controle de preços dos combustíveis no mercado interno para o cumprimento de metas macroeconômicas. Poucas vezes o efeito ruinoso dessa política ficou tão claro como no balanço de 2011. Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a defasagem média do preço do diesel em 2011 foi de 16% e a da gasolina ficou em 15%.
Para manter a política de preços alinhados no longo prazo e não no curto, a Petrobras teve que comprar combustíveis fora do país pagando em dólares para suprir o crescimento do consumo no Brasil. Pagou mais caro e não pode repassar o custo. "Em 2011, a Petrobras perdeu R$ 500 milhões somente vendendo gasolina importada mais barata", diz Adriano Pires, do CBIE, que calcula em R$ 7,9 bilhões o saldo negativo da empresa com derivados no ano.
A exigência de maior conteúdo nacional nas compras de bens e serviços também deu à companhia a responsabilidade de reerguer a indústria naval brasileira, e o preço já está sendo pago por meio de atrasos na produção atual e futura. Esse é um consenso de mercado.

Depois de Viracopos, UTC mira Galeão, porto e metrô

Daniel Rittner | De Brasília

Praticamente ignorada pelo mercado como concorrente de peso no leilão de aeroportos, até sagrar-se vitoriosa na disputa por Viracopos, a UTC Participações avisa que foi só o começo de uma entrada para valer nas concessões de infraestrutura. O interesse imediato do grupo volta-se não só para a provável privatização do aeroporto do Galeão, mas também pelas primeiras licitações de novos portos públicos, como Manaus e Ilhéus.
A UTC espera as definições de projetos bilionários no setor metroferroviário para apresentar propostas. Três empreendimentos estão no alvo: a linha 2 do metrô de Salvador (recém-anunciada pelo governo da Bahia), a linha 6-laranja do metrô de São Paulo (em fase de licenciamento) e os trens regionais de passageiros estudados pelo governo paulista (ligações entre a capital e municípios do interior como Jundiaí e Sorocaba).
"Temos um objetivo estratégico no negócio de concessões", afirma João Santana, diretor da UTC e presidente da Constran, empreiteira vendida ao grupo pelo empresário e ex-rei da soja Olacyr de Moraes, há quase dois anos. Do faturamento total da holding - R$ 2,7 bilhões -, cerca de R$ 1,5 bilhão vem da UTC Engenharia, especializada em construção civil e montagem industrial, principalmente na área de óleo e gás.
Em sua estreia em concessões de infraestrutura, a UTC tem 45% do consórcio vencedor do leilão de Viracopos, que ofereceu outorga de R$ 3,8 bilhões por um contrato de 30 anos. O consórcio é formado também por Triunfo (45%) e Egis Airport Operation (10%), que opera aeroportos do Chipre e de ex-colônias francesas.
Santana diz que, em uma eventual segunda rodada de leilão de aeroportos, a prioridade é o Galeão. Nos portos, o interesse é por projetos totalmente novos e não apenas por terminais dentro de instalações portuárias existentes. No caso de linhas de trem e de metrô, a ideia é participar exclusivamente de obras que sigam o modelo conhecido como BOT (sigla em inglês para construir, operar e transferir). "O grupo tem crescido uma média 15% ao ano, na última década. Agora, com o aquecimento da infraestrutura, queremos nos posicionar fortemente nas concessões", justifica Santana, ex-ministro do governo Fernando Collor.
Por considerar que as melhores oportunidades de negócio já foram aproveitadas e que o setor já se consolidou em torno de grandes empresas, a UTC descarta entrar em concessões de rodovias. Também não vê com muita empolgação o novo modelo de licitação do trem-bala (TAV) entre Rio, São Paulo e Campinas.
No ano passado, o grupo chegou a aliar-se ao consórcio encabeçado por coreanos, que se dizia pronto para oferecer uma proposta no leilão do TAV. Depois, o leilão foi adiado duas vezes e o consórcio se desfez, após uma enxurrada de dúvidas. Agora, o governo mudou o formato do projeto, dividindo o leilão em duas etapas: a operação e a construção. "Essa modelagem do TAV nos desinteressa um pouco. Não abandonamos o projeto, mas tiramos o pé do acelerador."
Para garantir rentabilidade na concessão de Viracopos, cuja oferta vencedora teve ágio de 159% em relação ao preço inicial de outorga, Santana explica que os novos administradores do aeroporto deverão apostar alto nos negócios complementares à atividade aérea. Ele garante que, em cinco anos, Viracopos terá "outra cara". Além de estacionamento amplo, acredita que uma das grandes oportunidades está na construção de um hotel de primeira categoria que se volte ao público corporativo, com foco em reuniões e reuniões empresariais.

FINANÇAS
Juro subsidiado barra Selic menor

O Banco Central ainda enxerga no crédito direcionado, em especial nos empréstimos e financiamentos do BNDES, um empecilho à redução da taxa básica de juros. A contrariedade em relação à Taxa de Juros de Longo Prazo (TLJP), que é inferior à Selic e remunera as operações do BNDES, foi ficando mais evidente a partir de abril do ano passado, na medida em que uma crítica velada ao crédito subsidiado passou a se repetir nas atas do Comitê de Política Monetária.
Todas as sete atas publicadas desde então afirmaram que "o comitê considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". O tema é tão delicado que representantes do BC evitam dizer qualquer coisa além do que está no documento. Na Fazenda, a estratégia também é fugir de discussões públicas sobre a questão.
"O problema do crédito subsidiado é que ele não responde ou responde muito pouco aos ajustes da política monetária", diz uma fonte do governo de pensamento alinhado ao do BC. O fato de a TLJP ser mais baixa e desvinculada da Selic, explica, exige que a taxa arbitrada pelo Copom seja maior do que poderia ser e caia menos do que poderia cair. Em outras palavras, para alcançar a taxa média de juros considerada necessária para manter a inflação sob controle, o BC tem que trabalhar com uma Selic que compense o baixo patamar da TJLP, hoje em 6% ao ano. A Selic está em 10,5% ao ano.
Dentro do governo, também há quem estranhe a insistência do BC na ata, diante da desaceleração já constatada na carteira do BNDES. Em 2008, quando o Tesouro Nacional deu início a uma série de aportes bilionários ao banco, o saldo das operações da instituição aumentou 30,8%. Em 2009, numa reação do governo à crise internacional de liquidez, a elevação foi ainda maior, chegando a 35,2%. Nos dois anos seguintes, porém, houve perda de ritmo e a carteira do BNDES avançou, respectivamente, 26,4% e 18,3%. Em 2011, além de desaceleração do estoque, houve queda de 17% no volume anual de desembolsos.
Mesmo assim, na visão do BC, o volume de crédito subsidiado ainda é grande o bastante para tirar a eficiência da política monetária, impedir queda mais acentuada da Selic e, por isso, ser alvo da insistente citação na ata do Copom. Além disso, a oferta desse tipo de crédito ainda está crescendo a taxas superiores às verificadas até 2006. De 2002 a 2006, o saldo da carteira do BNDES subiu em média 10,43% ao ano, percentual bem inferior aos 18,3% de 2011.
"O crédito subsidiado tira força da política monetária, pois escapa dos ajustes na Selic", diz Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central. Em vez de reforçar investimentos públicos que estimulem o setor privado como um todo (como infraestrutura), o governo prefere estimular grupos empresariais ou setores específicos, entre outras formas, via crédito barato do BNDES, um modelo "verticalizado", explica.
O BC, por outro lado, "sempre foi mais simpático a uma política industrial horizontal, em que não há eleitos", por entender que ela traz mais eficiência econômica, acrescenta Freitas. Portanto, por trás da frase repetida nas últimas sete atas do Copom, ele acredita haver também uma visão divergente de política industrial.
O economista Luiz Fernando Figueiredo, outro ex-diretor do Banco Central, avalia que o trecho da ata reflete uma preocupação da autoridade monetária com gastos parafiscais do setor público. Embora não afetem o resultado primário, objeto da principal meta fiscal da União, os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional em função do BNDES elevam a dívida bruta.
"Já estava claro que a situação fiscal é uma das premissas para redução da taxa básica de juros. Agora o BC está chamando atenção também para o gasto quase fiscal, que é expansionista da mesma forma", diz Figueiredo, referindo-se a um fator de expansão da demanda agregada da economia.
Desde 2008, o Tesouro emitiu cerca de R$ 240 bilhões em dívida mobiliária para entregar ao BNDES. Em 2012, ainda não foi feita nenhuma emissão. Não está descartada, porém, uma oferta. Se houver, deve ficar abaixo do R$ 50 bilhões de 2011, ainda assim valor considerado expressivo pelos críticos dos subsídios.

INVESTIMENTOS
Risco político pesa no bolso do investidor

Por Luciana Monteiro | De São Paulo

Uma nova fase na Petrobras começa hoje, sob a direção de Maria das Graças Silva Foster. Ainda não é possível dizer como será a liderança da executiva, mas a percepção é de que a troca de comando na estatal - com a saída de José Sergio Gabrielli - possa melhorar a gestão operacional da empresa. Graça Foster, como é conhecida, tem um perfil mais técnico. O que não deve mudar, na avaliação dos analistas, é o fantasma da influência política.
Nos últimos dois anos, as ações das duas principais companhias da bolsa - Petrobras (ver gráfico) e Vale - sofreram em alguns momentos com o chamado risco político. No caso da mineradora, apesar de ela não ser estatal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos de pensão das estatais têm uma parcela relevante no capital social da empresa.
Isso significa que o investidor brasileiro, ao aplicar na bolsa, tem de acompanhar não apenas os números financeiros de uma companhia, mas as decisões tomadas pelo governo. Levantamento do Valor Data mostra que as estatais representam uma fatia de 17,59% do Índice Bovespa. No caso do IBrX, esse peso chega a quase 22,47%.
O mercado de capitais no Brasil é caracterizado por blocos de controle e, nas empresas importantes, o governo ou é majoritário ou tem participação importante, afirma Sérgio Giovanetti Lazzarini, professor de estratégia e organização de empresas do Insper. "Há um entrelaçamento societário que abre espaço para a influência política e os próprios sócios não querem bater de frente com o governo", diz.
Na Petrobras, as primeiras preocupações vieram com a política conservadora de reajuste dos preços dos combustíveis - que não necessariamente acompanha o mercado internacional -, mas foi em 2010, quando decidiu se capitalizar para a exploração do pré-sal, que a empresa passou a enfrentar um mau humor maior dos investidores.
O modelo de capitalização escolhido, ancorado na cessão onerosa de 5 bilhões de barris da União para a Petrobras, e problemas na comunicação aumentaram a percepção do mercado do risco político na companhia. As ações preferenciais (PN) da Petrobras, que chegaram a valer R$ 34,49 no início de 2010, despencaram para abaixo de R$ 18,00 em outubro, logo após o encerramento da operação.
O mercado gostou do nome da Graça Foster, mas certas coisas não mudarão, como a estratégia dos preços, avalia Pedro Roberto Galdi, analista de investimento da SLW Corretora. Para ele, mesmo com a troca de comando, é preciso ficar atento ao desenvolvimento do pré-sal e, principalmente, ao encaminhamento dos recursos.
Para Rafael Andreata, analista de investimentos da Planner Corretora, a companhia continuará seguindo as diretrizes definidas em Brasília. "Graça Foster tem mais experiência, já foi CEO de duas empresas da Petrobras, mas foi indicada pela presidente", diz. Ainda segundo ele, é o conselho que define as estratégias da empresa e ele é presidido por membro do controlador, a União.
Um dilema que os analistas veem em estatais de grande porte é que tendem a existir necessidades conflitantes, já que o controlador pode ter de decidir entre os interesses do país ou do acionista que investe nas ações da empresa. Por conta da importância da empresa para o país, o economista-chefe da corretora Souza Barros, Clodoir Vieira, acredita que a influência política pode continuar sendo uma preocupação. Segundo ele, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é gerado em função da estatal do petróleo. "Portanto, ao aumentar o investimento na empresa, o governo também consegue elevar o PIB."
Mas não são apenas as estatais que sofrem interferência das decisões do governo. Muitas empresas de capital privado, apesar de não terem o Estado como principal acionista, são diretamente afetadas pelas diretrizes de Brasília. A própria Vale sofreu no início do ano passado, quando entrou no radar dos analistas a apreensão de que o governo pudesse estar pressionando os acionistas para trocar o comando da empresa.
Havia divergências entre o governo, os acionistas e o então presidente da empresa, Roger Agnelli, diz Andreata, da Planner. "Passados alguns meses desde a posse de Murilo Ferreira, parece haver um maior alinhamento nas questões relacionadas a projetos", afirma o analista. "E a percepção de risco político caiu bastante."
Quando há a troca de um presidente considerado competente, caso de Agnelli, é natural que o mercado fique ressabiado, avalia Vieira, da Souza Barros. Aos poucos, no entanto, o novo presidente da Vale vai passando a informação ao mercado de maior independência na gestão, melhorando a visão sobre o papel, diz ele.
As elétricas são um caso à parte quando o assunto é o peso das decisões dos governos federal e estadual. Um dos principais riscos é o de mudança regulatória, conforme ficou evidente no ano passado nas negociações sobre o novo ciclo de revisão tarifária, em que o governo pressionou para baixar o índice de retorno das distribuidoras e, consequentemente, as tarifas para o consumidor final.
A renovação das concessões é outro ponto que o investidor tem de acompanhar de perto quando se fala no setor de energia. Empresas como Cemig, Cesp, CPFL e Eletrobras têm concessões a vencer em 2015. "Embora esse prazo de vencimento possa parecer longo, se não houver perspectivas de renovação, as companhias vão parar os investimentos", lembra Vieira.
Na sexta-feira, conforme mostrou o Valor, o governo está praticamente decidido a prorrogar por um período de 30 anos as concessões de usinas hidrelétricas, distribuidoras e transmissoras que vencem em 2015. Mas, para isso, Brasília exigirá um desconto nas tarifas.
Na visão de Lika Takahashi, estrategista-chefe da Fator Corretora, o governo tem interesse em renovar as concessões, o problema reside na formatação jurídica dessa questão. "Do ponto de vista de tarifa, renovar as concessões com preços mais baixos é uma forma de reduzir o custo de energia no Brasil, que é crescente", disse ela, no "book" de análise da instituição. Na visão dela, as tarifas poderão ser reduzidas entre 30% e 35% e as empresas mais afetadas são Eletrobras e Cesp.
"A Eletrobras é uma das empresas mais expostas ao problema da renovação de concessão, o que pode resultar em perda de receita no futuro", escreve a analista. Andreata, da Planner, ressalta que a influência política que a companhia sofre é até maior do que a vista na Petrobras. "A empresa tem várias unidades abaixo da holding e muitos dos cargos nem sempre são preenchidos levando em conta os aspectos técnicos", diz o analista.
Os investidores veem com ressalvas as estratégias de médio e longo prazos adotados pela companhia nos últimos anos. Isso porque a empresa vem participando de grandes leilões no Norte do país com taxas de retorno consideradas baixas pelo mercado, afirma o analista da Planner.
Na área de concessões de estradas, denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes acabaram por atrasar o cronograma de leilões do governo. "A expectativa era de que leilões fossem realizados no ano passado e, agora, a perspectiva ficou para este ano", afirma Andreata, da Planner.
Já no segmento de portos, também há concessões vencendo, sem definição ainda dos rumos que as negociações tomarão. Algumas empresas estão aguardando uma renovação de suas licitações, caso de Triunfo, Log-In, Santos Brasil e WilsonSons, afirma Andreata.
Na área financeira, as ações do Banco do Brasil costumam ser negociadas com desconto em relação aos papéis de outros grandes bancos pelo temor de ingerência política.
O governo, sob o ponto de vista industrial, tem interesse em manter posição para não perder sua capacidade de influência, afirma Lazzarini, do Insper. "Por isso, o investidor tem de estar ciente disso e colocar no preço de sua análise antes de comprar uma ação." (Colaborou Beatriz Cutait)

AGRONEGÓCIOS
FAO avança em código para aportes em terras

Negociadores da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) já chegaram a termos importantes para um acordo sobre o texto de código de conduta capaz de regular investimentos estrangeiros em terras agrícolas. A adesão dos países ao acordo será voluntária.
O Valor apurou que um dos temas em discussão envolve uma proposta para que os governos utilizem uma taxação para estimular a boa ocupação da terra e evitar seu uso especulativo ou uma tendência de concentração. Nesse caso, a recomendação do imposto valeria para a origem de qualquer investimento em terras nacionais. Outra polêmica é sobre a abrangência do código, que engloba áreas rurais e as chamadas "periurbanas".
A expectativa é que a negociação do texto final, com mais de 200 artigos, seja concluída no mês de março. Os países que decidirem adotar as diretrizes voluntárias deverão incorporá-las em seus programas e legislações. No entanto, essas regras não substituem as leis nacionais e internacionais, acordos ou tratados. Por segurança, o Brasil é um dos países que pedem que essa ressalva explicitada no texto.
O Brasil quer também que o texto aponte para o legítimo direito da terra que pode não estar previsto em lei, mas que é garantido por condições históricas - casos das terras indígenas e de quilombos.
Uma recomendação é para os governos assegurarem que os projetos de investimentos em terras passe por negociações ou consultas públicas com as comunidades tradicionais. Outro artigo, sem acordo, recomenda que os Estados devem "respeitar e preservar os direitos de posse dos povos tradicionais e oferecer-lhes reconhecimento e proteção jurídica"".
O código é acompanhado na cena internacional como a primeira tentativa de controlar a tendência de acordos de "land grab", pelos quais países com volumosos recursos como China, Arábia Saudita e Coreia do Sul investem na compra de terras estrangeiras para assegurar a própria segurança alimentar.
A polêmica cresceu nos últimos anos, quando vários países da África, com problemas de fome crônica, deram quase de graça terras em troca de promessas - nem sempre cumpridas - de criação de emprego e gastos em infraestrutura.
O código pretende fazer esta correção e tentar facilitar o investimento privado na agricultura de forma responsável, por meio de um texto considerado abrangente. "Uma empresa que vai produzir alimentos em um país africano seguindo estas diretrizes voluntárias estará fazendo investimento. Se estiver fora, é land grabbing", explica uma fonte que acompanha as negociações.
Os 192 países membros da FAO negociam um texto final. Os governos serão aconselhados a definir os direitos e deveres dos investidores estrangeiros em terras. Isso poderá incluir o compromisso de respeitar aos direitos humanos, assegurar a promoção da segurança alimentar, a utilização sustentável do meio ambiente e seguir as principais normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Ainda sem consenso, outro artigo prevê que os governos não devem fazer expropriações ou expulsões forçadas para fins privados.
A negociação vem sendo acompanhada de amplo debate com empresas privadas e sociedade civil, em um processo que a FAO considera o mais transparente possível. (AM)

China 'troca' infraestrutura por grãos na América do Sul

Por Assis Moreira | De Genebra

A China está mudando seu modelo de investimentos na agricultura da América do Sul. Diante das restrições a estrangeiros para a aquisições de terras no Brasil e na Argentina, os chineses passaram a privilegiar aportes em infraestrutura em troca do direito exclusivo de comprar a colheita.
Para o Rabobank, banco holandês líder em financiamentos ao setor de agronegócios, a China tende a aumentar exponencialmente seus investimentos na América do Sul como forma de garantir seu abastecimento, sobretudo de soja, e aumentar cada vez mais as compras de milho.
O banco menciona que estimativas da consultoria Deloitte sobre investimentos chineses no Brasil indicam que, em geral, o montante poderá alcançar US$ 40 bilhões até 2014. Em 2007, o estoque era inferior a US$ 100 milhões. Na Argentina, os aportes passaram de US$ 10 bilhões desde 2009. Outros US$ 3 bilhões a 4 bilhões foram anunciados em novos projetos agrícolas.
Renato Rasmussen, economista do Rabobank e um dos autores do estudo do banco sobre a expansão chinesa no agronegócio da América do Sul, nota que o plano inicial de Pequim era comprar terras e produzir. Agora, para evitar problemas depois que Brasil e Argentina impuseram restrições à aquisição ou leasing de terras por estrangeiros, grupos chineses partiram para um modelo que corresponde, em parte, ao desejo desses países em atrair investimentos em infraestrutura e exportar produtos de maior valor agregado.
Para o Rabobank, provavelmente o primeiro grande investimento chinês nesse novo modelo ocorrerá em Barreiras, na Bahia. É onde a companhia Chongqing Grain passará a processar 2 milhões de toneladas de soja já nesta safra 2011/12, produzida por parceiros em joint venture em 100 mil hectares de terra. Rasmussen voltou de Pequim com a convicção de que o projeto em Barreiras será maior do que o previsto inicialmente. Em 2011, o plano era de investimentos de US$ 2 bilhões.
Conforme o banco, outro grande projeto pelo novo modelo pode envolver US$ 7,5 bilhões em investimentos em Goiás pela companhia Hopeful Sanhe. O plano é investir em transporte e armazenamento de soja para assegurar o suprimento anual de 6 milhões de toneladas para a China, o equivalente a 80% de toda a produção de soja de Goiás, que foi de 8,2 milhões de toneladas no ciclo 2010/11. Pequim também poderá fornecer fertilizantes, defensivos e sementes para aumentar a produção agrícola no Estado e viabilizar o comércio.
O mesmo modelo está sendo proposto na Argentina. O Beidahuang Group fez um acordo com o governo da Província de Rio Negro para investir US$ 1,5 bilhão durante dez anos na irrigação de vales que atualmente não têm produção agrícola. Em troca, a empresa garante exclusividade para comprar a produção local de soja, milho e trigo. O projeto envolve 300 mil hectares de terra.
Companhias chinesas também investem em insumos. A Tierra Del Fuego Energia y Química quer construir uma planta na área, e a Sinochem International está abrindo uma subsidiária na Argentina focada em agroquímicos.
O banco vê potencial também para a expansão de acordos, por meio dos quais as companhias chinesas asseguram o acesso à produção na América do Sul através de financiamento barato das colheitas. Pequim tem centenas de bilhões de dólares em reservas e pode financiar a custos bem mais baixos do que a maioria dos concorrentes.
A China tanto assegura contratos de longo prazo para reduzir sua exposição a vulnerabilidades no abastecimento agrícola, como torna-se menos dependentes das grandes companhias tradings e evita custos de intermediação.
O país é o maior consumidor desses produtos e não pode atender sua demanda com a produção doméstica. Por isso, é o maior importador do complexo soja para atender sua indústria de suínos e aves, representando metade do volume negociado internacionalmente. Suas importações podem alcançar 58 milhões de toneladas de soja em grão em 2011/12, mais do que a produção da Argentina (53 milhões).

LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Lei pode desestimular a concessão de bolsas de estudo por empresas

Por Marta Watanabe e Laura Ignacio | De São Paulo

Uma lei editada em outubro está fazendo as empresas reavaliarem seus benefícios de concessão de bolsas e subsídios para educação, desde cursos de graduação até especialização e atualização técnica. Com a alteração da Lei nº 12.513, só ficam livres de contribuição previdenciária os valores de bolsas até R$ 933,00 mensais ou até 5% da remuneração do trabalhador. Vale o limite que for maior. Benefícios acima disso não contam mais com a isenção da contribuição. Antes não havia essa limitação.
Por conta da nova lei, o Laboratório Sabin alterou sua política de concessão de benefícios para educação, conta Juliana Alcântara, gerente de Recursos Humanos da empresa. Com cerca de mil empregados, a empresa, conta Juliana, limitou a quantidade de vagas para a concessão de bolsas de educação. O limite passou a ser 10% do quadro de trabalhadores. Antes era ilimitado, diz, e chegou a ser de 20% do total de funcionários.
Os cursos passíveis de subsídio também ficaram mais limitados. "Antes se um funcionário quisesse fazer direito e se encaixasse nos demais critérios, nós concedíamos bolsa. Agora não", diz a gerente. Segundo ela, a empresa deve investir apenas nos cursos alinhados ao negócio. "Como nosso departamento jurídico é terceirizado, não teríamos colocação para quem cursar direito."
Juliana diz ainda que a partir de agora a empresa será mais rígida nos critérios para aprovação da bolsa educação, levando em consideração, entre outros, tempo de empresa, notas mais altas na avaliação do desempenho, assiduidade e produtividade.
O laboratório, diz Juliana, concede bolsa de até 80% do curso de graduação, dependendo do tempo de casa e do cargo ocupado. "Há também os cursos de especialização ou congressos, que costumam representar despesas altas e são cobertos em 100%", diz Juliana.
A nova lei, porém, não teve efeito uniforme para todos. Há empresas que ainda estudam a legislação. É o caso da Natura, por exemplo. Por nota, a assessoria de imprensa da fabricante de cosméticos informou que "a área responsável ainda está entendendo o processo junto ao departamento jurídico". A Coelce também diz que está analisando o assunto para medir os impactos e informa que dará prioridade ao "bem-estar dos funcionários".
Outras companhias, como a distribuidora de autopeças Sama, do Grupo Comolatti, a Volvo e a BV Financeira afirmam que vão manter as regras de subsídios aos funcionários, mesmo com a nova lei. Esse também é o caso da Whirlpool Latin America. Por nota, a indústria de eletrodomésticos disse que, antes da legislação nova, seu programa de bolsas já era baseado na educação básica de seus profissionais, incluindo cursos de nível superior e pós-graduação. "No que tange aos valores trazidos na nova redação da lei, também não haverá impacto para a Whirlpool, uma vez que os critérios instituídos no seu programa de bolsas atendem às determinações legais".
Ao mesmo tempo em que criou uma limitação de valor, porém, a lei trouxe alterações que foram bem-recebidas. Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que a nova lei é boa, pois expande os incentivos à formação profissional e tecnológica. A entidade informa que a área jurídica ainda estuda o assunto para identificar outras implicações das novas regras.
A legislação anterior permitia que a Receita Federal interpretasse que o custeio da educação dos funcionários ou seus dependentes só estaria livre da contribuição em dois casos: quando se trata da educação básica (ensino fundamental e médio) e de cursos de capacitação e qualificação profissional. Agora está expresso na lei que bolsas para cursos universitários e de pós-graduação, por exemplo, ficam liberadas do encargo previdenciário.
O advogado Fabio Medeiros, do Machado Associados, diz que deve haver controvérsia em relação aos limites de valor estabelecidos pela lei. Ele lembra que permanece a dúvida, no caso do descumprimento dos limites - 5% do salário ou R$ 933,00 mensais, o que for maior -, se todo o custo com educação seria tributado ou apenas o excedente. Medeiros defende a tributação apenas do valor que exceder os limites. "Mas a Receita provavelmente entenderá pela tributação integral", reconhece.
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos, afirma que, dependendo do tipo de curso, como um de alta especialização de engenharia no exterior, o valor do limite é baixo. "Por outro lado, isso estimula as empresas a investirem mais na formação dos que têm menos condições para financiar a própria capacitação".
A lei facilitou a concessão de bolsas sob outro aspecto. Antes da mudança legislativa, todos os empregados ou dirigentes deveriam ter a mesma possibilidade de fazer determinado curso. Agora, não existe mais essa exigência. "Não é factível a empresa não poder escolher para quem vale mais a pena pagar um curso. Com isso, alguns acabavam por não conceder nenhuma bolsa."
Para o advogado Guilherme Romano, do Décio Freire & Associados, a nova lei pode gerar discussões judiciais em razão do limite imposto ao benefício fiscal. "Não tem sentido o empregador conceder bolsas e, quanto maior o valor do subsídio, maior o risco dele ser autuado", afirma.

Folha de salário é considerada insumo

Por Bárbara Pombo | De São Paulo

A Justiça Federal de São Paulo concedeu uma liminar a uma prestadora de serviços para usar as despesas com a folha de salário como créditos do PIS e da Cofins para abater do valor total a ser recolhido das contribuições ao Fisco. A legislação dos tributos proíbe a prática. Entretanto, o juiz federal substituto da 5ª Vara de Guarulhos, Guilherme Roman Borges, permitiu o desconto ao considerar que a proibição vai contra princípios constitucionais. "Entendo que é inconstitucional a vedação da dedução sob o ponto de vista material, por ofensa à isonomia, à capacidade contributiva, à livre-concorrência e à razoabilidade", afirmou, na decisão. A Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) informou que já recorreu.
Embora os advogados consultados pelo Valor acreditem que há grandes chances de a liminar ser cassada, principalmente porque a Justiça tem sido contrária à tese, a maioria concorda que a decisão é bem fundamentada e, por isso, um importante precedente para questionar a proibição. "É um posicionamento inovador que vai levantar o debate. Poderá sensibilizar o legislador a aprimorar o regime ou o Judiciário a reconhecer que a vedação é desproporcional", diz o tributarista Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
Na liminar de 14 páginas, proferida no dia 12 de janeiro, o juiz aceitou os argumentos da Auxiliarlog Serviços Gerais e Logísticos. A empresa defendeu que viu sua carga tributária aumentar, em 2003, quando veio o regime não cumulativo com alíquota de 9,25%. Sustentou ainda que, por ter a mão de obra como principal insumo, não consegue abater créditos. Segundo o advogado da empresa, Ricardo Godoi, do escritório Godoi & Aprigliano Advogados Associados, a decisão vai gerar redução da carga tributária entre 50% e 75%. "A lei desvirtuou a sistemática do regime não cumulativo ao proibir o crédito da folha", diz Godoi, que tem outros 20 pedidos de liminares sobre o tema.
Para o juiz, a proibição onerou as empresas por causa de uma "perda de consistência no próprio conceito de insumo". No entendimento o magistrado, as despesas com pessoal tem papel primordial na formação dos custos das prestadoras de serviços. Além disso, diz que o regime do PIS e Cofins é diferente do de outros impostos não cumulativos, como o ICMS. Isso porque o fato gerador das contribuições é a receita calculada pelo contribuinte, independentemente de etapas anteriores. "Logo, o que existe são custos operacionais legalmente previstos que podem ser excluídos da base de cálculo".
Na decisão, ele afirma ainda que há ofensa à capacidade contributiva porque o valor do tributo a ser recolhido sob o regime não cumulativo "quase triplicou em relação ao regime anterior". Afirma ainda que foram criadas diferenciações entre os setores econômicos "sem fundamento racional", o que teria desestimulado a competição.
Embora a Auxiliarlog tenha obtido a liminar, o sindicato que a representa não teve o mesmo sucesso. Em sentença proferida no dia 26, o juiz da 12ª Vara de São Paulo negou o pedido para que as empresas associadas usassem a folha de pagamento como crédito. Na ação coletiva, saiu vitoriosa a tese da procuradoria da Fazenda Nacional de que os salários não são insumos, inclusive porque não são adquiridos de pessoas jurídicas que recolhem o PIS e a Cofins. "Salário é remuneração, não é algo consumido na produção. O trabalho, é. Mas para isso se remunera", diz o procurador, Jaimes Siqueira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário