Pesquisar

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

20 de dezembro 2011 - CORREIO BRASILIENSE


PRIMEIRA PAGINA

Servidora é presa por desvios no TRT
Investigada pela Operação Perfídia, da Polícia Federal, Márcia de Fátima Pereira e Silva Vieira foi detida ontem em sua casa no Park Way. Segundo a PF, ela confessou ser a chefe de um esquema que roubou pelo menos R$ 5,5 milhões em indenizações liberadas pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). O marido, a mãe e o irmão de Márcia de Fátima também estão na cadeia acusados de integrar a quadrilha. Mais 13 pessoas são suspeitas de participar do golpe, revelado pelo Correio. Com ordens judiciais falsas, Márcia ordenava que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal depositassem os valores pagos em contas que ela indicava. Os bens de todos os presos foram bloqueados, entre eles a mansão em que Márcia morava, avaliada em R$ 2,7 milhões. “O que ela possuía estava muito acima do padrão de uma servidora pública”, disse a delegada responsável pelo caso, Fernanda de Oliveira.


Judiciário: STF reduz os poderes do CNJ
Liminar do ministro Marco Aurélio Mello proíbe o Conselho Nacional de Justiça de abrir processos disciplinares contra magistrados. A decisão ainda terá que ser julgada pelo plenário do Supremo.


POLÍTICA
MPF concorda com a Fifa
Venda casada de ingressos, passagens e hotéis para os jogos do Mundial não deve ser ilegal

Em nota técnica, integrantes do Ministério Público Federal (MPF) afirmam que a proposta da Federação Internacional de Futebol (Fifa) de venda casada de ingressos da Copa de 2014 com passagens aéreas, hospedagem não deve ser considerada ilegal. Esse tipo de comercialização é condenada por representantes de entidades que atuam na área do Direito do Consumidor. Trata-se de mais uma das polêmicas que fazem parte do projeto de Lei Geral da Copa que tramita atualmente na Câmara. Após idas e vindas na elaboração do projeto e, apesar da urgência, ele deve ser votado apenas no início do próximo ano, após o recesso parlamentar. O texto da proposta autoriza a Fifa, entidade privada e organizadora dos jogos, a dispor sobre a venda de ingressos de forma avulsa ou por pacotes turísticos ou de hospitalidade. Segundo o MPF, a venda casada de pacotes deve ser considerada infração apenas se não fosse possível a compra separada dos ingressos.
"A adoção da venda de pacotes em lei não afasta o papel das autoridades de analisar as condições em que a Fifa exerce sua política de vendas", justifica o MPF em trecho da nota técnica. O documento será encaminhado ao relator do projeto de Lei da Copa, deputado Vicente Cândido (PT-SP).
A prática da venda casada é criticada por representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo o advogado da entidade, Guilherme Rosa Varella, a prática fere o Código de Defesa do Consumidor no artigo 33 que trata sobre o tema. Contrariada com o texto do projeto que tramita na Câmara, o Idec chegou a lançar uma campanha com o tema "Temos que mostrar que a Fifa não está acima das leis brasileiras. Envie uma mensagem à Fifa, para a Presidência da República, para o Ministério do Esporte e da Justiça".
Além da venda casada, os órgãos de defesa do consumidor defendem a garantia da meia-entrada para estudantes e idosos conforme a legislação brasileira; plena responsabilidade da Fifa por danos causados aos torcedores-consumidores; a proibição da criação de áreas exclusivas de exploração comercial da Fifa na cidade; entre outros pontos.


13.816 vagas serão abertas

» KARLA CORREIA

O parecer da proposta orçamentária para 2012, apresentado ontem pelo relator do Orçamento Geral da União, Arlindo Chinaglia (PT-SP), prevê 13.816 vagas a serem preenchidas no serviço público federal no próximo ano. A maior parte dos postos devem se concentrar na área de segurança pública, sobretudo na Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal, que absorvem 1.872 vagas para concursos em 2012.
Ao todo, a previsão de criação e provimento de cargos, empregos e funções do serviço público federal deve representar um impacto de R$ 2,12 bilhões para 2012. Está incluída nesse cálculo a substituição de funcionários terceirizados na esfera federal, que deve custar em torno de R$ 147,1 milhões no próximo ano. A execução desse montante, porém, ainda dependerá de haver ou não contingenciamento do Orçamento em 2012.
A necessidade de criação de novos cargos aumenta a pressão do governo sobre o Congresso pela aprovação do fundo de pensão para servidores federais, o Funpresp, em 2012. A proposta prevê para o funcionalismo público um teto de aposentadoria igual ao do INSS, de R$ 3,6 mil. Quem quiser receber mais deverá contribuir para o fundo, que pagará uma aposentadoria complementar a partir de 35 anos de contribuição. A intenção é que a massa de servidores que entrará na máquina pública federal em 2012 já o faça sob as novas regras, formuladas para reduzir o crescimento do rombo na Previdência. Mas o governo prevê dificuldades na aprovação dessa matéria em ano eleitoral.
Ficou de fora do relatório a previsão de recursos para a reestruturação das carreiras de servidores da Câmara dos Deputados – objeto do "pacote de bondades" que o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS) tentou aprovar ainda para este ano – e do Tribunal de Contas da União (TCU). Por conta da pressão contrária do Executivo, Marco Maia havia postergado o projeto de reformular os planos de carreira da Câmara para 2012.
De acordo com Chinaglia, a prioridade do governo – que foi atendida no parecer – foi manter os recursos para investimentos e para programas sociais. "A elevação dos investimentos é a maneira mais segura de se criar e manter empregos, protegendo o país dos piores efeitos da crise econômica que hoje atinge a Europa.


BRASIL
Ação paliativa nas rodovias federais
 Governo anuncia operação conjunta entre polícias para reduzir o número de mortes. Média é de quatro óbitos por hora

O governo federal lançou ontem a primeira operação integrada com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), polícias estaduais e agências do trânsito para tentar reduzir a média de quatro mortos por hora em acidentes de trânsito em todo o país. De acordo com dados do Ministério da Saúde, essa média de óbitos persiste desde 2008 e totaliza mais de 41 mil mortos ao ano. Para o ministro das Cidades, Mário Negromonte, é como se a cada dois dias caísse um boeing no Brasil. "A sociedade fica mais comovida com acidentes de um boeing do que com esses espalhados no país inteiro", lamenta.
A aposta da PRF para mudar esse cenário é fazer um levantamento dos trechos em que mais ocorrem acidentes e verificar as principais causas. Com um mapa dos 60 trechos mais perigosos, a corporação fechou parcerias para atuar nesses espaços, responsáveis por 22% dos acidentes. Durante o lançamento da ação, que envolve quatro ministérios — da Saúde, dos Transportes, de Cidades e da Justiça — e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, explicou que as blitzes ocorrerão simultaneamente nesses trechos até 27 de fevereiro. "Na medida em que as fiscalizações se integram, nós fechamos a porteira para quem burla", acredita Cardozo.
Para especialistas, a operação batizada de RodoVida pode ser um passo para amenizar as tragédias no trânsito, mas não vai resolver o problema. O diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Dirceu Alves Júnior, afirma que a intensificação da fiscalização daria melhores resultados se fosse aliada a ações de educação e punição severa. "O total desconhecimento das adversidades é o grande responsável por esse número absurdo de acidentes. As pessoas aprendem muito pouco e acham que não serão punidas." Segundo o professor de psicologia comportamental da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em trânsito Hartmut Gunther, outros fatores também deveriam ser considerados. "Nós sabemos que a pessoa que recebe as consequências imediatas tem mais chances de aprender. Mas são vários fatores que influenciam nos acidentes. A conservação das estradas e a falta de sinalização também merecem atenção do Estado", alerta.

Motos
Além dos alvos tradicionais — motoristas alcoolizados, ultrapassagens perigosas e excesso de velocidade, os motociclistas serão alvo dos fiscais. A quantidade de mortes em acidentes com motociclistas subiu de 9% em 2000 para 22% em 2007, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios. Segundo o Ministério da Saúde, dos 40.610 mortos no trânsito no ano passado, 10.134 eram motociclistas, ou seja, 24,9%. "A moto é um veículo mais frágil, que deixa o condutor muito exposto, qualquer falha pode, com muito mais facilidade, causar um acidente grave", justifica o inspetor da PRF Fabiano Moreno.
Ele acrescenta que 56% dos acidentes em rodovias federais ocorrem em zonas urbanas. "Eles não ocorrem mais em saídas de pistas. Hoje, acontecem nas estradas que cortam as cidades", explica. A mudança de perfil justifica o maior envolvimento de motoqueiros nas tragédias do trânsito. O governo federal estima que tenha gasto de janeiro a setembro deste ano cerca de R$ 7,9 bilhões com acidentes nas rodovias federais.


MUNDO
Luta interna deve marcar a sucessão
Para se legitimar no poder, caçula de Jong-il terá que vencer a oposição da elite e do Exército

Rodrigo Craveiro

O regime mais fechado do planeta se preparava para a morte de Kim Jong-il desde 2008, quando um derrame tornou a saúde do ditador cada vez mais precária. Mas foi pego surpreso. Além de deixar a Coreia do Norte órfã, a ausência do "Querido Líder" mergulhou o país em incertezas. Especialistas admitem ao Correio que Pyongyang provavelmente assistirá a disputas internas pelo poder. Aos 29 anos, Kim Jong-un — o filho caçula de Jong-il e principal cotado a assumir o posto de "pai da nação" — não agrada ao Exército e é considerado jovem demais pelas elites norte-coreanas. Seu nome também desperta a ira de Kim Jung-nam, o irmão mais velho que, até pouco tempo, era considerado o sucessor natural do pai. Ao usar um passaporte falso em uma viagem à Disneylândia de Tóquio, Jung-nam teria deixado de ser o preferido de Jong-il.
A agência de notícias norte-coreana KCNA descreveu Kim Jong-un como "o grande sucessor" e pediu à população de 24,3 milhões de pessoas que se una em torno de sua figura. Ao ser escolhido para comandar a comissão de organização do funeral do ditador — composta de 232 membros —, Jong-un aparece como o novo presidente da nação. "Sob a liderança de nosso camarada Kim Jong-un, nós devemos transformar a tristeza em força e coragem", recomendou o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte. "Todos os membros do Partido (dos Trabalhadores), os militares e o povo devem seguir fielmente a autoridade do camarada Kim Jong-un e proteger e reforçar a frente unida do partido, do Exército e da cidadania", afirma uma nota da KCNA.
Fã de James Bond e do ex-jogador de basquete Michael Jordan, além de prodígio em assuntos tecnológicos, Jong-un estudou na Suíça e tem fluência em inglês, alemão e, provavelmente, francês. Promovido a general de quatro estrelas no ano passado, ele experimentou uma ascensão meteórica na política norte-coreana. Chegou a vice-chefe da Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores, mesmo sem experiência militar. Alguns analistas creem que essa limitação levará o caçula de Jong-il a estabelecer uma aliança estratégica e quase simbiótica com os líderes do Exército. Ou mesmo a acabar como uma espécie de testa de ferro em um governo comandado por parentes mais velhos e mais poderosos.

Isolamento
Scott Snyder, diretor do Centro para Política EUA-Coreia do instituto The Asia Foundation (em Washington), aposta que Pyongyang adotará uma "estratégia de porco-espinho" para preservar o regime comunista. "A Coreia do Norte lançará mão de ameaças, enquanto busca se estabelecer internamente", acredita. "A provável liderança de Kim Jong-un exigirá um isolamento para ser capaz de sobreviver." Segundo ele, o nome do herdeiro de Jong-il seria cortejado pelas mais altas elites norte-coreanas. No entanto, estaria longe de ser uma unanimidade. "Debates e divisões podem surgir, enquanto o processo sucessório se desenrola", adverte. "As evidências de lutas internas devem se tornar mais visíveis, à medida que os desafios se apresentarem para a dinastia de Kim Jong-un", emenda.
O sul-coreano Yong Chen, historiador da Universidade da Califórnia-Irvine (EUA), não espera que Jong-un seja mais aberto que o pai. "Uma transformação desestabilizaria sua estrutura de poder e daria à oposição um bom motivo para destroná-lo", explica. Na tentativa de se afirmar ante a opinião pública norte-coreana e os inimigos ocidentais, Jong-un deve manter a política de linha-dura, especialmente em relação à Coreia do Sul e ao Japão. Essa tendência ficou evidente ontem, quando a Coreia do Norte disparou mísseis na costa leste de seu território.
"Não deveríamos esperar que Jong-un se esforce para reduzir a tensão na Península Coreana", adverte Chen. Qualquer medida de boa vontade projetaria uma imagem de fraqueza aos olhos dos norte-coreanos e de outros povos. "Não creio que o regime terá sobrevida longa. Não porque o povo esteja sofrendo, mas devido à legitimidade questionável de Jong-un", ressalta o historiador da Califórnia. De acordo com Chen, a duração do regime exige que o novo ditador implemente mudanças pessoais e brutais na estrutura de poder do país. "Jong-un se livrará daqueles que não são seu povo e colocará sua gente nos lugares certos", prevê.

Eu acho...
"A história não será generosa com Kim Jong-il. Ele será lembrado como um ditador que pertencia ao passado. Como líder político, manteve um comportamento e um sistema de crenças contrário às tendências mundiais e ao interesse de seu próprio povo. O regime norte-coreano tornou-se menos uma questão de ideologia do que de proteção a uma dinastia".


CIDADES
O custo da guerra
 Os mortos e os feridos em acidentes de trânsito custaram para o Distrito Federal, em um ano, R$ 1,5 bilhão. Nos últimos dois anos, no país, o prejuízo estimado alcançou R$ 75 bilhõesNotíciaGráfico

Lilian Tahan
Ana Maria Campos

Agora (Titãs)

"Agora que a agora é nunca
Agora sinto minha tumba
Agora o peito a retumbar
Agora quartos de hospitais

Agora tenho mais memória
Agora não me despedi
Agora ainda estou aqui

No próximo fim de semana, será Natal. As pessoas se programam para uma festa. Árvore, presentes, luzes, ceia e crianças. A professora Vânia Borges de Carvalho, 43 anos, passará essa noite em sono induzido por remédios. É por recomendação médica. Em 24 de dezembro de 2010, a mãe dela, dona Hortência Borges, enterrou três netos e o genro. Era a família de Vânia: Jarismar, 46, o marido; Ana Beatriz, 12, Pedro, 9, Júlia, 5, filhos da educadora. Agora, Vânia terá de dormir para não reviver a tragédia de sua vida, quando, a caminho das férias, o carro em que viajava se envolveu em um acidente, na BR-020, a caminho de São Miguel, interior do Rio Grande do Norte. Lá, eles têm parentes.
Desde domingo e até amanhã, o Correio publica uma série de reportagens que conta o drama de quem perdeu pessoas queridas em desastres na vias do DF. São órfãos do asfalto. Os nomes das 449 vítimas serão publicados no período.
Vânia era mãe de quatro. Seu primogênito, Rayran, 16, morreu depois, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Era 5 de janeiro. Nesse mesmo dia, a professora entrou em coma. Ficou desacordada 360 horas. Durante três meses, tomou — dia, sim, dia, não — banhos com bucha de cobre, parte do tratamento para queimaduras de segundo e terceiro graus. A pele destruída precisa ser retirada aos esfregões para evitar uma infecção. Vânia saiu do acidente em chamas. Pulou por cima do marido, no banco do motorista, pela fresta do vidro.
O carro explodiu várias vezes. Pegando fogo, Vânia olhou para trás, em busca das crianças. Viu Pedro sem escoriações. Berrou por socorro. Ana Beatriz tinha sangue no rosto. Vânia não viu Júlia. Soube depois que a garotinha, com o impacto da batida, escorregou para debaixo do banco. Rayran foi arremessado. Vânia sacudia o marido. Ele estava desacordado. O Zafira da família foi atingido por um Voyage ao tentar fazer um retorno na rodovia — a 50 quilômetros de Posse (GO) e a 300km de Brasília. O desastre impressionou as testemunhas. Vários motoristas pararam e pediram que outros ajudassem com o extintor de incêndio.
Já deitada na grama, ao lado do marido, retirado ainda com vida do Zafira, Vânia fez um apelo: "Jarinho, salve as nossas meninas". Raimundo Jarismar Moreira de Carvalho tinha uma profissão nobre. Ele buscava leite materno, armazenava e abastecia os hospitais. Na casa de Vânia, um sobrado de três pavimentos na QE 38 do Guará 2, era quem cozinhava. Costumava lavar as louças. "Ele dizia que era para eu não estragar as unhas." Aos fins de semana, tocava no violão Zé Ramalho, Fagner e Roberto Carlos. Era um pai amoroso e um marido dedicado. Mas naquela quarta-feira de dezembro, Jarinho não pôde fazer mais nada.
Vânia viu o próprio corpo derreter. Perdeu parte do braço direito, do seio, da barriga, das pernas. Mas não sentia dor. Estava anestesiada. À sua volta, as pessoas filmavam com o celular as explosões. Um desconhecido estendeu a mão para um de seus filhos. Tirou Pedro de dentro do carro em labaredas. Queimou todo o braço. O menino, o mais apegado à mãe, morreu ao chegar ao Hospital de Base do DF. Na ambulância, Rayran pedia água. Teve queimaduras e recebeu uma forte pancada na cabeça. Como poderia ser submetido a uma cirurgia, a brigadista controlava a sede do garoto com um conta-gotas.
Durante dias, mãe e filho tiveram as feridas tratadas por médicos e enfermeiros do Hran, que guardaram segredo sobre o destino dos familiares de Vânia, até que a mulher tivesse condições de ouvir o desfecho da colisão. Ela pressentiu a morte do filho mais velho. Teve muita falta de ar. Naquele dia, as feridas doeram mais. Ouviu quando os aparelhos que mantinham a vida de Rayran anunciarem o fim da vida do menino. Apesar de todo o sofrimento, ela nunca desejou a própria morte. Na entrada do Hran, foi recebida por um médico de quem não se lembra o sobrenome. Mas de quem nunca esquecerá a cor dos olhos. "Eu pedi: "Doutor, não me deixa morrer.""
O médico Mário Frattini Ramos foi um dos que ajudaram Vânia a contar a história de sofrimento e superação. Não tem uma noite que ela não sonhe com o marido, com quem viveu 19 anos. Na casa dos pais, onde mora hoje, os quatro filhos estão por toda a parte, em porta-retratos. Atrás de respostas, Vânia se apega à religião. É espírita. Dona Hortência é católica. Mas tem ido à Casa do Caminho, um centro espírita, no Guará 2, para buscar cartas que as duas netas escrevem para a filha. Essa é a verdade para Vânia.

Prejuízos
Não há especialista no mundo que consiga dimensionar a dor de Vânia. Ficou órfã dos quatro filhos e do amor de sua vida. Mas o Estado tem a obrigação de calcular em cifras o valor dessas e de outras milhares de mortes no asfalto, tentar entender os motivos e diminuir o índice dos desastres. Nos últimos dois anos, o prejuízo estimado com os acidentes em todo o Brasil foi de R$ 75 bilhões. Dinheiro envolvido na morte de 84,7 mil pessoas e na internação de 278,4 mil feridos. Esses números são calculados pelo movimento Chega de Acidentes, que envolve entidades de trânsito.
O custo bilionário das tragédias nas pistas minimizaria a fome (compraria 313,9 milhões cestas básicas) e melhoraria o tráfego de São Paulo (o dinheiro construiria 513km de metrô). Se os R$ 75 bilhões fossem empregados em programas habitacionais, poderia erguer 2,1 milhões de casas populares. Os prejuízos financeiros levam em conta danos materiais, indenizações, reabilitação de feridos, internações e até o que as vítimas deixaram de produzir.
Em 2011, 449 pessoas morreram em 395 acidentes fatais no DF. Milhares ficaram feridas. A violência no trânsito custou a vida de toda a família de Vânia. Para o DF, os desastres ocorridos em um ano somaram R$ 1,5 bilhão em perdas materiais, segundo cálculos do Detran. "Os acidentes são uma tragédia para quem morre, para os que ficam e até para o Estado, com o dever de reabilitar sequelados", constata Celso Gomes, especialista em Operação de Sistema de Transporte e Segurança do Detran.
Há um ano, desde que deu entrada no Hran, Vânia fez várias cirurgias de enxerto. A pele da panturilha foi usada para reconstruir a cintura, os braços e os seios. Destra, a professora treina a escrita com a mão esquerda. Teve de tirar o baço, quebrou a bacia. Faz fisioterapia no Hospital Sarah Kubitschek. É atendida pela Associação dos Portadores de Sequelas por Queimaduras (Aposeq), que trabalha com serviço voluntário. É de lá que recebe óleo, filtro solar e as malhas para tratar as feridas.
Vânia é uma fortaleza. Agora, é ela quem ensina os pais. Ivo Felix dos Santos, 70 anos, teve um AVC. Achou que não ia suportar a vida preso aos movimentos com limitações. Mas ao ver a filha todos os dias lutando para sobreviver, ele se fortaleceu. "Como posso desistir, tendo uma filha como essa?", questionou. A mulher quer contar a sua história. Vai escrever um livro: As pérolas do asfalto.


Núcleo Bandeirante comemora 55 anos

Ana Pompeu

Há 55 anos, pela necessidade de montar uma infraestrutura básica para abrigar aqueles que participavam da construção de Brasília, surgiu o Núcleo Bandeirante, uma das localidades mais antigas do DF. As principais avenidas foram abertas pela Novacap, no fim de 1956. Antes mesmo de ser conhecida como Cidade Livre, o primeiro nome do lugar. Não é possível dissociar a história da capital federal da do Núcleo Bandeirante. Por isso, as comemorações do aniversário da cidade se estendem por um mês.
O dia de ontem foi dedicado aos pioneiros. Até mesmo Atahualpa da Silva Prego, aquele que abriu caminhos para a vinda de Juscelino Kubitschek, esteve presente. O homem que se mudou para a região cerca de 20 dias após a primeira visita do ex-presidente veio exclusivamente para o aniversário. Hoje, ele mora no Rio de Janeiro. Era o maior especialista em asfalto da época. Chegou com a missão de construir a pista do aeroporto, para permitir as inúmeras vindas da comitiva presidencial e os responsáveis pela construção da cidade. Um dos primeiros a encher os sapatos de terra, ele conta que chegou a passar fome, por falta de alimentos na região.
Silva Prego participou do Chá da Memória, que reuniu vários pioneiros, por iniciativa do Arquivo Público do DF, em parceria com a administração regional. Para resgate da história local, a ideia é reconhecer as imagens do arquivo. "Trouxemos várias fotos e reunimos as pessoas para que elas se vejam nas imagens e contem os "causos" por trás delas. Aproveitamos e homenageamos essas pessoas", explica o superintendente do Arquivo Público, Gustavo Chauvet.
Histórias não faltam. "Se eu for contar tudo que eu sei daqui, você pode trazer mais 10 bloquinhos desses", aconselha João Cândido da Silva, 70 anos. Ele conta que mora no mesmo local desde 1960. "No mesmo lugar em que cheguei, fiquei." João Cândido veio, assim como tantos outros, procurar um emprego melhor. Na época, segundo ele, a cada dia a população da cidade aumentava em 20 a 60 pessoas, que desembarcavam dos ônibus vindos de várias regiões do país.

Presentes
Após a solenidade em homenagem aos pioneiros, os presentes cortaram o bolo de aniversário, na Praça do Padre Roque, na 3ª Avenida. Papai Noel também chegou e distribuiu presentes aos moradores mais jovens. A cada fim de semana, um evento lembrou a data. Algumas obras também foram inauguradas.
O administrador Elias Dias explica que as comemorações refletem a alegria das pessoas por morarem na cidade. "É uma honra participar dessa festa. A cidade merece, porque é um lugar onde você sai na rua e conhece os outros pelo nome. Isso é qualidade de vida", afirma. Ele mesmo nasceu e cresceu no Núcleo Bandeirante, e sempre recorda as histórias do avô, pioneiro.
Por esse ar interiorano e pela possibilidade de encontrar empregos melhores no DF, Márcia Miranda, 25 anos, deixou Tocantins com o marido e fincou raízes na cidade. O casal já tem um filho brasiliense, Victor, 4 anos, e outros parentes, instalados na vizinhança. "O lugar é calmo, tranquilo, bom pra criar meu filho, bem seguro", enumera a dona de casa. Victor entrou na fila para ganhar um presente do Papai Noel e tirar uma foto com ele. A família aproveitou bem o dia de festa e, antes de voltar para casa, Márcia comentou: "Não penso em ir embora não. Gosto muito daqui".

Saiba mais
Antes, área rural

O local em que foi implantada a cidade, fora do perímetro do Plano Piloto, pertencia às fazendas goianas Bananal, Vicente Pires e Gama. O loteamento estava destinado a ter uso exclusivamente comercial e, por esse motivo, não eram concedidos alvarás para residências. Sua existência estaria limitada ao período da construção de Brasília (1956-1960). Os lotes foram cedidos sem a escritura definitiva e deveriam ser devolvidos à Novacap no fim de 1959. A fim de incentivar a vinda de comerciantes para a região, a localidade também estava livre do pagamento de impostos. Daí a origem do nome Cidade Livre. Com a aproximação da inauguração de Brasília, em abril de 1960, começaram os boatos de desmontagem da Cidade Livre. Teve início, então, um movimento de moradores que reivindicavam a fixação da cidade, contrariamente ao estipulado pela Novacap, o Movimento Pró-Fixação e Urbanização do Núcleo Bandeirante (MPFUNB).  A vitória do movimento ocorreu com a fixação da cidade, por meio da Lei nº 4.020, de 20 de junho de 1961, no Congresso Nacional.


Fábrica multada em R$ 747 mil
 Empresa foi punida por despejar produtos químicos no Córrego Riacho Fundo. Ibram indeferiu o recurso contra a penalidade. Moradores da Granja Modelo garantem que o problema existe há pelo menos cinco anos

Roberta Abreu

O Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal (Ibram), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), multou a Brasal Refrigerantes em R$ 747,8 mil por despejar produtos químicos no Córrego Riacho Fundo. O problema, detectado em setembro, afeta os moradores da Granja Modelo, área rural localizada no Riacho Fundo 1. O mau cheiro é a principal reclamação da comunidade. A Brasal entrou com um recurso contra a multa, mas a ação foi negada pelo Ibram. Segundo o instituto, ao processo ainda cabe recurso em segunda instância na secretaria.
Há pelo menos cinco anos, cerca de 70 famílias que vivem na Granja Modelo reclamam da poluição no local. Uma vala de concreto passa ao lado de casas e, segundo os moradores, despeja os resíduos no córrego. "As famílias ficam muito perto dessa vala. Todas as vezes que vamos até lá, elas se queixam do forte cheiro dos produtos químicos, de óleo diesel", diz o chefe de gabinete da Administração Regional do Riacho Fundo 1, Dalton Paranaguá. O pintor Luiz Antônio Campos, 43 anos, mora a cerca de 10m da vala, por onde passa uma forte enxurrada de cor marrom. "É uma carniça, fede o dia inteiro. Tem dia que não dá nem para dormir", reclama. O pintor é casado e tem uma filha de cinco anos. Ele contou que o odor causa dores de cabeça e enjoos na família. "Parece que os produtos ficam acumulados e eles (fábrica) soltam tudo de uma vez", suspeita. Segundo os moradores, há ocasiões em que o esgoto transforma o córrego em espuma.
O diretor de Fiscalização do Ibram, Aldo César Vieira Fernandes, confirma que as denúncias existem há alguns anos. Mas, durante as visitas dos técnicos do órgão, os lançamentos de resíduos no córrego nunca eram flagrados. "Somente este ano, pudemos comprovar", diz. Segundo ele, uma varredura com a colaboração da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) constatou o efluente industrial. "A análise comprovou que os resíduos eram típicos de refrigerante e autuamos a fábrica", explica.

Preocupação
De acordo com Aldo Fernandes, o problema foi resolvido. "Fizemos uma vistoria com técnicos da fábrica e da Caesb após a autuação e não constatamos mau cheiro no local. Entende-se que o problema foi sanado", completa. A suspeita de que outros odores sentidos pelos moradores possam ser de ligações clandestinas não está descartada. "Temos contra a Brasal apenas a comprovação do resíduo químico. Fizemos a autuação com segurança."
 Sem nenhum tipo de proteção, a vala preocupa os pais. "Não deixo minhas filhas chegarem perto. Se cair alguém ali, já era. A força da água é muito forte. Com a chuva, ela já transbordou", conta Cosmo Pereira, 33, que trabalha com serviços gerais. Ele mora na área há 10 anos e afirma que o mau cheiro sempre existiu. "Parece óleo queimado, esgoto", avaliou. Segundo ele, reclamar não adianta. "A gente não resolve isso. Já passamos para a administração, que foi até lá. Tomara que resolvam logo."
Para o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Brandão, a atitude da empresa em recorrer à da penalidade surpreende. "A fábrica tem um discurso socioambiental. Eles tiveram uma atuação proativa para resolver a questão. Não pensávamos que recorreriam." Segundo ele, a questão das multas ambientais pode se arrastar por muito tempo. "O ideal é que a empresa faça benefícios no local como um tipo de compensação. Gostaríamos muito que, se foi um acidente, além de reparar, ajudem a corrigir os danos causados", avaliou.
Em nota, a Brasal Refrigerantes, que tem sede em Taguatinga, esclareceu que o vazamento foi causado por uma rachadura em uma manilha subterrânea da empresa. Segundo a Brasal, o problema foi identificado e a rede reparada. A empresa afirmou ainda que não há ligação clandestina na rede e que a manilha que compõe o sistema de ligação da rede pluvial da empresa à rede pública é devidamente autorizada, antes mesmo da instalação da fábrica no local. A Brasal informou também que ainda não foi notificada sobre o indeferimento do recurso que apresentou contra a multa.


CIÊNCIAS
Preservação de células contra o câncer

Cientistas norte-americanos conseguem manter tumores vivos em laboratório e planejam usá-los para testar medicamentos antes de aplicá-los nos pacientes. A técnica promete revolucionar o tratamento da doençaNotíciaGráfico
Pesquisadores norte-americanos anunciaram ontem os resultados de um estudo que pode levar a uma transformação no tratamento do câncer. Pela primeira vez, foi possível manter células cancerígenas vivas em laboratório, anunciou ontem uma equipe do Georgetown Lombardi Comprehensive Cancer Center, nos Estados Unidos.
Até então, a comunidade científica era incapaz de fazer com que células cancerígenas se desenvolvessem por muito tempo em condições semelhantes ao corpo humano. Por isso, havia necessidade de utilizar tecidos de biópsia congelados para fazer o diagnóstico e recomendar um tratamento.
Com a nova técnica, aumenta a esperança de que algum dia os cientistas consigam experimentar remédios em laboratório para matar o câncer nas células cancerígenas de uma pessoa antes de oferecer ao paciente a terapia. Essa possibilidade faria com que os tratamentos fossem muito mais eficazes. "Isso será o máximo para a medicina personalizada", afirma o principal autor da pesquisa, Richard Schlegel, presidente do departamento de patologia da instituição onde foi feita a pesquisa.
"Os tratamentos serão específicos para seus tecidos. Obteremos tecido normal e cancerígeno de um paciente em particular e selecionaríamos a terapia específica", afirmou Schlegel à agência France-Presse. "Estamos realmente emocionados com as possibilidades do que poderemos fazer com isso", acrescentou.

Fim da especulação
O método, descrito na edição on-line da revista científica American Journal of Pathology, parte de um simples método utilizado na pesquisa com células-tronco, de acordo com os especialistas. Utilizando essa técnica, que combina células alimentadoras de fibroblasto para manter o tumor vivo e inibidores Rho-quinasa (ROCK) para permitir que se reproduzam, mantiveram-se vivos diversos tipos de cânceres de pulmão, mama, próstata e cólon por um período de dois anos.

Quando tratadas, tanto as células normais quanto as células cancerígenas voltaram a um estado de "células-tronco", informou Shlegel. Isso permitiu aos pesquisadores comparar diretamente as células vivas, pela primeira vez.
Os dois elementos haviam sido previamente separados em pesquisas com células-tronco, de acordo com David Rimm, professor de patologia da Universidade de Yale, que escreveu um comentário que acompanha o artigo. Rimm alertou que é necessário demonstrar o processo para que outros laboratórios possam reproduzir os resultados e que as tentativas de usar diferentes terapias que matam as células cancerosas deixaram de ser "apenas especulação". O câncer é a principal causa de morte no mundo e responsável pelo falecimento de 7,6 milhões de pessoas em 2008, segundo os últimos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Reprodução
Se outros cientistas puderem reproduzir as experiências — já existem três laboratórios nos Estados Unidos realizando experimentos —, o avanço poderá ser o prenúncio de uma transformação há muito esperada na maneira como as células cancerígenas são estudadas.
O estudo foi publicado depois de dois anos de pesquisa em colaboração com cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e foi financiado pelo Departamento de Defesa da Universidade de Georgetown e pelo Instituto Nacional do Câncer.
"Um tumor de um paciente é diferente do câncer de outro paciente e essa é uma razão importante falada por tantos ensaios clínicos", disse Marc Symons, cientista no Centro da Oncologia e de Biologia das Células no Instituto Feinstein de Investigação Médica de Manhasset, em Nova York. "Acredito que é justo dizer que revoluciona a forma como pensamos os tratamentos de câncer", acrescentou Symons, que não participou da pesquisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário